Rio Esportivo – livro disponível para download

17/06/2021

por Victor Andrade de Melo.

.

Rio.Esportivo.Capa

.

O ano era 2015, vivíamos a expectativa da realização dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. A cidade, como poucas vezes antes, respirava ares esportivos, não necessariamente só de forma festiva. Já se faziam sentir os desdobramentos e problemas ocasionados pelo evento, que dava sequência à promoção da Copa do Mundo de 2014 e encerraria uma década de grandes competições.

Nesse cenário, foi lançado Rio Esportivo, uma das muitas ações com as quais tive o prazer de me envolver no período que antecedeu os Jogos Olímpicos. Esse livro ocupa para mim um espaço especial. Há anos, talvez décadas, tinha o desejo de lançar uma obra com essas características – um formato luxuoso, com muitas ilustrações e informações que pudessem chegar ao grande público, extrapolando o mundo acadêmico.

O convite da Casa da Palavra me encheu de felicidade. A ideia era apresentar um panorama das mais diferentes modalidades em sua distribuição pelas regiões do Rio de Janeiro. A produção editorial me deixou encantado. O resultado foi ótimo: o livro circulou bastante, foi bem vendido e já há algum tempo se encontra esgotado (somente há alguns poucos exemplares ainda à venda em algumas livrarias).

A fim de voltar a dar visibilidade à obra, com a gentil autorização da LeYa Brasil (meu enorme agradecimento à Leila Name), a disponibilizo para dowload gratuito.

Logo abaixo, pode-se baixar Rio Esportivo – a capa, o livro inteiro e em destaque o prefácio. Fiz questão de separá-lo para prestar uma homenagem ao amigo querido Gilmar Mascarenhas, que me brindou com seus gentis e generosos comentários, além de suas análises sempre acuradas.

No dia do lançamento, celebrei muito com os amigos. A noite demorou a ter fim em meio a gargalhadas, cervejas e celebrações. Gilmar estava conosco. Saudades, muitas saudades.

Meus agradecimentos aos que tornaram possível a publicação do livro. Espero que antigos e novos leitores o apreciem.

Rio.Esportivo.livro

Rio Esportivo_prefácio-dupla

Rio.Esportivo.capa


100 anos do futebol feminino no Rio Grande do Norte: histórias de pioneirismo e protagonismo esportivo

27/07/2020

Por Aira Bonfim (airafbonfim@gmail.com)

Enquanto alguns jornais e revistas do início do século passado buscavam associar a imagem de mulheres esportistas à atributos de delicadeza, beleza e frivolidades, acervos fotográficos da coleção do Instituto Tavares de Lyra (RN) e registros da revista carioca Vida Sportiva revelam imagens de garotas atléticas reais – e nem tão graciosas assim.

O olhar marrento, os corpos fardados e os braços cruzados são pistas visuais oferecidas por esses acervos que nos ajudam a pensar as formas de apropriação prática do futebol pelas brasileiras das primeiras décadas do século XX.

O exemplo aqui escolhido refere-se às fontes disponíveis sobre as equipes femininas de futebol do estado do Rio Grande do Norte e que circularam pela imprensa brasileira entre os anos de 1918 a 1920.

Em março de 1920 o semanário Vida Sportiva, responsável pela divulgação de notícias esportivas dos mais longínquos estados do Brasil, revelaria na sua capa a foto do ABC Football Club, time de futebol feminino da cidade de Natal, e, curiosamente associado a Liga de Desportos Terrestres na mesma época.

Futebol feminino de RN na capa da revista Vida Sportiva de março de 1920

Futebol feminino de RN na capa da revista Vida Sportiva de março de 1920

A foto da capa refere-se a um campeonato de futebol feminino realizado no sítio Senegal, residência do Coronel Joaquim Manoel Teixeira de Moura, o Quincas Moura. Tratava-se, de acordo com a mesma revista, de um prélio perdido de 12×0 pelo ABC F.C. (capa) contra o scratch feminino do Centro Sportivo Natalense, outra equipe pertencente à liga potiguar.

Tanto a raridade visual como a evidência histórica da partida de futebol são confirmações importantes que mulheres jogaram bola no Brasil, principalmente quando levamos em conta que na mesma época tal modalidade só crescia e se popularizava em todos os estados.

Jogadoras do ACB Football Club e Centro Sportivo Natalense em 1920

Nos últimos anos, tanto a mídia esportiva, como pesquisadores e instituições tem reiterado o episódio paulistano de 1921 entre as “senhoritas” dos bairros do Tremembé́ e da Cantareira, como um marco inaugural de moças jogando bola no Brasil. No entanto, apesar de existirem novas confirmações de episódios isolados entre meninas, antes e depois de 1921, o futebol feminino, como modalidade esportiva e competitiva, não se desenvolveu oficialmente como modalidade naquela época.

Diferente das experiências iniciadoras do futebol masculino no país, a exemplo de Charles Miller em São Paulo, e outros entusiastas do esporte bretão inglês como Thomas Donohue (Bangu Athletic Club) e Oscar Cox (Fluminense Football Club), às iniciações femininas nesse esporte aproximam-se mais das experiências atléticas vividas entre as crianças, presenciadas principalmente nas ruas, escolas, igrejas, clubes e nas periferias das festividades esportivas.

Meses antes da divulgação da capa feminina na Vida Sportiva, a revista afirmou que a cidade do Natal podia gabar-se de ter sido a primeira do Brasil a criar agremiações esportivas “de elementos exclusivamente femininos”[1]. O texto referia-se ao Centro Náutico Feminino de Natal e o Clube Náutico Jundiahy, da cidade de Macaíba, fundados sob a orientação do Centro Náutico Natalense. Todos, desde 1918, já ostentavam publicamente garotas disputando provas de remo.

Competidores da Yole Anta, do Centro Náutico Potengy, em 1918. Fonte: Vida Sportiva.

De acordo as notícias sobre a vida esportiva norte-rio-grandense, o ano de 1915 havia marcado o grande boom das práticas esportivas entre aquela comunidade do Nordeste. Os cronistas de Vida Sportiva narram que graças ao football e os esportes náuticos em pouco tempo se proliferaram os encontros atléticos entre a juventude de Natal.[2]

Com exceção do turfe, as elites de Natal e redondezas já se consideravam pessoas com acesso a uma variada gama de esportes em 1915. Houve inclusive investimento público do governo local, que apesar de modesto, foi citado na época como uma contribuição significativa para o desenvolvimento esportivo da região.

Imagem da equipe feminina de futebol de Natal publicada em maio de 1920.

Enquanto uma parte da juventude feminina experimentava as competições de regatas (os rowings), os textos da revista também revelam a experimentação feminina em outras variedades esportivas que, na “impossibilidade absoluta de praticarem o football, elas haviam inventado o hand-ball e praticavam o basketball”:

“O bello sexo natalense não quis ficar indifferente a esse louvável movimento patriótico da juventude masculina.

