Só há um Belenenses

O recente caso do Clube de Futebol Os Belenenses tem gerado um interessante debate sobre a propriedade dos clubes, a relação entre o clube e seu caráter social e o lado empresarial e econômico do futebol. Recentemente, iniciei um projeto de pesquisa para avaliar o papel dos elementos culturais e simbólicos do futebol dentro da organização industrial do futebol moderno e o caso do CF Os Belenenses oferece algumas pistas para entender a situação.

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Após uma série de mudanças na legislação portuguesa, a partir de meados dos anos 1990, os clubes de futebol do país foram obrigados a assumir um novo formato jurídico para poder disputar os campeonatos profissionais de futebol. Dentre as duas opções – Sociedade Anônima Desportiva (SAD) e Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas (SDUQ) -, a maior parte dos clubes optou pelas SADs. Como Sociedades Anônimas, cotadas em bolsa, a legislação portuguesa obriga que o clube fundador mantenha no mínimo 10% do capital da SAD, ou seja, é possível que investidores passem a ter o controle do futebol de um clube.

A venda do capital da SAD d’Os Belenenses foi o ponto de partida para uma relação que tem sido conturbada desde o início. Em 2012, em um momento financeiro complicado, a Assembleia Geral do clube decidiu vender a maioria da SAD para um grupo de investimento, Codecity Sports Management. Na altura, fazia parte do acordo a possibilidade de recompra do capital por parte do clube.

Contudo, a relação entre investidor e clube nunca foi positiva. Desde o início, a Codecity rasgou o acordo fechando as portas para a recompra do capital da SAD pelo clube. Dentre as várias queixas do clube em relação ao comportamento da SAD estão: a falta de investimento (a grande maioria dos jogadores que foram contratados vieram a custo zero ou foram emprestados); os custos de manutenção do estádio eram suportados integralmente pelo clube, entidade sem fins lucrativos, sem compensação pela SAD; a não utilização de jogadores que vinham das escolas de formação do clube (pois implicava o pagamento da SAD ao clube que detém o futebol de formação); e o desagrado pelo envolvimento do nome do clube, através do Presidente da SAD, Rui Pedro Soares, em investigações de corrupção.

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Depois que um tribunal de justiça deu ganho de causa à SAD, na questão da recompra das ações, o clube proôs que fosse criado uma equipe de futebol d’Os Belenenses a disputar os escalões amadores do futebol português e que a SAD passasse a pagar um aluguel pelo uso do estádio do Restelo. Porém, a SAD manteve a sua postura de incompatibilidade com a direção do clube e negou o acordo. Houve aí uma cisão entre ambos, o CF Os Belenenses criou uma equipe para jogar a 2ª divisão dos distritais de Lisboa (algo como a sexta divisão) que joga no Estádio do Restelo, enquanto a Belenenses SAD disputa a 1ª divisão do futebol profissional e aluga o Estádio do Jamor.

No âmbito jurídico tem havido disputas entre as partes e destaco aqui a luta pelo nome e uso dos símbolos do clube. Para o clube e grande maioria de seus sócios, só “há um Belenenses, que joga no Restelo” e tentam impedir que a SAD use os símbolos do clube. No passado 8 de março, o clube teve uma vitória jurídica, fazendo com que a equipe da SAD entrasse em campo com um novo emblema no jogo contra o Benfica.

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Novo emblema do Belenenses SAD

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Emblema do CF Os Belenenses

Aparentemente, a maior parte dos torcedores tem dado razão ao clube, fazendo com que a média de público no Restelo, para o campeonato amador, seja bastante superior ao Belenenses SAD, apesar de estarem conseguindo uma de suas melhores temporadas em campo, estando a disputar uma vaga na próxima Liga Europa. Um dos exemplos de que a ligação com o clube supera a relação comercial e profissional do “futebol moderno” foi o jogo entre Belenenses e Estrela – formado após a falência do tradicional Estrela da Amadora – que lotou o estádio reunindo 5 mil pessoas.

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É ainda mais interessante que essa disputa aconteça tão próximo ao centenário do clube, criado em setembro de 1919. A direção do clube organizou uma exposição itinerante para celebrar a data e tem circulado por Lisboa, tendo funcionado como importante ferramenta para criar uma maior ligação com a sua história, com seus sócios e seus torcedores. Do ponto de vista patrimonial, o clube detém o seu estádio e a sua galeria de troféus, além de manter a relação com todas as outras modalidades que são praticadas no clube, enquanto a SAD é dona “apenas” do futebol profissional e toda atenção e dinheiro que cirucula em torno disso. O caso do Clube de Futebol Os Belenses vem mostrando que as ligações humanas, a relação com o local e a história são elementos fundamentais para o futebol, mesmo que seja profissional, moderno e comercial.

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