Coriolano P. da Rocha Junior
O ano de 2023 é para a Educação Física baiana muito especial. Nele se celebram os cinquenta anos de fundação daquele que foi o seu primeiro Curso Superior de formação na área, o da Universidade Católica do Salvador (UCSAL).
Poderia ser apenas uma data comemorada internamente pela UCSAL, mas acaba que é, na Bahia, um momento de celebração para o campo da Educação Física como um todo, uma efeméride que deve ser tomada como um marco institucional para esta área de conhecimento no estado, haja vista ter sido este o curso que iniciou e que durante longo tempo foi único na Bahia.
A Bahia, como mostram Pires, Rocha Junior e Marta (2013) foi um dos últimos lugares do Brasil a ter seu próprio curso superior de Educação Física. Tal formação, no Brasil, no meio civil, teve início no ano de 1939, quando da fundação da Escola Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFD), na então Universidade do Brasil.
A partir deste ano, país afora, foram criados cursos diversos, em diferentes Instituições de Ensino Superior, no entanto, na Bahia, só no ano de 1973 foi que isto aconteceu, mesmo que em tempos anteriores houvesse havido no Estado iniciativas que buscaram a fundação de um curso, mas todas foram frustradas, por variadas razões (PIRES, ROCHA JUNIOR e MARTA, 2014).
Até o ano de 1973, na Bahia, quem quisesse ter uma formação em Educação Física deveria sair do estado e buscar algum curso já existente. Em períodos variados, sem dúvida, a ENEFD foi a preferida, justo por ser uma instituição de referência, mas também houve que tivesse buscado outros cursos, a exemplo do da Escola Superior de Educação Física de Recife, a partir do Programa de Expansão e Melhoria do Ensino (PREMEN) (FERRARO, 1991).
Fica a noção de que a demora na instalação de um curso superior próprio de Educação Física, na Bahia, acabou por provocar na área, não apenas um déficit de pessoas legalmente habilitadas para o trabalho, mas também, na própria afirmação do campo e de suas práticas por extensão, como o esporte, a ginástica e as lutas, espaços tradicionais de intervenção docente, que, embora, não dependam de forma única da Educação Física, sem dúvida, tem nesta área seu maior esteio de sustentação.
Sendo a Bahia um estado muito grande, com um largo número de municípios, mesmo com a criação de seu primeiro curso, devemos ter em mente, de forma clara, que ainda seguiu um buraco no atendimento social pleno, ainda mais tendo em conta que foi só em fins dos anos de 1980 que outro curso foi fundado. Assim, as pessoas egressas da UCSAL, que verdadeiramente abraçaram o campo, claro, não davam conta de atender a toda a Bahia, nos mais variados espaços profissionais da Educação Física.
Esse considerado atraso na instalação da formação superior em Educação Física na Bahia, claro, trouxe ao estado prejuízos de variados tons, desde a condição da afirmação das práticas corporais como um bem social, até a existência plena da disciplina escolar Educação Física, passando também pelas políticas públicas, seja na capital, ou até de forma mais acentuada nos interiores, tomando a grandiosidade do estado e suas peculiaridades sociais e econômicas, mas, mesmo assim, se deve comemorar e ao fazer isto, devemos também, de forma justa, trazer a tona personagens fundamentais em todo o processo.
Assim, mesmo reconhecendo que a instalação da Educação Física na Bahia foi resultado de uma grande ação de variadas pessoas, que tiveram papel fundamental nesta verdadeira luta, há uma que é tida como fundamental em todo este processo, que é o Professor Alcyr Naidiro Fraga Ferraro.
O Professor Alcyr é reconhecido por todas as pessoas que acompanharam os esforços pela criação de um curso na Bahia, como figura fundamental e de extensa participação, não apenas na criação no da UCSAL mas também no que veio depois, o da Universidade Federal da Bahia, só em 1988.
