Cleber Dias
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Segundo dados da Associação Brasileira de Ioga, publicados pela revista Exame, em 2011, haveria 500 mil adeptos da prática no Brasil. [1] Os métodos e fontes dessas estimativas são sempre obscuros; passíveis, portanto, das mais variadas contestações, para mais ou para menos. Quase uma década antes, o Consulado Geral da Índia estimava em um milhão o número de praticantes de yoga no Brasil. Grupos organizados de adeptos discordavam, falando de até 5 milhões de praticantes. [2]
Outra divergência que separa mestres e adeptos do yoga é a história da prática no Brasil. Num universo onde tradição e autenticidade agregam prestígio e reputação, vários grupos disputam a primazia da difusão do yoga no país. De modo geral, todos reconhecem que, na Índia, o yoga é praticado há mais de 5 mil anos, abarcando diferentes formas: Hatha Yoga, Raja Yoga, Asthanga Yoga, entre muitas outras. Já a chegada da prática ao Brasil é permeada de divergências, muitas das quais animadas por implícitos interesses comerciais. Onde o peso da história pode ser mobilizado como estratégia publicitária, tendem a ser particularmente duras as disputas pela memória. A ausência de historiadores profissionais deste debate não ajuda.
Basicamente, para simplificar o cipoal de interpretações sobre a história do yoga no Brasil, quase sempre se aponta para acontecimentos desenrolados nas décadas de 1950 ou 1960. Mais particularmente, citam-se a fundação da Ordem dos Sarvas Swamis, no interior do Rio de Janeiro, por volta de 1953; a fundação da Associação Mística Ocidental, no interior de Santa Catarina, também por volta de 1953; a abertura da Academia de Shotaro Shimada, em São Paulo, em 1958; a inauguração da academia do francês e monge Jean Pierre Bastiou, no Rio de Janeiro, também em 1958; a publicação do livro “Libertação pelo Yoga”, em 1960, do general Caio Miranda; as iniciativas práticas e editoriais do militar José Hermógenes a partir de 1960; ou ainda as ações de Luiz de Rose, no Rio de Janeiro, também a partir de 1960.
De acordo com a “escola” de yoga a que cada praticante esteja vinculado, uma ou mais dessas versões podem ser adotadas, com diferentes níveis de entusiasmo. Obviamente, como é de se esperar em contexto de tantas convicções, todas elas estão erradas.
As primeiras notícias sobre o yoga no Brasil começaram a circular ainda na primeira década do século 20, por ocasião da divulgação de congressos de história da religião, que contavam com palestras sobre “Yoga” e “Budismo”. Desde essa época, circulavam também notícias sobre faquires indianos, onde a prática do “Hatha Yoga” era mencionada como explicação exótica das suas proezas físicas. A dimensão excêntrica disso tudo seria sempre muito bem explorada por jornais da época. Por outro lado, notícias desse tipo também ajudariam a iniciar a divulgação do yoga no Brasil, ainda que de maneira sutil.

Desde princípios do século 20, notícias realçando aspectos “exóticos” da Índia ajudaram a iniciar a divulgação do yoga no Brasil. Fonte: A Noite, Rio de Janeiro, 8 jun. 1931, n. 7015, p. 7
A partir de 1910, aproximadamente, iniciativas de Sociedades Teosóficas em várias cidades do Brasil iniciaram divulgação regular do vegetarianismo, do absenteísmo, do esoterismo, do ocultismo e também do yoga como recursos para transcender os limites da mente. Essas Sociedades Teosóficas, espécies de organizações espiritualistas sincréticas, organizadas em vários países a partir dos fins do século 19, em grande medida motivadas por ideias da aristocrata russa Helena Blavatski, e até hoje existentes, tiveram mesmo grande protagonismo no início da divulgação do yoga no Brasil. Dentre as suas muitas realizações nesse sentido, consta a tradução e publicação de um livro em princípios dos anos 1930 sobre “Introdução ao Yoga”, da inglesa Annie Besant, também ligada à Teosofia.

Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 11 dez. 1938, n. 13526, Supplemento, p. 4
Antes ainda, direta ou indiretamente ligados à Sociedades Teosóficas, foram traduzidos e publicados no Brasil, desde meados da década de 1910, diversos livros de Yogui Ramacharakan, segundo dizem, pseudônimo do norte-americano William Atkinson (o assunto também é um pouco polêmico). Livros como “Hatha Yoga”, “Ciência da respiração” ou “Quatorze lições sobre Filosofia Yogy”, entre outros, comentados em palestras e amplamente comercializados em livrarias da época, encerravam o que haveria de mais precioso para o bem-estar físico, ensinando numerosos exercícios que deveriam ser praticados para que o corpo pudesse ser manter sempre saudável, diziam suas propagandas, publicadas em jornais dos anos 1910 e 1920. Muito antes, portanto, das publicações brasileiras sobre yoga dos anos 1950 ou 1960, geralmente apontados por entusiastas como marcos pioneiros fundamentais para o início da prática no país, já havia um significativo conjunto de materiais e informações disponíveis . Alguns dos verdadeiramente pioneiros livros de “Ramacharakan” lançados no Brasil, em grande medida impulsionados por ações de Sociedades Teosóficas, tiveram várias edições até pelo menos os anos 1970, se não depois, conformando um importante filão para a difusão da filosofia e das técnicas de yoga.
Ainda nas décadas de 1920 e 1930, palestras sobre yoga não apenas continuariam sendo realizadas, como ganhariam mais abrangência. Além das Sociedades Teosóficas, que continuaram ativamente atuantes na apresentação e divulgação do yoga, iniciativas semelhantes seriam deflagradas também por outras instituições. Além do envolvimento de diversas organizações “naturistas”, “esotéricas”, “ocultistas”, “psquistas” e de “cultura psico-transcendental e vibração mental”, como elas próprias se intitulavam, até a Associação Cristã de Moços chegou a promover conferência sobre preceitos do yoga.

