Adílson “Maguila” Rodrigues: Farsa ou realidade para o boxe brasileiro?

No presente post pretendo apresentar reflexões sobre a representação simbólica de um boxer brasileiro que atingiu repercussão midiática principalmente nos anos oitenta em um esporte que o Brasil não apresenta grande tradição histórica internacional, salvo algumas exceções como Eder Jofre, Miguel de Oliveira, Servílio de Oliveira, Acelino “Popó” Freitas,Valdemir “Sertão” de Almeida e mais recentemente os irmãos Falcão e Róbson Conceição entre outros.

Minha relação com o boxe enquanto fenômeno esportivo oscilou ao longo da vida. Quando jovem adorava películas sobre um espore que talvez seja o mais plástico para a linguagem cinematográfica como “O Campeão”, “Touro Indomável” e mesmo a pasteurizada, porém emocionante, série de filmes de “Rocky Balboa”. Admirava lutadores como Teófilo Stevenson, Mike Tyson, Evander Holyfield, Júlo César Chavez e também fui um fã de José Adílson Rodrigues dos Santos, apelidado de “Maguila”.

Em um determinado momento da minha existência me desinteressei completamente do boxe não sei bem precisar quando e por quais razões. Passei inclusive a achar de forma um tanto quanto pedante ou preconceituosa, que era um esporte brutal e que os lutadores seriam alienados manipulados em um espetáculo sangrento e boçal. Não acompanhava as lutas de “Popó” e abominava principalmente a nova modalidade inspirada nos antigos “vale-tudo”  de “MMA” que surgiam com muita popularidade.

Havia me distanciado da prática de esportes que pratiquei associados a masculinidades no século XX , sobretudo, na adolescência como Pólo Aquático ou Jiu-Jitsu. Nessa época acredito que corroborava com uma visão superficial sobre o boxeador Adílson Rodrigues de que ele tinha sido apenas uma construção midiática e era uma figura caricata utilizada muitas vezes em programas televisivos de formas constrangedora.

O retorno ao interesse com a modalidade aconteceu paradoxalmente através de um convite para participar de um evento acadêmico na Colômbia, mas especificamente na incrível cidade de Cartagena de las  Índias em uma das universidades mais antigas da América Latina junto com Victor Melo e outros pesquisadores latino-americanos em 2014. Em um papo de bar fui convencido pelo querido amigo e pesquisador David Quitían a aceitar o desafio de falar sobre o “Boxe no país do futebol” tema sugerido por ele próprio.

Preparei uma fala que buscava estabelecer reflexões comparativas sobre a popularidade, origem social e espaço na mídia do Boxe em relação ao Futebol que terminava fazendo um breve histórico dos principais pugilistas brasileiros da História na minha opinião.  Acabei não incluindo Adílson Rodrigues, fato que foi questionado por um jornalista especializado colombiano, país que possui imensa tradição no esporte com diversos campeões olímpicos e mundiais.

A partir de então passei a acompanhar novamente o boxe assistindo principalmente atletas como Floyd Mayweather Jr, Vasyl Lomachenko e os brasileiros Róbson Conceição além dos irmãos Falcão, filhos do lendário “Touro Moreno”.

No final de 2017 com o objetivo de praticar um novo esporte e emagrecer fui estimulado por amigos a fazer aulas de boxe na Associação Brasileira de Pugilismo localizada em Copacabana na tradicional Academia Radar. No início não acreditava que conseguiria acompanhar os treinamentos, mas aos poucos fui realmente me apaixonando pela prática da “nobre arte”, recuperando o condicionamento físico, apesar da relativa idade, e descobrindo um espaço de sociabilidade incrível no qual convivem pugilistas, ex-atletas, médicos, veterinários, militares, biólogas, etc em uma atividade prazerosa que ajuda a fortalecer não só o corpo quanto a mente, dissipando assim qualquer preconceito que eventualmente eu ainda poderia ter com relação à  modalidade e seus praticantes.

