Salazar, O Estádio Nacional e o Desporto no Estado Novo Português

15/05/2023

por Maurício Drumond

O Primeiro desportista de Portugal – é Salazar. […] O chefe de uma nação é geralmente um atleta – porque para resolver os problemas que se lhe deparam tem de o ser. A firmeza de espírito, a decisão, a ponderação, o cálculo, a visão, o aprumo, o espírito de luta, a simplicidade – todos os predicados que se reconhecem e se aplaudam em Salazar, são predicados de um atleta. Para conduzir a nau, que é um país, nos mares revoltos, sob os céus toldados de tempestades, é preciso ser forte e ser um atleta. Não só os músculos definem o atleta: também e talvez mais ainda, o espírito, o cérebro e o coração. Por isso se pode dizer – se deve dizer – que Salazar é o primeiro desportista de Portugal.
Alberto Freitas, Os Sports, 12 jun. 1944, p. 6-7

            Sob um primeiro olhar, Alberto Freitas, redator do jornal Os sports, na epígrafe acima, utiliza-se de grande liberdade poética e retórica jornalística para associar Oliveira Salazar ao fenômeno esportivo. O momento é a inauguração do Estádio Nacional, em 10 de junho de 1944, e a comunidade desportiva portuguesa celebra o Estado Novo, a ditadura de Salazar, e sua relação com o esporte. Com uma imagem nada afeita ao movimento esportivo ou às questões do corpo de maneira mais geral, Salazar é retratado como o maior benfeitor do movimento desportivo nacional.

Oliveira Salazar governou Portugal com mão de ferro por mais de três décadas. Sua liderança autoritária, exercida através do regime do Estado Novo, trouxe consigo um período de opressão política e limitação das liberdades civis. Durante seu governo, Salazar centralizou o poder, estabeleceu um forte controle sobre a imprensa e a oposição política, além de adotar uma política econômica intervencionista. O legado de Salazar continua sendo objeto de estudos e discussões sobre a história política e social de Portugal.

Apesar da aparência de initmidade de Salazar com o esporte, descrita por Alberto Freitas na epígrafe acima, a realidade era bem diferente. O ditador português demonstrava um honesto desinteresse perante o tema – o qual o próprio Salazar reconhecera em discurso proferido em 1933, no qual afirmou ser “pessoalmente estranho a todas as organizações do género [desportivo]” (SALAZAR, 1935, p. 268). Professor catedrático de Coimbra, visto como grande guia da nação, o presidente do Conselho de Ministros era percebido como um homem ligado ao intelecto, opondo-se às questões do corpo. Sua figura personificava um tipo característico de homem português que se buscava forjar em no Estado Novo português: um cristão devoto, filho de camponeses, simples e trabalhador. Não era visto como um homem próximo ao povo, mas como um pai austero, rígido e disciplinador, que cuidaria do futuro de sua família, a nação.

Assim, podemos nos perguntar: por que o jornalista se esforçou tanto, com tal contorcionismo de argumentos e malabarismo de palavras, para colocar Salazar como o “Primeiro desportista” de Portugal? Afinal, circunspecto e reservado, o ditador mantinha uma imagem de contraste com o ideal desportivo. Além das evidentes vantagens da alusão a Salazar, especialmente por parte de um periódico integrante da engrenagem de propaganda do regime – Os Sports era um periódico trissemanal dirigido que pertencia à empresa proprietária do jornal Diário de Notícias, jornal oficioso do governo, é preciso colocar o momento de publicação da matéria em perspectiva. O artigo, intitulado “Dezenas de milhares de portugueses envolveram a inauguração do Estádio Nacional numa atmosfera de apoteose à Cultura Física e ao Desporto” foi publicado em 1944, celebrando a inauguração da maior obra esportiva da História de Portugal até aquele momento, o Estádio Nacional. Celebrava-se assim a realização de uma velha e reiterada demanda dos agentes do campo esportivo lusitano, uma que havia sido prometida por Salazar em 1933, no início de seu regime, naquele que se tornou um dos principais momentos da formação do ideário esportivo estadonovista, o “Congresso de Clubes Desportivos”.

O Congresso de Clubes Desportivos

Realizado entre 26 de novembro e 3 de dezembro de 1933, o evento foi organizado por Raul de Oliveira, diretor de Os Sports, e reuniu as principais lideranças desportivas portuguesas, entre dirigentes e jornalistas. Em uma das primeiras, e mais bem sucedida, iniciativa de organização do campo esportivo português, o evento era comumente referido como “I Congresso de Clubes Desportivos”, assumindo a prerrogativa que outros congressos regulares se seguiriam a ele, o que acabou não ocorrendo. Seus participantes apresentaram teses ao público presente, muitas das quais foram posteriormente publicadas e estão disponíveis para consulta na Biblioteca Nacional de Lisboa.

O evento deixava evidente a necessidade de se ressaltar as possíveis relações entre Estado e esporte. Os agentes do campo esportivo de Portugal estavam produzindo cartas abertas com um programa que atrelava um projeto de desenvolvimento do desporto nacional que se demonstrava em consonância com as propostas do regime. O esforço pode ser facilmente observado no título de algumas das teses apresentadas, como “Auxílio do Estado às organizações desportivas – Criação de parques desportivos municipais e nacionais”; “A entidade superior da organização desportiva e as suas relações com o Estado”; ou mesmo “Isenção de direitos sobre os artigos de desporto destinados aos clubs coloniais”. Através das relações do Estado com as organizações desportivas, seja através de auxílio financeiro ou isenção fiscal, visava-se sua utilização como meio de controle e doutrinação, em Portugal e nas colônias.

            Em seu discurso na cerimônia inaugural, transcrito pelo Diário de Notícias, Raul de Oliveira menciona diretamente a importância que o esporte teria para o novo projeto de nação que se implementava com Salazar:

O sr. Ministro da Instrução tem que velar pela educação do povo. Para isso, precisa de escolas, mas precisa, também, de estádios, piscinas, e ginásios. Porque no dia em que Portugal tivesse uma população média de sábios e uma minoria de homens válidos para a luta em campo raso, a Pátria estaria irremissivelmente perdida.
O sr. Ministro da Guerra, a quem está confiada a missão sacrossanta de defender a Pátria, precisa de homens fortes, sãos, destros, acostumados a luta, apetrechados da coragem que só a consciência na própria força pode dar. Esses homens encontrá-los-á nas fileiras desportivas.
O sr. diretor do Secretariado de Propaganda Nacional tem a seu cargo a propaganda do País e a valorização de todas as iniciativas, dentro e fora das fronteiras, e o desporto nacional constitui uma força de propaganda capaz de atingir os mais latos objetivos.
Ao sr. Presidente da República, Chefe de Estado, supremo magistrado da Nação, interessa que o Povo seja forte, para que continue a cumprir a sua missão civilizadora e a afirmar a vitalidade duma raça que soube dar leis ao Mundo e que terá de marear sempre o seu lugar no concerto das nações. (Diário de Notícias, 27 nov. 1933, p. 1)

O discurso era uma interlocução direta com figuras ilustres do governo que ali se encontravam. A cerimônia inaugural do evento contou com a presença do Presidente da República, general Oscar Carmona, e com os ministros da Guerra, Luiz Alberto de Oliveira, e da Instrução Pública, Alexandre Alberto de Sousa Pinto. Apenas António Ferro, diretor do Secretariado de Propaganda Nacional não se encontrava presente, mas enviara Augusto Cunha como seu representante.

Raul de Oliveira procurava demonstrar as duas vertentes nas quais o esporte poderia ser útil na formação do Estado Novo: na formação eugênica da juventude, que criaria um povo forte e saudável, e na propaganda nacional. A questão eugênica era, por sinal, o principal argumento dos defensores de uma maior participação do governo junto ao esporte.

Raul Vieira, então presidente da Federação Portuguesa de Football Association (FPFA), em sua tese apresentada no congresso – publicada no ano seguinte – argumentava: “Toda despesa dispendida no aperfeiçoamento de sua constituição física [da nação] deve ser considerada produtiva, porque um país será tanto mais forte quanto mais robusta for a sua raça” (VIEIRA, 1934, p. 9). O discurso produzido acerca da prática desportiva buscava se referenciar na função social de preparação das gerações futuras e apontava a prática desportiva como elemento fundamental neste processo.

Com o encerramento do Congresso de Clubes Desportivos, em 1933, foi organizada uma grande parada de desportistas e ginastas que acompanhariam até o Terreiro do Paço uma comissão designada pelo evento, que levaria a Salazar as deliberações do congresso, apresentadas como sugestões e aspirações dos desportistas portugueses. Reunindo-se na praça onde era finalizada a edificação do monumento ao Marquês de Pombal, estimou-se que cerca de 4 mil pessoas, entre atletas e crianças, desceram a avenida do antigo Passeio Público, já chamada de Avenida da Liberdade, e desfilaram até a Praça do Comércio, no dia 03 de dezembro de 1933.

Salazar recebeu os representantes do congresso em seu gabinete no Ministério das Finanças. Esses, junto a todas as resoluções aprovadas no congresso, apresentavam como principal pedido, a construção de um Estádio Nacional. Ao fazê-lo, justificavam seu pedido ressaltando a importância política que ele teria para a nação:

sob o ponto de vista das relações internacionais, pelo que o desporto contribui para a aproximação entre os povos e como factor importantíssimo da propaganda de uma nação, citando-se, a exemplo o que tem feito na Checo Eslovaquia, com a obra do «Sokols», na Suecia, na Holanda, na Belgica, no Uruguai, na Italia, etc. (Diário de Notícias, 04 dez. 1933, p. 1)

Depois de escutar os delegados do congresso e de receber suas considerações em um documento oficial, Salazar se dirigiu à multidão que aguardava sua já programada resposta ao microfone na Praça do Comércio. O chefe de governo termina seu discurso com uma promessa dirigida a todos os desportistas do país: “regozijemo-nos, porque teremos em breve o Estádio Nacional!” (SALAZAR, 1935, p.271).

A Inauguração do Estádio Nacional

Onze anos depois, não tão breve quanto fora prometido por Salazar, o Estádio Nacional foi inaugurado, em uma das maiores festas oficiais realizadas no Estado Novo. É verdade que as iniciativas para a construção do estádio começaram já em 1934, em uma portaria publicada no dia 01 de março, previa-se a inauguração do Estádio Nacional como parte das festas do duplo centenário de 1940, comemoração pelos oito séculos da Fundação de Portugal e três séculos de Restauração da Independência, após a União Ibérica. A inclusão da construção do estádio em uma das maiores festas organizadas pelo regime salazarista já pode considerada como um indicador da importância simbólica do estádio e do futebol no período. No entanto, devido ao início da Segunda Guerra Mundial e à dificuldade financeira e de obtenção de materiais de construção provenientes da mesma, as obras foram iniciadas em 1938, mas se estenderam até o ano de 1944.

Na festa de inauguração do estádio, sem dúvidas a maior ode desportiva ao regime, não se pouparam louvores à Salazar e seu regime. Em plena Segunda Guerra Mundial e atravessando racionamentos e outras dificuldades dela provenientes, o governo executava uma grande cerimônia cívica para entregar o que era visto como a maior contribuição do Estado português ao esporte. E mesmo onze anos depois, sua promessa não fora esquecida – na realidade, ela era constantemente mobilizada pela imprensa desportiva.

Como sempre, a promessa cumpriu-se. (…) Dá-nos motivo de legítimo orgulho porque, uma vez completadas as obras do plano geral – o nosso Estádio será o mais completo da Europa. É sóbrio e grandioso – é, sobretudo uma realização portuguesa, com materiais portugueses, sem copiar em nada o que existe no estrangeiro. (Diário de Notícias, 09 jun. 1944, pp. 1-2)

Apesar da reportagem proclamar a execução exclusivamente nacional do estádio, uma prática discursiva que visava realçar o caráter nacionalista que o desporto mobilizava, deve-se ressaltar que o projeto teve grande contribuição de arquitetos alemães como Konrad Wiesner, assistente de Heinrich Wiepking, que havia trabalhado no projeto do Estádio Olímpico de Berlim. Carl Diem, um dos principais organizadores das Olimpíadas de Berlim de 1936, também teria dado conselhos ao projeto.

Como sempre, a promessa cumpriu-se. (…) Dá-nos motivo de legítimo orgulho porque, uma vez completadas as obras do plano geral – o nosso Estádio será o mais completo da Europa. É sóbrio e grandioso – é, sobretudo uma realização portuguesa, com materiais portugueses, sem copiar em nada o que existe no estrangeiro. (Diário de Notícias, 09 jun. 1944, pp. 1-2)

            A festa do esporte tornou-se assim uma festa de Portugal. A grandiosidade do evento pode ser vista pelos números que envolveram sua preparação. O Grêmio dos Industriais de Transportes em Automóveis, um dos diversos responsáveis pelos transportes exclusivos para o evento, expôs em seu relatório que utilizara 101 ônibus e 161 taxis para transportar 23.517 pessoas do público presente, além de 112 ônibus para o transporte de 15.136 atletas no dia do evento, contando, além disso, com 3 estacionamentos para carros particulares. O estádio, que ficou lotado, podia receber cerca de 50.000 espectadores, mas a estimativa oficial era a de que a presença de pessoas, entre público e atletas, fosse em torno de 60.000 pessoas. Vale ainda ressaltar que a população do concelho de Lisboa, de acordo com o censo de 1940, era de 702.409 pessoas. Ou seja, o equivalente a pouco menos de 10% de toda a população de Lisboa estava presente no evento, considerando-se o público e os atletas envolvidos.

