O jogo da pelota

por Victor Andrade de Melo

Segundo William Martins (2004), o jogo da pelota chegou ao Brasil em 1892, pelas mãos do argentino Bernardino Sencifrian, sendo Carlos Vianna Bandeira o dono de um dos primeiros espaços do Rio de Janeiro onde as partidas foram disputadas, o Frontão Brasileiro, que se localizava no Campo de Santana. Curiosamente Bandeira era cunhado de Rui Barbosa, que inclusive auxiliou financeiramente na abertura do estabelecimento.

Na verdade, no Brasil o jogo tem também relação com a imigração espanhola, de caráter predominantemente urbana e forte na transição dos séculos XIX e XX, ainda que o grupo majoritário que para cá veio fosse de galegos e não de bascos, que tinham maior tradição na prática. Os espanhóis foram o terceiro maior número de estrangeiros a chegar ao país (perdendo para portugueses e italianos). No Rio de Janeiro, instalaram-se fundamentalmente na região central da cidade, onde também foram abertos os principais frontões.

Imigrantes espanhóis no comércio de ferro-velho em São Paulo, nos anos 1950

A relação dos espanhóis com a prática é lembrada por João do Rio em seu livro “A alma encantadora das ruas” (1908). Ao falar do caráter cômico da produção de anônimos poetas populares, o autor relembra uma canção ouvida pelas calçadas da cidade:

“La Union Española
Lembrou-se de oferecer
Passagens a seus súditos
Para a pátria defender.
Mas eles, que nem lá vão,
Passam cá vida folgada
Quase todos pelotaris
Nos boliches, nas touradas”.

Alguns anos mais tarde, Monteiro Lobato, no conto “Bugio Moqueado”, (1920), assim se referiu à prática, ironizado a sua linguagem típica:

“- Uno!

Ugarte…

– Dos!

Adriano…

– Cinco…

Vilabona…

– Má colocação! Minha pule é a 32 e já de saída o azar me põe na frente Ugarte… Ugarte é furão. Na quiniela anterior foi quem me estragou o jogo. Querem ver que também me estraga nesta?

– Mucho, Adriano!

Qual Adriano, qual nada! Não escorou o saque, e lá está Ugarte com um ponto já feito. Entra Genúa agora? Ah, é outro ponto seguro para Ugarte. Mas quem sabe se com uma torcida…

 – Mucho, Genúa!

 Raio de azar! — Genúa “malou” no saque. Entra agora Melchior… Este Melchior às vezes faz o diabo. Bravos! Está agüentando… Isso, rijo! Uma cortadinha agora! Buena! Buena! Outra agora… Oh!… Deu na lata! Incrível…

Se o leitor desconhece o jogo da pelota em cancha pública — Frontão da Boa-Vista, por exemplo, nada pescará desta gíria, que é na qual se entendem todos os aficionados que jogam em pules ou ‘torcem’”.

Havia frontões em muitas cidades brasileiras, notadamente no Rio de Janeiro, São Paulo (onde se destacava o Frontão Boa Vista, localizado na esquina da Rua Boa Vista com a Ladeira do Porto Geral) e Santos (entre outros locais, no clube União Esportiva, que aproveitava a estrutura de um antigo teatro, o Coliseu Paulista; futuramente aí seria instalado o Clube Atlético da Pelota). Na capital carioca do final do século XIX, muitos eram os espaços: além do citado Frontão Brasileiro, o Frontão Boliche Nacional, o Frontão Fluminense ou Coliseu Lavradio (localizado na rua de mesmo nome, próximo ao Velódromo Nacional, Centro da cidade), o Electro Ball, o Municipal e o Frontão Catete, localizado no bairro de mesmo nome.