Adheriu à nobre causa, certo de que a educação physica é uma necessidade.

Empreendedora, intelligente, a mocidade feminina natalense, resolveu também entregar-se à prática de desportos (…)” [3]

A novidade o futebol feminino revelado pelo semanário Vida Sportiva, órgão oficial dos cronistas esportivos do Rio de Janeiro, já havia antecipado o tema na sua capa de um mês antes, em 21 de fevereiro de 1920, quando escolheu a ilustração de uma jogadora de futebol vestida com o uniforme do Botafogo Futebol Clube, do Rio de Janeiro.[4]

Se desconhece qualquer performance pública de mulheres jogando bola no clube do Botafogo nessa época, no entanto, o mesmo não se pode dizer de outros clubes cariocas como o Villa Isabel F.C.(1915), o Progresso F.C.(1919), o C.R. Flamengo (1919) e o River S.C.(1919), que já indicavam a exibição de equipes mistas ou de meninas contra meninos nas suas festividades esportivas e domingueiras.[5]

Após alguns meses da publicação das capas da revista Vida Sportiva com jogadoras de futebol, em meados de 1920, encontra-se também no Rio de Janeiro, evidências de mulheres jogando futebol no Helios (1920), C.R. Vasco da Gama (1923), S.C. Celeste (1923) e São Cristóvão A.C. (1929).

A investida das capas com mulheres esportistas, além de outra publicação sobre o team feminino potiguar divulgada em maio de 1920 [6] inserem-se num contexto de divulgação de crônicas que incentivaram a prática dos esportes entre as brasileiras pela revista Vida Sportiva.

Textos com títulos sugestivos como: ‘Porque não se incita o sexo frágil a praticar os sports?’(1918), “a mulher nos sports”, a “a saúde e a belleza da mulher pelo cultura physica”, “o dever physico da mulher moderna”, todas de 1920, exemplificam o tom da campanha empreendida por esse veículo de imprensa da época.

Vale destacar que o ano de 1920 também marcou a profusão de equipes de futebol feminino na Europa. Só na França, no mesmo ano, estima-se que em torno de 150 grupos jogaram bola.[7] Anos antes, também foi fundada La Fédération des Sociétés Feminines et Sportives de France, que entre tantas ações, destaca-se a parceria com as pioneiras do futebol, as desportistas inglesas.

A parceria europeia resultou no primeiro jogo internacional feminino entre Inglaterra e França, em Preston, com 25 mil espectadores em 1920. A partida feminina entre França e Inglaterra, em julho de 1920, ganhou uma página inteira da Vida Sportiva[1]. Esse episódio aconteceu no campo do Chelsea F.C. e a publicação trouxe imagens das capitãs Macgnemond e Kell, assim como uma defesa da goleira da equipe francesa (Fémina Sport) e uma cena da partida de futebol (com um árbitro homem!)

Jogadoras inglesas e francesas ocupam uma página inteira de Vida Sportiva em julho de 1920

De volta ao cenário brasileiro e ao estado do Rio Grande do Norte, endereço das primeiras imagens publicadas do futebol feminino no país, vale destacar algumas pequenas curiosidades sobre as agremiações esportivas potiguares. O Centro Sportivo Natalense foi fundado da associação entre o Flamengo Foot-ball Club com o Alecrim Foot-ball Club[9], ambos de Natal.

O sportman João Café Filho (1899-1970), nessa época, era o diretor de esportes do Alecrim F.C. O jovem potiguar era o goleiro da agremiação e anos mais tarde, o único potiguar a ocupar o cargo de presidente do Brasil, desde que assumiu a presidência entre 24 de agosto de 1954 e 8 de novembro de 1955, depois do suicídio de Getúlio Vargas.

Se já não fosse um episódio revelador, o historiador Dr. Anderson Tavares de Lyra, fundador do Instituto Norte-Rio-Grandense de Genealogia e do Instituto Tavares de Lyra (Macaíba- RN), apresenta na sua catalogação fotográfica informações que identificam a volante da equipe do Centro Sportivo Natalense como sendo Jandira Carvalho de Oliveira Café (1904-1989), futura esposa de João Fernandes Campos Café Filho e primeira dama do Brasil.

Além da constatação que uma primeira dama nordestina atuou nos primórdios do futebol de mulheres no Brasil, ainda há mais novidades entre o seleto grupo. A equipe feminina rival do ABC Football Club também conta com outra personagem de prestígio nacional: Celina Guimarães Viana (1890-1972). A jogadora do ABC F.C. (time da capa da Vida Sportiva), além de dona do acervo de fotos disponíveis hoje no Instituto Tavares de Lyra, se tornou professora e reconhecida como a primeira mulher a conquistar o direito ao voto no Brasil em 1927.[10]

Segundo o memorialista Anderson Tavares de Lyra, as fotografias da época apresentam dois espaços: o estádio Juvenal Lamartine e o sítio Senegal, ambos no bairro do Tirol e pertencentes ao Coronel da Guarda Nacional e Presidente da Intendência de Natal, Joaquim Manoel Teixeira de Moura, Quincas Moura.

O coronel, adepto das animações proporcionadas pelos encontros festivos e esportivos naquela região, tinha entre suas convidadas, sobrinhas, primas e filhas. O episódio das jogadoras de futebol do Rio Grande do Norte é excepcional e curioso em sua época, e ao mesmo tempo, na luz da contemporaneidade, 100 anos mais tarde, são histórias e protagonismos pouco conhecidos de mulheres, jogadoras, historiadores e instituições do esporte.

Em 2020, continuamos demandando esforços coletivos para constituir histórias mais plurais de um esporte que despertou paixões em todos os tipos de pessoas – e essa totalidade também inclui as mulheres.

O recado já estava dado pelo cronista da revista Vida Sportiva de 1918:

“quem está affeito a assistir as lutas de football, quantas vezes não terá adimirado do enthusiasmo com que varias torcedoras assistem o transcorrer da pugna?

Essas torcedoras, adeptas da cultura physica, não sentirão por vezes, ancias de se entremearem nas lutas?

Certamente que sim!

Animome-las! Incitemo-las, para que em breve possamos ver em cada recanto da nossa capital, um club em que a mulher possa cultivar os sports”.[11]

Notas

[1] Vida Sportiva, Rio de Janeiro, p. 11, 13 dez. 1919.

[2] Vida Sportiva, Rio de Janeiro, p. 3, 29 nov. 1919.

[3] Idem.

[4] O escudo da imagem sugere a composição de letras que o clube carioca usava antes da fusão com o Clube de Regatas Botafogo.

[5] BONFIM, Aira Fernandes. Football Feminino entre festas esportivas, circos e campos suburbanos: uma história social do futebol praticado por mulheres da introdução à proibição (1915-1941). 2019. 213 f. Dissertação (Mestrado em História) – CPDOC – Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro.