As ruas nos arredores do estádio, entre o Cais do Sodré e a Cruz Quebrada, foram interditadas das 13:45 às 16:30 e das 18:45 às 22:15, com tráfico restrito a transportes autorizados pela organização do evento, e os estabelecimentos de comércio e indústria de Lisboa se encerraram excepcionalmente às 13:00. A Mocidade Portuguesa comunicou a seus filiados que iriam se apresentar no evento que estes deveriam se retirar do estádio “imediatamente após o ato inaugural”, para que retornassem para suas casas, devido ao grande número de pessoas que transitaria pelo local após o jogo de futebol. Os ingressos postos à venda para o público se esgotaram no primeiro dia de venda, e a procura por ingressos por parte de autoridades e outros órgão do governo levaram António Eça de Queirós, sub-diretor do Secretariado e responsável pela distribuição dos bilhetes de cortesia, a comentar: “É evidente que no enorme, direi mesmo, no prodigioso assalto que me foi feito e aos meus serviços para serem dados convites  me vi em muitos sérios embaraços para que o meu duro e delicado trabalho não fôsse desiquilibrado por completo” (Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa. Fundo SNI, cx. 5240).

O evento tornara-se maior do que o esporte, tornara-se um símbolo de Portugal sob a égide de Salazar, que conduzia a nação em paz, em meio à guerra que assolava a Europa. Esse caráter fica evidente no discurso que António Ferro, homem forte da propaganda salazarista, pronunciara pelo rádio, através dos microfones da Emissora Nacional, afirmando que “a inauguração do Estádio ultrapassa os limites de uma simples festa desportiva, para atingir um significado mais alto e mais vivido”, e que “A festa da inauguração do Estádio não é apenas, portanto, a grande festa do esporte nacional, mas acima de tudo, a apoteose de Portugal Novo, a confiança no dia de hoje e a certeza do dia de amanhã” (Diário da Manhã, 11 jun. 1944, p. 6.). De fato, a festa de inauguração foi uma grande parada cívica a celebrar o regime e uma imagem de auspicioso futuro do país sobre o comando de Salazar.

Contando com a presença de Salazar e Carmona no estádio, a festa se iniciou com desfile ginástico da Mocidade Portuguesa, no qual milhares de jovens saudaram as autoridades de braço ao alto e depois realizam demonstrações de exercícios atléticos. Seguiu-se a isso a disputa de corridas de 100 e 800 metros entre atletas federados a clubes da capital, ambas vencidas por representantes do Sporting Club de Portugal. Inicia-se então um desfile de moças da FNAT e na sequência um com atletas das diversas modalidades dos clubes da capital e adjacências. Estavam presentes atletas de hipismo, com suas casacas vermelhas, calções brancos e altas botas negras, de tiro, com suas armas debaixo do braço, de esgrima, de sabres em punho, assim como de futebol, tênis, remo, natação, automobilismo, vela, atletismo, rúgbi e outros mais, todos uniformizados de acordo com a prática do seu esporte.

Depois dos desfiles, um atleta leu ao microfone uma mensagem para os chefes de Estado e de Governo. O agradecimento a Salazar mostra tom eufórico e hiperbólico.

SALAZAR! Devemos-te a esperança! Devemos-te a paz! Devemos-te o presente!
Mas a partir de hoje a nossa dívida tornou-se ainda maior:
Devemos-te a certeza! Devemos-te a alegria! Devemos-te o futuro!
Em nome de todos nós! Em nome de todos aqueles que hão de vir depois de nós, mais fortes e mais saudáveis! Bem hajas, Salazar, por teres cumprido a tua promessa!
Obrigado pelos séculos fora! Obrigado para sempre!
(Diário de Notícias, 11 jun. 1944, p. 1)

O Estádio Nacional aparecia assim como uma das maiores realizações do Estado Novo até então e Salazar era retratado como seu idealizador e executor. Sua promessa feita onze anos antes era agora cumprida em pleno período de guerra, da qual dizia-se que Portugal escapara devido a Salazar. Chegou-se mesmo a cogitar, por parte da imprensa e de alguns nomes ligados ao esporte, que o estádio recebesse o nome do ditador.

Conclusão

Voltamos assim à epígrafe da Alberto Freitas, que iniciou este artigo. Como mais uma ode à Salazar, no contexto da inauguração do Estádio Nacional, o jornalista  buscava associar o governante à prática esportiva, ainda que não tivesse meios concretos para fazê-lo. Ao afirmar que “Não só os músculos definem o atleta”, o redator esforçava-se para traçar paralelos entre Salazar e o fenômeno esportivo. Mesmo com o distanciamento real entre homem e prática, o esporte pôde ser observado em esporádicos momentos junto à propaganda nacional, como no caso da inauguração do Estádio Nacional. Sua edificação em tempos de guerra foi uma marca não só a capacidade edificadora do regime, mas também de uma ligação simbólica entre Estado, esportes e capacidade física de seus cidadãos. O discurso produzido em torno do evento, da promessa cumprida de Salazar e de sua suposta ligação com o desporto, era utilizado tanto pelo regime como pelo campo desportivo. O Estado se utilizava do esporte, assim como os agentes do campo esportivo se beneficiavam das iniciativas oficiais.

Referências:

SALAZAR, Oliveira.  Discursos: 1928-1934. Coimbra: Coimbra Editora, 1935.

VIEIRA, Raul. A difusão do desporto: meios eficientes para obtê-la em todo o país. Lisboa: [s.n.], 1934.


As “Seleções de Ouro” e a Literatura de Cordel – Quando duas artes populares se encontram

08/05/2023

Elcio Loureiro Cornelsen

Introdução – o encontro de duas artes populares

É de conhecimento geral que a Literatura de Cordel, sem dúvida uma das manifestações populares mais significativas da cultura brasileira, muito bem definida por Rosilene Alves de Melo (2019, p. 245) como “uma expressão da voz popular, da memória e da identidade nacional”, não ficou alheia à popularização do futebol no Brasil, sobretudo a partir da década de 1930.

Em pesquisa concluída recentemente, fizemos um mapeamento de 160 títulos em diversos acervos e publicações. De acordo com nosso inventário, as primeiras publicações datam das décadas de 1950 e 1960: Duelo Vasco x Flamengo: drama, comédia, futebol: história popular dedicada aos seus fãs e torcedores (Nilópolis, RJ: Gráfica Universal, 1954), de Pedro Ferreira dos Santos, A vitória do Brasil (sem local: sem editora, 195-), de João Severo de Lima, Copa do Mundo: 1962 (Nova Cruz, RN: Lux, 1962), de Raul de Carvalho, O Brasil na Copa do Mundo (sem local: sem editora, 1962), de Cuíca de Santo Amaro, e Peleja de Garrincha com Pelé (São Paulo: Prelúdio, 1965), de Antônio Teodoro dos Santos. Não obstante o fato de que este conjunto inicial de obras seja lacunar, já nos é possível identificar alguns temas: a rivalidade clubística entre o Clube de Regatas Vasco da Gama e o Flamengo de Futebol e Regatas já nos anos 1950; o interesse pelos craques da época; a participação da Seleção Brasileira nas Copas do Mundo de 1958 e 1962.

Todavia, foi na década de 1970 que se publicou o maior número de folhetos de cordel com o tema do futebol, em um total de 42 títulos inventariados. O tema que mais mobilizou cordelistas a escreverem seus folhetos de futebol nessa década, sem dúvida, foi a conquista do tricampeonato mundial pela Seleção Brasileira na Copa do México, em 1970. Ao todo, foram identificados em nosso inventário 14 folhetos com esse tema: Brasil tricampeão de futebol: história em versos dos três campeonatos (São Paulo: Prelúdio, 197-) e Brasil tricampeão do mundo (Aracaju, SE: Ed. do Autor, 1970), ambos de Manoel d’Almeida Filho; O Brasil tricampeão (sem local: A Voz da Poesia, 1970), de Mestre Azulão [nome artístico de José João dos Santos); Brasil 4×1 tricampeão mundial (Bezerros, PE: Ed. do Autor, 1970), de José Francisco Borges, Versos sobre as vitórias da Seleção Brasileira e a cheia de 70 (Recife, PE: Ed. do Autor, 1970), de Manoel Florentino Duarte; Romance da Copa de 70 (Gurupi, TO: Gráfica São Geraldo, 197-), de Napoleão Gomes Ferreira; A nossa Copa do Mundo 70 (Brasília, DF: Ed. do Autor, 1975), de Carolino Leóbas; Brasil 1958-1962-1970: tricampeão do mundo 4×1: campeão dos campeões (Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 1970), de Palito; A vitória do Brasil: a Seleção Brasileira: o Brasil é Tricampeão (Campina Grande, PB: Ed. do Autor, 1970), de Antonio Patrício; Brasil tricampeão (Juazeiro do Norte, CE: Ed. do Autor, 197-), de Geraldo Amâncio Pereira; Brasil tricampeão: toda história da taça que é nossa pra sempre (Natal, RN: Clima, 1970), de W. Pinheiro; A vitória do Brasil na IX Copa do Mundo (sem local: Ed. do Autor, 197-), de João Severo da Silva; A Seleção Brasileira ganhou mais um canecão (4×1) (Recife, PE: Ed. do Autor, 1976) e Brasil campeão do mundo 1970: agora a taça é nossa (sem local: sem editora, 19–), ambos de José Soares.

Há décadas, alguns estudiosos da Literatura de Cordel têm afirmado que, inicialmente, o principal tema que despertou a atenção de cordelistas foram as conquistas da Seleção Brasileira. Dentre eles, figura Ivan Cavalcanti Proença, um dos pioneiros nos estudos sobre Literatura de Cordel nos anos 1970 e 1980. Na obra Futebol e palavra (1981), Proença dedica cinco preciosas páginas ao gênero cordel, como parte do capítulo intitulado “A Literatura no(do) Futebol” (PROENÇA, 1981, p. 9-51). Nas referidas páginas, descobrimos que folhetos foram publicados, pelo menos, desde a época da primeira conquista do título mundial pela Seleção Brasileira em 1958, na Suécia. De acordo com o autor,

[o]s poetas de cordel – […] – atentos ao rádio inicialmente, e às transmissões de TV, depois, registraram as façanhas de nossos jogadores: Liêdo Maranhão, folclorista de Pernambuco, coletou esse material, reunindo 18 folhetos de cordel, todos a partir do tema “O Brasil nas Copas” (matéria também publicada pelo ‘O Globo’). (PROENÇA, 1981, p. 17)

Ao todo, Ivan Cavalcanti Proença apresenta em seu livro fragmentos de oito folhetos de sete cordelistas diferentes: Francisco Ferreira de Paula, da Paraíba (Copa de 1958 e, respectivamente, Copa de 1970); José Severo de Lima, da Paraíba (Copa de 1958); Alípio Bispo dos Santos, da Bahia (Copa de 1962); Palito (Severino Marques de Souza), de Pernambuco (Copa de 1970); Manuel D’Almeida Filho, de Sergipe (Copa de 1970), Minelvino Francisco Silva, da Bahia (Copa de 1970); José Maria Rodrigues, do Rio de Janeiro (Copa de 1978). Em um estudo recente, a historiadora britânica Courtney Campbell indica outros dois folhetos de autoria de José Gomes e, respectivamente, de Manuel D’Almeida Filho, publicados no contexto do Mundial de 1958, disputado na Suécia:

A maior parte da literatura de cordel com tema de futebol narra um torneio vitorioso da Copa do Mundo ou sua partida final. ‘O Brasil na Copa do Mundo’ e ‘A vitória do Brasil na VI Copa do Mundo’, por exemplo, relatam cada partida, elogiam os jogadores e o técnico e afirmam que a conquista do Brasil na Copa de 1958 foi uma das maiores glórias do Brasil (Gomes, 1958; D’Almeida Filho, 1958). A rara menção de regiões evoca um sentimento de unidade nacional ao invés de divisão.[1] (CAMPBELL, 2019, p. 735; tradução nossa)

Outro pesquisador que menciona a presença do futebol como tema em folhetos de cordel é Raymond Cantel, ao afirmar que “[o] futebol é o único esporte que chama a atenção dos poetas do ‘cordel’ e apenas em ocasiões especiais, quando a Seleção Brasileira vence o campeonato mundial, por exemplo, quando aparecem numerosos folhetos fazendo vibrar os acordes patrióticos” (CANTEL, 1993, p. 73; tradução nossa).[2] Segundo o pesquisador francês, “[g]eralmente, são composições medíocres inspiradas em jornais. O mundo dos poetas de cordel quase não tem relação direta com o das grandes equipes internacionais” (CANTEL, 1993, p. 73; tradução nossa).[3]

De maneira precisa, como pudemos observar anteriormente, o escritor e jornalista Ivan Cavalcanti Proença, membro da Academia Carioca de Letras, reflete sobre o impacto que as conquistas dos três primeiros campeonatos mundiais tiveram sobre os cordelistas, a ponto de se tornarem tema de seus folhetos. Quase quatro décadas mais tarde, de maneira semelhante, Courtney Campbell também analisa e tira suas conclusões sobre o modo como cordelistas se dedicaram a tratar das memoráveis conquistas da Seleção Brasileira em seus folhetos:

Em 1962 e 1970, ambos os anos em que o Brasil ganhou a Copa do Mundo, essa forma de cordel reaparece, mas outras características da nacionalidade brasileira começaram a surgir. W. Pinheiro, em um cordel que detalha cada partida da Copa do Mundo de 1970, explica que o Brasil deve servir de exemplo para o resto do mundo.[4] (CAMPBELL, 2019, p. 736; tradução nossa)

Aparentemente, estamos diante de uma possível chave de entrada do futebol no âmbito da produção artística de cordelistas, apontada tanto por Ivan Cavalcanti Proença, quanto por Raymond Cantel e, respectivamente, Courtney Campbell: os êxitos esportivos da Seleção Brasileira como um dos pilares para a construção da identidade nacional.

Conforme demonstraremos a seguir, se a Literatura de Cordel se origina de relatos orais com traços poéticos, em que “o folheto impresso se tornou o suporte dessa forma poética até então marcada pela oralidade”, se formando “enquanto sistema literário a partir do final do século XIX” (MELO, 2019, p. 247-248), tornando-se uma forma literária popular no Brasil, o futebol, um dos vértices da cultura brasileira, fornece à Literatura de Cordel inúmeros temas, cantados pelos cordelistas em seus longos poemas rimados.

