LOUCO POR BOLA TEM EM TUDO QUE E’ LUGAR ou QUANDO AS CINZAS RENASCEM…

By Jorge Knijnik

‘’Os australianos pensam que sabem tudo sobre esporte, e que eles, mais que ninguem, sao os mais fanaticos praticantes e torcedores do mundo. Nao sabem nada. Deviam ir ate’ a Argentina ou o Brasil para verem quem sao os verdadeiros loucos e fanaticos por esporte…’’. Esta frase me foi dita pelo meu querido amigo Michael Gard, australiano, professor de Educacao Fisica, dancarino e sociologo do esporte – quem, entre outras grandes qualidades, ja morou no Brasil (Floripa) e portanto sabe um pouco mais sobre a America do Sul do que o australiano medio.

Olha, eu nao sei quem e’ mais louco ou mais fanatico. Acho ate’ que as ‘loucuras’ e ‘fanatismos’ esportivos se expressam em formas tao diversas como o numero de esportes existentes mundo afora. E muitas destas ‘loucuras’ acabam criando tradicoes fantasticas que perduram seculos adentro.

Uma destas tradicoes malucas e’ uma serie de jogos de cricket chamada ‘The Ashes’ (literalmente, As Cinzas), que e’ disputada bienalmente entre as selecoes de cricket Australiana e a Inglesa. The Ashes e’ considerada uma das maiores rivalidades existentes no mundo do cricket. Ela e’ composta por uma serie de cinco jogos, os quais sao realizados uma vez na Inglaterra e na vez seguinte na Australia. Como cricket e’ um ‘esporte de verao’, claro que o espacamento entre os torneios chega a cerca de 30 meses, conforme o verao nos diferentes hemisferios.

Mas o interessante de tudo e’ entender como a loucura, digo, a tradicao comecou. Tudo data do seculo XIX, mais precisamente do ano de 1882. Naquele ano, pela primeira vez na historia, a equipe Australiana de cricket venceu a equipe Inglesa em pleno solo ingles…Ou eu deveria dizer que a equipe Inglesa foi derrotada pelos australianos em um dos mais tradicionais palcos do cricket internacional, conhecido como The Oval (atualmente batizado com o nome do patrocinador, The Kia Oval). Isso custou demais para aquela equipe. Ato continuo a derrota, o tambem tradicional jornal britanico The Sporting Times publicou um obituario ironico, decretando a ‘morte’ do cricket ingles. O jornal foi mais alem na ironia, falando que o corpo do cricket ingles seria cremado e suas cinzas (the ashes!) seriam levadas para a Australia. Dias depois, a imprensa inglesa ja desafiava o Cricket English team para, em sua proxima viagem a Australia, ir ate Melbourne  (cidade australiana sede do Melbourne Cricket Oval (MCG), o maior estadio de cricket no mundo!)  e recuperar aquelas cinzas!

Assim, no ano seguinte, naquela excursao para Melbourne (1883) um grupo de mulheres australianas entregou ao capitao do time ingles (Ivo Bligh) uma pequena urna de ceramica terracota, a qual dizem que continha as cinzas de uma parte do equipamento de cricket (uma bail, um dos pauzinhos menores que formam a wicket, que e’ a ‘casinha’ a ser atingida pela bola no cricket).

Um aspecto interessantissimo de tudo isso e’ que a tradicao perdura ate’ hoje. O trofeu da The Ashes e’ representado atualmente por uma urna de cristal. The Ashes sao jogadas regularmente a cada dois anos, e na ultima delas, no verao australiano de  2010/11, a Australia levou um baile dos Ingleses, perdendo todos os jogos em casa (cada jogo foi feito em uma grande cidade Australiana), o que levou a queda e a aposentadoria do capitao do time australiano – feita em grande estilo, em uma coletiva de imprensa com todos muito bem vestidos, com enorme repercussao na midia.

Outro aspecto pitoresco e’ que eu nao entendo patavinas de cricket. Confesso que meus filhos e filhas jogaram um pouco no verao passado, e continuei sem entender nada. Durante a ultima ‘The Ashes’ fiquei totalmente por fora de todas as conversas nos bares e no trabalho. Um mesmo jogo que nunca acaba, pode durar diversos dias e terminar empatado! Coisa de ingles maluco …

Mas o fato desta enorme popularidade do cricket no mundo do antigo imperio britanico continuar perdurando me chama a atencao. Por exemplo, voces sabem qual o time com maior numero de torcedores no mundo? A selecao Indiana de cricket, um bilhao de torcedores completamente louquinhos (e fanaticos) pelo time, numero que a selecao canarinho ainda nao atingiu…

Coisas que realmente me intrigam no cricket sao: como que um jogo que parece com o ‘taco’ que era parte das minhas brincadeiras nas ruas da minha infancia (mas afinal de contas, que esporte nao e’ no fundo uma boa brincadeira de crianca?) tem esta popularidade toda em uma grande parte do mundo? A partir desta, outra questao se impoem: como um esporte que goza de tamanha admiracao e fanatismo no mundo ‘britanico’ nao e’ conhecido no ‘mundo ocidental’, tampouco faz parte das 26 modalidades esportivas a serem disputadas nos Jogos Olimpicos de Londres em 2012? Justo em Londres?!

Uma reflexao que realmente fica e’ que no mundo ha uma diversidade incrivel de esportes regionais, que as vezes nao chegam as telinhas da nossa televisao. Estes esportes retratam, expressam e representam as mais variadas culturas e tradicoes. Na atualidade, ja e’ possivel olhar para alem do grupinho de esportes representados em grandes torneios como os do Comite Olimpico Internacional, e buscar nestas tradicoes regionais modos de escrever e entender, de respeitar e promover a grande diversidade cultural existente no nosso planeta. O(s) esporte(s) reflete(m) estes diversos modos de entender e ‘fazer’ o mundo. Penso que a cada vez mais devemos valorizar esta diversidade de modalidades, esta miriade esportiva, abrindo mais portas para diferentes pessoas se engajaram no infinito mundo do esporte.

Quem diriam que ‘cinzas jogadas ao vento’ por conta de uma derrota esportiva no seculo XIX continuariam sendo lembradas e celebradas nos mesmos campos esportivos mais de cem anos depois? Que loucura deliciosa!  Que fanatismo gostoso!

 

 

 

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