O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 27 nov. 1937, n. 4, p. 31
Em meados da década de 1930, celebridades internacionais dos esportes e do cinema começaram a adotar o yoga, o que acabou oferecendo ampla publicidade para a prática. Entre eles, destacam-se o ator Ramon Navarro, protagonista do filme Ben-Hur, grande sucesso em meados da década de 1920. Por volta de 1935, Navarro se tornou adepto do yoga. Segundo disse em entrevista para uma reportagem da época: “Ganhei todo o dinheiro que aspirava ganhar. Tornei-me um ‘yogi’ [isto é, adepto da filosofia e das práticas yoga]. Abandonei por completo o fumo e a bebida; ambos não me fazem falta. Aspiro viver na tranquilidade física e mental. Penso estar na estrada que me conduz a ela”.[3]. Nesse momento, Ramon Navarro não tinha como saber que seria brutalmente assinado anos depois por seus próprios irmãos, que acreditavam haver grandes somas de dinheiro escondido em sua casa.

O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 10 jan. 1959, n. 13, p. 93
Outro que aderiu ao yoga na mesma época, oferecendo-lhe involuntariamente publicidade, foi o boxeador norte-americano Lou Nova. Orientado no Charkstown Country Club, em Nova York, de propriedade de um tal Dr. Pierre Bernard, conhecido também como Oom, o Onipotente, onde se prometiam curas miraculosas com a aplicação dos exercícios yoga, Lou Nova se tornou vegetariano e adepto da prática indiana como método de preparação física. Segundo reportagem do jornal O Globo de 1939, “os boxers famosos inventam às vezes processos curiosos de treinamento, rachando madeira, bebendo cerveja ou fazendo filmes. Mas, até hoje, nenhum astro do ringue treinou sentando-se como um filósofo hindu aos pés de um yogi, aprendendo a controlar os músculos do estômago”.[4] Na esteira do sucesso do boxeador famoso, divulgava-se a milenar filosofia indiana. O yoga, porém, não foi suficiente para fazer Lou Nova superar Joe Louis na disputa pelo título mundial dos pesos-pesados em 1941. Perdeu no sexto assalto por knock-out. Apenas um detalhe que em nada parece ter diminuído o entusiasmado impulso em favor da difusão do yoga.

O Globo Sportivo, Rio de Janeiro, 10 jun. 1939, n. 42, p. 18
Daí em diante, o yoga estaria cada vez mais disponível no Brasil. Reportagens da Revista O Cruzeiro, uma das mais importantes publicações semanais de variedades do período, explicariam detalhes da prática indiana a um público mais amplo que os círculos de interessados em palestras teosóficas ou conferências exotéricas. Segundo dizia uma dessas reportagens, “a doutrina yoga é uma porta secreta que conduz a uma longa existência, sadia, calma e regrada”. Em 1938, talvez com algum exagero, a manchete de outra reportagem da mesma revista já poderia anunciar que o “yoguismo” avassalava o mundo. A reportagem, além disso, reproduzia fotografias do livro “Yoga, uma ciência”, de Kovir T. Behana, psicólogo da universidade de Yale, que estudou e praticou yoga na Índia com o mestre Swami Kuvalayanada, como parte de um projeto de pesquisa científica, que deu origem ao livro: outra fonte relativamente importante para difusão do yoga anterior aos marcos usualmente apontados por adeptos e entusiastas.
O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 3 set. 1938, n. 44, p. 8-9
Desde essa época, a lenta, mas progressiva popularização do yoga tenderia a transmutar cada vez mais alguns dos significados da sua prática. Ao invés do horizonte religioso e espiritualmente transcendental a que aspiravam e aspiram ainda até hoje alguns dos seus mestres e incentivadores, yoga seria visto também como uma mera modalidade de ginástica – polêmica ainda capaz de exasperar seus adeptos mais puristas. Muito sintomaticamente, dizia uma reportagem de 1939, um dos segredos da beleza e da boa forma da Miss América daquele ano, além de massagens abdominais de origem romana e danças rítmicas usadas em templos hindus, era justamente a prática da “ginástica yoga”, com todas as suas sutilezas, observava com cuidado a reportagem, “onde os exercícios corporais estão estritamente ligados ao espírito, pois exigem grande grau de concentração e educação respiratória”.
O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 10 jun. 1939, n. 32, p. 23
Vários desses elementos, especialmente a ênfase na concentração e na respiração, combinados depois com outras técnicas de origens diversas, seriam apropriados mais tarde por práticas de treinamento físico atualmente bastante populares, como é o caso do método Pilates. Por trás de suas aparentes inovações, em comum, há sempre o horizonte de uma consciência transcendental, com influências do Oriente, com traços de espiritualização, e que se quer, de todo modo, mais ampla e profunda. Mito ou verdade, depende muito das inclinações ideológicas de cada um, tudo sempre produto de um longo e peculiar processo de desenvolvimento histórico.
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[1] BAGDADI, Solange. Ioga já tem 500 mil praticantes no Brasil. Disponível em: http://exame.abril.com.br/brasil/ioga-ganha-cada-vez-mais-praticantes-no-brasil/
[2] Grupos divergem sobre número de praticantes no país. Folha de São Paulo, 30 de junho de 2002. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3006200222.htm
[3] Desiludido da vida. O Dia, Curitiba, 1 mai. 1938, n. 4527, p. 1.
[4] Lou Nova treina pelos methodos Yoga. O Globo Sportivo, Rio de Janeiro, 10 jun. 1939, n. 42, p. 18
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