Para este breve estudo, baseados nos apontamentos anteriores, elegemos como corpus de análise três cordéis que têm por tema Copas do Mundo de futebol, com objetivo de evidenciarmos aspectos específicos de tal relação na “era de ouro” da Seleção Brasileira: Copa do Mundo: 1962 – os Reis do Bi (1962), de Raul de Carvalho; O Brasil na Copa do Mundo (1962), de Cuíca do Santo Amaro; O Brasil tricampeão (1970), de José João dos Santos, o “Mestre Azulão”.

O folheto Copa do Mundo: 1962 – os Reis do Bi

Iniciaremos nossa análise pelo folheto Copa do Mundo: 1962 – os Reis do Bi (1962), do cordelista Raul de Carvalho, uma espécie de ode à Seleção Brasileira que conquistou o bicampeonato mundial de futebol no Chile. Em termos formais, esse folheto é composto por 95 estrofes em sextilhas, com versificação em redondilha maior, de sete sílabas poéticas, com rimas em a-b-c-b-d-b, traços característicos da Literatura de Cordel, e apresenta na capa a reprodução de uma fotografia da Seleção Brasileira. Aliás, o número elevado de estrofes (95) e de páginas (20) evidencia que estamos diante de um tipo textual “romance”, conforme postulado por Marlyse Meyer (1980, p. 3-4), e não de um tipo textual “folheto noticioso” que, em geral, possui apenas 32 estrofes e 08 páginas.

Além disso, esse folheto apresenta algo peculiar, não tão comum na Literatura de Cordel: um preâmbulo em prosa, que antecede à primeira estrofe:

A mais emocionante e sensacional campanha de atração futebolística da atualidade, aonde os brasileiros consagraram-se Bi-Campeões mundial de futebol, dominando e envolvendo de maneira espetacular, seus bravos e lutadores adversários.            

Onde tiveram a magnifica oportunidade de ofertarem ao público mundial, e com especialidade ao distinto povo brasileiro a hegemonia com a verdadeira classe e técnica do futebol Nacional. (CARVALHO, 1962, p. 1)

Além do tom superlativo evocado pela conquista, o cordelista apresenta o escrete como hegemônico em relação aos “seus bravos e lutadores adversários”, estabelecendo “a verdadeira classe e técnica do futebol Nacional”. Em sequência ao preâmbulo, o poeta constrói seu ethos de religiosidade e fé, antes de cantar em seus versos o torneio propriamente dito:

Ó meu “Jesus radiante”

dai-me luz e inspiração

para eu descrever em verso

com a maior sensação

como foi que os brasileiros

ganharam o Bi-Campeão.

(CARVALHO, 1962, p. 1)[5]

Trata-se de algo relativamente comum em folhetos desse tipo, em que a fé também é um elemento emocional do próprio torcer pelo escrete canarinho. Logo em seguida, o poeta enaltece em seus versos mais uma conquista da Seleção Brasileira, como continuidade do triunfo celebrado na Suécia, em 1958:

No ano cincoenta e oito

o Brasil foi “Campeão”

jogaram lá na Suécia

com o (mesmo) no coração

este ano lá no Chile

ganharam o Bi-Campeão.

(CARVALHO, 1962, p. 1)

Seus versos revelam também que o poeta associa o desempenho da Seleção Brasileira ao sentimento de identidade nacional, algo que, de fato, se estabeleceu em termos de representatividade esportiva e que se consolidou com a conquista do tricampeonato no México, em 1970, mas que já se evidenciava no folheto do início da década de 1960:

O Brasil tem uma equipe

que luta com heroísmo

sabendo se conduzir

pelo seu patriotismo

demonstrando disciplina

categoria e civismo.

CARVALHO, 1962, p. 2)

Desse modo, a Seleção é definida nesses versos por suas supostas virtudes: “heroísmo”, “patriotismo”, “disciplina”, “categoria” e “civismo”. E o poeta não deixa de destacar em seus versos também sua cor de camisa característica, idealizada por Aldyr Garcia Schlee em 1953, que a tornaria famosa mundo afora:

A equipe do Brasil

conhecida por Canarinho

lutou e ganhou o título

que estava em seu caminho

de volta foi recebida

com muito amôr e carinho.

(CARVALHO, 1962, p. 2)

Cabe ressaltar que foi o primeiro título conquistado pela Seleção jogando na final do torneio com a camisa canarinho, uma vez que, em 1958, os anfitriões suecos também jogavam com camisa amarela, o que gerou a necessidade de a CBD lançar mão da camisa azul na final. No referido folheto, o poeta também expressa seu desejo de fazer jus ao desempenho da Seleção na Copa do Chile, contando a saga que a levou a mais uma conquista mundial:

Falando sôbre o Brasil

eu quero então relatar

bem minuciosamente

sem cousa alguma aumentar

como portou-se este team

e como soube lutar

(CARVALHO, 1962, p. 3)

Cada jogador daquela Seleção foi agraciado pelos versos do poeta: o goleiro Gilmar, Mauro, Djalma Santos, Nilton Santos, Zózimo, Zito, Didi, Garrincha, Vavá, Amarildo, que substituiu Pelé lesionado após a primeira partida, e Zagalo. Mas é Garrincha aquele que se sobressai em seus versos:

Garrincha é o maior

de todos os mundiais

envolveu todas as defesas

com seus “DRIBLES” infernais

deixando desnorteados

de um a um seus rivais.

(CARVALHO, 1962, p. 19)

O folheto do poeta potiguar Raul de Carvalho, portanto, se enquadra no eixo temático “acontecimento de repercussão social”, conforme classificação proposta por Maria Elisabeth de Albuquerque (2011, p. 63), pautado por um tipo textual “romance” (MEYER, 1980, p. 3-4), em que os feitos da Seleção Brasileira nos gramados chilenos é cantado com traços épicos, jogo a jogo.

O folheto O Brasil na Copa do Mundo (1962)

Outro folheto dedicado à Seleção Brasileira e a um momento muito especial em sua história, o da conquista do bicampeonato mundial, é O Brasil na Copa do Mundo (1962), do cordelista Cuíca de Santo Amaro, apelido do poeta soteropolitano José Gomes Filho, autor de inúmeros folhetos publicados dos anos 1930 a meados dos anos 1960. Antes da estampa de seu nome na capa, figurava também a expressão “Autoria D’ele o Tal!”

Como é comum em folhetos de cordel, a capa é composta por imagem de xilogravura ou por reprodução fotográfica. No caso do folheto O Brasil na Copa do Mundo, publicado em 1962, figura uma fotografia da Seleção Brasileira que conquistou o Mundial naquele ano, no Chile. Logo na primeira estrofe, é possível notar que o folheto foi publicado após a conquista do título de bicampeão:

O Brasil conservou

Bem alto o seu pedestal

Honrou o seu grande nome

Impoz a sua moral

Demonstrando ser mesmo

O Campeão Mundial

(CUÍCA DE SANTO AMARO, 1962, p. 1)

Em sua composição o folheto O Brasil na Copa do Mundo apresenta um total de 32 estrofes, com estrofação em sextilhas e versificação em redondilha maior, ou seja, em sete sílabas poéticas, com rimas em a-b-c-b-d-b, composição típica do gênero cordel. Os totais de estrofes (32) e, respectivamente, de páginas (08) demonstram que se trata do tipo textual “folheto noticioso” (MEYER, 1980, p. 3-4). Certo tom de religiosidade também se expressa nos versos de Cuíca de Santo Amaro ao decantar a façanha brasileira no Mundial do Chile, naquela máxima popular de que “Deus é brasileiro”:

Porque no Brasil

Onde Cristo foi nascer

Tinha de progredir

Havia de crescer

Portanto o Brasil

Só tinha que vencer

(CUÍCA DE SANTO AMARO, 1962, p. 1)

Estudiosos do cordel apontam para o fato de que um dos temas preferidos dos poetas populares são os acontecimentos de grande projeção no cotidiano: fatos políticos, crimes, escândalos, tragédias, mas também eventos esportivos, sobretudo quando envolvem a participação da Seleção Brasileira em torneios mundiais. Ao perceber o potencial de tais eventos para atrair o público leitor de seus folhetos, Cuíca de Santo Amaro foi um pioneiro em produzir, com seus versos, uma ode laudatória àquela Seleção comandada pelo técnico Aymoré Moreira:

Parabéns ao Aimoré Moreira

O príncipe dos treinadores

Pelo estímulo e confiança

Aos nossos jogadores

Quem envia-lhes parabéns

É o decano dos Trovadores

(CUÍCA DE SANTO AMARO, 1962, p. 8)

E com a ausência do Rei Pelé, lesionado logo no segundo jogo do torneio, contra a seleção da Tchecoslováquia, sendo substituído por Amarildo, o “Possesso”, o maior destaque dentre os titulares do selecionado canarinho ficou para Mané Garrincha, conforme demonstram os seguintes versos do poeta popular:

Sim!… o Garrincha

Jogador fenomenal

Seu Mané das pernas tortas

Como ele não tem igual

Infeliz se não fosse ele

Do quadro Nacional

(CUÍCA DE SANTO AMARO, 1962, p. 6)

Para o cordelista, foi algo digno de se registrar na memória dos brasileiros:

O feito do Brasil

Nesta sua trajetória

Jamais Brasileiros!…

Sairá da nossa memória

Ficando também gravado

Nas páginas da nossa história

(CUÍCA DE SANTO AMARO, 1962, p. 8)

Por fim, ressalta-se que, não obstante o tom épico da vitória, o poeta se limita apenas a dedicar estrofes a apenas uma partida do torneio, justamente a final, disputada em 17 de junho de 1962 contra a seleção da Tchecoslováquia, derrotada pela Seleção Brasileira, pelo placar de 3×1, com gols de Amarildo, Zito e Vavá.

O folheto O Brasil tricampeão

Como terceira obra exemplar que compõe nosso corpus de análise, selecionamos o folheto O Brasil tricampeão (1970), do cordelista paraibano José João dos Santos, o “Mestre Azulão”, que se tornaria um dos fundadores da famosa Feira de São Cristóvão, centro da cultura nordestina no Rio de Janeiro. Em sua capa, o folheto apresenta uma fotografia em que aparecem o treinador da Seleção Zagallo e o capitão Carlos Alberto, trajados com ternos contendo o distintivo da CBD – a Confederação Brasileira de Desportos – e segurando a taça Jules Rimet, conquistada definitivamente no Mundial do México em 1970. Provavelmente, trata-se de reprodução de uma fotografia tirada durante a visita dos integrantes da Seleção e da Comissão Técnica à capital federal e aos detentores do poder em seu regresso ao Brasil. Não é por acaso que, logo na primeira estrofe, o tom ufanista se faz presente:

Desportista brasileiro

De conhecimento profundo,

Vibrai com patriotismo,

Hora, minuto e segundo,

O Brasil trouxe com glória

Os triunfos da vitória

Na grande Copa do Mundo.

(SANTOS, 1970, p. 1)

O folheto O Brasil tricampeão apresenta a composição típica desse gênero literário, ou seja, 32 estrofes, com estrofação em septilhas e versificação em redondilha maior, em sete sílabas poéticas, com rimas em a-b-c-b-d-d-b. Outra estrofe desse folheto parece reverberar um dos versos do jingle daquela Copa, “Pra frente, Brasil!”, de autoria de Miguel Gustavo:

Salve o Brasil verde-louro,

Salve a nossa seleção,

Pelé, Jair, Rivelino,

Gérson, Clodô e Tostão,

Que mostraram a nossa raça

Trazendo a glória e a Taça

Ao Brasil tri campeão.

(SANTOS, 1970, p. 1)

O folheto traz também como registro uma estrofe que transmite certo olhar crítico para o treinador e jornalista esportivo João Saldanha, demitido do cargo em 17 de março de 1970 e substituído por Zagallo, afastado de sua função por divergências políticas e pela inferência dos detentores do poder na Seleção Brasileira:

João Saldanha se enganou

Com seu plano e sua lei

Depois da grande vitória

Êle disse assim que eu sei

(Esta me serviu de escola

O nosso Pelé na bola

Me mostrou que ainda é rei).

(SANTOS, 1970, p. 2)

Não falta também nesse folheto uma estrofe que expresse a imensa alegria da torcida brasileira após a conquista do tri:

O Brasil vibrou em festa

Da cidade até a roça

Foguetes, bandas de música,

Com bebida e farra grossa,

Blocos nas ruas pulando

E torcedores gritando,

Viva a Deus que a Copa é nossa.

(SANTOS, 1970, p. 5)

Ao final, o poeta enaltece o futebol como sendo a manifestação cultural e esportiva em que o congraçamento, aparentemente, supera a diferença social:

Assim foi a grande festa

Zuando num tom profundo

Unindo ricos e pobres,

Leigo, justo e vagabundo,

Aclamando êste é Brasil

O tri campeão do mundo.

(SANTOS, 1970, p. 8)

Em O Brasil tricampeão, o cordelista dedica uma estrofe a cada partida disputada e vencida pelos comandados de Zagallo. O número de estrofes (32) e, respectivamente, de páginas (08) demonstra que se trata do tipo textual “folheto noticioso” (MEYER, 1980, p. 3-4), em que o poeta canta, com traços épicos, as façanhas da Seleção nos gramados mexicanos.

As Copas do Mundo de futebol na Literatura de Cordel – à guisa de conclusão

Nosso breve estudo evidenciou a significativa presença temática do futebol no âmbito da literatura de cordel. No dia 19 de setembro de 2018, a Literatura de Cordel foi reconhecida como Patrimônio Imaterial Cultural Brasileiro, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Tal reconhecimento atesta a relevância da chamada “poesia popular” (PROENÇA, 1976, p. 28) para a cultura brasileira. Fundada em 07 de setembro de 1988, a Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), com sede no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, tem contribuído para manter viva a memória e a produção dessa manifestação cultural típica da Região Nordeste, mas que também se expandiu para outros centros urbanos do país. Contando com um acervo de mais de 13 mil títulos, a ABLC (http://www.ablc.com.br/noticias/ ), sem dúvida, é uma excelente referência para pesquisas sobre a Literatura de Cordel.