[6] Vida Sportiva, Rio de Janeiro, p. 18, 15 mai. 1920.

[7] Williams, 2003; Doble, 2017; William e Ress, 2015.

[8] Vida Sportiva, Rio de Janeiro, p. 19, 24 jul. 1920.

[9] Diário de Pernambuco, Recife, p. 2, 6 jul. 1918.

[10]http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/celina-guimara-es-de-primeira-eleitora-a-a-rbitra-de-futebol/451775. Acesso em junho de 2020.

[11] Vida Sportiva, Rio de Janeiro, p. 7, 8 jun. 1918.

Referências

BONFIM, Aira Fernandes. Football Feminino entre festas esportivas, circos e campos suburbanos: uma história social do futebol praticado por mulheres da introdução à proibição (1915–1941). 2019, Dissertação — Mestrado em História, Política e Bens Culturais, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), Rio de janeiro, 2019.

DOBLE, Anna. The Secrety History of woman’s football. In: Newsbeat. 19/07/2017. http://www.bbc.co.uk/newsbeat/article/40654436/the-secret-history-of-womens-football. Acesso em 23/01/2019.

WILLIAMS, Jean; HESS, Rob. “Women, Football and History: International Perspectives.” The International Journal of the History of Sport. Vol. 32, Iss. 18, 2015.


Rio Vermelho: um arrabalde esportivo nas terras de Salvador

23/11/2009

Por:

Coriolano P. da Rocha Junior

Neste blog tenho abordado a história do esporte em Salvador e suas práticas iniciais. No post de hoje, falo de um bairro que por ser afastado da parte central da cidade, eram os bondes o melhor meio de se chegar até ele e mesmo assim com dificuldades e também, esta mesma localidade durante muito tempo foi um bairro de veraneio, com suas praias até então límpidas e tranqüilas. Na atualidade este bairro se caracteriza como o local da vida noturna soteropolitana, abrigando de intelectuais a artistas de diferentes áreas. Entretanto, entre fins do séc. XIX e início do século XX este mesmo local foi o cenário adotado pela cidade para suas experiências com a prática esportiva, este bairro é o Rio Vermelho.

Várias foram às modalidades esportivas que tiveram o Rio Vermelho como sede de suas práticas e foram vários os trechos do bairro que tiveram em suas terras o esporte. Dentre estes, podemos falar do críquete, do turfe, do futebol e do tênis.

Um dos locais do Rio Vermelho escolhidos para o esporte foi a Fonte do Boi e por lá se praticou o críquete, esporte trazido para terras baianas pelos ingleses, logo praticado pelos baianos, todavia, não foi um esporte que experimentou sucesso durante muito tempo.

Outra prática esportiva importante nessa época foi o turfe e também este aconteceu no Rio Vermelho, que teve um hipódromo e “onde hoje é o Parque Cruz Aguiar existia o Hipódromo e havia corrida de cavalos… o Hipódromo ficava atrás do atual Teatro Maria Bethânia, aí até onde é hoje a Av. Juracy Magalhães Neto…”[1]. O turfe no Rio Vermelho viveu períodos de grande sucesso, atraindo grande interesse da população para as suas corridas. Acontece que o hipódromo não serviu apenas ao turfe, já que também se praticou o futebol no mesmo espaço.

Muito se fala que o primeiro local escolhido para a prática do futebol em Salvador foi o Campo da Pólvora, onde o futebol não se demorou muito por diversas razões e além do mais, logo o poder público impediu que neste espaço se jogasse o futebol. Desta forma, com o impedimento do Campo da Pólvora passou a ser necessária a constituição de outro espaço para a prática do futebol e é aí que surge o bairro do Rio Vermelho e logo “cuidou-se dos preparativos para que naquele arrabalde fosse realizados campeo-natos (sic) que antes, nos outros locais, ainda não eram realizados (LEAL, 2002, p. 182)”.

Hipódromo do Rio Vermelho.

Fonte: LOPES. Licídio. O Rio Vermelho e suas tradições: memórias de Licídio Lopes. Salvador: FUNCEB, 1984.

 No Rio Vermelho o futebol foi praticado nos mesmos espaços onde havia se dado o turfe, ou seja, ainda não possuía um espaço especifico se valendo da adaptação de outros para acontecer, o que denota sua característica de esporte ainda em fase de organização na cidade de Salvador, mas mesmo assim, experimentou tempos gloriosos, pois “o campo oficial de futebol era aqui no Rio Vermelho, a Liga Bahiana de Desportos Terrestres, e os campeonatos eram disputados aqui. Nessa época, no dia do jogo, o bairro se enchia de gente, os torcedores. Os clubes campeões daquele tempo eram o Ipiranga e o Botafogo…”.[2] 

            Desta forma e sob esta condição, o futebol segue sendo no Rio Vermelho até que veio “uma crise inevitável do foot-ball, crise esta que só pôde ser attribuída aos meios defficientes de conducção para o Rio Vermelho, que motivaram aos poucos, o empalidecimento da estrella do foot-ball (GAMA, 1923, p. 320)”. Reforçando o que pareceu ser o pior problema do futebol no Rio Vermelho, Leal (2002) demonstra que “a cidade se espalhava, havia necessidade de se construir um campo de foot-ball mais próximo do centro para satisfazer a todos os soteropolitanos, já que o esporte bretão tinha crescido acentuadamente e os bondes chegavam ao Rio Vermelho lotados (p. 185).” Mesmo com a mudança do futebol para outro espaço, o Rio Vermelho continuou a ser importante para este esporte, pois, vários clubes passaram ou tiveram sede no bairro e destes, destacamos o Botafogo (1914) e o Ipiranga (1906) que usavam campos no Rio Vermelho.

Fonte: Revista Artes e Artistas: sports, theatro, humorismo e cinema, Ano IV, n. 150, Seção Sportivas, p. 150.

Outro esporte que foi praticado no bairro foi o tênis. Em 1923 foi fundado o Rio Vermelho de Tênis, também no hoje denominado Parque Cruz Aguiar, no mesmo espaço onde existira o hipódromo e o campo de futebol, contando também este clube com atividades de ginástica.

Vários outros foram os clubes existentes no Rio Vermelho ao longo dos tempos, várias ainda foram às modalidades praticadas, todavia, ao mesmo tempo em que o bairro perdeu seus ares de arrabalde, aproximando-se da cidade, o esporte foi também se distanciando, assumindo o bairro outra feição, a da agitação noturna.

 

Referências:

GAMA, M. Como os “sports” se iniciaram e progrediram na Bahia. In: Diário oficial do Estado da Bahia, Edição Especial do Centenário. Salvador: s.e, 1923.

