Jogo da pelota: disputas dentro e fora da cancha

Por Flávia da Cruz Santos

Foi em fevereiro de 1892 que os paulistanos conheceram o esporte da péla ou jogo da pelota, como também era conhecida a prática.  O primeiro frontão da cidade começou a funcionar no domingo, 7 de fevereiro[1]. Era o Frontão Paulista, em torno do qual muitas polêmicas se deram. O jogo da péla mobilizou grande número de expectadores e causou frenesi na cidade de São Paulo. Uma das razões para tal, era o fato de tal prática envolver apostas em dinheiro.

Apresentado aos paulistanos como um esporte higiênico e emocionante, desde sua primeira partida, o jogo da péla movimentou dinheiro na cidade, e por isso mesmo, foi adorado por muitos e odiado por outros. O dinheiro envolvido no jogo fez não só com que o seu público fosse numeroso, como fez também com que os frontões movimentassem o mercado financeiro com suas ações, e fez com que seus praticantes se profissionalizassem.

Os jogadores de pelota eram contratados pelos clubes e recebiam salários. Eram chamados de pelotaris.  Mas havia também os chamados amadores da pelota, que não eram profissionais, mas também jogavam.

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Pelotaris do Frontão Boa Vista. Revista da Semana, 30 de setembro de 1922.

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Desde sua primeira aparição nos jornais, tal jogo figurou nas colunas esportivas. Foi, desde sempre, apresentado como um esporte e como um divertimento, ainda que tal entendimento não fosse pacífico. Os frontões eram anunciados como casas de diversão.

O jogo da pelota na capital paulista foi uma mistura de esporte com espetáculo de massa, com show business. O que é muito comum no cenário esportivo dos dias de hoje, mas que vivia seus momentos iniciais no final do século XIX. Isso não quer dizer que o jogo da péla fosse uma unanimidade. Houve aqueles que o reprovassem, e que até mesmo quisessem a sua proibição. Durante os anos de 1894 e 1895 os jornais Correio Paulistano e O Estado de São Paulo travaram uma discussão em torno de sua prática. O primeiro defendia o jogo, enquanto o segundo não poupava esforços e argumentos contrários a ele. Mais tarde o mesmo se deu entre os jornais Correio Paulistano e Correio de S. Paulo, como demonstram Samuel Neto e Edivaldo Góis e em recente trabalho (2019)[2].

Tentava-se comprovar a ilegalidade do jogo da pelota, com o argumento de que o mesmo era um jogo de azar, um vício. Mas os contra-argumentos não tardavam a ser apresentados. Advogados e até mesmo um visconde argumentavam que o jogo da pelota não dependia unicamente da sorte ou azar, e que por isso não podia ser proibido.

Além disso, inqueriam: porque há tanto incomodo com as apostas nos frontões, e o mesmo não acontece com as apostas no Jóquei Clube e no Velódromo Paulista?[3] Questões como essa permearam os debates até 1898.

A Câmara Municipal e o poder judiciário também participaram desse embate. Enquanto a Câmara mandava fechar os frontões, os juízes concediam a eles o direito de continuar funcionando. As controvérsias em torno da questão eram tamanhas, que um procurador de justiça resolveu levar o caso ao presidente do estado – cargo correspondente ao do atual governador de estado –, em janeiro de 1895.

Em meio a ordenamentos legais que determinavam o fechamento total ou apenas em dias uteis dos frontões, e as revogações desses ordenamentos, o jogo da pelota foi se consolidando na capital paulista. A partir de meados de 1896, esse tipo de questão foi perdendo espaço para os constantes jogos de pelota que, a essa altura, aconteciam no Frontão Paulista e no Clube Atlético da Pelota. Mais tarde, pelos idos dos anos 1930, essas questões reaparecem com alguma força.

Houve pelos menos quatro canchas em São Paulo até 1920: a do Frontão Boa Vista, que foi a mais famosa e que funcionou por mais tempo, a do Clube Atlético da Pelota, a do Frontão Paulista e a do Grêmio da Péla.

O Frontão Boa Vista, inaugurado em 10 de fevereiro de 1898, era uma casa de diversões, como diziam seus próprios anúncios. Possuía a cancha, em volta da qual havia arquibancadas e 43 camarotes. Além da cancha, possuía um bar que durante os intervalos das partidas de pelota ficava repleto de pessoas, como mostra a imagem abaixo. Possuía também um terraço, extensão do bar, de onde se tinha uma boa vista do Vale do Tamanduateí. As janelas da enfermaria e dos vestiários dos pelotaris, davam para a Várzea do Carmo.