A expressão “Seleções de Ouro” de nosso título foi inspirada na seguinte estrofe do folheto O Brasil tricampeão, do Mestre Azulão:

Nossa seleção de ouro

Tem a quentura do Sol,

Joga com classe e não teme

Time de fama e farol

Desta vez o brasileiro

Mostrou para o mundo inteiro

Que é rei no futebol.

(SANTOS, 1970, p. 1)

Os mitos do “futebol arte” e, respectivamente, do Brasil como “país do futebol” foram pavimentados pelas conquistas de 1958, 1962 e 1970. Nesse sentido, os três folhetos de cordel analisados neste estudo atestam a construção narrativa sobre os feitos daquelas “Seleções de Ouro”, muitas vezes pautada por clichês. Além disso, todos os três se enquadram no eixo temático “acontecimento de repercussão social” (ALBUQUERQUE, 211, p. 63), dois deles – O Brasil na Copa do Mundo (1962) e O Brasil tricampeão (1970) – se configuram de acordo com o tipo textual “folheto noticioso” (MEYER, 1980, p. 3), composto por 32 estrofes e 08 páginas, enquanto o folheto Copa do Mundo: 1962 – os Reis do Bi (1962) se enquadra no tipo textual “romance” (MEYER, 1980, p. 3-4), composto por 95 estrofes e 20 páginas.

Ainda em relação a questões de ordem formal, constatamos o predomínio da versificação em redondilha maior, com sete sílabas poéticas, com rimas cruzadas (com estrutura a-b-c-b-d-b), típicas desse gênero literário, porém, com uma ligeira variação em relação ao folheto O Brasil tricampeão, que apresenta estrofação em septilha (com estrutura a-b-c-b-d-d-b).

Por fim, em relação ao modo de apresentar as conquistas da Seleção Brasileira em 1962 e 1970, há um aspecto em comum entre os três folhetos analisados: todos enaltecem o desempenho vitorioso da Seleção, após terminados os torneios. Todos eles demonstram também que, sem dúvida, as artes do futebol e do cordel se encontram nesse rico manancial da poesia e da cultura popular brasileira.

Referências Bibliográficas

ALBUQUERQUE, Maria Elisabeth Baltar Carneiro de. Literatura Popular de Cordel: dos ciclos temáticos à classificação bibliográfica. (doutorado em letras). João Pessoa, PB: Universidade Federal da Paraíba, 2011.

CAMPBELL, Courtney. The Northeast plays football, too: World Cup Soccer and regional identity in the Brazilian Northeast. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 32, n. 68, p. 720-743, set./dez. 2019. Disponível em: https://orcid.org/0000-0001-6918-6382 . Acesso em: 15 jun. 2022.

CANTEL, Raymond. La littérature populaire brésilienne. Poitiers: Centre de Recherches Latino-Américaines, 1993.

CARVALHO, Raul de. Copa do Mundo: 1962 – Os Reis do Bi. Nova Cruz, RN: Lux, 1962. Disponível em: http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/DocReader.aspx?bib=Literatura%20de%20Cordel%20-%20C0001%20a%20C7176&PagFis=21299&Pesq=copa%20do%20mundo. Acesso em: 30 mar. 2023.

CUÍCA DE SANTO AMARO. O Brasil na Copa do Mundo. Sem local: Edição do Autor, 1962, 8p. Disponível em: http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Literatura_de_Cordel_C0001_a_C7176. Acesso em: 27 abr. 2023.

IPHAN. Literatura de Cordel – Dossiê de Registro. Brasília, DF: IPHAN, 2018. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Dossie_Descritivo(1).pdf . Acesso em: 15 jun. 2022.

MELO, Rosilene Alves de. Do rapa ao registro: a literatura de cordel como patrimônio cultural do Brasil. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. Dossiê: Cordel e patrimônio. São Paulo, n. 72, p. 245-261, abr. 2019. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rieb/article/view/157060. Acesso em: 30 jun. 2022.

MELO, Rosilene Alves de. Literatura de Cordel: conceitos, intelectuais, arquivos. Projeto História. São Paulo, v. 65, p. 66-99, mai./ago. 2019. Disponível em: https://doi.org/10.23925/2176-2767.2019v65p66-99 . Acesso em: 15 jun. 2022.

MEYER, Marlyse. Autores de cordel. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

PROENÇA, Ivan Cavalcanti. A ideologia do cordel. Rio de Janeiro: Imago, Brasília: INL, 1976.

PROENÇA, Ivan Cavalcanti Futebol e palavra. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981.

SANTOS, José João dos [Mestre Azulão]. O Brasil tricampeão. Sem local: A Voz da Poesia, 1970. Disponível em: http://acervosdigitais.cnfcp.gov.br/Literatura_de_Cordel_C0001_a_C7176. Acesso em: 27 abr. 2023.

Notas

[1]

No original:

Most football-themed cordel literature narrates a victorious World Cup tournament or its final match. ‘O Brasil na Copa do Mundo’ and ‘A vitória do Brasil na VI Copa do Mundo’, for example, relate each match, praise the players and the coach, and claim that Brazil’s 1958 World Cup win was one of Brazil’s greatest glories (Gomes, 1958; D’Almeida Filho, 1958). The rare mention of regions evokes a sense of national unity instead of divide.

[2]

No original:

Le football est le seul sport qui retienne l’attencion des poètes du cordel et  seulement dans les grandes occasions, quand l’équipe du Brésil remporte le championnat du monde, par exemple. Alors paraissent de nombreuses brochures qui font vibrer la corde patriotique.

[3]

No original:

Généralement ce sont des compositions médiocres inspirées par les journaux. Le monde des poètes du cordel n’a guère de rapports directs avec celui des grandes équipes internationales.

[4]

No original:

In 1962 and 1970, both years in which Brazil won the World Cup tournament, this form of cordel reappears, but other characteristics of Brazilian nationality began to surface. W. Pinheiro, in a cordel that details each match of the 1970 World Cup, explains that Brazil should serve as an example for the rest of the world.

[5] Nas citações de cordel, mantivemos sempre o texto original, mesmo que estes contenham alguns lapsos de digitação ou de redação.


A (não) realização da Copa do Mundo de 1986 na Colômbia

04/05/2023

Por Eduardo Gomes (eduardogomes.historia@gmail.com)

https://www.verminososporfutebol.com.br/viagem-no-tempo/colombia-disse-nao-a-fifa-na-copa-de-1986/

Atualmente, é de conhecimento geral que a Copa do Mundo de futebol masculino no ano de 1986 ocorreu no México. Foi, naquela ocasião, a segunda vez em que os mexicanos organizaram o principal torneio de futebol organizado historicamente pela FIFA.

O que muitos atualmente não sabem, é que tal torneio não estava destinado para, a priori, ocorrer em terras mexicanas. Pelo contrário: desde 1974, a Colômbia já tinha sido escolhida para ser o país sede da Copa de 1986. Com isso, surge a pergunta: por que então os colombianos não foram os organizadores desse referido certame?

É válido relembrar que a década 1980 é marcante na Colômbia, quando se trata de entender os efeitos do narcotráfico no país. Foi nessa década que se materializou o auge dos principais cartéis, como os de Medellín (liderado por Pablo Escobar) e Cali (sob liderança dos irmãos Rodríguez Orejuela), tendo ambos influenciados em diferentes questões políticas, sociais, econômicas e culturais.

Em 1982, ocorreu a Copa do Mundo na Espanha. E foi nessa competição que os colombianos, paulatinamente, desistiram de sediar o torneio seguinte. Apesar de não ter disputado esse mundial (até então o país só havia jogado uma Copa, em 1962 no Chile), os debates acerca da Colômbia se fizeram presentes em 1982, já que seriam os próximos a sediarem o principal torneio da FIFA.

É verdade que os dirigentes envolvidos com a consolidação da Colômbia enquanto sede da competição, estavam até os “45 do segundo tempo” esperançosos em efetivar o torneio mundial no país. Nas páginas de El Tiempo, aproximadamente dois meses antes da Copa na Espanha, foi destacado parte do otimismo colombiano acerca da organização do mundial em 1986:

A realização do Campeonato Mundial de futebol de 1986 na Colômbia foi assegurada ontem com o aceite do Presidente Julio Cesar Turbay Ayala que seja a empresa privada que o financia. Contando que o governo garantirá a segurança do certame.

Turbay Ayala se reuniu com dirigentes empresários ao meio-dia em Palacio, aos quais lhe explicaram os diferentes sistemas de autofinanciamento que poderiam estabelecer para efetivar um Mundial a baixo custo e que utilizaria o máximo de recursos existentes. […]

Nos diferentes círculos desportivos do país, a notícia despertou grande interesse, pois se antes alguns haviam se mostrado contrários a celebração do Mundial, agora com o concurso da empresa privada as coisas estão em outro preço.

Alfonso Senior, presidente da Federação de Futebol e o “pai do Mundial” declarou que “hoje é o dia mais feliz da minha vida. Eu sabia que a Colômbia não podia se colocar mal perante o mundo inteiro”.

Ao concluir a reunião o presidente do grupo Grancolombiano assinalou que se apresentará durante o tempo que dure o Mundial da Espanha uma campanha de tipo publicitário, que releve o nome da Colômbia, especialmente no campo turístico.[1]

Em 30 de maio de 1982, todavia, Turbay não conseguiu levantar o apoio necessário para que um sucessor de seu partido vencesse as eleições, tendo o conservador Belisário Betencur sido eleito, o que efetivou o retorno de seu partido ao poder executivo nacional depois de oito anos afastado.

Meses depois, em outubro de 1982, Betencur proferiu um discurso onde oficializou a desistência da Colômbia no objetivo de sediar a Copa de 1986. Ainda no decorrer da edição de 1982, já era ventilado dentre os dirigentes das federações, a imprensa e a própria FIFA, que a Colômbia tomaria tal decisão. O periódico brasileiro, Folha de São Paulo, repercutiu a decisão do presidente do país vizinho em suas páginas:

O presidente da Colômbia informou que o país não organizará a Copa ‘devido ao desrespeito à regra de outro pela qual o Mundial deveria servir à Colômbia e não a Colômbia à multinacional do futebol’ (no caso a Fifa). A decisão foi adotada por razões econômicas, depois de uma consulta democrática sobre a realidade do país, que permitiu concluir que ‘o esbanjamento é imperdoável’. Afirmou Betancur que ‘temos muitas coisas a fazer e não temos sequer tempo de nos ocupar com as extravagâncias da Fifa e de seus membros.’[2]

Betancur, no referido contexto, destacou a relevância da Colômbia em outras esferas culturais, como na literatura, tendo o país no contexto em voga acabado de vencer um prêmio Nobel de Literatura com Gabriel Garcia Márquez. Também foi destacado na imprensa o quanto a decisão de sediar a Copa não era algo tão aceito pelos colombianos, tal como o quanto as exigências da FIFA eram já visualizadas como absurdas:

Belisário Betancur concluiu seu breve discurso afirmando que Gabriel Garcia Márquez, escritor colombiano recém-premiado com o Prêmio Nobel de Literatura, ‘compensa totalmente o que, eventualmente, possamos perder em prestígio com a renúncia à sede do Mundial de Futebol’. […] A distância entre as exigências da Fifa e as propostas da Colômbia permitiu prever que a próxima Copa não seria na Colômbia. […] vale lembrar que pesquisas de opinião revelaram que cerca de 70 porcento dos colombianos não concordavam com a Copa em seu país por questões econômicas. A Colômbia, no entanto, sente-se “traída” pela Fifa por causa das exigências, que foram consideradas absurdas e até mesmo como “ingerências em assuntos internos da Colômbia”.[3]

A verdade é que, dentro de um parâmetro mais amplo da organização da Copa do Mundo, a FIFA exigiu da Colômbia um maior investimento público, para além daquele que a priori foi destinado por empresas privadas. Como entrou no poder já destinado a questionar alguns dos caminhos outrora estabelecidos pelo governo Turbay, Betancur se negou a ceder aos interesses da entidade maior do futebol internacional, desistindo de sediar a Copa de 1986.

De imediato, os periódicos colombianos e brasileiros, no calor do ano de 1982 quando ocorreu a Copa na Espanha, destacaram a possibilidade do Brasil se tornar a sede da próxima copa. Senior reivindicou até o final que seria uma vergonha a Colômbia não conseguir se manter como sede da Copa de 1986, destacando ser uma oportunidade única para o país sediar o torneio.

Parte da imprensa colombiana, inclusive, destacou a proposta de Senior de estabelecer uma ‘troca’ com a Colômbia, deixando a Copa de 1994 para os colombianos sediarem, enquanto os brasileiros organizariam a de 1986. A questão é que a definição da sede de 1994, que depois seria confirmada para os Estados Unidos, nunca havia sido destinada ao Brasil.

Mesmo assim, os rumores de uma possível sede brasileira no evento ficaram marcados, inclusive na imprensa brasileira:

O Brasil começa a receber apoio como candidato a promover a Copa do Mundo de 1986, depois que o presidente Belisário Betancur anunciou oficialmente a desistência da Colômbia, anteontem à noite, através de uma cadeia de rádio e televisão. A Federação Colombiana de Futebol estará reunida nos próximos dias para elaborar um documento a ser entregue à Fifa, o que poderá acontecer dia 5, em Acapulco (México), quando o presidente da entidade internacional, João Havelange, lá estiver para assistir à inauguração de um campeonato de seleção de juniores em sua homenagem, com a participação de vários países.

As principais manifestações a favor do Brasil partiram do peruano Teófilo Salinas, presidente da Confederação Sul-americana de Futebol; do alemão Hermann Neuberger, vice-presidente da Fifa e presidente da Federação de Futebol da Alemanha Ocidental e do argentino Júlio Grondona, presidente da Associação de Futebol da Argentina. A afirmação de Salinas é categórica: “O Brasil sediará o Mundial de 86, pois já conta com oito votos da América Latina e quase igual número de votos de um total de 21 que integram o Comitê Executivo da Fifa.[4]

Portanto, se torna possível identificar que muitos dos problemas sociais, políticos e econômicos pelos quais vivenciava a Colômbia, influenciaram diretamente no fato do país não realizar da Copa de 1986. Em um cenário marcado pelo narcotráfico, inclusive no futebol como já aqui demonstrado, tal situação se fez mais ainda marcante, tendo em vista que o país reconhecia com essa recusa, dentre outros fatores, as questões internas que tinha para resolver.

