O Prazer das Morenas de Bangu

Por Nei Jorge dos Santos Junior

“Não resta dúvida que o carnaval de Bangu vai ser em grande parte devido ao Grêmio Carnavalesco Prazer das Morenas”, escrevera o entusiasmado cronista da Gazeta de Notícias em 08 de fevereiro de 1920.

As palavras do jornalista podem, inicialmente, apresentarem para o leitor características hiperbólicas. Afinal, como já fora escrito em alguns textos no blog, a região banguense possuía uma vida divertida intensa, com vários clubes dançantes, carnavalescos, recreativos e esportivos. No entanto, o Prazer das Morenas se destacava por algumas características peculiares, mesmo comparada aos clubes da região fabril.

 Como bem nos lembra Pereira, não era de se estranhar que o Prazer das Morenas iniciasse a década de 1920 como a principal sociedade dançante de Bangu[1]. A composição social do grêmio, desde a sua fundação, já traçava caminhos em direção a consolidação de uma imagem multicultural, permitindo que negros, brancos pobres e imigrantes pudessem compor seu quadro de associados sem qualquer distinção.

JB, Prazer das Morenas

Jornal do Brasil, fevereiro de 1920.

 Fundado em 04 de março de 1909, com sede na Rua Coronel Tamarindo, número 647, o Prazer das Morenas tinha como fins “proporcionar aos seus associados, em sua sede ou fora dela, festas carnavalescas e outras diversões, compatíveis com o caráter da sociedade”[2]. Além desses objetivos, apontados quase copiosamente por outras associações, a sociedade se destacava por outros pontos poucos comuns, pelo menos oficialmente, em outros clubes:

Estimular por todos os meios, que exista entre todos os seus sócios a máxima distinção para evitar preconceitos entre os mesmos, sendo imposta a eliminação aos que a isso derem causa; concorrer aos festejos carnavalescos, organizando, para isso, préstitos, alegóricos e críticos; realizar em sua sede, pelo menos, 5 bailes anualmente;  manter em sua sede, para recreio de seus sócios, toda espécie de jogos não proibidos por lei; manter uma biblioteca acessível ao público; manter uma escola que ministre, gratuitamente, instrução primária a quantos procurarem; promover outras quaisquer reuniões, que possam constituir divertimento para os seus associados.[3]

No mínimo, três objetivos, dos seis apresentados pela associação, mostram-se pouco habituais comparados aos demais clubes da região. Manter uma biblioteca e uma escola “que ministre, gratuitamente, instrução primária a quantos procurarem” revela uma grande preocupação com a formação dos associados do clube e seus pares. Para se ter ideia, a população da freguesia Campo Grande, a qual Bangu fazia parte, sofria com um grande quantitativo de analfabetismo nos primeiros anos do século XX. Todavia, coincidência ou não, esse índice se transformou completamente se levarmos em conta o período em que a escola da sociedade fora implementada[4]. De acordo com os dados do Recenseamento de 1920, a freguesia mudaria seu patamar, pois dos 52.328 residentes na região, 22.087 sabiam ler e escrever[5]. Isto é, 42,20% da população, um número expressivo comparado ao índice nacional, que era de apenas 24,45%, incluindo brasileiros e imigrantes.[6]

Ademais, outro ponto também nos chamou a atenção. Tratar, por exemplo, sobre preconceito num ambiente recheado de imigrantes e negros sinalizava uma preocupação com o modus operandi local, explicitada apenas pela Sociedade Flor da União, notadamente no momento em que indica, em seus estatutos, a inclusão de pessoas, independente da nacionalidade, religião ou cor, para compor suas fileiras.

ComissãodoPrazerdasMorenas

Comissão de festas do Prazer das Morenas. Fonte: Jornal do Brasil, 08 de fevereiro de 1920.

Acreditamos que tais evidências não são meros devaneios colocados em seus estatutos. Analisando periódicos locais e de grande circulação, conseguimos identificar facilmente exemplos que expressam a consolidação de uma imagem multicultural e miscigenada. Ademais, enfatizar que atitudes preconceituosas de sócios pudessem gerar a eliminação no quadro de associados mostra-se, no mínimo, algo a ser investigado com maior profundidade, pois a rivalidade entre estrangeiros e brasileiros não estava circunscrita somente ao ambiente fabril, mas se estendia pelas festas realizadas nos quatro cantos da zona arrabaldina.

Dessa forma, a ideia de estabelecer relações mínimas de convivência, não só para o bom funcionamento das atividades do clube, como também para a própria unificação de força na luta por melhores condições de trabalho, teve desdobramentos positivos. Para Pereira, o prestígio alcançado pelo Prazer das Morenas garantiu o apoio de grande parte dos comerciantes arrabaldinos, que “não hesitavam, a cada carnaval, em patrocinar os desfiles do clube”[7].  Talvez, a próprio escolha do nome “Prazer das Morenas” já seria uma forma de simbolizar o ambiente multicultural presente do cotidiano do clube, expressando com orgulho a identidade mestiça que o acompanhara desde sua fundação.

[1] PEREIRA, L. A. M. A flor da união: festa e identidade nos clubes carnavalescos do Rio de Janeiro (1889-1922). Terceira Margem, Rio de Janeiro, n. 14, p.169-179, jan./jun., 2006.

[2] Estatutos do Grêmio Dançante Carnavalesco Prazer das Morenas, 1917.

[3] Estatutos do Grêmio Dançante Carnavalesco Prazer das Morenas, 1917.

[4] O bairro já contava com outras escolas, entre elas a Escola Rodrigues Alves, fundada em 1905 para filhos de operários da fábrica.

[5] Recenseamento Geral de 1920, p. 464-465.

[6] Recenseamento Geral de 1920, p. 464-465.

[7] PEREIRA, L. A. M. O Prazer das Morenas: bailes ritmos e identidades no Rio de Janeiro da Primeira República. In: MARZANO, A. e MELO, V. Vida Divertida: histórias do lazer no Rio de Janeiro (1830-1930). Rio de Janeiro: Apicuri, 2010, p.296.

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