Por: Leonardo Brandão (historiador)
A prática do esporte passa pelo corpo, mas nem sempre atinamos para as modificações nos movimentos corporais presentes no desenvolvimento de um esporte. As técnicas corporais tanto podem se modificar no interior de uma determinada prática esportiva quanto novos movimentos corporais podem surgir ou antigos perderem a utilidade. Aqui, neste breve texto, irei comentar um pouco como o corpo, ou o que poderíamos chamar de uma História do Corpo, adentrou para o campo das pesquisas históricas e como ele poderia auxiliar na pesquisa sobre a história do esporte.
Segundo o historiador Peter Burke, sabemos que “mais ou menos na última geração, o universo dos historiadores se expandiu a uma velocidade vertiginosa” (BURKE, 1992, p. 7), propiciando o aparecimento de novos campos de investigação, especialidades e temáticas que antes não eram, se quer, cogitadas como próprias para a análise histórica. Toda essa expansão acarretou modificações de abordagens metodológicas e também o surgimento de novos objetos no campo epistemológico dessa disciplina (PRIORE, 1994, p. 55).
Não há dúvidas de que o avanço da chamada Nova História – que em grande parte é um desdobramento das revoluções historiográficas inauguradas a partir da Escola dos Annales – ajudou a fragmentar e a criar novas possibilidades de estudos. Ainda segundo as palavras de Burke,
Nos últimos trinta anos nos deparamos com várias histórias notáveis de tópicos que anteriormente não se havia pensado possuírem uma história, como, por exemplo, a infância, a morte, a loucura, o clima, os odores, a sujeira e a limpeza, os gestos, o corpo, a feminilidade, a leitura, a fala e até mesmo o silêncio (BURKE, 1992, p. 11 – grifo nosso).
Nesse sentido, portanto, a História do Corpo é uma linha de pesquisa que parte da premissa de que o corpo – seus usos e representações – não é um dado imutável da natureza e nem somente pertence a ela. Mas sim, como já demonstrado por muitos historiadores (mas também por filósofos, sociólogos e antropólogos) uma construção cultural e histórica que pode se modificar de tempos em tempos. É nessa perspectiva, portanto, que o corpo pode ser visto como um “documento” e, assim, possuir não uma, mas várias histórias. Pois, conforme nos lembrou Jacques Le Goff, “a concepção do corpo, seu lugar na sociedade, sua presença no imaginário e na realidade, na vida cotidiana e nos momentos excepcionais sofreram modificações em todas as sociedades históricas” (LE GOFF, 2006, p. 10).
Tal linha de pesquisa está presente na historiografia francesa desde o final da década de 1970. Em grande parte, ela tomou força a partir da publicação do livro do historiador Georges Vigarello, intitulado Le corps redressé (“O corpo endireitado”), no qual ele analisa as técnicas de correção corporal que tiveram por objetivo corrigir a postura daqueles sujeitos que apresentavam um “desequilíbrio” com os novos padrões de civilidade exigidos pela nobreza em fins do século XVI. Em entrevista publicada na revista Projeto História da PUC/SP, Vigarello respondeu de modo bastante claro quais seriam os seus interesses em realizar análises sobre o corpo numa perspectiva histórica,
São várias as razões que explicam meu interesse pela história. Entre elas, saliento a necessidade de mostrar a distância entre sensibilidades de outras épocas e aquelas que experimentamos em nossos dias. Trata-se, em particular, de mostrar as distâncias entre nossas representações sobre o corpo e aquelas de indivíduos do passado. Esta experiência me parece bastante surpreendente […] (pois ela) me permite interrogar de modo agudo tudo aquilo que faz a originalidade de nosso tempo (VIGARELLO, 2000, p. 227).
Voltando a nossa questão inicial, isto é, sobre a relação do esporte com o corpo, e aqui eu penso mais nos esportes que estudo – no caso o skate – não é difícil observarmos essas modificações nas atividades corporais. Os usos do corpo no skate, se compararmos a década de 1960, quando o skate estava próximo da patinação artística, com os anos recentes, marcados pela a invenção de tantas manobras e modalidades distintas, fica claro que algo irrompeu no domínio das técnicas corporais deste esporte, levando-nos a compreensão que tanto os sujeitos quanto seus corpos são construções históricas.
Para saber mais:
BRANDÃO, Leonardo. Histórias esquecidas do esporte. In: Conexões: Revista da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Campinas, v. 7, n. 2, 2009, p. 13 – 23.
Referências Bibliográficas
BURKE, Peter. A escrita da história. São Paulo: UNESP, 1992.
LE GOFF, Jacques. Uma história do corpo na Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
PRIORE, Mary Lucy Murray Del. A história do corpo e a Nova História: uma autópsia. In: Revista da USP, São Paulo, nº. 23, 1994.
VIGARELLO, Georges. O corpo inscrito na história: imagens de um “arquivo vivo”. In: Projeto História, n. 21, novembro de 2000.