Coriolano P. da Rocha Junior
Cada modalidade requer, a partir de seu ordenamento legal, um conjunto de exigências em relação ao espaço e suas características, que são constituídas em função das especificidades da prática de cada esporte. Isto também deve ser pensado em associação aos usos pensados para a atividade esportiva em si e ao que se quer do local das ações, em associação as dinâmicas mais gerais de políticas urbanas, ou seja, pensar o espaço esportivo implica também pensar a cidade.
Pensar a prática esportiva implica ter de levar em conta a questão dos espaços para a vivência destas atividades, seus usos, sua localização na cidade, seus modos de construção. Enfim, ao analisar o esporte e sua história, somos levados a também tentar entender a questão de seus locais específicos de vivência.
A Bahia e mais especificamente Salvador viu a experiência esportiva se instalar a partir de fins do século XIX, quando a cidade assistiu aos primórdios das vivências com os esportes acontecerem. A partir do início do século XX estas ações ganharam mais robustez e se alargaram, com a cidade vendo mais modalidades ocuparem a cena urbana.
Neste sentido, a partir dessa dinamização da prática dos esportes na cidade, podemos pensar que também se viu espaços específicos surgirem, para facilitar as vivências das pessoas interessadas, todavia, tal fato não se deu, ao menos, de forma estruturada, com ações públicas e associadas ao que se pensava para a capital baiana em seu ordenamento urbano.
Já vimos também que em Salvador as iniciais experiências esportivas acontecerem e ganharam volume num tempo em que a cidade vivia, mais uma vez, seu desejo de buscar ares modernos, de operar reformas urbanas, em seus espaços públicos e também em seus costumes, onde os olhares se voltavam, como modelo, para países e cidades que já haviam orquestrado essas reformas e tinham nestas, pensado os esportes e aí, há de se imaginar que Salvador poderia fazer do mesmo jeito, mas não, a cidade não se pensou esportivamente, mesmo que estes já estivessem se dando na cena urbana da cidade.
Quando olhamos para os primórdios esportivos da cidade encontramos essas realidades, que eram: a ausência de espaços públicos próprios a cada modalidade; a construção de espaços esportivos privados e o uso efetivos de locais da cidade, adaptados, para as vivências e isto, falando aqui das cenas com o críquete, o turfe, o remo, o futebol, a patinação, o tênis, o atletismo e o ciclismo. Cada uma destas modalidades experimentou uma relação diversa com os espaços de prática e seus usos na cidade.
Ao longo de sua instituição, em Salvador, cada uma destas modalidades viveu situações diferentes em relação ao espaços e seus usos, indo dos comuns da cidade, adaptados, ao uso de locais privados para suas vivências. Também em relação aos locais de prática e a relação com a cidade e sua população houve diferença, onde nuns casos era aceito e até bem visto, noutros, era caso de polícia, sempre em função de quem estivesse ocupando a cena pública, se sua elite ou a seu estrato mais pobre.
Ao olharmos cada modalidade em específico, vamos encontrar as seguintes situações.
O críquete sempre foi jogado em praças da cidade, locais já existentes, de uso público, sem que houvesse uma condição específica para a modalidade. Rocha Junior e Santos (2015) nos mostram que os jogos ocorriam majoritariamente no Campo Grande, mas também com notícias de jogos na Fonte do Boi[1], na Quinta da Barra, no Campo da Pólvora[2] e no Largo da Madragoa[3].
O turfe conviveu com dois locais, ambos construídos de forma especial para sua prática e privados. A cidade viu a existência de dois hipódromos, que foram: o da Boa Viagem e o do Rio Vermelho.
Em Rocha Junior e Santos (2015) encontramos dados que falam da abertura de hipódromos na cidade. O primeiro foi o da Baia Viagem. Sobre este, o jornal A Locomotiva[4] dava notícias da abertura de um palco específico para a prática na cidade, na data de 30 de dezembro de 1888: “a inauguração do Hipódromo S. Salvador, que teve lugar no dia 30 passado, foi um verdadeiro acontecimento notável para os anais desta grande capital” e “terminamos dando os nossos parabéns ao público e ao empresário do Hipódromo”.
Adiante, Salvador viu surgir um outro espaço para o turfe, sendo este também privado, desta vez instalado no bairro do Rio Vermelho. O jornal Diário do Povo[5] apresentava assim a ideia da criação desse espaço: “No próximo domingo realizar-se-á a inauguração deste prado situado no aprazível arrabalde do Rio Vermelho” e “Leiam os nossos leitores os programas de corridas e não faltem a inauguração do Derby Clube”.
Sobre estes espaços, vale dizer que se localizavam distantes um do outro e que viveram, ao longo dos tempos, dificuldades de manutenção, por problemas de ordem financeira. Estes hipódromos chegaram a funcionar conjuntamente e também se alternaram como locais próprios do turfe. Nos dois casos, vale dizer, que na época de seu funcionamento, as duas localidades eram distantes da parte central da cidade e contaram com dificuldades de transporte.