LEAL, G. da C. Perfis urbanos da Bahia: os bondes, a demolição da Sé, o futebol e os gallegos. Salvador: Gráfica Santa Helena, 2002.

 

 


[1] Depoimento de Bel. Tarquínio Gonzaga no livro Rio Vermelho: projeto histórico dos bairros de Salvador. Salvador: FUNCEB, 1988.

 


[2] Depoimento da Prof. Stella Calmo Teixeira no livro Rio Vermelho: projeto histórico dos bairros de Salvador. Salvador: FUNCEB, 1988.


Jornalistas e Cartolas: uma reflexão sobre o jornalismo esportivo como fonte histórica a patir de uma análise do Jornal do Brasil e do Jornal dos Sports no dissídio esportivo dos anos 1930

30/01/2023

por Maurício Drumond

Dentro do campo da História do Esporte, o uso de material da imprensa esportiva como fonte histórica é recorrente, e mesmo natural. Como apontado por Victor Melo et al. (2013, p. 120), “os periódicos, notadamente os jornais, são muito usados nos estudos históricos (…). De fato, provavelmente permanecerão por muito tempo como sua principal fonte”. São raros os trabalhos sobre os esportes, e sobre o futebol no Brasil em particular, que não utilizam matérias do jornalismo esportivo como fontes. E isso não deve ser encarado como um problema. De fato, as páginas dos jornais representam um importante meios de comunicação e de registro que permanecem acessíveis aos pesquisadores, onde um grande volume de informações sobre assuntos relacionados ao esporte podem ser acessadas e interpretadas. Tendo-se em conta um procedimento metodológico adequado, as páginas esportivas são, sem dúvida, um importante manancial de informações para historiadores que se debruçam sobre diferentes aspectos do fenômeno esportivo. O artigo de Tânia de Luca (2010) ainda é um importante ponto de partida para quem busca compreender melhor essa metodologia. De forma bem resumida, pode-se afirmar que em um trabalho de pesquisa histórica, é parte fundamental do ofício do historiado adotar um olhar crítico sobre suas fontes, de modo que este não seja levado à conclusões distorcidas devido ao mal uso de fontes tendenciosas.

No entanto, ainda é possível encontrar obras em que tais fontes parecem ser utilizadas sem esses mínimos cuidados. Onde tem-se a impressão de que os jornais apresentam o passado “como ele realmente aconteceu”, em uma abordagem rankeana da história, no que Melo et al. (2013, p. 120) definem como uma “crença ingênua de que os jornais apenas registram os acontecimentos, sendo, portanto, confiáveis para o relato do passado”. Isso não quer dizer, no entanto, que tais fontes não possam, ou mesmo não devam, ser utilizadas pelos historiadores ou pesquisadores em geral. Deve-se apenas levar tais fatores em consideração ao se proceder com a análise do material utilizado.

Este post tem como objetivo demonstrar a importância de tais cuidados ao se estudar o esporte nas páginas dos jornais. Já fiz apontamentos nesse sentido em outro post aqui no blogue (LINK), sobre a imprensa esportiva na Argentina peronista. O presente trabalho teve início durante minhas pesquisas sobre o esporte no primeiro governo Vargas. Ao analisar a imprensa esportiva carioca no período de 1933 a 1937, foi visível a diferença de enfoque com que diferentes jornais lidavam com o mesmo assunto. Dentre esses, destaco aqui dois dos principais jornais da cidade do Rio de Janeiro, o Jornal do Brasil (JB) e o Jornal dos Sports (JS). Em um momento no qual a organização esportiva estava dividida entre dois grupos dirigentes antagônicos, o JB e o JS conduziam suas matérias de forma visivelmente parcial, tornando-se porta-vozes dos grupos em conflito, no que Bernardo Buarque de Hollanda (2012) chamou de “cronistas-cartloas”, ou seja, agentes da imprensa esportiva que transitavam entre os campos do esporte e da imprensa.

Para melhor entendermos a questão aqui proposta, faz-se necessária uma breve análise do período em que a organização esportiva nacional esteve dividida entre dois grupos antagônicos, fato conhecido na época como o dissídio esportivo.

O dissídio esportivo

O governo de Vargas teve como uma de suas principais marcas uma profunda ambiguidade, entre modernização e tradição. Por um lado, o país atravessava uma grande modernização econômica e social, com a implementação de ampla gama de políticas sociais, envolvendo a regulamentação da educação, do serviço público, do trabalho e da cultura, por exemplo, e com uma crescente racionalização do aparelho burocrático do Estado, que provia meios administrativos e recursos financeiros a essas políticas. Junto a essa modernização, conviviam fortes características tradicionais, representadas pelas oligarquias regionais que ainda possuíam grande influência junto ao governo.

Tal ambiguidade pode ser também encontrada nas relações entre Estado e esporte, em especial no que se refere à inserção do profissionalismo no Brasil. Um olhar mais superficial sobre a relação entre Getúlio e o esporte poderia apontar para um esforço do Estado na consolidação do regime profissional no esporte brasileiro. Contudo, tal não foi o caso, como pode ser visto no processo de construção do profissionalismo do futebol brasileiro.

Amador desde adoção pelas elites brasileiras no início do século, o futebol se modernizava e os clubes tentavam acompanhá-lo, buscando meios de burlar as barreiras limitadoras do amadorismo vigente. O amadorismo marrom era feito através do pagamento de “bichos” aos jogadores amadores – como não podiam receber salários dos clubes por serem amadores, os jogadores recebiam prêmios por cada jogo disputado.

O amadorismo marrom foi uma das maiores armas utilizadas pelos clubes para manter seus jogadores e aliciar craques de outras equipes. No entanto, no final dos anos 20 e início dos 30, o futebol se profissionalizava na Argentina e no Uruguai, e a Itália descobria os Oriundi – jogadores descendentes de italianos que eram cooptados para times da terra de Mussolini e do calcio. Os clubes de futebol brasileiros começavam a sofrer com um grande êxodo de jogadores brasileiros para o exterior. Em 1931, muitos jogadores paulistas foram parar na Itália, como Filó[1], Del Debbio, Serafini, Pepe e Ministrinho – todos que já haviam defendido a seleção brasileira –, assim como Nininho e Ninão, ambos do Palestra Itália de Belo Horizonte, atual Cruzeiro.

Devido ao êxodo de jogadores para o exterior e o baixo poder aquisitivo dos clubes, o profissionalismo passou a ser visto por alguns como o único caminho a ser seguido rumo à modernização do futebol brasileiro. A ideia de considerar jogadores profissionais verdadeiros trabalhadores ainda enfrentava grandes barreiras, mas não era mais inconcebível.