Mas voltando ao objetivo central do post e aproveitando a questão estrutural do preconceito: Adílson Rodrigues da Silva nasceu em uma família extremamente pobre em Aracaju: é negro, nordestino, semianalfabeto, trabalhou como pedreiro e lutou ao longo da sua vida não só nos ringues, mas contra a fome e também contra o preconceito estigmatizado na própria alcunha “Maguila, apelido que o compara a um gorila truculento, porém simpático, personagem de Hanna Barbera. Segundo Roberto Cabrini:

 “Não se fazem nordestinos de 1.85 de altura todos os dias numa região do país onde o homem médio é estatisticamente um homem baixo. Seu pai, um estivador de Aracaju, Sergipe nunca imaginou que um de seus 20 filhos iria se tornar campeão de boxe, menos ainda da categoria peso-pesado. Os Rodrigues de Sergipe que migraram para o sul seguiram caminhos variados. Há quem tenha sido morto pela polícia, pacato cobrador de ônibus e pedreiro até chegarmos ao campeão de boxe” Revista Show do Esporte. N.1. P.51 

Pode não ter sido um pugilista tecnicamente brilhante, mas era extremamente forte e possui um cartel com 85 lutas, sendo 77  vitórias e 61 por nocautes. Lutou com alguns dos maiores pugilistas dos pesos pesados da sua época como Evander Holyfield e James “Quebra Ossos” Smith e na América dos Sul não teve adversários. Segundo Alessandro Leite, ex-pugilista e presidente da Associação Brasileira de Pugilismo foi o maior peso-pesado que o país já teve apesar de termos muitos grandes lutadores que nunca chegaram a ter o devido reconhecimento no cenário internacional.

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Revista Placar  N.845. P.58, 1986. Acervo pessoal

Entretanto, somente o preconceito explicaria uma espécie de desvalorização da carreira do pugilista? Quantos lutadores no Brasil e no mundo são oriundos de classes sociais menos favorecidas? Acredito que só o preconceito não explica um acionamento de memória negativo com relação à carreira de Adílson Rodrigues apesar de ser um fator muito importante.

Existe um argumento que é a suposta construção midiática do atleta através ,sobretudo, do locutor e empresário Luciano do Valle alavancada pela Rede Bandeirantes  que teria “produzido” o lutador inclusive “arranjando” algumas lutas.

É verdade que o Consórcio Luqui-Bandeirantes investiu pesado na carreira do atleta e que o espaço midiático dedicado ao pugilista era desproporcional com a própria popularidade da modalidade, todavia um lutador consegue tantas vitórias e nocautes ao longo de tantos anos sendo somente um “produto da mídia”? E com relação a lutas “arranjadas” isso não é algo que acontece com certa regularidade tanto na modalidade, quanto em diversos outros esportes em função de interesses econômicos, bolsas de apostas ou mesmo necessidades individuais?

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REVISTA SHOW DO ESPORTE. N. 1. CAPA, 1988. – Acervo pessoal.

Neste sentido, acredito que uma costumeira desvalorização da carreira de um dos maiores atletas da modalidade no Brasil passa tanto pelo preconceito estrutural da sociedade brasileira que naturaliza desde o apelido de um gorila truculento até piadas explícitas sobre a ausência de instrução do esportista, quanto a superficial hipótese de que a mídia tem o poder de construir campeões que não tenham qualidade e capacidade esportiva para tanto.

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Placar N. 994. p. 38.1989. Acervo pessoal.

Adílson Rodrigues podia não estar no nível de dois dos maiores pesos-pesados da História que para sua infelicidade eram da sua geração: Mike Tyson e Evander Holyfield, mas com certeza era acima  do padrão da categoria de forma geral e com relação ao boxe brasileiro o humilde lutador foi uma realidade gigantesca que continua lutando pela vida com muita raça e determinação. Sobre a atual batalha do lutador ver: https://globoesporte.globo.com/sp/tem-esporte/noticia/a-luta-da-vida-maguila-trata-doenca-incuravel-em-refugio-no-interior-de-sp.ghtml.

Desculpe Adílson dos Santos Rodrigues por não ter incluído você no rol dos grandes lutadores brasileiros de todos os tempos em distante palestra em solo colombiano. Você com certeza é um grande campeão brasileiro tanto no Boxe quanto na luta pela vida.

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