A verdade é que a organização da Copa do Mundo de 1986 na Colômbia, definida ainda em 1974, tinha tudo para ser uma virada no futebol do país dentro do cenário nacional e internacional. Tal virada até ocorreu, notadamente pela visibilidade que os clubes do país passaram a ter nos anos 1980 e 1990. Mas, obviamente, não se deu pela Copa que o país não realizou, mas sim pelo investimento do narcotráfico em alguns clubes, como foi aqui demonstrado em alguns casos.

Desde 1982, no calor da copa da Espanha, a temática já se aflorava, sendo a violência e o envolvimento político marcas que caracterizaram a realidade do país. No fim, a Colômbia ganhou o direito de realizar um mundial, mas acabou por não efetivá-lo por questões que iam muito além das quatro linhas, como aqui foi demonstrado, deixando explícito para os leigos o quanto o futebol é “muito mais que um jogo”.


[1] El Tiempo, 22 de abril de 2023.

[2] Folha de São Paulo, 26 de outubro de 1982, p. 28.

[3] Folha de São Paulo, 26 de outubro de 1982, p. 28.

[4] Folha de São Paulo, 27 de outubro de 1982, p. 28.


Jornal dos Sports ou das Tragédias?

25/04/2023

André Alexandre Guimarães Couto

Olá, leitoras(es):

Neste breve post, vamos viajar à primeira metade dos anos 1980, quando o Jornal dos Sports (JS) adotou uma linha editorial diferente do que fazia anteriormente. Adquirido pela família Velloso em 1980, o jornal tentara aumentar sua vendagem por meio de uma estratégia peculiar, mas não necessariamente inovadora no meio jornalístico: destacavam-se notícias com apelo à violência e às tragédias urbanas. Para tanto, uma região metropolitana como a da cidade do Rio de Janeiro era uma reservatório de matérias primas para as manchetes, imagens e textos com esta intenção editorial.

O clã Velloso, empresários e proprietários de supermercados e drogarias, era formado por Climério, Waldemar e Venâncio, e substituíra a gestão de Cacilda Fernandes de Souza, segunda esposa e herdeira de Mário Júlio Rodrigues (que, por sua vez, era filho de Mário Rodrigues Filho). Contavam com o apoio político de mais um integrante da família: Napoleão Velloso, deputado estadual pelo PMDB e que passara a escrever em uma coluna fixa, sobre temas diversos, mas principalmente das políticas públicas do estado.

Nos primeiros anos da gestão Velloso, a atenção era voltada para a tradição do jornal na cobertura poliesportiva, com grande ênfase para o futebol dos grandes clubes cariocas e da seleção brasileira. Inclusive, houve um grande investimento para a cobertura da Copa do mundo de futebol FIFA em 1982, na Espanha.

Para além do esporte, outros temas eram priorizados como educação, concursos públicos, funcionalismo público, mercado de trabalho e emprego e política fluminense. Outros assuntos como cultura, carnaval e religião também eram comuns nas páginas do JS. Cabe lembrar que a conjuntura na primeira metade da década de 1980 compreendia o final de uma ditadura militar e de gradual abertura política, inclusive com as eleições diretas em 1982 para cargos legislativos e governador de estado. No Rio, vencera um candidato da esquerda, Leonel Brizola, pelo PDT. No campo econômico, um contexto de muita crise econômica e financeira, com índices inflacionários bem elevados, o que impactava diretamente na renda e no custo de vida da classe trabalhadora.

A escolha pelas matérias sobre educação tinham muito a ver com o crescimento do movimento estudantil e suas manifestações políticas e culturais, dentro da conjuntura de abertura democrática, mas também uma forma de captação de recursos junto aos cursos preparatórios, escolas e universidades privadas, por meio de anúncios nas páginas do jornal.

Mas, na apresentação do periódico e na construção das matérias, o que explica a virada para um tom discursivo policialesco e repleto de emoções derivadas de tragédias e violências? Temos algumas hipóteses, mas vamos ver um exemplo relevante antes:

Imagem 1: Capa do Jornal dos Sports, 3/12/1984.

Como podemos observar acima, temos o destaque para uma notícia da conquista do segundo turno do campeonato carioca (Taça Rio) pelo Vasco, mas compartilhada com temas como a violência urbana. A chamada para a matéria da segunda página (curta, contrapondo-se ao destaque da capa), contava a história de uma casal, morador de Belford Roxo, que resolvera fazer sexo no quintal da própria casa e, diante da presença de vizinhos curiosos e não convidados, o homem resolvera afastá-los disparando tiros, o que resultou em três homens internados em estado grave no Hospital Getúlio Vargas.

Temos, desta forma, a partir do final de 1984 e se estendendo ao ano seguinte, uma estratégia de competir com outros jornais da cena urbana carioca como O Dia e Última Hora, cujas linhas editoriais abusavam da exposição da violência da cidade e região metropolitana. No caso do JS, emoções e paixões pelo esporte se misturavam em ondas de curiosidade mórbida do público leitor, tentando aproximar sentimentos diversos do torcedor.

A estratégia de vendagem do jornal aliava-se ainda com o discurso de “protetor do povo”, como no destaque de que o JS teria sido o único jornal no Rio de Janeiro que não aumentara os valores das edições.

No exemplo abaixo, a exploração da tragédia humana pode ser percebida em mais de uma matéria:

Imagem 2: Capa do Jornal dos Sports, 31/01/1985.

O exemplar acima destaca mais uma história policial, a de uma chacina no Sumaré, sendo possível que tivesse a implicação de um policial civil no crime. Duas outras matérias dividiam o espaço com a cobertura esportiva (esta dando destaque para o desempenho de dois clubes cariocas, Fluminense e Vasco, no recém iniciado Campeonato Brasileiro de 1985): a de uma ameaça epidêmica de tifo na cidade do Rio de Janeiro e a de uma tragédia no mar, junto à Praça Mauá.

Mortes e cadáveres eram comuns nesta nova linha editorial para o período. Quando mais nítida a imagem da tragédia, mais interesse advinha do público leitor. Pelo menos era o que a empresa/jornal acreditava.

Imagem 3: Capa do Jornal dos Sports, 14/09/1985.

No exemplo acima, o desfecho trágico de um sequestro era mote para um convite aos leitores a comprarem o jornal para conhecer mais sobre a história recheada de mistério, sangue, morte, esquartejamento. Tudo isso numa capa que chamava a atenção sobre as contratações de dois grandes jogadores pelo Flamengo (Sócrates e a possibilidade de chegada de Renato Gaúcho).

Esporte e tragédia caminhavam de mãos dadas entre o final de 1984 e ao longo do ano de 1985. A violência e os dramas urbanos permeavam o interesse de leitores/torcedores, ávidos por emoções e sentimentos para além do esporte.

Referências

HOLLANDA, Bernardo Borges Buarque de. O clube como vontade e representação: o jornalismo esportivo e a formação das torcidas organizadas de futebol do Rio de Janeiro (1967-1988). 2008. 771 f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no Brasil, 1974-1985. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves. O Brasil Republicano: O tempo da ditadura – regime militar e movimentos sociais em fins do século XX – v. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.


PROFESSOR GIANCARLO MACHADO LANÇA NOVO LIVRO SOBRE SKATE

16/04/2023

Entrevista por Leonardo Brandão

 @leobrandao77

  Foto: Divulgação

Os estudos acadêmicos sobre o skate receberam, recentemente, uma importante contribuição. Trata-se do livro: “A cidade do skate: sobre os desafios da citadinidade”, de autoria do antropólogo e professor universitário Giancarlo Machado. O livro, que contou com apoio da Capes, foi publicado pela Editora Hucitec no âmbito da coleção “Antropologia Hoje”.

Para saber mais sobre este livro, eu fiz uma rápida entrevista com o autor. Foram apenas 3 perguntas, mas que ajudam a lançar luz sobre a obra, inclusive citando os locais onde ela pode ser adquirida.

1 – Gian, conte como surgiu a ideia do livro? Ele é fruto de uma pesquisa universitária?

R: O livro incorpora reflexões realizadas para fins de minha tese de doutorado, intitulada “A cidade dos picos: a prática do skate e os desafios da citadinidade”, defendida em 2017 no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da USP, e também traz questões recentes a partir das disciplinas e investigações que venho desenvolvendo no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Unimontes-MG, onde estou vinculado como professor permanente. A obra é, portanto, derivada de pesquisas universitárias. Para dar visibilidade aos resultados, bem como para propagar temáticas ligadas ao skate acadêmico e aos estudos urbanos, mobilizei esforços para que o livro fosse publicado. Submeti o manuscrito para apreciação do comitê da coleção “Antropologia Hoje” – sendo esta responsável por publicar livros de referência nacional na área da Antropologia – e, após a aprovação, iniciei a negociação com a HUCITEC, editora que atualmente abriga a coleção e que fora responsável pelo lançamento do livro. Cabe destacar que tal livro contou com apoio da Coordenação de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES), código de Financiamento 001, através do Programa de Apoio à Pós-Graduação (PROAP), auxílio 0928/2020, processo 88881.593009/2020-01. Sou grato, assim, ao PPGDS/Unimontes, Editora HUCITEC e CAPES por tornarem possível a publicação de “A cidade do skate: sobre os desafios da citadinidade”. E também, mas não menos importante, à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que garantiu minha bolsa de doutorado a partir da qual viabilizei boa parte da pesquisa, aos skatistas que tive contato no curso do trabalho de campo, e aos professores e pesquisadores que contribuíram com críticas e direcionamentos.

2 – Do que trata o livro? Como ele está estruturado?

R: O skate de rua é o foco de uma investigação antropológica que o trata não apenas como uma prática multifacetada que transcorre no urbano, mas, igualmente, como uma própria prática do urbano transposta por subversões, conflitos e negociações, enfim, por posicionamentos díspares frente às governanças que são feitas dos espaços urbanos. Evidencia-se como os skatistas embaralham ordenamentos e põem em suspensão embelezamentos estratégicos de uma cidade gerenciada como mercadoria e voltada para práticas de cidadania que são englobadas sobretudo por lógicas de consumo. A publicação está divida em duas partes, sendo que, cada uma, traz dois capítulos. O primeiro deles, intitulado “Manobras na Praça Roosevelt: embates em torno da prática do skate”, traz uma abordagem etnográfica que analisa as sociabilidades e os conflitos que emergem a partir das apropriações que os skatistas fazem da Praça Roosevelt, um dos principais picos de skate de São Paulo. Evidencia, portanto, embates e negociações entre perspectivas citadinas e normatizações institucionais por meio das quais são colocadas em tela as estratégias esperadas, bem como as subversões que delas são feitas, para a apropriação de certos espaços públicos paulistanos. O segundo capítulo, por sua vez nomeado “Entre a destruição e a criação: quando os skatistas fazem a cidade”, aborda os múltiplos sentidos que permeiam o universo da prática do skate de rua em São Paulo. Por meio de uma investigação detida em várias situações são reveladas as experiências citadinas mais valorizadas pelos skatistas, como os rolês e a busca por picos em espaços não definidos de antemão. As análises revelam as relações de poder, assimetrias, desigualdades e segregações que calham em São Paulo e como os skatistas resistem e se impõem em toda sorte de espaços a partir de suas manobras e táticas astuciosas. O terceiro capítulo, “Skate, esporte e política: governanças da citadinidade”, demonstra como uma série de agenciamentos político-urbanísticos vem tentando enquadrar a prática do skate de rua conforme suas próprias rubricas com vistas a amenizar — ou até mesmo coibir — os impactos de sua realização em determinados espaços e equipamentos urbanos não planejados para as ações dos skatistas. “A espetacularização da citadinidade: sobre a cooptação do skate de rua” é o título do quarto e último capítulo. Ao contrário do anterior, onde são priorizados os enquadramentos institucionais que visam combater a citadinidade inerente a prática do skate de rua, este capítulo revela o distanciamento de certos skatistas em relação às estratégicas pretensões que fomentam apenas a sua dimensão esportivizada. O capítulo exprime, com efeito, como as experiências urbanas dos skatistas, malgrado os combates que a elas são destinados, também são cooptadas a ponto de provocar uma reconfiguração e espetacularização de certos espaços da cidade. Enfim, é um livro que aborda as contradições da citadinidade a partir de resistências e capturas.

3 – Onde é possível adquiri-lo? Ele está a venda pela Internet?

R: O livro pode ser adquirido através de vários canais. A editora HUCITEC está responsável pela venda direta em seu próprio site (https://lojahucitec.com.br/). Também é possível encontrá-lo em demais livrarias online, como Amazon e Estante Virtual. Ou, ainda, com o skatista Murilo Romão, do coletivo Flanantes (@flanantes_), e pelo projeto “Skate Acadêmico” (@skateacademico ou skateacademico@gmail.com). No final do mês de maio de 2023 acontecerá o lançamento em São Paulo, na livraria Tapera Tapéra.


Aportes de las inmigraciones europeas del siglo XIX al desarrollo deportivo en Uruguay (I): una visión panorámica

03/04/2023

por Gastón Laborido (gaston_laborido1@hotmail.com)

La inmigración en el Uruguay del siglo XIX

Entre 1825 y 1830 se generaron acontecimientos que dieron como resultado la formación del Estado Oriental independiente. Los sucesos transcurren desde la formación de un Gobierno Provisorio en Florida y que tendrá como episodio relevante la Convención Preliminar de Paz, celebrada en 1828 entre delegados del Imperio del Brasil, de las Provincias Unidas y de Inglaterra, bajo la mediación del Lord John Ponsonby. Los resultados de esta Convención fueron ratificados el 4 de octubre de 1828.