Alguns clubes de São Paulo e do Rio de Janeiro passaram então a pleitear a introdução do regime profissional junto à Confederação Brasileira de Desportos (CBD). Entre esses, encontravam-se os ex-presidentes da CBD Arnaldo Guinle e Oscar Costa, ex-presidente e presidente do Fluminense respectivamente, assim como dirigentes da entidade gestora do futebol paulista, a Apea. Com a recusa por parte da CBD em acatar os termos do regime profissional, Fluminense, Vasco, Bangu e América tomam a iniciativa de romper com a Amea e criam a Liga Carioca de Futebol (LCF), à qual o Flamengo logo aderiu. A LCF adotou o profissionalismo como regime vigente e foi rejeitada pela CBD, que só aceitava entidades amadoras. A nova Liga Carioca teve seu primeiro campeonato em 1933, disputado por América, Bangu, Bonsucesso, Flamengo, Fluminense e Vasco. O Bangu sagrou-se o primeiro campeão do regime profissional no Rio de Janeiro, vencendo o Fluminense na final. Assim, o futebol seguia os passos de outros esportes que haviam criado Ligas paralelas à Amea, como o tênis, em 1931, o atletismo e o basquete, ambos em 1933.

Juntamente com a criação da LCF no Rio de Janeiro, a Apea adota o profissionalismo e se desliga da CBD. Em pouco tempo, as duas entidades recebem o apoio da Federação Fluminense de Esportes (com clubes do estado do Rio de Janeiro, que tinha sua capital na cidade de Niterói, visto que a cidade do Rio de Janeiro era ainda o Distrito Federal), da Associação Mineira Esportes e da Federação Paranaense de Desportos e formam a Federação Brasileira de Football (FBF). Esta representava o futebol profissional em todo o país. Presidida por Sérgio Meira, ligado ao São Paulo, a FBF tinha em seus quadros os maiores clubes do Brasil: América, Flamengo, Fluminense, Vasco da Gama, Corinthians, Palestra Itália-SP, Santos, São Paulo, Palestra Itália-MG, Atlético Paranaense e Coritiba, entre outros. Já a CBD continuou contando com os clubes das demais federações, como a Bahia e o Rio Grande de Sul, além dos times amadores que não se uniram à FBF, como o Botafogo.

Um olhar mais atento à cisão do futebol brasileiro pode, no entanto, observar que a disputa não era uma mera discordância entre amadores e profissionais. O dissídio representava as próprias contradições do regime vigente. A antiga elite que dirigira o futebol nacional, representada por Arnaldo Guinle, que fora presidente da CBD de 1916 a 1920, perdia o controle da direção do esporte nacional para um novo grupo que ascendia juntamente à Revolução de 1930. Nomes como Luiz Aranha e João Lyra Filho, ligados à CBD e ao Botafogo, passavam a exercer grande influência junto à Confederação Brasileira de Desportos e iam aos poucos assumindo o controle da entidade.

A imprensa esportiva e a pacificação em 1934

Em 1934 aparece a primeira tentativa de fim ao dissídio, logo chamada de pacificação dos esportes. Essa primeira proposta de acordo entre a Confederação Brasileira de Desportos e a Federação Brasileira de Football veio à tona pouco após a desclassificação da seleção brasileira da Copa de 1934, no mês de junho. É importante observar aqui que a precoce eliminação da seleção nacional, que perdeu o jogo eliminatório da estreia, pode ter sido um fator determinante na movimentação de dirigentes da CBD, visando reformar e fortalecer o futebol da seleção nacional, o carro chefe a CBD.

A proposta apresentada previa, entre outras medidas, que a FBF e suas afiliadas especializadas (as federações regionais de futebol) fossem reconhecidas pela CBD, fazendo com que a FBF, então filiada à Confederação Brasileira, dirigisse o futebol nacional. No Rio de Janeiro, a Liga Carioca de Football assumiria o futebol da cidade, com a incorporação de um único clube da Associação Metropolitana de Esportes Athléticos (Amea) a seus quadros – o Botafogo. Dos demais clubes de futebol ligados à Amea, alguns fariam parte de uma liga de amadores – como o Olaria, o Brasil e o Andarahy – e outros entrariam para uma subliga, a segunda divisão da época. Nos outros esportes, o basquete seria dirigido pela Liga Carioca de Basketball, uma das especializadas, e o atletismo teria uma nova liga criada, com a unificação da Amea e da Liga Carioca de Athletismo.

Esse “pacto de paz” foi assinado por dirigentes de ambas as facções em luta, como Arnaldo Guinle (então com o cargo de presidente do Conselho de Administração da LCF), Luiz Aranha (presidente do Conselho de Administração da CBD), Sergio Meira Filho (presidente da FBF) e Eduardo Góes Trindade (presidente da Amea), além de um convidado representante da Liga Argentina de Football, Enrique Pinto.

A repercussão deste acordo ganhou diferentes tons junto aos diferentes órgãos da imprensa esportiva. O Jornal do Brasil, que desde o início do dissídio havia tomado abertamente a defesa da Confederação Brasileira de Desportos e de suas afiliadas, as chamadas entidades ecléticas, não procurava esconder em suas páginas seu descontentamento com o acordo que estava para ser firmado, como pode ser visto em matéria intitulada “A tal ‘pacifiação’”, publicada no dia 05 de junho:

A nota dominante em nossos meios esportivos é a tal “pacificação” que, segundo se afirma, os mentores profissionalistas que para a desgraça do nosso sport, ao que parece, o empolgam no momento, vão impingir aos que se tem batido com sinceridade pela verdadeira causa do sport nacional, concretizada nessa organização magnífica e sem similar no mundo inteiro, que é a Confederação Brasileira de Desportos. (Jornal do Brasil, 05/06/1934, p. 24)

Pode-se observar, por este trecho, que o Jornal do Brasil não escondia de que lado estava e em nome de quem falava. Ao se referir à CBD como uma “organização magnífica e sem similar no mundo inteiro”, não havia dúvida de que o jornal estava contrário ao grupo liderado por Arnaldo Guinle, que, de acordo com o próprio jornal, empolgavam o esporte nacional no momento, mesmo que para a suposta desgraça do mesmo.

O Jornal do Brasil continuaria mostrando sua insatisfação com o acordo firmado em uma série de artigos em que tentava provar que o pacto atendia apenas os interesses da FBF. De acordo com o JB, tal acordo prejudicaria todos os esportes, com exceção do futebol, uma vez que seria o lucro com o futebol que permitiria a Amea e todas as outras entidades ecléticas regionais financiarem os outros esportes. Dessa forma, o jornal publicou uma série de matérias que, ao falarem dessa proposta de pacificação, se referiam a ela em seus títulos como “pretensa pacificação”: “A Pretensa Pacificação que vai Desmantelar o Sport Nacional” (07/06/1934, p. 24), e “A Pretensa Pacificação dos Sports Nacionais” (15/06/1934, p. 25).

