Por Nei Jorge dos Santos Junior
Reunidos num domingo de sol, aos 17 dias de abril de 1904, na longínqua estação de Bangu, dez operários, todos estrangeiros[1], fundavam uma nova agremiação nos moldes daquelas que existiam em seus países: o Bangu Athletic Club[2]. Seus fundadores, todos trabalhadores da Companhia Progresso Industrial do Brasil, bem que tentavam há tempos organizar uma agremiação esportiva, mas os diretores da empresa não pareciam dispostos a apoiar tal iniciativa, pois o administrador da fábrica, Sr. Eduardo Gomes Ferreira, alegava ser contra qualquer tipo de jogo. Os ingleses, porém, não esmoreceram e continuaram a pedir recursos para a fundação do clube. No entanto, as restrições chegariam ao fim com o apoio do novo administrador, João Ferrer, que enxergava com bons olhos a criação de uma agremiação.
Rapidamente, a notícia se espalhara por toda fábrica. Para compor o quadro de associados, sem qualquer distinção de cargos ou nacionalidade, bastava aos interessados darem seus nomes ao secretário Andrew Procter, responsável pela filiação[3]. Naquele momento formou-se um “club athletic sob a denominação de “Bangu Athletic Club”, tendo “por fins os jogos de football, cricket, lawn tennis e outros jogos variados.”[4]
Diferentemente de outros clubes da cidade, nos quais o núcleo de ingleses convidava compatriotas para compor a equipe, no Bangu, até pelo isolamento geográfico do bairro, chefes, empregados e trabalhadores de outras nacionalidades integravam o time sem qualquer distinção, transformando a prática esportiva em uma das principais opções de lazer dos moradores da região. O próprio valor para associar-se ao clube já expressava a possibilidade de aceitação de trabalhadores das mais variadas origens: 2$000 de joia e uma mensalidade de 1$000[5], sendo que o salário dos operários variava de 94$800 (no setor da fiação) até 260$640 (no setor de acabamento)[6]. Ou seja, o clube, desde sua formação, já apresentava indicadores que pretendia agregar o maior número de funcionários possível, o que permitiu a difusão da prática e o acesso mais direto ao futebol entre as camadas populares.
Contudo, a prática esportiva não estava circunscrita apenas ao futebol. Pelo contrário, partidas de críquete, tênis, ping-pong, corridas e boxe faziam parte do cotidiano de Bangu. Os diversos jogos eram distribuídos da seguinte forma[7]:
- Segunda-feira: football para os menores
- Terça-feira: football para os menores
- Quarta-feira: cricket
- Quinta-feira: football
- Sexta-feira: cricket
- Sábado: football
- Domingo: cricket de manhã, football de tarde
- Lawn Tennis: todas as tardes. Jogo para terminar às 6:30 ou mais tarde, conforme a decisão do juiz.
Como pode ser visto, o críquete e tênis recebiam também uma atenção especial, sendo muito praticados entre os operários da fábrica. Contudo, as modalidades sofriam dos mesmos problemas que o futebol, já que a compra do material deveria ser feita fora do país, tornando o equipamento ainda mais custoso.
Para resolver o problema, a fórmula era simples. A empresa subsidiava as atividades do clube; entre elas, cedendo um terreno de propriedade da fábrica para a instalação do campo de futebol, críquete e tênis e a construção da sede social ou, então, contribuindo para o pagamento de aluguéis. Além disso, a companhia oferecia ao clube uma quantia em dinheiro, a fim de complementar seu orçamento, que incluía despesas com conservação[8], limpeza da sede social e do campo, pagamento de impostos, energia elétrica, compra de uniformes[9], transporte de jogadores e outras, como nos mostra a ata da assembleia realizada no dia 25 de outubro de 1904, em que o Sr. Hartley, conselheiro fiscal do clube, revela que o “Presidente Honorário João Ferrer tinha oferecido de concorrer com a quantia que falta para completar a compra dos aparelhos de cricket e lawn tennis,”[10] autorizando o sócio “Henry Bennet, que atualmente está em viagem para a Inglaterra, de fazer as compras ali”[11]. Outras iniciativas também podem ser vistas no mesmo ano, por exemplo, a compra do “pano necessário para fazer o fardamento do clube”[12], “nivelamento do terreno do Pavilhão, a fim de ficar pronto para os jogos de football e cricket” [13]e a organização da Festa Sportiva do clube, cotando com várias modalidades esportivas[14]:
- Corrida a pé, 100 metros
- Corrida em sacos, 100 metros
- Corrida de costas, 100 metros
- Corrida com barril, 200 metros
- Corrida para moças, 200 metros
- Corrida de 3 pernas, 200 metros
- Corrida de bicicletas, 5 voltas
- Corrida de colheres e ovos, 100 metros
- Corrida a pé, 500 metros
- Corrida de obstáculos, 200 metros
- Corrida de carrinhos de mão, 200 metros
- Partida de football entre teams A e B.
Como uma espécie de extensão recreativa da fábrica, essa área representava uma continuidade do espaço do trabalho. A força dos operários e seu empenho na estruturação do Bangu se estendiam para além das questões trabalhistas, embora diretamente ligadas ao mundo do trabalho, a partir do qual se mobilizavam e com o qual reiteradamente dialogavam. Dessa forma, percebe-se que as instalações da agremiação se confundiam com as da companhia, compondo harmoniosamente um conjunto arquitetônico construído pela empresa no distante bairro fabril. Era normal, portanto, que a empresa oferecesse ao clube uma estrutura adequada para seu funcionamento, condicionando o clube como mais um departamento da empresa.
[1] Dos dez fundadores, 8 eram ingleses, 1 português e 1 italiano.
[2] Estavam presentes os seguintes srs.:John Stark, Fred. Jacques, Clarence Hibbs, Thomas Hellowell, José Soares, William Procter, William Hellowell, William French, Segundo Maffeu e Andrew Procter, formando um club athletic sob a denominação de “Bangu Athletic Club”. Ver: Ata de Fundação, The Bangu Athletic Club, 1904.
[3] Ata de Fundação, The Bangu Athletic Club, 1904.
[4] Ibid.
[5] Ibid.
[6] MALAIA, J. M. Revolução Vascaína: a profissionalização do futebol e inserção socioeconômica de negros e portugueses na cidade do Rio de Janeiro (1915-1934). 2010. 489f. Tese (Doutorado em História Econômica) – Departamento de História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
[7] Acta da Sessão da Diretoria do Bangu Athletic Club de 25 de outubro de 1904.
[8] Acta da Sessão da Diretoria do Bangu Athletic Club de 19 de janeiro de 1906.
[9] De acordo com a Ata de fundação, logo após a escolha das cores do uniforme, coube ao Sr. Stark, a missão de conseguir, junto ao Diretor da Fábrica, o pano necessário para fazer o fardamento do clube. Além disso, por diversas vezes, essa mesma atitude pode ser vista nas atas de reunião do clube. Ver: Ata de Fundação, The Bangu Athletic Club, 1904; Acta da Sessão da Diretoria do Bangu Athletic Club de 19 de janeiro de 1906.
[10] Acta da Sessão da Diretoria do Bangu Athletic Club de 24 de abril de 1904.
[11] Acta da Sessão da Diretoria do Bangu Athletic Club de 24 de abril de 1904.
[12] Acta da Sessão da Diretoria do Bangu Athletic Club de 17 de abril de 1904.
[13] Acta da Sessão da Diretoria do Bangu Athletic Club de 24 de janeiro de 1905.
[14] Acta da Sessão da Diretoria do Bangu Athletic Club de 01 de junho de 1904.
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