Em sua trajetória, Alcyr Ferraro desde muito cedo se viu envolvido com a prática de esportes. Soteropolitano, filho de família mediana, Alcyr sempre participou da vida esportiva da cidade, tendo sido praticante regular de várias modalidades, se encantando com tais vivências e mesmo por isso, acabou sendo chamado para atuar como professor leigo, figura comum naquele período, onde pessoas sem formação específica atuavam como docentes de disciplinas escolares e no caso, Alcyr, por sua vivência, foi militar com a Educação Física.
A condição de professor leigo não soou para Alcyr como algo ideal e justo. O mesmo compreendeu que deveria buscar uma formação específica, para melhor qualificar sua ação e foi aí que teve a iniciativa de se graduar na ENEFD, que então, aparecia para quem era da Bahia como a cena ideal.
Alcyr iniciou sua formação em 1947 e um ponto deve se destacar para a busca pela ENEFD, a política de bolsas que o curso oferecia. Sua trajetória no Rio de Janeiro foi como a de tantas outras pessoas da Bahia que por lá passaram, ou seja, mesmo com a bolsa, elas tinha de buscar trabalho para complementar e qualificar a renda, pensando uma melhor estada na cidade e ainda, caso fosse na área da Educação Física, se entendia que estas atividades colaborariam com a formação profissional.
Em 1949 Alcyr finalizou seu curso e com a titulação optou por voltar para a Bahia, especificamente para Salvador. Vale dizer que o retorno ao seu local de origem das pessoas graduadas na ENEFD, constava no regimento da Instituição, elemento que era tido como essencial para a dinamização da Educação Física país afora.
Em sua volta a Bahia, Alcyr se colocou como professor em diversos espaços e instituições, assumindo localmente uma liderança no campo e frente as pessoas que aqui já trabalhavam e que vieram a atuar e sempre esteve em seu alvo, criar, na Bahia, um curso específico.
Com esse intento, Alcyr atuou na Bahia contribuindo com a afirmação da Educação Física, seja ministrando aulas diversas, liderando profissionais, organizando eventos ou ainda na gestão de instituições, mas sempre com a meta de aqui fundar um curso.
Devo afirmar que Alcyr não foi peça única neste processo de tentativas várias de instalação de um curso na Bahia, mas reconhecidamente foi uma liderança, alguém que colocou como meta esta busca e por ela atuou em frentes várias, por vários anos, até que conseguiu seu intento, quando em 1973 se fundou o curso da UCSAL.
Após a instalação desse curso, Alcyr nele atuou em diversas frentes, passando então a formar quadros profissionais que vieram a atuar e assim alargar a Educação Física na Bahia, fato que só fez aumentar sua liderança no campo.
Mesmo após a criação do curso da UCSAL, Alcyr não se deu por satisfeito e seguiu buscando mais, até que também atuou na formação do curso da Universidade Federal da Bahia, que só se efetivou em 1988.
Enfim, no ano que a Bahia celebra os cinquenta anos de seu primeiro curso, pareceu justo trazer aqui uma breve referência a uma figura fundamental, Alcyr Ferraro e a partir dele, homenagear a própria Educação Física na Bahia e seus vários personagens que nela atuaram, atuam e atuarão, seja qual for o lugar, instituição e experiência. Que venham outras datas, outras celebrações.
Referências:
FERRARO, Alcyr Naidiro. A Educação Física na Bahia: memórias de um professor. Bahia: CEDUFBA, 1991.
PIRES, Roberto Gondim, ROCHA JUNIOR, Coriolano P. da e MARTA, Felipe Eduardo Ferreira. PRIMEIRO CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA BAHIA – TRAJETÓRIAS E PERSONAGENS. Rev. Bras. Ciênc. Esporte, Florianópolis, v. 36, n. 1, jan./mar. 2014, p 205-223.
PIRES, Roberto Gondim, ROCHA JUNIOR, Coriolano P. da e MARTA, Felipe Eduardo Ferreira. MEMÓRIAS DE PIONEIROS DA EDUCAÇÃO FÍSICA: BAIANOS NA ENEFD. Recorde: Revista de História do Esporte . vol. 6, n. 2, julho-dezembro de 2013, p. 1-23.