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Bar do Frontão Boa Vista, Revista da Semana, 30 de setembro de 1922.

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As brigas entres os espectadores e apostadores da pelota, muito constantes no percurso de tal prática na capital do país, só estiveram mais marcadamente presentes em São Paulo em 1899. O que fez com que a presença da polícia fosse constante nos frontões paulistanos em tal ano.

Houve, no entanto, notícias de brigas esporádicas em outros momentos, como as ocorridas no Frontão Paulista em 11 de abril de 1897, devido à insatisfação do público com os resultados dos jogos[4], e a briga entre dois pelotaris, que foram presos, no Frontão Boa Vista em 13 de dezembro de 1907[5].

Não houve ligas ou federações do jogo da pelota, que organizassem os clubes de pelotaris. Os torneios e campeonatos de pela eram organizados pelos clubes e associações, sem qualquer regularidade.

Uma estratégia que de tempos em tempos foi adotada pelos frontões – e também por outros divertimentos –, para atribuir valor à sua imagem, foi a realização de eventos em benefício de instituições ou causas sociais.  O Frontão Paulista, o Frontão Boa Vista, o Club Atlético da Pelota, e o Clube da Péla destinaram os lucros de alguns de seus eventos à hospitais, orfanatos e sanatórios[6]. Essa prática esteve presente, pelo menos, entre os anos de 1895 e 1905.

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Várzea do Carmo com Frontão Boa Vista ao fundo, Cartão Postal, s/d.

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Em 1920, o Frontão Paulista não mais existia. Foi fechado em 1907 devido a um incêndio[7]. Mas o Frontão Boa Vista continuava a receber grande público, que lotava suas dependências. Em tal ano, temos notícias da realização de 115 espetáculos de péla, todos no Frontão Boa Vista. É como se a cada 3 dias, aproximadamente, um espetáculo fosse realizado!

As mulheres, no entanto, só aparecem como pelotarias na segunda metade da década de 1930. Ainda assim, o governo municipal determinava que só as mulheres que possuíssem 21 anos ou mais de idade, podiam ser artistas da pelota. Pelotarias espanholas foram contratadas pela Empresa Paulista de Esportes da Péla, para abrilhantar os espetáculos do Frontão Boa Vista[8]. As mulheres praticavam a modalidade de jogo da pelota em que se usava raquete.

A presença feminina no frontão, como competidoras, era apresentada como a última novidade no jogo da péla[9]. Tal qual os jogos masculinos, os jogos femininos eram anunciados como emocionantes. Mas outros adjetivos, diferentes daqueles ligados à prática masculina, eram adicionados: elegância, agilidade, graça, emotividade[10].

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Pelotarias no Frontão Boa Vista, Correio Paulistano, 2 de agosto de 1936.

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[1] O Estado de S. Paulo, 7 fev. de 1892, p.1.

[2] NETO, Samuel Ribeiro dos Santos; GÓIS, Edivaldo. Boliches e discurso esportivo: a distinção e as disputas envolvendo os jogos de azar na São Paulo dos anos 1930. Recorde, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 1-15, jul./dez. 2019.

[3] O Estado de S. Paulo, 1 ago. de 1898, p.2; O Estado de S. Paulo, 8 ago. de 1898, p.4.

[4] O Estado de S. Paulo, 12 abr. 1897, p.2.

[5] O Estado de S. Paulo, 13 dez. 1907, p.3.

[6] O Estado de S. Paulo, 5 mar. 1895, p.1; O Estado de S. Paulo, 24 out. de 1897, p. 2; O Estado de S. Paulo, 19 mai. 1898, p.3; O Estado de S. Paulo, 22 out. 1898, p. 2; O Estado de S. Paulo, 26 mar. de 1900, p. 2; O Estado de S. Paulo, 20 jul. de 1901, p. 2; O Estado de S. Paulo, 20 set. 1902, p. 2; O Estado de S. Paulo, 19 out.  1902, p. 3; O Estado de S. Paulo, 24 fev. 1905, p. 3; O Estado de S. Paulo, 2 dez. 1905, p.2.

[7] O Estado de S. Paulo, 17 jan. 1907, p. 2.

[8] Correio Paulistano, 2 ago. 1936, p. 25.

[9] Correio Paulistano, 18 jun. 1936, p. 9.

[10] Correio Paulistano, 19 jun. 1936, p. 6.

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