La situación del naciente Estado Oriental era crítica, luego de varios años de revolución y lucha por la independencia (1810-1830). Presentaba un atraso económico caracterizado por la monoproducción ganadera con un sistema de explotación arcaica. A esto, le sucedió la Guerra Grande (1839-1852), que involucró las tendencias políticas del Uruguay y la Confederación Argentina (blancos y colorados: federales y unitarios), el Imperio del Brasil y las potencias industriales en expansión como Inglaterra y Francia. Luego de la Guerra Grande, es que se roturaron tierras. En cuanto al sistema de propiedad, en el medio rural predominó, hasta el día de hoy, el latifundio. En consecuencia, surge un antagonismo entre el campo y la ciudad como núcleos opuestos.

En los primeros años de vida independiente del país la población y su densidad eran escasas. Los historiadores estiman que en 1830 había 74.000 habitantes, de los cuales 14.000 estaban en Montevideo (20%) y 60.000 (80%) en los veinticuatro poblados entonces existentes en el resto del país (Castellanos, A., 2011). Por otro lado, la densidad de población era de 0,4 habitantes por km2.

Esa problemática se fue superando paulatinamente en la segunda parte del siglo XIX, producto de transformaciones decisivas que comenzaron durante el período 1830-1860, en el cual la población se duplicó como resultado de la llegada de miles de inmigrantes, destacándose los de origen europeo. El grueso de los inmigrantes llegó desde Europa y desde diferentes regiones del área cultural latina: canarios, vascos, gallegos, catalanes, piamonteses, calabreses, sicilianos, bearneses y bretones. También llegaron ingleses, escoceses, irlandeses, suizos, alemanes, austrohúngaros, eslavos. Desde el sur del Brasil se trasladaron también nuevos pobladores, en una invasión pacífica que caracterizó la presencia lusitana en el país.

La población de Europa en el siglo XIX tuvo una expansión notoria. No se trato tanto de una tasa de natalidad más elevada sino de un abatimiento de los índices de mortalidad, debido a mejoras sanitarias y alimenticias además de una sostenida natalidad rural. Esta «revolución demográfica» llevó a una escasez de espacios libres. Las olas migratorias consecuencia principalmente del crecimiento acelerado de la población se vieron estimuladas también por diversos factores generales; la expansión industrial y comercial, la presión demográfica, las perturbaciones agrícolas derivadas de las cosechas, la disminución de industrias artesanales y del número de trabajadores domiciliarios, el aumento de los mercados para las materias primas de ultramar, los progresos en la navegación favorecieron los desplazamientos transoceánicos. En el caso de la Banda Oriental y, por ende particularmente de Montevideo, no existía una significativa presencia indígena poseedora de una poderosa cultura y el proceso de afincamiento de los inmigrantes se simplificó. En los hechos se importó la cultura ibérica con los primeros pobladores. Esto sería la base ante los diferentes aportes provenientes del torrente inmigratorio. (Luzuriaga, J.C., 2010, p. 1004)

Dentro de los flujos migratorios se puede distinguir varias oleadas. De acuerdo al historiador uruguayo Oscar Mourat (citado en N. Duffau y R. Pollero, 2016), la primera de ellas comprende el período 1830-1850 aproximadamente, en el cual, se movilizó entre 40.000 y 45.000 inmigrantes aproximadamente. Hacia 1835 arribaron canarios, vascongados, navarros y gallegos, pero a partir de 1837 en su mayoría los inmigrantes eran de origen francés. La inmigración francesa así como la italiana se acentuó a partir de 1838, con el bloqueo marítimo a Buenos Aires (N. Duffau y R. Pollero, 2016).

Hacia 1840 (a comienzos de la Guerra Grande) la población del país fue estimada en 140.000 habitantes, de los cuales cerca de 40.000 en Montevideo (Barrán, J.P., 2011). Como señalan N. Duffau y R Pollero (2016) “Los inmigrantes llegaban como recurso para solucionar el grave problema de la reducción de oferta de mano de obra a la que se enfrentaba el nuevo Estado (…)” (p. 216).

Al finalizar la Guerra Grande en 1852, las consecuencias fueron perjudiciales para el desarrollo económico y social del país. El gobierno del presidente Juan Francisco Giró en 1852 resolvió hacer el Primer Censo Nacional, en el cual se constató que la población había descendido a 132.000 y la de Montevideo a 34.000. La población descendió producto de la Guerra, de la huida de orientales a regiones fronterizas y también porque una porción grande de los inmigrantes europeos emigraron. Esto acentuó la escases de mano de obra y dificultó la recuperación ganadera y saladeril.

De esta manera, finalizada la Guerra Grande comenzaba la segunda oleada de inmigración, que ocurrió entre 1850 y 1860, involucrando a unas 70.000 – 75.000 personas, esta vez con mayoría de italianos, seguidos por españoles, que conformaron el grueso aporte europeo. Estos grupos se establecieron mayormente en la capital y sobre todo los italianos y canarios se abocaron al trabajo de chacra.

(…) El largo período bélico habría tenido su costo en vidas y en pérdida de hábitos de trabajo de algunos sectores de la población; a ello se sumaba, como lo señalamos oportunamente, la disminución de la mano de obra esclava con la prohibición del tráfico y finalmente la abolición de la esclavitud. Las autoridades decidieron fomentar la inmigración europea, aceptando propuestas de colonización presentadas por contratistas privados. Los introductores estaban autorizados por el Estado a costear el pasaje y contratar a inmigrantes europeos pobres, quienes venían al país a realizar un trabajo remunerado que no siempre colmaba sus expectativas, que se generaron vínculos de dependencia muy estrechos y situaciones que rozaban la explotación. (N. Duffau y R. Pollero, 2016, p. 216).

La institución que impulsó el fomento y la protección de los inmigrantes, fue creada a fines de 1865, “(…) e inició una activa propaganda en puertos y ciudades mediterráneas para atraer trabajadores (…)” (N. Duffau y R. Pollero, 2016, p. 217). En esa década, se estableció una colonia agrícola suiza y hacia 1870 se consolidó colonia valdense. También arribaron inmigrantes muy pobres del sur de Italia, configurando la oleada mayoritaria en relación a los otros contingentes inmigratorios.

Un tercer momento clave dentro del proceso de inmigraciones europeas al Uruguay en el siglo XIX, corresponde al período posterior a 1880, en el cual los inmigrantes se radicaron mayoritariamente en el medio urbano y particularmente en la capital del país. Para esa época se estima que el Uruguay tenía una población de 700.000 habitantes, de los cuales casi la mitad eran extranjeros. Aquí llegaron nuevamente italianos del sur, que trabajaron en tareas de agricultura en las periferias de la capital, mientras que otros se convirtieron en artesanos o en trabajadores urbanos. También en esos años, ingresaron al país franceses y españoles (que se desempeñaron mayormente en tareas de servicios).

El deporte en las colectividades extranjeras

La llegada de inmigrantes europeos entre 1830 y 1850, provocó cambios importantes para el Uruguay en diferentes esferas. Por un lado, creció el tráfico marítimo en el puerto de Montevideo y el comercio exterior se acentuó. En este sentido, el aporte de los inmigrantes europeos fue fundamental para el desarrollo económico del país. Por otro lado, la afluencia creciente de inmigrantes y la formación de las colectividades extranjeras fueron muy importantes para el desarrollo deportivo en el Uruguay, aunque aquellas primeras manifestaciones se caracterizaban por su vaguedad e imprecisión. Fue un fenómeno esencialmente urbano y se destacaron en el período las colectividades inglesa, francesa, suiza, española e italiana. Las primeras manifestaciones se dieron  alrededor de la pelota de mano y el cricket.

El deporte en este período se reduce al interior de las colonias de extranjeros residentes en Montevideo y en algunas localidades del interior donde iba llegando el ferrocarril y se radicaban empresas de estos forasteros. Este proceso consistió esencialmente en la fundación de clubes deportivos. Éstos, de carácter eminentemente democráticos –a imagen y semejanza de sus originarios de Inglaterra- fueron dirigidos en este período por los propios deportistas (…) (Gomensoro, A., 2015, p. 10)

En ese sentido, de acuerdo a J. Buzzetti y E. Gutiérrez Cortinas (1965) “cada sector extranjero conservó fielmente su modalidad deportiva, sin mezclarse entre ellos, sin intervención de los criollos” (p. 20). Con el correr del tiempo, se fueron acercando progresivamente algunos integrantes del patriciado oriental. En consecuencia, en esta etapa inicial, los clubes y sociedades deportivas que fundaron los inmigrantes se caracterizaron por ser totalmente independientes del Estado, que permaneció ajeno a este nuevo fenómeno social.

En el Uruguay, la práctica de los deportes modernos surgió naturalmente en la colectividad británica. El deporte llegó a Montevideo en el siglo XIX, cuando los ingleses lo introdujeron en el Río de la Plata y en otras partes del mundo, de la mano del ferrocarril, intercambios con la marinería y de la acción de los colegios ingleses. Como señala J. C. Luzuriaga (2009), su difusión en la sociedad uruguaya siguió la misma lógica que en Gran Bretaña y en otros países, pasando de las elites al resto de la población en forma de cascada. De esta manera, los ingleses practicaron diversos deportes en Montevideo, destacándose el cricket, remo, rugby, fútbol, atletismo, natación, waterpolo.

Los italianos jugaban a las bochas, esgrima y el pallone. El pallone era un juego o deporte romano, era como un juego de pelota ante un frontón y después fue en un campo abierto. Se practicó con equipos de 4 jugadores portando un bate (similar al cricket).

Los vascos jugaban a la pelota de mano. Algunos consideran que los partidos de pelota vasca, fueron una de las primeras manifestaciones deportivas en el país y en América, que movilizó a mucha gente. En el Uruguay, la primera modalidad de juego de pelota fue sin pared, hacia 1830; más tarde adoptó la pala y cesta.

Los franceses introdujeron la gimnasia, los suizos el tiro federal, los ingleses el cricket, rugby y fútbol.

Por otra parte, la presencia de extranjeros determinó también la enseñanza de deportes. Los italianos y franceses practicaban y competían en esgrima y gimnasia. En consecuencia, aparecieron los “maestros de gimnasia, tiro y esgrima”.

El surgimiento de los clubes deportivos y su matriz británica

Entre 1830 y 1855 se encuentran las bases del desarrollo deportivo en el Uruguay. Lo más importante en este período, fue la fundación del primer club: el Victoria Cricket Club, fundando por los ingleses, que llevaban el espíritu del deporte, en octubre de 1842. La institución tuvo entre sus concurrentes asociados a la zona de su creación, Pueblo Victoria (próximo al Paso Molino), próximo al saladero del inglés Samuel Lafone, quien fue uno de los impulsores del club. El nombre fue en honor a la reina de Inglaterra, aunque algunas versiones plantean que se debe a la localidad donde realizaban la actividad.

Los concurrentes realizaban todos los jueves los “Días de Sport” a través de prácticas y partidos de Cricket, deporte más popular en Inglaterra en esa época. Allí estuvo el primer campo de deportes del Uruguay, por esto es que se considera que fueron los ingleses quienes introdujeron el deporte en el Uruguay. Mientras tanto, en Argentina, comienza un proceso similar al Uruguay, caracterizado por la fundación inglesa de clubes a lo largo del siglo XIX.

El club tuvo una breve historia, ya que desapareció como consecuencia del sitio a Montevideo establecido por las fuerzas del Partido Blanco (con apoyo argentino) encabezadas por el Brigadier Oribe y que se prolongó durante toda la Guerra Grande, hasta 1851. Esto implicó, que los ingleses no pudieran salir más de los muros de la ciudad.

Referencias:

  • BARRÁN, José Pedro (2011). Apogeo y crisis del Uruguay pastoril y caudillesco. 1839-1875. Historia Uruguaya. Tomo 6. Montevideo: Banda Oriental.
  • BUZZETTI, José y GUTIÉRREZ CORTINAS, Eduardo (1965). Historia del deporte en el Uruguay (1830-1900). Montevideo: Ed. De los autores.
  • CASTELLANOS, Alfredo (2011). La Cisplatina, la Independencia y la República caudillesca. Historia Uruguaya. Tomo 5. Montevideo: Banda Oriental.
  • DUFFAU, Nicolás y POLLERO, Raquel (2016). Población y sociedad. En: G. Caetano (Dir.) y A. Frega (Coord.), Revolución, Independencia y construcción del Estado (pp. 175-221). Montevideo: Planeta.
  • GOMENSORO, Arnaldo (2015). Historia del Deporte, la Recreación y la Educación Física en Uruguay. Crónicas y relatos. Montevideo: IUACJ.
  • LABORIDO, Gastón (2018). Origen de las actividades físicas, recreativas y deportivas en Montevideo. En: NEXO Sport (n° 429), dic. 2018, Montevideo (pp. 20-23).
  • LUZURIAGA, Juan Carlos (2009). El football del novecientos. Orígenes y desarrollo del fútbol en el Uruguay (1875-1915). Montevideo: Santillana.
  • LUZURIAGA, Juan Carlos (2010). Los procesos inmigratorios en el Uruguay del Siglo XIX: visión de conjunto. XIV Encuentro de Latinoamericanistas Españoles: congreso internacional, set. 2010, Santiago de Compostela, España, pp. 1002-1018.
  • PI HUGARTE, Renzo y VIDART, Daniel (1969). El legado de los inmigrantes (II). Montevideo: Nuestra Tierra.
  • REISCH, Matilde (2012). Movimiento clubista y desarrollo deportivo en el Uruguay. En: Cuadernos de Historia 8, Montevideo: Biblioteca Nacional (pp. 19-33).

G’OLÉ! (O filme oficial da Copa de 1982 – Espanha)

20/03/2023

Olá!

Hoje venho escrever sobre o filme oficial da Copa do Mundo de 1982, disputada na Espanha. Quem viveu se lembra. Impossível esquecer aquele que, provavelmente, foi o escrete nacional mais encantador, desde a década de 1970 (no meu caso, foi a segunda Copa que acompanhei e foi fascinante: frustrante e apaixonante). Pois bem, a Copa do Mundo da Espanha foi retratada direta ou indiretamente em algumas produções fílmicas. Conforme um levantamento próprio, que realizei para a produção de um capítulo em livro sobre o Mundial de 1982, três obras se destacam, a saber: G’Olé! Filme Oficial da Copa do Mundo FIFA de 1982 (RU, Tom Clegg,1983), Futebol Arte (RU, Richard Horne, 2014) e Corações de Campeões (Itália, Gianluca Fellini e Mechela Scolari, 2018). Hoje vou adiantar algumas observações sobre a primeira delas.

