Ficção científica e futebol

Por Edônio Alves

Dando continuidade ao nosso propósito, nesse blog, de relaciornarmos literatura e futebol, sempre na perspectiva de que um campo pode se nutrir do outro, mostraremos um texto da chamada vertente da literartura de ficção científica em que o esporte bretão serve como elemento temático a aguçar a inventividade de quem escreve e a imaginação de quem ler. Sendo assim, trazemos aqui uma pequena amostra do que esse tipo de literatura pode produzir tomando o tema do futebol como referência de fatura textual. O autor é o escritor carioca, Fábio Fernandes, e o texto chama-se,

2010, o ano em que faremos contato

Esse conto, pois, é uma fabulação ficcional genuína da chamada literatura de antecipação – ou de ficção científica – em que um técnico de futebol conversa com um interlocutor virtual, um repórter a quem concede uma entrevista, sobre uma partida entre uma seleção de jogadores representando a humanidade, comandada por ele, e uma outra equipe de alienígenas que visitam a terra com o objetivo de fazer intercâmbio de tecnologias. Narrando em primeira pessoa para reforçar com seu testemunho a verossimilhança da história que conta – apesar da sua tácita, mas apenas relativa plausibilidade -, o narrador-personagem vai desfiando a meada de um caso em que se vê com o encargo de dirigir uma equipe dos melhores jogadores do mundo contra os saranaii – povo de outro planeta – como requisito para a troca de experiências interplanetária. “Pois é, eu até que acabei gostando no fim das contas: deu pra descansar e a gente começou a ficar aliviado, depois de perceber que eles não queriam nos invadir nem nos destruir, só fazer amizade e oferecer um lugar junto à Comunidade Galática, ou seja lá o nome que dão àquilo do que eles fazem parte. Você sabe, aquele negócio de paz e harmonia entre as espécies. Enfim”. Está aí dada a senha para o desenrolar de uma história mirabolante e que para surtir efeito no leitor, é recheada de peripécias em que não faltam humor intrínseco:

“- Os senhores vão jogar conosco aqui, com a nossa gravidade? – perguntei ao Controlaador.

– Quê que é isso, garotinho! – respondeu o alienígena baixinho. – Pingou na grande área, a gente chuta! Se derrubar é pênalti! – e deu aquele sorrisinho enigmático”.

Não falta engenhosidade de conteúdo:

“Resumindo: cientes de que, devido à forte gravidade da Terra e à compleição delicada de seus corpos, os saranaii jamais poderiam nos enfrentar numa partida de futebol, eles optaram pela solução mais lógica: teleclones. (…) O jogo foi um sucesso. Claro, eles podiam ter dado um desconto pra gente; treze a zero foi um pouco demais. Mas, vá lá que seja, o presidente avisou pra não contrariar, que eles nos prometeram intercâmbio de tecnologia”.

Não faltam arranjos hiperbólicos de tom retórico:

“(…) Afinal, os bonecos – como todo mundo passou a chamar os teleclones – eram onze Pelés em campo, onze garrinchas, enfim os sujeitos eram invencíveis. (…) eles haviam usados os esquemas táticos de todos os países ganhadores das copas do mundo em uma só partida. Começaram no 4-2-4, passando para o 4-3-3, carrossel holandês, pontas rotativos, 3-5-2 com alas, líberos e armadores defensivos, enfim, o escambau. (…) Rapaz, não faltou nem o suicida paredão ucraniano de 2002, o dificílimo 10-0-0, que só era tentado em último caso… e que não garantiu a vitória deles em cima dos Camarões na semi-final”.

E, por fim, não falta aquele arremate de efeito lógico para transmitir a sensação de verdade pura no que é apenas genuína, fantasiosa e saborosa invenção:

“E já tinha clube querendo contratar os bonecos: O PSV Eindhoven foi o primeiro a abrir as negociações oficialmente, seguido de perto pelo Manchester United, pelo Flamengo e pelo Boca Juniors. (…) Sim, eu sei que isso hoje não quer dizer nada, que os saranaii nos vendem toda a tecnologia de que precisamos, por um precinho camarada. Dizem até que a fome do mundo está acabando. Mas que o governo francês não gostou daquele negócio da ONU ter vendido o Louvre, isso eu sei que não gostou, que eu conversei outro dia com o presidente Paltini e ele estava puto. Ora, puto fiquei eu: tudo bem que o estádio que eles puseram no lugar do Maracanã é até bonito, funciona, tal e coisa. Mas precisava ter levado o estádio pro planeta deles? Sei não, mas desconfio que nesse intercâmbio de tecnologia que está se dando bem são eles.”

***

PARA SABER MAIS:

Fábio Fernandes, o autor do conto acima, nasceu em 1966, na cidade do Rio de Janeiro. É Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e leciona nos cursos de Tecnologia e Mídias Digitais e Jogos Digitais dessa mesma instituição. É membro do Grupo de Pesquisa Com+, da ECA-USP, onde realiza pós-doutoramento sobre a subversão da linguagem no Twitter, e também do Steering Group Visions of Humanity in Cyberculture, da Universidade de Oxford, Inglaterra. Tem publicados os livros A Construção do Imaginário Cyber; William Gibson, Criador da Cibercultura (2006) e Os Dias da Peste (2009), além de artigos e capítulos em diversas revistas e livros no Brasil e no exterior. Traduziu os seguintes clássicos da literatura mainstream e de ficção científica: Neuromancer, Fundação, O Homem do Castelo Alto e Laranja Mecânica, entre outros. Tem contos publicados em vários países e atualmente está traduzindo a série de quadrinhos “Hellblazer”, em São Paulo, capital, onde reside. A história curta, 2010, o ano em que faremos contato, foi publicada na reunião de contos de ficção científica, Outras Copas, Outros Mundos, organizada por Marcello Simão Branco e publicada pela editora Ano-Luz; Grupo PECAS, São Caetano do Sul-SP, em 1998.

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