por Valéria Guimarães
Vasculhando os diversos sites, blogs e fotologs dedicados à memória fotográfica do Rio de Janeiro, tema de interesse de nossas pesquisas, encontramos uma rápida pista que inspirou a produção deste duplo post, num bate-bola com Victor Melo, que esta semana aborda o assunto no blog Rio, cidade esportiva (http://cidadesportiva.wordpress.com/): a existência de um campo de críquete no Grand Hotel International, que funcionou em Santa Teresa entre as décadas de 1880 e 1930. Por lá, ele conta a história do críquete no Rio de Janeiro, passando pelo famoso hotel até chegar às adaptações do esporte entre as crianças nos dias de hoje. Por aqui, tratarei do processo de modernização dos hotéis cariocas e a inserção das práticas esportivas, dentre elas o críquete, nesses novos e suntuosos meios de hospedagem e, ao mesmo tempo, equipamentos de lazer, no final do século XIX.
São conhecidos nos relatos dos viajantes estrangeiros dos Oitocentos os elogios à nossa hospitalidade. Aqueles que gozassem das distinções e prestígio conferidos pelas cartas de recomendação que, literalmente, lhes abriam as portas para a hospedagem em casa de afortunados brasileiros, seriam tratados com pompas e circunstâncias, seja pela sua importância atestada por alguém, seja pela sua origem estrangeira. Nossos anfitriões, “homens cordiais”, no sentido interessado a que se referia Sérgio Buarque de Holanda, sabiam cativar os seus hóspedes.
Em compensação, são também recorrentes as queixas a respeito dos serviços de hospedagem oferecidos pelas estalagens, hospedarias, casas de pensão e dos hotéis do Rio de Janeiro, instalados no Rio de Janeiro a partir da chegada da corte portuguesa à cidade. Apoiando-se no referencial europeu de hotelaria, esses relatos demonstravam a insatisfação dos estrangeiros letrados principalmente em relação à higiene, ao conforto e à qualidade da comida oferecida. Os meios de hospedagem aqui existentes ainda não se relacionavam com os novos costumes burgueses e com as modas hoteleiras vindas de fora, atendendo majoritariamente às demandas de imigrantes e viajantes a negócios, oferecendo-lhes serviços básicos (e rudimentares) de hospedagem e alimentação.
Embora houvesse já na década de 1850 alguns poucos hotéis diferenciados, como o Pharoux, é a partir da década de 1870, acompanhando o processo de modernização que gradualmente ia tomando lugar na capital, que registram-se mudanças significativas na hotelaria, com o aparecimento de novos e sofisticados hotéis. Esses palácios modernos, procurando imitar os grandes hotéis franceses ou ingleses, ofereciam uma estrutura confortável a um novo tipo de viajante, que começava a se relacionar com a cidade: os modernos turistas, que agora viajavam para aproveitar o seu tempo livre, motivados pelo lazer ou pela recuperação da saúde. Também poderiam unir o útil ao agradável, contribuindo para a proliferação, um pouco mais tarde, dos hotéis-cassinos nos balneários e nas estâncias climáticas em várias partes do Brasil, o que fez a alegria – ou piorou o estado de saúde, dependendo da sorte – dos aficcionados apostadores até 1946, quando foi proibido o jogo de azar no país.
Esses novos turistas, com tempo livre e dinheiro para gastar, estavam à procura de lugares pitorescos para seus passeios ao ar livre, de diversão e de hotéis que proporcionassem facilidades para o contato com a natureza e para a prática dos banhos públicos, com propriedades terapêuticas, como se acreditava. Alguns hotéis, localizados à beira-mar, já exploravam os “banhos de saúde” desde a década de 1850, como o afamado Hotel Pharoux, que situava-se na atual Praça XV. O hotel oferecia um serviço de banhos de mar numa barcaça que possuía piscinas naturais, camarotes para se trocar e espaço para descanso. Outros hotéis, situados em áreas bucólicas, como o Hotel Belvedere, na Gávea, oferecia aos hóspedes banhos de cachoeira em sua chácara.

O elegante Hotel Pharoux, pioneiro na alta hotelaria da cidade. Foto atribuída a R. H. Klumb, cerca de 1865. Disponível em: http://fotolog.terra.com.br/luizd:343
Os modernos hotéis constituíam-se também em novos espaços de sociabilidade e distinção social para os moradores da cidade, atraindo para os seus cafés, salões de jogos e restaurantes artistas, políticos, personalidades ilustres e intelectuais, como Machado de Assis (freqüentador assíduo do Hotel Europa, na Rua Direita), que faziam desses lugares espaços de lazer, de prazer e de acalorados debates sobre os rumos da civilização moderna.
A conformação desse novo e sofisticado parque hoteleiro carioca também ajudou a introduzir na cidade as modernas práticas esportivas. Alguns proprietários dos hotéis dotaram suas instalações de estrutura adequada para atender aos hábitos esportivos dos hóspedes desse novo tempo, atentos às modas européias, construindo, por exemplo, um grande tanque para a prática da natação, no Hotel Aurora, localizado na Tijuca. O seu concorrente tijucano, o Hotel Vila Moreau, anunciava em francês na Gazeta de Notícias, em 1887, a “construção de admirável piscina de natação, a mais importante da América do Sul”, além de oferecer aos hóspedes “bilhar e jogos diversos”. O Chalet Campestre, por sua vez, anunciava a existência de aparelhos de ginástica e de balanços para senhoras em seus jardins, e o Jourdain Vista Alegre oferecia montarias para excursões (BELCHIOR e POYARES, 1987).
Já o Grand Hotel International, também localizado numa área bucólica da cidade, de temperatura amena, no alto de Santa Teresa, precisamente na rua do Aqueduto (atual Almirante Alexandrino), ganhou notoriedade na cidade e no exterior pelos seus requintados serviços, com destaque para a restauração, pelos seus investimentos em modernas facilidades – em pleno ano de 1882 já possuía telefone – pelo burburinho dos intelectuais do Rio de Janeiro que lá se reuniam para jantar e confabular, dentre eles Raul Pompéia, Artur de Azevedo e Capistrano de Abreu, e pela presença de hóspedes ilustres, como Sarah Bernhardt.

Paisagem bucólica, vista panorâmica, o clima ameno no alto de Santa Teresa, serviço de bonde (como se vê na imagem) e um hotel moderno que em muito inovava, inclusive nas instalações esportivas, oferecidas para o lazer dos hóspedes. Disponível em http://www.flickr.com/photos/julinha/217640239/
O Grand Hotel International inovou também ao incentivar a prática de dois modernos esportes ingleses no Rio de Janeiro: construiu uma quadra de tênis e um campo de críquete em seu jardim, um esporte que o Rio de Janeiro do século XIX conheceu melhor do que nós. Para saber mais sobre a história do críquete na cidade, não deixe de conferir o post de Victor Melo.
Até a próxima!
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Dedicado a Elysio de Oliveira Belchior, cartofilista apaixonado pelas imagens do Rio, falecido a 14 de junho. A sua obra clássica, Pioneiros da Hotelaria no Rio de Janeiro, escrita em parceria com Ramon Poyares, serviu de base para este post.
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