 “G’olé”, lançado em 1983, foi dirigido por Tom Clegg e produzido por Drummond Challis e Michael Samuelson. Tem como destaque especial a narração de Sean Connery e trilha sonora dirigida por Rick Wakeman (ex-tecladista do Yes[1]). Faz parte da coleção de registros cinematográficos da Federação Internacional de Futebol e pode ser acessado no site da FIFA (assim como os filmes disponíveis das demais Copas – https://www.fifa.com/fifaplus/pt/cat/s4xAD7wTR30jnTMLbxISS). Por ser obra encomendada pelos gestores internacionais do futebol e de sua realização maior (as Copas) parece razoável supor que essas produções podem ajudar a delinear o que a própria FIFA considerou mais relevante e destacável no megaevento em questão. Para tanto, a própria sinopse oficial já esclarece: 1982 teria sido a Copa “de um Diego Maradona de apenas 21 anos de idade”, expulso por agressão; dos “dribles e golaços de Falcão, Sócrates, Zico e Éder” e o torneio da “primeira disputa de pênaltis da história da competição”. Contou ainda com as “zebras da Argélia e Irlanda do Norte, uma intervenção real” e um “duro choque de Toni Schumacher com Patrick Battiston” (Disponível em: https://www.fifa.com/fifaplus/pt/watch/movie/ZU5G7eaVq1PNZNZWkSypT. Consultado em 26/02/23).

Para além das referências autoexplicativas, a disputa de pênaltis faz menção à eliminação da França pela Alemanha, nas semifinais, depois de um 3 x 3 em 120 minutos. As zebras dão conta da vitória da Argélia frente à mesma Alemanha (no jogo de estreia dos germânicos) e do 1 x 0 da Irlanda sobre a dona da Casa. A “intervenção real” trata da cobertura do inusitado evento da invasão de campo pelo Príncipe Fahad Al-Ahmed, do Kuwait, que conseguiu anular um gol da França[2]! No “choque” de Schumacher em Battiston (no mesmo jogo dos pênaltis) o atleta francês foi inapelavelmente nocauteado: perdeu três dentes, teve que ser levado ao hospital e chegou a entrar em coma. O juiz considerou o lance uma entrada normal de jogo[3].

Em termos fílmicos, temos um documentário tradicional. Uma história possível (a da Copa de 1982) é narrada por intermédio de uma sucessão de imagens de época, falas coetâneas, exposições circunstanciadas, depoimentos provocados, um roteiro específico. Se quiséssemos aproveitar a clássica categorização de Bill Nichols, a obra se situa como um modelo de não ficção que emprega uma narrativa histórica. Conta uma trajetória a partir de “uma interpretação ou perspectiva dos fatos” e é construída basicamente na combinação entre um “modo expositivo” (com amplo recurso ao voice over) e “participativo”, propondo a interação com os atores sociais diretamente envolvidos, com o uso intensivo de entrevistas (Introdução ao Documentário, 2016, pp. 159-161).

G’olé, com esse título estilístico (que faz um jogo explícito entre o tento e a interjeição espanhola “empregada para animar e aplaudir”[4]  – também ela apropriada pelo futebol) apresenta uma estrutura básica. Ela advém de uma proposição inicial. A voz over esclarece, logo aos dois minutos:

Sabíamos que, embora o futebol seja apenas um jogo, ele envolve uma certa quantidade de paixão”.

Esse mote básico vai reger a composição da montagem. De modo imediato e, inicialmente, intercalam-se cortes de menção lúdica e festiva a essa paixão: são cenas seguidas de comemorações eufóricas, fundamentalmente de gols marcados. Após esse conjunto, advém o outro lado da moeda, a paixão transformada em frustração, embate e violência: segue-se, assim, uma sequência de quedas, faltas, enfrentamentos. Esse vai e vem (entre confraternização e conflito) alterna-se duas vezes. É um enunciado que vaticina: vamos mostrar o espetáculo da paixão futebolística no show imagético das performances com a bola e das altercações em torno dela.

Estabelecido um fio condutor, os segmentos se descortinam. O documentário vai se iniciar acompanhando a Argentina até a expulsão de Maradona, a partir da qual, conclui: “O mundo deve esperar que seu novo rei atinja a maioridade”. Da Argentina, segue para o Brasil, que tem uma cobertura bastante significativa. Contundente e demasiadamente caricata, diga-se. Essa primeira parte, sul-americana, estanca na vitória nacional sobre os argentinos (3 x 1). Na continuidade, abre-se para a menção aos “peixes menores”: Honduras, El Salvador, Argélia, Nova Zelândia.

Depois vem a anfitriã (Espanha) e a Inglaterra. O retorno ao Brasil e ao fatídico jogo com a Itália (aproximadamente aos 44 minutos) marca os segmentos de arremate para as semifinais e para a grande decisão, com a qual o documentário chega ao fim.

Conforme já havia antecipado, a representação do Brasil (do selecionado e do brasileiro) é bem caricata. As tomadas relativas ao Brasil sempre vêm embaladas musicalmente (muito frequentemente ao som de “Voa Canarinho, voa”)[1] e com imagens de torcedores constantemente em movimento pélvico (dançando). O texto narrado e a entonação dada sugerem pequenas entradas de apelo cômico.

Não obstante, as associações (cômicas ou não) vinculadas à seleção e aos brasileiros são sistematicamente relacionadas ao “carnaval”, à música, aos “tambores”, ao samba e ao nosso “futebol romântico”. Aliás, aqui temos uma chave ‘explicativa’ para a tragédia do Sarriá (tragédia para nós, festa nacional para os italianos): teria sido por conta do nosso tal romantismo futebolístico que, mesmo com a vantagem do empate, nos impeliu “ao ataque”. Quando Falcão empata o jogo, a narração evidencia que o 2 x 2 classificaria o Brasil: “Mas seus instintos naturais [do futebol brasileiro] os levariam adiante” [ao ataque]. Perdemos porque maior que a possibilidade de jogar com a regra o que se fez valer foi nosso impulso irrefreável ao jogo ofensivo…

Também me parece-me interessante destacar que os gols da Itália contra nossa seleção são associados a descuidos/falhas do Brasil (e, desse modo, menos ao mérito do adversário). O segundo sucesso de Paolo Rossi, no caso, é explicado como “outro lapso [que] permite” o tento do atacante.

Com a consecução do hat-trick de Rossi, no entanto, “a bateria brasileira silencia” e o nosso time, “favorito, campeão [!] do futebol romântico”, ficava “fora da Copa do Mundo”. O mais notável é que nesse ponto o documentário sofre uma inflexão narrativa que mais se assemelha a um pesar. É definido mesmo como um “anticlímax”. Isso porque, dada a eliminação do selecionado canarinho,

“A Espanha recupera o fôlego. Com o Brasil fora, uma sensação de anticlímax prevaleceu. A vida voltou ao normal e se esqueceu do futebol”.

Imageticamente isso implica uma sequência (sem fala) com várias cenas cotidianas: no campo, no trânsito, nas terrazas madrileñas, nas praias. Somente após esse interregno, e de forma lenta e quase relutantemente, é que o país se preparou para a primeira das semifinais: Polônia conta Itália.

A leitura elementar parece nos levar a crer que a saída do Brasil impacta negativamente o desenrolar da Copa (e do próprio documentário). A admissão da perda do clímax, antes mesmo das semifinais, chega a surpreender. Os jogos são cobertos, é claro, e méritos são reconhecidos à Azzurra, mas alguma coisa tinha ficado pelo caminho (sempre segundo o documentário). Chega a impressionar o destaque da seleção brasileira de 1982 que, mesmo eliminada na segunda fase, consegue imprimir um sentido de qualidade e espetáculo cuja ausência é sentida como o princípio do fim. Também é de se registrar como é pujante uma concepção de que o futebol brasileiro teria uma espécie de natureza própria, de cunho artístico, romântico (estético), vital (instintivo) e gingado (rítmico, tal como na permanente trilha sonora que lhe é constantemente associada). Para mais, esperemos o livro.

Até a próxima!


[1] Povo feliz ou Voa Canarinho, voa! Canção de 1982, de autoria de Memeco e Nonô do Jacarezinho e gravada pelo lateral da seleção, Júnior (Disponível em: https://globoesporte.globo.com/futebol/selecao-brasileira/noticia/2014/06/voa-canarinho-voa-junior-lanca-regravacao-para-sua-famosa-musica.html. Consultado em 27/02/23.


[1] Para alguns detalhes e curiosidades publicadas sobre esse documentário, ver SCHOTT, Ricardo. G’olé!: lembra que tinha um filme oficial da Copa de 1982? Disponível em: https://popfantasma.com.br/gole-rick-wakeman/ (20/06/2018). Consultado em 26/02/23 e “G’Olé”. Disponível em: https://opoderosochofer.wordpress.com/2014/06/27/gole-filme-oficial-da-copa-do-mundo-espanha-1982/. Consultado em 27/02/23.

[2] Ver uma instrutiva matéria em: COPA, Copa Além da. Histórias das Copas do Mundo: o sheik e a invasão de campo. Ludopédio, São Paulo, v. 159, n. 14, 2022. Disponível em: https://ludopedio.org.br/arquibancada/historias-das-copas-do-mundo-o-sheikh-e-a-invasao-de-campo/. Consultado em 26/02/23.

[3] Ver detalhes em: https://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2014/07/04/franca-x-alemanha-teve-o-lance-mais-violento-da-historia-das-copas.htm. Consultado em 26/02/23.

[4] Conforme a Real Academia Española. Disponível em: https://www.rae.es/dpd/olé. Consultado em 27/02/23.


Medicina, ginástica e saúde no Rio de Janeiro do século XIX: a infância e a escola como objetos e espaços sociais de intervenção (parte 2)

27/02/2023

Fabio Peres e Victor Melo[i]

No post anterior, abordamos como a ginástica tornou-se cada vez mais uma questão relacionada à educação e à infância nos periódicos científicos da década de 1840. Este processo, que começou nas décadas anteriores, estava inserido em um campo de disputas em que diferentes agentes, práticas e saberes buscavam se legitimar.

Como sinalizamos, o Dr. Francisco Paula Candido mencionou a ginástica no discurso da comemoração do 12º aniversário da Academia Imperial de Medicina[ii].

Nesse discurso – realizado em sessão pública com a presença do imperador no Palácio Imperial da Cidade -, a prática corporal serviu como exemplo, entre os antigos, da relação desejável entre conhecimento especializado e o Estado:

Em última análise fica incontestável a influência, que a ginástica, a sobriedade, e outros preceitos higiênicos erigidos em leis, adaptados à índole e necessidade dos Lacedemônios, exerceu na educação daqueles, que essas mesmas leis transformarão em heróis (1841, p.144).

O presidente da Academia Imperial de Medicina deixava, desse modo, manifesta a posição da entidade: uma autorrepresentação da medicina enquanto portadora de um saber sobre a saúde física e coletiva, que deveria prevalecer sobre a vida social e política do Império. Não será coincidência que posteriormente Paula Candido ocupará a presidência da Junta Central de Higiene Pública (1850-1864).

O futuro do país e da sociedade como um todo dependeria, segundo Candido, do diagnóstico proveniente da ciência e, em particular, da medicina:

[..] no apogeu da civilização o legislador deve chamar a contribuição todos os ramos dos conhecimentos humanos sob pena de ficar atrás do século em que vive (p.1841, p. 143).

Tal perspectiva fica mais evidente nas atribuições que a Academia, segundo Paula Candido, deveria exercer na educação brasileira, difundindo o saber médico entre a população. Como vimos, esse saber, conforme parte dos médicos da entidade defendiam, incluiria a introdução da prática da ginástica nas escolas do país. Tal posição seria depois consolidada oficialmente pela Academia Imperial de Medicina, ao se pronunciar a favor da necessidade do ensino da ginástica nas escolas de instrução primária[iii].

Revista Medica Brasileira, v.1, n.3, julho de 1841.

Aliás, não se sabe ao certo o papel que a Academia Imperial de Medicina teve na introdução dos exercícios ginásticos no Colégio Pedro II, que ocorrera em 1841, que foi defendida por Emilio Maia com veemência no ano anterior. Contudo, naquela ocasião, o mestre de ginástica contratado foi justamente Guilherme Luiz de Taube, que quase 10 anos antes solicitou um parecer da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro sobre o seu breve tratado sobre ginástica.

Em todo caso, parece-se nos adequado afirmar que, na perspectiva dos esculápios, a ginástica materializaria (assim como os demais preceitos da educação física e da higiene, as quais ela estava articulada) a medicalização do cotidiano escolar.

Um exemplo da defesa de tal perspectiva pode ser identificado na RMF, na qual foram publicados os preceitos de higiene estabelecidos pelo decano da Faculdade de Medicina de Paris e adotados nas escolas públicas francesas[iv]. Além de diversas recomendações referentes a alimentos e bebidas, vestuário, banhos etc., a prática de exercícios, incluindo a ginástica, constitui uma orientação que deve ser seguida no meio escolar.

A educação voltada para a infância se constituiria, assim, em locus por excelência do saber médico sobre a ginástica. Essa, porém, seria uma das faces, entre outras, da ginástica médica; embora, talvez, a que os médicos dedicariam maior atenção a partir daquele momento.

Nesse cenário, avançará também a discussão sobre os métodos, bem como sobre os mecanismos fisiológicos e terapêuticos envolvidos na prática corporal, reforçando e, em alguns casos, ampliando o rol de enfermidades tratadas ou prevenidas pela ginástica. O parecer do Dr. Rego Cesar a um opúsculo sobre “ginastica médica sueca”, apresentado a pedido da Academia Imperial de Medicina, pode ser entendido como uma forma de melhor compreender os efeitos e os possíveis usos da prática corporal[v]. Rico em detalhes sobre as ações fisiológicas promovidas pela ginástica, a enumeração das moléstias que poderiam ser combatidas dá uma dimensão da possível importância atribuída a tais exercícios pelas ciências médicas: paralisia, apoplexia, problemas na coluna vertebral, catarro nos pulmões, tísica tuberculosa, asma, hiperemia abdominal, constipação, hemorroida, ingurgitamento do fígado, gota, reumatismo, escrófula, moléstias nos genitais e na bexiga, entre outras.