Já o Jornal dos Sports, que à época era dirigido por Argemiro Bulcão, apontava a proposta de pacificação como a grande esperança para o bem do esporte nacional. Já em 02 de junho, o jornal estampava com grande destaque em sua primeira página: “Para Grandeza dos Sports Brasileiros a Pacificação Virá!” (Jornal dos Sports, 02/06/1934, p.1). A assinatura do pacto foi vista com muita felicidade pela redação do Jornal dos Sports, que na edição do dia 07 de junho publicou a matéria “Uma Nova Trilha, Tranquila e Esperançosa, para os Sports Nacionaes”, onde dizia:

A pacificação dos sports, hontem feita atravez do pacto firmado pelos “leaders” mais proeminentes das duas facções que lutavam sem desfallecimentos, há mais de um anno, é, antes do mais, uma victória para o próprio sport brasileiro, seu maior beneficiário (…). (Jornal dos Sports, 07/06/1934, p.1)

Ainda que de forma mais velada, é possível ver no Jornal dos Sports sua predileção pela liga especializada. O acordo, tido pelo JB como alog benéfico para a FBF, em prejuízo à CBD, era tratado como “uma vitória para o próprio esporte brasileiro”. O destaque dado cotidianamente aos dois campeonatos organizados simultaneamente pela Amea e pela LCF demonstra a posição do jornal. Se por um lado o Jornal dos Sports destinava a maior parte de suas manchetes de primeira página aos times da LCF – Flamengo, Fluminense e, até 1935, Vasco da Gama –, por outro o Jornal do Brasil dava uma cobertura muito mais ampla aos jogos organizados pela associada regional da CBD, como Botafogo e Olaria, Andarahy e Cocotá, Portuguesa e Mávilis. Nas páginas do JB, até mesmo os jogos da segunda divisão da Amea tinham maior destaque dos que os jogos da LCF, mesmo que se tratasse de jogos como Argentino e América Suburbano, Ideal e Penha, Irajá e Municipal, Brasil Suburbano e União, pela Amea, e Fluminense e Bangu, Bonsucesso e Vaso, pela LCF (Jornal do Brasil, 01/06/1934, p. 22). Um pesquisador desatento, sem conhecimento do futebol carioca, poderia achar que Flamengo e Fluminense não jogaram nesse período, caso se informasse apenas pelo JB.

No final de julho de 1934, aproximadamente dois meses após a assinatura do pacto assinado por Luiz Aranha, uma assembleia de diretores da CBD e representantes de suas entidades filiadas decide rejeitar as bases do pacto firmado em início de junho. Mais uma vez, as respostas dos dois órgãos de imprensa esportiva aqui analisados são díspares no tratamento da questão.

O Jornal dos Sports vê a rejeição do pacto como uma atitude impatriótica, e aponta a Confederação Brasileira de Desportos como culpada pelo fracasso nas negociações. Tal fato pode ser observado na matéria “A Federação Brasileira de Football Considera inexistente o Pacto de Paz!”:

A última tentativa de paz, na qual ambas as correntes cediam parte de suas imposições a bem de uma tranquilidade posterior, vem agora de ruir. Toda a culpa cabe, sem dúvida alguma, aos mentores da C.B.D., que embora reconhecidos pela opinião insuspeita do público como vencidos, ousaram uma vez mais repudiar uma paz, em que na verdade o vencedor não espesinhava o adversário. (Jornal dos Sports, 03/08/1934, p. 1)

Se afastando um pouco mais de sua aparente neutralidade, o Jornal dos Sports apontava claramente um grupo como “vencedor” do embate entre as duas facções – o grupo das especializadas liderado por Arnaldo Guinle. Já o Jornal do Brasil comentou a notícia com um tom de felicitação ao que, sob seu ponto de vista, foi uma atitude de coragem e bom senso dos dirigentes cebedenses. No artigo “A Situação do Sport Nacional”, comenta que a ação foi “natural”, “lógica” e fruto de “bom senso”.

O gesto da assembleia geral da Confederação Brasileira de Desportos recusando as bases do pacto de 6 de Junho foi natural, lógico, numa demonstração clara de bom senso e eloquente em sua unanimidade. (Jornal do Brasil, 07/08/1934, p. 22)

Na mesma matéria, o Jornal do Brasil ainda ataca o grupo das especializadas (FBF e entidades regionais), acusando-o de manipular os órgãos da imprensa esportiva que se colocavam contra a atitude da assembleia da CBD e ao fim do pacto de paz.

O despeito pelo ruidoso fracasso dessa tentativa, o desespero de não poder humilhar (…) o adversário levaram esse grupo, através de sua imprensa, a atacar justamente aqueles que, num movimento de legítima defesa para o resguardo da própria vida, recusaram o pacto (…). (Jornal do Brasil, 07/08/1934, p. 22)

Ao utilizar a expressão “através de sua imprensa”, o JB deixava claro o papel exercido por veículos como o Jornal dos Sports, privando-se de mencionar que desempenhava o mesmo papel, apenas de outro lado. É interessante observar que a figura do dirigente Luiz Aranha – talvez por sua influência política ou por prestígio pessoal – é exaltada por ambas as correntes da imprensa como um digno dirigente que buscava o melhor para o esporte nacional. Figura proeminente no campo político nacional, ele era irmão de Oswaldo Aranha, membro fundador do Clube 3 de Outubro e amigo íntimo de Getúlio Vargas – que se refere a ele ao longo de seu diário como “Lulu Aranha” (VARGAS, 1995). Luiz Aranha ocupou o cargo de presidente do Conselho Administrativo da CBD durante a presidência de Alvaro Catão, entre 1933 e 1936, e foi presidente da entidade entre 1936 e 1943. Ou seja, ele esteve à frente da entidade durante praticamente toda a disputa do dissídio esportivo.

Dependendo do lado defendido pelo jornal, Luiz Aranha poderia ter sido induzido ao erro de assinar o pato por sua vontade em encerrar a cisão no esporte (como visto pelo JB), como poderia ter sido traído pelos dirigentes da CBD, que rejeitaram seu acordo. Essa última visão ficava clara nas páginas do Jornal dos Sports, como no artigo “A Federação Brasileira de Football Considera inexistente o Pacto de Paz!”, matéria que comentava o fim do pacto de paz e afirmava: “Os srs. drs. Luiz Aranha e Eduardo Trindade, que foram incansáveis baluartes nos últimos estertores da entidade cebedense, viram baldeados todos os esforços desenvolvidos em prol de uma paz digna para as duas correntes” (Jornal dos Sports, 03/08/1934, p. 4).

A primeira tentativa de acordo falhara, e as disputas continuariam por cerca de três anos.

