Flávia Cruz/flacruz.santos@gmail.com
Em 1854 já há notícia da existência de uma sala de esgrima em São Paulo. Mas a presença sistemática de tal prática na capital paulista se dá mesmo a partir de 1862, quando começam a chegar na cidade mestres de armas vindos da Europa. Mestres de armas é como são denominados os professores de esgrima.
A despeito da inexistência de ferrovias que ligassem a capital ao litoral, e das dificuldades desse trajeto, que se dava pela serra do mar, a presença de europeus na cidade foi mesmo uma constante, desde seus primórdios. Os mestres de armas que chegavam eram alemães, italianos, franceses.
Eles ministravam aulas e cursos em suas próprias residências, em instituições de ensino, como o Liceu Alemão, e em associações, como o Clube Ginástico Português. Algumas vezes, além de europeus esses professores eram também militares, como era o caso do capitão do exército prussiano, Theodoro Maximilio de Krans, que dava lições de esgrima.
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Jornal da Tarde, 3 de abril de 1879
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A esgrima se desenvolveu na capital paulista atrelada a esses dois elementos: os europeus e os militares. Foi com professores europeus que os paulistanos aprenderam a esgrima, e foi por influência inglesa que eles desejaram aprendê-la. A esgrima compunha a formação de militares, e estes também eram mestres de armas, não apenas nas escolas militares, mas também em cursos para civis.
Os militares possuem, no entanto, uma especificidade em sua relação com a esgrima, que pode ser notada principalmente a partir da primeira década do século 20. Enquanto no meio civil as armas estudadas eram o sabre, a espada e o florete, os militares se dedicavam também à esgrima de baioneta. Baioneta é uma espécie de punhal, que é acoplado ao cano da arma de fogo, geralmente um fuzil.
As utilidades da esgrima eram apregoadas pelos jornais: eficaz para o desenvolvimento da força física e da coragem, distração agradável e elegante. Prescrita desde forma de tratamento da melancolia a componente da educação das elites, a esgrima era apresentada como uma prática apreciada pelos ingleses.
Inglaterra e França eram países referência para a construção de gostos e hábitos, também na capital paulista. Se uma prática era apreciada nesses países, era sinal de que deveria ser apreciada também pela população paulistana. Senão por toda ela, pelo menos por suas elites. Afinal, esses países eram símbolos de civilidade e de modernidade.
Apesar de chegarem de Londres e também de Buenos Aires, desde o último quartel do século 19, notícias de assaltos de esgrima entre mulheres, e entre mulheres e homens, o mesmo não aconteceu em São Paulo. Não há notícia de sequer um assalto entre mulheres na capital, ou de sua participação em cursos e associações de esgrima até 1920.
É somente em 1879 que começamos a ter notícias de assaltos públicos de esgrima. Em um primeiro momento, eles aconteciam como parte de festividades de instituições que a tinham como objeto de ensino, ou como uma estratégia de propaganda utilizada pelos professores, para demonstrar sua perícia com a esgrima e, assim, conquistar alunos. Posteriormente os assaltos passaram a acontecer também entre os alunos dos cursos existentes na cidade.
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O Estado de São Paulo, 13 de julho de 1899
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A partir da década de 1880 um maior número de associações que tem como um de seus objetivos, ou o único objetivo, desenvolver a esgrima são fundadas na cidade: Real Sociedade Clube Ginástico Português, Clube de Esgrima, Congresso Brasileiro, Cercle de Esgrima Franco Brasileiro, Clube Brasileiro de Esgrima e Tiro, Grêmio do Comércio de São Paulo, Academia de Esgrima, Clube Internacional de Ginástica e Esgrima, Grêmio Recreativo Filhos do Trabalho, Clube de Esgrima Kosmos.
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A Província de São Paulo, 5 de julho de 1881
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Competições de esgrima só começam a acontecer a partir de 1896. Nesse ano houve a realização de torneio pelo Clube Ginástico Português, e em 1897 pela Escola Normal. Em 1899 há notícia da realização de um torneio internacional de esgrima. Internacional porque seus participantes e as escolas de esgrima participantes, eram de diferentes nacionalidades.
Não havia qualquer organização das associações e escolas de esgrima em instituições que as normatizasse, e organizasse torneios. As competições se davam por iniciativa dos mestres de armas dos cursos. Apesar de associada à ginástica e à educação física, a esgrima não era tida ainda como um esporte. Sequer estava presente nas colunas esportivas dos jornais. Suas notícias estavam nas colunas de Notícias Diversas ou no Noticiário.
Não se falava ainda em esgrimistas, esse termo não era empregado. Os participantes dos torneios eram os professores e seus alunos de esgrima. Mas apesar disso, sem que os sujeitos desse tempo soubessem ou tivessem consciência, o campo esportivo já estava em gestação na capital paulista. E a esgrima ajudava a compor esse campo.
Tanto é que em 1905 a esgrima já figurava nas colunas esportivas dos jornais, e seus praticantes já eram chamados de esgrimistas. A esgrima participou, assim, do mesmo movimento de institucionalização vivido pelas demais práticas esportivas em São Paulo, a partir da segunda metade do oitocentos.
Com a especificidade de ter se desenvolvido nos momentos iniciais, como objeto de ensino em instituições instrutivas e cursos, como parte da educação formal e não formal, a esgrima passou a figurar, pouco a pouco, no quadro das atividades das associações recreativas e esportivas, e a possuir competições.
As comemorações cívicas também passaram a contar com a esgrima em suas programações. Em 1913, por exemplo, houve assaltos de esgrima nas comemorações pelo aniversário da proclamação da república e pelo dia da bandeira.
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O Estado de São Paulo, 20 de novembro de 1913
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No entanto, a esgrima não gozou de grande sucesso na capital paulista. O número de praticantes e de espectadores da esgrima não alcançou números muito alvissareiros. A revista Vida Sportiva, de agosto de 1904, apresenta estatísticas que o comprovam. Das 118 associações esportivas existentes na capital, apenas 4 eram de esgrima, enquanto 8 eram de atletismo, 9 de ginástica e 72 de futebol!
* Fontes
Correio Paulistano – 1854, 1855, 1856, 1857, 1858, 1859, 1862, 1863, 1864, 1865, 1866, 1867, 1868, 1869, 1870, 1871, 1872, 1873, 1874, 1875, 1876, 1877, 1878, 1879, 1880, 1881, 1882, 1883, 1884, 1885, 1886, 1887, 1888.
A Província de São Paulo / O Estado de São Paulo – 1875, 1876, 1877, 1878, 1879, 1880, 1881, 1882, 1883, 1884, 1885, 1886, 1887, 1888, 1889, 1890, 1891, 1892, 1893, 1894, 1895, 1896, 1897, 1898, 1899, 1900, 1901, 1902, 1903, 1904, 1905, 1906, 1907, 1908, 1909, 1910, 1911, 1912, 1913, 1914, 1915, 1916.
Jornal da Tarde – 1870, 1871, 1872, 1873, 1874, 1875, 1876, 1877, 1878, 1879.
Vida Sportiva – 1904.
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