Adicionalmente, de acordo com Rego Cesar, a prática corporal também acostumaria o cidadão à disciplina, à obediência, tornando-o útil à defesa pátria. A ginástica ficava, assim, também associada ao corpo do (inclusive, do futuro) soldado[vi]. Contudo, na visão do médico, a difusão e as condições para sua prática ainda seriam bastante deficientes no país, inclusive nas associações estrangeiras, se constituindo em mero divertimento ou passatempo, e no Colégio Pedro II, cujo curso seria incompleto, imperfeito e facultativo. Ao mesmo tempo, haveria falta de professores devidamente habilitados para ensiná-la adequadamente.  

O parecer do Dr. Rego Cesar apresentava, portanto, indícios dos desafios enfrentados, ainda na década de 1870, na longa e sinuosa trajetória da implementação da ginástica nas escolas, apesar dos “avanços” em relação à legitimação do saber médico sobre a prática. Anos depois outro médico defenderá que a ginástica se constituísse como fundamento de toda “educação individual e coletiva”. Mas essa história ficará para o próximo post.


[i] Parte do texto foi publicado originalmente em: PERES, Fabio de Faria e MELO, Victor Andrade de. O trato da gymnastica nas revistas médicas do Rio de Janeiro na primeira metade do século 19. História da Educação [online]. 2015, v. 19, n. 46, pp. 167-185. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/2236-3459/46494&gt;. ISSN 2236-3459.

[ii] Revista Medica Brasileira, v.1, n.3, julho de 1841, p. 140-149.

[iii] Embora não tendo acesso a tal documento, o parecer do Dr. Corrêa de Azevedo sobre a ginástica médica sueca faz referência a esse episódio. Provavelmente se refere ao relatório Da Utilidade da Gymnastica nas Escolas de Ensino Primário, apresentado pelos médicos José Pereira Rego Filho, João Pinto Rego Cesar e João Batista dos Santos.

[iv] Revista Medica Brasileira, Abril de 1842, p. 679-684.

[v] Annaes Brasilienses de Medicina, Novembro e Dezembro de 1876, p. 240-245.

[vi] Deve-se lembrar que tal tema foi abordado no relatório De-Simoni sobre o tratado de Taube e, posteriormente, na memória Contribuições para o Estudo das Moléstias da Guarnição da Corte escrita pelo Dr. Manoel José de Oliveira, membro titular da Academia Imperial de Medicina (Annaes Brasilienses de Medicina, Julho a Setembro de 1883, p.35-95).


A Educação Física baiana celebra cinquenta (50) anos

14/02/2023

Coriolano P. da Rocha Junior

O ano de 2023 é para a Educação Física baiana muito especial. Nele se celebram os cinquenta anos de fundação daquele que foi o seu primeiro Curso Superior de formação na área, o da Universidade Católica do Salvador (UCSAL).

Poderia ser apenas uma data comemorada internamente pela UCSAL, mas acaba que é, na Bahia, um momento de celebração para o campo da Educação Física como um todo, uma efeméride que deve ser tomada como um marco institucional para esta área de conhecimento no estado, haja vista ter sido este o curso que iniciou e que durante longo tempo foi único na Bahia.

A Bahia, como mostram Pires, Rocha Junior e Marta (2013) foi um dos últimos lugares do Brasil a ter seu próprio curso superior de Educação Física. Tal formação, no Brasil, no meio civil, teve início no ano de 1939, quando da fundação da Escola Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFD), na então Universidade do Brasil.

A partir deste ano, país afora, foram criados cursos diversos, em diferentes Instituições de Ensino Superior, no entanto, na Bahia, só no ano de 1973 foi que isto aconteceu, mesmo que em tempos anteriores houvesse havido no Estado iniciativas que buscaram a fundação de um curso, mas todas foram frustradas, por variadas razões (PIRES, ROCHA JUNIOR e MARTA, 2014).

Até o ano de 1973, na Bahia, quem quisesse ter uma formação em Educação Física deveria sair do estado e buscar algum curso já existente. Em períodos variados, sem dúvida, a ENEFD foi a preferida, justo por ser uma instituição de referência, mas também houve que tivesse buscado outros cursos, a exemplo do da Escola Superior de Educação Física de Recife, a partir do Programa de Expansão e Melhoria do Ensino (PREMEN) (FERRARO, 1991).

Fica a noção de que a demora na instalação de um curso superior próprio de Educação Física, na Bahia, acabou por provocar na área, não apenas um déficit de pessoas legalmente habilitadas para o trabalho, mas também, na própria afirmação do campo e de suas práticas por extensão, como o esporte, a ginástica e as lutas, espaços tradicionais de intervenção docente, que, embora, não dependam de forma única da Educação Física, sem dúvida, tem nesta área seu maior esteio de sustentação.

Sendo a Bahia um estado muito grande, com um largo número de municípios, mesmo com a criação de seu primeiro curso, devemos ter em mente, de forma clara, que ainda seguiu um buraco no atendimento social pleno, ainda mais tendo em conta que foi só em fins dos anos de 1980 que outro curso foi fundado. Assim, as pessoas egressas da UCSAL, que verdadeiramente abraçaram o campo, claro, não davam conta de atender a toda a Bahia, nos mais variados espaços profissionais da Educação Física.

Esse considerado atraso na instalação da formação superior em Educação Física na Bahia, claro, trouxe ao estado prejuízos de variados tons, desde a condição da afirmação das práticas corporais como um bem social, até a existência plena da disciplina escolar Educação Física, passando também pelas políticas públicas, seja na capital, ou até de forma mais acentuada nos interiores, tomando a grandiosidade do estado e suas peculiaridades sociais e econômicas, mas, mesmo assim, se deve comemorar e ao fazer isto, devemos também, de forma justa, trazer a tona personagens fundamentais em todo o processo.

Assim, mesmo reconhecendo que a instalação da Educação Física na Bahia foi resultado de uma grande ação de variadas pessoas, que tiveram papel fundamental nesta verdadeira luta, há uma que é tida como fundamental em todo este processo, que é o Professor Alcyr Naidiro Fraga Ferraro.

O Professor Alcyr é reconhecido por todas as pessoas que acompanharam os esforços pela criação de um curso na Bahia, como figura fundamental e de extensa participação, não apenas na criação no da UCSAL mas também no que veio depois, o da Universidade Federal da Bahia, só em 1988.

Em sua trajetória, Alcyr Ferraro desde muito cedo se viu envolvido com a prática de esportes. Soteropolitano, filho de família mediana, Alcyr sempre participou da vida esportiva da cidade, tendo sido praticante regular de várias modalidades, se encantando com tais vivências e mesmo por isso, acabou sendo chamado para atuar como professor leigo, figura comum naquele período, onde pessoas sem formação específica atuavam como docentes de disciplinas escolares e no caso, Alcyr, por sua vivência, foi militar com a Educação Física.

A condição de professor leigo não soou para Alcyr como algo ideal e justo. O mesmo compreendeu que deveria buscar uma formação específica, para melhor qualificar sua ação e foi aí que teve a iniciativa de se graduar na ENEFD, que então, aparecia para quem era da Bahia como a cena ideal.

Alcyr iniciou sua formação em 1947 e um ponto deve se destacar para a busca pela ENEFD, a política de bolsas que o curso oferecia. Sua trajetória no Rio de Janeiro foi como a de tantas outras pessoas da Bahia que por lá passaram, ou seja, mesmo com a bolsa, elas tinha de buscar trabalho para complementar e qualificar a renda, pensando uma melhor estada na cidade e ainda, caso fosse na área da Educação Física, se entendia que estas atividades colaborariam com a formação profissional.

Em 1949 Alcyr finalizou seu curso e com a titulação optou por voltar para a Bahia, especificamente para Salvador. Vale dizer que o retorno ao seu local de origem das pessoas graduadas na ENEFD, constava no regimento da Instituição, elemento que era tido como essencial para a dinamização da Educação Física país afora.

Em sua volta a Bahia, Alcyr se colocou como professor em diversos espaços e instituições, assumindo localmente uma liderança no campo e frente as pessoas que aqui já trabalhavam e que vieram a atuar e sempre esteve em seu alvo, criar, na Bahia, um curso específico.

Com esse intento, Alcyr atuou na Bahia contribuindo com a afirmação da Educação Física, seja ministrando aulas diversas, liderando profissionais, organizando eventos ou ainda na gestão de instituições, mas sempre com a meta de aqui fundar um curso.

Devo afirmar que Alcyr não foi peça única neste processo de tentativas várias de instalação de um curso na Bahia, mas reconhecidamente foi uma liderança, alguém que colocou como meta esta busca e por ela atuou em frentes várias, por vários anos, até que conseguiu seu intento, quando em 1973 se fundou o curso da UCSAL.

Após a instalação desse curso, Alcyr nele atuou em diversas frentes, passando então a formar quadros profissionais que vieram a atuar e assim alargar a Educação Física na Bahia, fato que só fez aumentar sua liderança no campo.

Mesmo após a criação do curso da UCSAL, Alcyr não se deu por satisfeito e seguiu buscando mais, até que também atuou na formação do curso da Universidade Federal da Bahia, que só se efetivou em 1988.

Enfim, no ano que a Bahia celebra os cinquenta anos de seu primeiro curso, pareceu justo trazer aqui uma breve referência a uma figura fundamental, Alcyr Ferraro e a partir dele, homenagear a própria Educação Física na Bahia e seus vários personagens que nela atuaram, atuam e atuarão, seja qual for o lugar, instituição e experiência. Que venham outras datas, outras celebrações.

Referências:

FERRARO, Alcyr Naidiro. A Educação Física na Bahia: memórias de um professor. Bahia: CEDUFBA, 1991.

PIRES, Roberto Gondim, ROCHA JUNIOR, Coriolano P. da e MARTA, Felipe Eduardo Ferreira. PRIMEIRO CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA BAHIA – TRAJETÓRIAS E PERSONAGENS. Rev. Bras. Ciênc. Esporte, Florianópolis, v. 36, n. 1, jan./mar. 2014, p 205-223.

PIRES, Roberto Gondim, ROCHA JUNIOR, Coriolano P. da e MARTA, Felipe Eduardo Ferreira. MEMÓRIAS DE PIONEIROS DA EDUCAÇÃO FÍSICA: BAIANOS NA ENEFD. Recorde: Revista de História do Esporte . vol. 6, n. 2, julho-dezembro de 2013, p. 1-23.


Para Fernando…

10/02/2023

Fernando

.

“A Desalambrar

Daniel Viglietti

 

Yo pregunto a los presentes

Si no se han puesto a pensar

Que esta tierra es de nosotros

Y no del que tenga más

 

Yo pregunto si en la tierra

Nunca habrá pensado usted

Que si las manos son nuestras

Es nuestro lo que nos den

 

A desalambrar, a desalambrar

Que la tierra es nuestra, es tuya y de aquel

De Pedro y María, de Juan y José”

 

—xxx—

Tudo passa rápido, e de repente tudo é história…

Há muito tempo atrás, ainda estava fazendo meu mestrado, não sei bem como, caiu em minhas mãos um boletim dedicado a discutir “ocio, recreación y tiempo libre” produzido por uns colegas colombianos. Naqueles tempos anteriores à internet, escrevi uma carta ao editor a fim de me apresentar e manifestar o desejo de manter contato.

Meses depois, recebo a resposta e um pacote com todos os números do boletim. A troca foi intensa e generosa, mas ao fim, não conseguimos manter o contato. Tudo era mais difícil naqueles tempos.

Anos depois, fui a Bogotá, convidado por Esperanza e Carlos Osorio para fazer uma conferência sobre lazer. Ao final de minha fala, chegou até mim um colega e se apresentou: “Olá, sou Victor Molina, mantivemos contato por carta há alguns anos atrás”.

Aquela trama do destino me encantou e de pronto conversamos muito. Meses depois, ele me convidou para uma conferência em Medellin. Quem me buscou no aeroporto foram dois outros colegas, Saul Franco, com seu carro apelidado de “El Gran Colorado”, e José Fernando Tabares. Não podia imaginar que dali sairiam milhões de projetos e uma amizade preciosa. Para ser sincero, comecei a desconfiar pela noite, quando rimos muito, conversamos muito, compartilhamos muitas ideias e tomamos muitas cervejas, muitas “Club Colômbia”. Parecia que nos conhecíamos há décadas!

Havia um fermento forte a nos unir: a ideia de que precisamos combater os privilégios para construir um mundo mais justo e menos desigual; e isso passava por uma América Latina livre, soberana e fraterna.

Não era um sonho original. É um sonho de gerações. Mas só se propaga porque há elos da corrente. E assim nos pensando, como elos da corrente, fizemos muitas coisas juntos, muitos projetos, sonhamos e realizamos juntos, e nos divertimos, confraternizamos. Muita gente mais se envolveu nessa história que começa com uma ocasionalidade do destino.

Hoje, recebi a notícia da morte de Fernando. Fazia tempo que não nos víamos e nem nos falávamos. Coisas da vida. As lágrimas não cabem no meu peito, não param de brotar dos meus olhos. Lágrimas de tristeza, sim, mas também de felicidade por tudo que vivemos juntos. Tive o privilégio de desfrutar do companheirismo e das reflexões de um dos líderes dos debates sobre o lazer na Colômbia e na América Latina. Tive o privilégio de compartilhar momentos lindos com esse cara bem-humorado, amoroso, terno, mas também duro no debate e firme nas reflexões. Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás…

Irmão querido, descansa em paz. Obrigado por tudo. Sua missão foi cumprida. Nós seguiremos na missão até o dia de nos reencontrarmos em outro plano. Até lá, saiba que você permanecerá em nossas lembranças e corações.

Victor Melo