O percurso até o fim do dissídio

Em dezembro de 1934, o Vasco da Gama, campeão carioca daquele ano, decide abandonar as fileiras da LCF após uma breve crise com as diretorias do Flamengo e do Fluminense. O clube dos camisas negras aposta todas as suas fichas no título recém conquistado e, juntamente com o Botafogo, funda uma nova entidade no Rio de Janeiro, a Federação Metropolitana de Desportos (FMD), ligada à CBD. A diretoria vascaína pretende usar de seu prestígio e carregar consigo os pequenos clubes à nova entidade. Bangu e São Cristóvão seguem o exemplo e desligam-se da LCF para se filiar à nova entidade. Em São Paulo, o Palestra Itália – campeão paulista pela APEA – e o Corinthians desligam-se da entidade profissional e fundam a Liga Paulista de Futebol, também filiada à CBD. Em apenas alguns dias a FBF perde três dos maiores clubes de seus quadros, entre eles os campeões do Rio e de São Paulo. Com isso a CBD consegue se reerguer, mas paga um preço por tais aquisições: o fim do amadorismo. Clubes como Corinthians, Palestra Itália, Vasco da Gama e Bangu não voltariam ao amadorismo tão facilmente.

Por mais que a CBD ainda tentasse manter as aparências, é evidente que as coisas já não eram mais como antes. Com a FMD e a Liga Paulista, a CBD adota o “regime livre” – também chamado de regime misto –, concentrando em um mesmo campeonato equipes amadoras e profissionais.

Com a nova configuração das forças do futebol brasileiro, passa-se a falar muito pouco sobre a questão do amadorismo e do profissionalismo. O grande desentendimento que supostamente teria provocado a criação de novas entidades gestoras do esporte não era mais um obstáculo à conciliação das partes. No entanto, a rixa que havia entre os dois regimes ficava mais clara como uma luta entre duas facções pela hegemonia do controle do esporte brasileiro, uma luta entre grupos que agora levantavam as bandeiras das entidades especializadas e ecléticas.

O ano de 1937 assistiu ao fim do dissídio com a chamada “pacificação dos esportes”. Em 1937 a CBD voltou a sofrer importantes baixas em seus quadros. Os clubes de Juiz de Fora decidiram abandonar a Associação Mineira de Futebol, ligada à entidade eclética e alinharam-se à FBF. O Mesmo aconteceu em Porto Alegre, onde os principais times da Liga Atlética Porto Alegrense – Internacional, Grêmio, Força e Luz e Cruzeiro – também passaram para o lado das especializadas. No Rio de Janeiro, o Bangu demonstrou insatisfação em ralação à FMD e seus dirigentes mostraram-se nostálgicos quanto a seu tempo junto à LCF. No início de julho o Bangu pediu seu reingresso nas fileiras das especializadas e abandonou a FMD.

Em 17 de julho de 1937, o América e o Vasco da Gama apresentaram uma proposta de reunificação do futebol carioca. O pacto entre América e Vasco criava uma nova entidade no futebol carioca, à qual todos os grandes clubes da cidade estavam convidados a entrar como membro fundador. Com a criação de uma terceira entidade, tanto a FMD como a LCF seriam dissolvidas. A nova agremiação se filiaria à Federação Brasileira de Futebol e essa, por sua vez, pediria filiação à CBD. Nesta nova organização de forças, a FBF ficaria responsável pelo futebol brasileiro e a CBD (entidade filiada à FIFA) seria a responsável pela representação do Brasil no exterior. Desse modo, todos os clubes brasileiros deveriam se filiar à Federação Brasileira de Futebol, ou não poderiam enfrentar os outros clubes filiados à mesma.

Essa nova divisão de poderes no futebol deixava bem claro quem havia saído do dissídio esportivo como vencedor. A CBD não saía do dissídio com nenhum benefício. Deixaria de comandar o futebol dentro do território nacional e ficaria apenas com o comando da seleção brasileira em disputas internacionais, encargo que já controlava antes do pacto por ser a entidade brasileira filiada à FIFA. Já o grupo ligado à FBF sagrava-se vitorioso na pacificação e assumia o controle do futebol no Brasil. No entanto, esse ponto de vista não era reproduzido por toda a imprensa esportiva carioca.

A imprensa esportiva no fim do dissídio

Em julho 1937, a imprensa esportiva foi surpreendida pela noticio do pacto entre América e Vasco que levariam ao fim do dissídio esportivo. Até meados de junho daquele ano, o Jornal do Brasil acusava as especializadas, a quem chamava de “dissidentes”, de estarem caminhando para o ocaso. Segundo os cronistas do jornal, as entidades rivais à CBD contavam em suas fileiras apenas com o que chamava de “tripé”: América, Flamengo e Fluminense, no Rio de Janeiro. A estes, somavam apenas o Atlético Mineiro, em Belo Horizonte, e a Portuguesa de Desportos, em São Paulo. Já a CBD teria em suas fileiras diversos clubes de renome, como o Botafogo e o Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, o Palestra Itália (atual Palmeiras), o Corinthians, o São Paulo, o Santos e a Portuguesa de Santos, em São Paulo, e o Palestra Itália (atual Cruzeiro) e o América Mineiro, em Minas Gerais.

Essa visão do Jornal do Brasil fica clara na ocasião em que Grêmio e Internacional se filiam à FBF, fortalecendo o grupo dos supostos “dissidentes”, na matéria “Um Bandeamento por Vantagens Momentâneas e Efêmeras”:

Literalmente batidos, encurralados nesse tripé [América, Flamengo e Fluminense], os dissidentes já estavam reduzidos, praticamente aos célebres Fla-Flu que a imprensa amiga proclamava como sendo coisa de outro mundo, embora esses quadros, na realidade, não passem de medíocres, com vários medalhões e uma propaganda formidável para alimentar o fogo sagrado de suas hostes. (Jornal do Brasil, 26/06/1937, p. 25)

Se referindo especificamente ao Distrito Federal, a cidade do Rio de Janeiro, a reportagem mais uma vez criticava indiretamente o Jornal dos Sports por seu apoio às entidades especializadas. Além de reclamar da “imprensa amiga” e de sua “propaganda formidável”, o jornal forçosamente depreciava as equipes de Flamengo e Fluminense, referindo-se a elas como “medíocres”. Deve-se ressaltar aqui que Flamengo e Fluminense tinham dois dos melhores quadros do futebol nacional na época, com alguns dos maiores craques brasileiros [2].

