A GINÁSTICA COMO PRÁTICA EDUCATIVA NA BAHIA (1850-1920)

Aline Gomes Machado

O século XIX, no Brasil, representou um momento de mudanças significativas nos diversos setores. Via-se a efervescência de uma busca pela modernização do país. Civilização e modernidade se convertiam, neste momento, em palavras de ordem; virando instrumento de batalhas, além de fotografias de um ideal alentado.

 A Bahia, como a antiga capital do país, não ficou de fora desse processo. Também ela viu fervilhar o desejo pela modernidade, por novos ares, modos de vida, novos comportamentos e hábitos, inclusive, os de saúde e higiene.

Sabemos que a essa época, Salvador era uma cidade sem nenhum tipo de cuidado com o esgoto, estava sempre suscetível a moléstias infectocontagiosas, que atacavam sua população. Especialmente, a camada negra e pobre era a mais massacrada pelas epidemias que tomavam a cidade, já que era mais exposta às situações de risco sanitário.

Muito em função disso e por possuir em suas terras, uma escola médica, tida como um cenário de ciência, um dos discursos de modernização na Bahia assentou-se no pressuposto de que o saber científico possuía uma proposição especial para promover o desenvolvimento.

Dessa forma, a ciência tornou-se fundamental, por, pretensamente, apresentar caminhos objetivos para solucionar os problemas sociais, especialmente a ciência médica. Sendo assim, vimos que a camada ‘letrada, científica e lógica’, apoiada nos poderes políticos, dirigiu diretamente o projeto de modernidade, inclusive o baiano, justo por conta do papel de destaque dado ao conhecimento científico.

Assim, na Bahia, pautados nos pressupostos higienistas, os senhores da ciência constatavam as mazelas e indicavam os meios para se atingir os objetivos de uma melhor higiene, como podemos perceber no Relatório do Conselho Interino de 1856, elaborado pelo secretário da Commissão de Hygiene Publica, Dr. Malaquias Avares dos Santos:

Nas demais comarcas existem também muitas causas de insalubridade, como sejam mais geralmente habitações húmidas, e mal arejadas, alimentação irregular e de má qualidade, pântanos de todos os gêneros, e nenhum apuro na educação physica; ao que demais se ajunctam muitos vicios na educação.” moral e intelectual dos habitantes, o que se encontra ainda n’esta capital e mormente, nos seus suburbios.

O discurso médico figurou no movimento de modernidade baiano, articulando o progresso, a necessidade de higiene. A exemplo disso temos a fala de Mathias de Campos Velho, na tese apresentada para conclusão do curso de medicina na Faculdade de Medicina da Bahia em 1886, aonde afirma que a higiene:

esta quasi sempre em razão directa com a civilização de um povo e constitue fonte de riqueza, porque concede dous thesouros preciosos, a saude e a ordem (p.70) e, neste sentido diz, também, que o homem civilisado tem sempre em vista: a hygiene geral (p.67).

Dentre as estratégias elaboradas para atingir a higiene necessária, os higienistas reconheciam a importância de uma educação que se enquadrasse nos objetivos desse movimento. Objetivos esses que não se restringiam ao controle das variáveis físicas, biológicas, mas também buscavam uma retidão moral, uma disciplinarização necessária para atender as demandas sociais da época. Assim, os higienistas indicavam quais medidas deveriam ser tomadas pela população e governo, inclusive nas instituições escolares.

Contando com o apoio de articulistas, os higienistas apontavam como elemento basilar para formar o homem higiênico, o cuidado com o corpo, onde a prática de atividades físicas possuía fundamental importância. Dentre eles, a ginástica aparecia como a prática dileta.

Sabemos que a ginástica, como uma prática educativa, era tratada como algo que atuaria na formação de novos corpos e mentes, tida como uma extensão dos poderes e saberes gerados pela higiene, ganhando assim, a defesa de médicos e articulistas que se encarregavam de garantir os porquês da importância dessa atividade, não apenas fundamentando os benefícios corporais, mas também para formação moral do ‘homem vigoroso’.

Como justificativas a este apoio a uma nova ação ‘educativa’, a ginástica, encontramos nos jornais baianos questionamentos, inclusive, sobre a forma como os mais ricos educavam seus filhos. O Correio Mercantil (02 de junho de 1838, p.02) apontava que “os mimos e branduras com que as pessoas mais ricas e poderosas custumão criar os filhos os fazem commummente aleminados e de débil compleição”, e coloca a ginástica “com o exercício acertado” como corretiva desta situação, e segue garantindo que “a gymnastica, porém, nas cidades he absolutamente precisa, não para formar arlequins, como o para cuidado, mas para educar homens vigorosos”.

Por conta de pensamentos como esse, os discursos voltaram-se, então para a prática da ginástica como instrumento capaz de fornecer os idealizados objetivos dessa sociedade modernizada, civilizada e higiênica.

A partir da influência de um saber científico, os propósitos conferidos à prática metódica se tornaram mais expressivos com o passar do século XIX, demarcando que a ginástica valorizada era aquela cujos princípios básicos seriam a disciplina, a saúde e a higiene, distanciando-a de uma prática mais livre e expressiva. Era preciso uma ‘ginástica científica’ que se enquadrasse nos ideais modernizadores e higiênicos, que apresentasse caminhos para resolver as mazelas sociais que se circundavam todo país.

Nesse sentido, o Brasil e a Bahia, sob o prisma do higienismo, esforçando-se para acompanhar o desenvolvimento dos países modernos do continente europeu, adotavam muitas de suas práticas culturais e educacionais como símbolos de modernidade. Se na Europa a ginástica era parte da educação oferecida pelos principais colégios, aqui, ela seria utilizada num sentido semelhante.

A tese Hygiene Pedagogica, de Umbelino Heraclio Muniz Marques, apresentada a Faculdade de Medicina da Bahia, procurou demonstrar como uma educação higiênica, digamos assim, seria o símbolo de uma modernidade

A higiene pedagógica, que aliás age decisivamente sobre o desenvolvimento da creança, e sobre a conservação de sua saude, ainda nos paizes, mais adiantados deixa muito a desejar…(1886, p.01).

O mesmo Umbelino ainda afirma como uma educação higiênica “adapta todas as potencias physycas, intellectuaes e moraes de cada individuo á função plena do papel que lhe esteja destinado desempenhar na coletividade” (p.02). Perceba como a preocupação está centrada em tornar harmônica esta tríade das faculdades humanas para que o sujeito possa desempenhar seu papel sem alterar a ordem social desejada, que neste caso é a ordem para o progresso, a modernização.

Desta forma, nesse momento aqui tratado, vimos, na Bahia, um movimento que visou, sobretudo, civilizar os costumes, moralizar as condutas e moldar comportamentos e corpos para alicerçar as bases da sociedade higiênica e moderna. Este movimento configurou as principais estratégias do projeto higienista. Essa foi à intenção e motivação, agora saber como se deu e mesmo se alcançou tal objetivo, fica para outros escritos.

 

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