Outra modalidade que alcançou sucesso e mesmo assim não viu um espaço próprio ser pensado para sua existência foi o remo, muito embora, seu local de disputa pudesse ser considerado apropriado ao esporte, foi sim, uma adaptação de um cenário natural da cidade.
De seu início até hoje, o remo foi e segue acontecendo na Enseada dos Tainheiros. Este local era, quando do início das atividades com o remo, um espaço de veraneio da cidade, também distante da região central, tendo as regatas usado um pedaço de mar, belo, aprazível, de águas calmas, que potencializavam o esporte, porém, nunca contou com uma efetiva intervenção, pública ou privada, de forma a qualificar como local ideal de prática do remo e também para a plateia.
Atividades como patinação e ciclismo nunca puderam contar com algo parecido com espaços específicos, tendo então seus praticantes de usar apenas as ruas e praças da cidade, qualquer que fosse a intenção da vivência, mesmo que dependesse de equipamentos, caros, notadamente na fase inicial do século XX. Locais como o Politeama, o Passeio Público e o bairro do Comércio eram relatados como os preferidos para estas atividades esportivas.
O tênis foi uma atividade esportiva que em Salvador se notabilizou por ser exercida somente em espaços fechados, inclusive residências e notadamente em clubes, sendo um criado com esse perfil. A modalidade, desde seu início se notabilizou como um esporte das elites econômicas e assim, foi vivida como um experiência de distinção.
Em algumas residências de famílias nobres da cidade foram construídas quadras, para que seus membros e convidadas e convidados pudessem viver o esporte. Além disso, no Rio Vermelho, junto a área onde existiu o Hipódromo se teve o esporte. Com mais notoriedade vimos exitir o Clube Baiano de Tênis, que se notabilizou como um espaço específico, mas privado, para o jogo do tênis, mais uma vez caracterizando que na cidade, os esportes aconteceram, mas sem que pudessem contar com a construção de espaços diretos.
Semelhante ao tênis foi a condição do atletismo, atividade que aconteceu de forma tímida em espaços públicos e que viu a construção de um clube próprio para sua prática, privado, que foi o Yankee Foot-ball Club, que inclusive chegou a criar uma pista. Vale dizer que o atletismo, além de tudo, teve sua prática associada a conceitos de saúde, sendo tratado como uma modalidade essencial ao desenvolvimento corporal de quem o executasse.
Por fim, falamos do futebol, uma modalidade que por suas características permite o uso de espaços variados. A prática em Salvador aconteceu em várias praças e ruas, seja isto de forma organizada ou livre, pode mesmo se dizer que a cidade foi “ocupada” pela experiência futebolística. Quando falamos da esfera competitiva, basicamente três espaços foram os usados, que foram: Campo da Pólvora, que na verdade era uma praça aberta da cidade; o Campo do Rio Vermelho, montado onde já existia o Hipódromo, privado e adaptado especificamente para o futebol e por fim, o Campo da Graça, também privado e que foi pensado especificamente para atender a modalidade e suas competições.
Com tudo isto, podemos analisar que o esporte em Salvador se constituiu sem a existência de espaços específicos, públicos, para qualquer modalidade, tendo sempre se aproveitado de lugares públicos ou naturais, adaptados as modalidades ou então, espaços privados foram construídos. Tal cena na cidade perdurou e mesmo perdura, sem que ainda hoje existam muitos espaços públicos espalhados pela cidade, se notabilizando aqueles que são para uso exclusivo da esfera competitiva, sem acesso popular.
Esta condição, no tempo, muito contribuiu para com que o esporte não alargasse suas vivências na cidade, mesmo estas tendo se iniciado em tempos já longínquos, já que poucos investimentos, ao longo dos anos foram executados, de forma a permitir o acesso da população, as práticas, em espaços próprios, sem depender do elemento competitivo ou de clubes ou outras ações privadas.
[1] Localizada no bairro do Rio Vermelho. Diário da Bahia, Salvador, 25 de janeiro de 1902, p. 1.
[2] Diário de Notícias, Salvador, 24 de março de 1903, p. 3 e 12 de setembro de 1903, p. 3.
[3] Diário da Bahia, Salvador, 11 de janeiro de 1902, p. 1. Localizado na Cidade Baixa, na área do bairro da Ribeira.
[4] A Locomotiva, Salvador, 15 de janeiro de 1889, p. 41.
[5] Diário do Povo, Salvador, 21 de maio de 1889, p. 1.
Referência:
ROCHA JUNIOR, Coriolano P. e SANTOS, Henrique Sena dos. Primórdios do esporte no Brasil: Salvador. Manaus: Reggo, 2016.