Diagrama do Coliseu Santista, utilizado para práticas desportivas em fins do século XIX

Havia ainda disputas no Jardim Zoológico, no Frontão Niterói (situado naquela cidade) e, no início do século XX, em alguns clubes (Flamengo e Vasco, por exemplo). Paschoal Segreto, um dos pioneiros do cinema brasileiro, esteve envolvido com o oferecimento do jogo de pelota, cujas partidas eram realizadas na Maison Moderne, casa de entretenimento de sua propriedade. Em função da popularidade da prática, em 1893 foi lançado o periódico “Frontão”.

Os frontões e o jogo da pelota ficaram muito relacionados a escândalos ligados aos resultados e às apostas. Artur Azevedo, em sua peça “O Tribofe”, descreve uma cena que se passa no Frontão Fluminense:

“Tribofe – Tantos, quinielas e pelotares! Temos um vocabulário novo!

Frivolina – Entre os joguinhos mais populares, nenhum agrada tanto ao Zé Povo!

Mbos – No entanto, é bom muita cautela ter no jogar, pois no Frontão ganha a quiniela que quer ganhar!

Tribofe – É verdade! Um joguinho esplêndido para o tribofe! Com uma pelota chamba, um delantero pode arranjar uma boa maquia! Não há receio de que o zagueiro faça uma boléia! Que jogão! Mas desconfio que a polícia qualquer dia mete o bedelho na cancha, e acaba com tudo aquilo!”

No seu livro de memórias, Luis Edmundo (1957) comenta sobre os problemas observados nos locais do esporte:

“Os espectadores, logo que percebem as irregularidades do jogo, rebentam em impropérios contra os jogadores. Da cancha, por sua vez, respondem os pelotários violentamente, revidando, com acrimônia, os insultos que lhes são atirados. A barulheira cresce. Referve. É o calão. É a descompostura da sarjeta. É a obscenidade. Depois vem o murro, o pontapé, a bengalada, por vezes o tiro de revólver, e a depredação da casa da poule” (p.854).

Na transição dos séculos XIX e XX, os dirigentes dos clubes de pelota ainda tentaram, pelo menos no discurso, argumentar que o jogo trazia benefícios para a saúde; uma tentativa de adequar a prática aos novos sentidos que estavam em construção não só para o esporte, como também para a sociedade como um todo. Basta ver um editorial publicado no Jornal do Brasil de 15 de janeiro de 1895:

“Os jogos dos frontões participam da natureza dos jogos atléticos tais com a pelota; esses jogos tendem a desenvolver as forças corpóreas, a dar maior vigor à musculatura, como meios da educação física, não pode ser considerado de azar porque a lei (art. 370 do Código Penal) só considera tais aqueles em que o ganho e a perda dependem exclusivamente da sorte, e nestes o êxito depende da destreza e robustez dos jogadores” (p.2).

No periódico “A Canoagem”, em outubro de 1903, um jornalista também tenta defender a prática, argumentando que: “tanto desenvolve a musculatura das pernas e tronco do indivíduo, como também faz-lhe adquirir uma grande certeza de vista e prontas resoluções para exercitar o seu jogo”.

Curioso também ver o que informa Martins (2004), sobre o primeiro responsável por um frontão na cidade, o já citado Carlos Vianna Bandeira:

Tantas foram as acusações aos frontões que Bandeira, em seu livro Lado a lado com Rui, dedica um capítulo à questão dos frontões intitulado “Esporte, não jogo”. Bandeira tenta convencer o leitor de duas questões: a primeira que o frontão não era um lugar para jogos de azar e a segunda, que Rui Barbosa nunca teve nada a ver com os frontões, a não ser as ações que havia ganho (p.67).

Na década inicial do século XX, no Rio de Janeiro o jogo era ainda praticado no Clube Internacional de Pelota e no Clube Atlético de Pelota, mas não haveria mesmo jeito: seria proibido em função de seu caráter de jogo de apostas.

Referência

MARTINS, William de Souza Nunes. Paschoal Segreto: “ministro das diversões” do Rio de Janeiro (1883 – 1920). Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, 2004. Dissertação de mestrado em História Social.

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