Ao receberem a notícia do acordo entre Vasco e América, taxado como “pacto da paz” – como o primeiro pacto o fora três anos antes –, ambos os lados da imprensa procuraram demonstrar terem se saído vitoriosos na disputa. Para isso, mostravam seus dirigentes satisfeitos com o resultado das negociações, e ao mesmo tempo tentavam demonstrar a derrota do adversário com insinuações sobre o descontentamento do lado oposto com o acordo. Dessa forma, o Jornal do Brasil buscava demonstrar a vitória da CBD com uma declaração de Luiz Aranha relatada no artigo “Feita a Paz no Football Brasileiro”:

O dr. Luiz Aranha (…) felicitou a Metropolitana [Federação Metropolitana de Desportos – FMD] pela resolução tomada, mostrou como sempre esteve pronto a estabelecer uma paz honrosa e terminou declarando que a C.B.D. via igualmente com satisfação aproximar-se essa paz subscrevendo também, em nome da entidade máxima do desporto brasileiro a proposta Vasco-América. (Jornal do Brasil, 20/07/1937, p. 16)

Ao mesmo tempo, o jornal tentava mostrar uma possível insatisfação por parte de dirigentes da Federação Brasileira de Football e da Liga Carioca de Football com o pacto, insinuando uma possível derrota destas face ao acordo firmado.

Segundo os comentários que fervilham nas rodas desportivas, o sr. Arnaldo Guinle, que se acha na Europa tratando justamente de assuntos desportivos a ver se consegue alguma coisa em favor da dissidência, se manifestou aborrecido com o assunto e contrário ao pacto.
O América foi também taxado de traidor porque não só concorda em que os dissidentes voltem para a C.B.D., desta ou daquela maneira, mas na C.B.D., como ainda mata o pretexto da especialização pelo qual se batem.
O Dr. Ari Franco, presidente da Liga Carioca de Football, segundo declarações publicadas nos jornais, é contrário à formula apresentada e se dispõe a abandonar o desporto caso seja ela executada. (“Está Iminente a Paz no Football Carioca”, Jornal do Brasil, 20/07/1937, p. 16)

O jornal fazia afirmações que não se comprovaram em nenhuma outra fonte. Arnaldo Guinle não “se manifestou aborrecido” e Ari Franco não “abandonou o desporto”, segundo outras fontes. O mesmo padrão pode ser observado nas páginas do Jornal dos Sports, então já dirigido por Mario Filho.[3] Nesse período o jornal já se mostrava mais claramente ligado ao lado das especializadas, como demonstra uma foto estampada na primeira página do dia 12 de julho de 1937, sob a manchete “A Multidão Viu o ‘Enterro’ da C.B.D.” (Jornal dos Sports, 12/07/1937, p.1). A foto mostra torcedores segurando velas acesas e um pequeno caixão preto com os dizeres “C.B.D. – Galinha Morta”, antes de um jogo entre o Fluminense e um combinado de jogadores argentinos.

No mesmo dia em que o Jornal do Brasil noticiava a declaração de Luiz Aranha a favor da pacificação, o Jornal dos Sports publicou a fala do vice-presidente da FBF, Plínio Leite. Este comandava a entidade na ocasião, em virtude de viagem de Arnaldo Guinle à Europa. Na matéria “A Palavra do presidente em Exercício da F.B.F”, o Jornal dos Sports procura passar uma imagem vencedora da FBF. Segundo a matéria, Plínio Leite teria dito:

O contentamento é geral pelo prenuncio da terminação do dissídio do football nacional. Como vice-presidente da Federação Brasileira de Football cabe-me afirmar que o gesto do América assignando o pacto com o Vasco nada mais é do que ser elle o representante verdadeiro da opinião de todos os seus companheiros de lutas e que com elles estão solidários como sempre estiveram. (Jornal dos Sports, 20/07/1937, pp. 1 e 6)

Assim como o Jornal do Brasil, o Jornal dos Sports também procurou demonstrar uma possível insatisfação com o pacto pelo lado da CBD, de modo a que este aparecesse como o derrotado no processo de pacificação. Como exemplo pode-se apontar duas matérias publicadas no dia 18 de julho, sem maiores destaques na última página da edição. Em “«Traição do Vasco»> Eis como o Sr. Célio de Barros Classificou, Pelo Radio o Movimento em Prol da Paz Sportiva” (Jornal dos Sports, 18/07/1937, p. 6), o jornal menciona uma entrevista de Célio de Barros[4], secretário da CBD à rádio Cruzeiro do Sul, na qual este teria chamado o Vaso da Gama de traidor devido ao pato que firmara com o América. Já a matéria “A Situação do Botafogo é de Expectativa” alegava que o clima no Botafogo era de desaprovação à pacificação, dizendo: “havia até diretores (…) que preferiam ver o club com a sua secção de foot-ball extincta a aceitar uma paz iniciada nas condições do actual movimento” (Jornal dos Sports, 18/07/1937, p. 6).

Considerações Finais

Em 29 de julho de 1937 era realizada a solenidade de fundação da nova entidade que viria a gerir o futebol carioca, a Liga de Football do Rio de Janeiro (LFRJ). Não tardou muito para que o futebol paulista seguisse os passos da pacificação. Com o fim do dissídio em São Paulo, os clubes da Apea se filiaram à Liga Paulista de Futebol (LPF), que inscrevia a Portuguesa de Desportos como membro fundador da entidade e se filiava à Federação Brasileira de Football, agora ligada à CBD. No Paraná a federação Paranaense de Desportos, após um breve afastamento da FBF, voltou a pedir sua inscrição na entidade, também seguindo os parâmetros acordados no Distrito Federal. Em Minas Gerais, o mesmo acontecia com a Liga Esportiva Mineira, assim como em muitos outros estados do país.

Com o fim do dissídio, a paz voltou a reinar no futebol brasileiro. Os outros esportes que já organizavam ligas especializadas seguiram o mesmo caminho traçado pelo futebol, com os clubes se filiando à federação especializada e essa se filiando à CBD. Da mesma forma, a imprensa esportiva abraçou os ideais da paz, selando suas atividades de porta-vozes de entidades em conflito.

Do dia 21 ao 26 de julho, o Jornal do Brasil já repetia diariamente com grande destaque em sua página de “Notícias Desportivas” o confronto entre Flamengo e Fluminense, que ocorreria no dia 26/07. Já o Jornal dos Sports passa a dar maior destaque a notícias envolvendo o Botafogo e o Vasco da Gama em sua primeira página.

Vê-se, desta forma, que uma análise crítica das fontes estudadas é de fundamental importância para um trabalho histórico. Caso um pesquisador menos cuidadoso buscasse olhar o período através de um único veículo da imprensa esportiva, este teria uma visão parcial e desfocada do esporte no período analisado.

Como qualquer outra área da imprensa, da mídia, ou mesmo qualquer outra fonte produzida pelo homem, a imprensa esportiva é feita a partir de um olhar historicamente situado, feita a partir de um ponto de vista específico, por alguém de uma determinada posição social e visando atingir um público em preferencial. Assim, torna-se imprescindível para o pesquisador um olhar mais cuidadoso para a natureza da fonte, sendo ela a imprensa esportiva ou não.


[1] Anfilóquio Guarisi foi contratado pela Lazio e, por também possuir nacionalidade italiana, acabou sendo convocado para a seleção italiana que conquistou a Copa do Mundo de 1934 em casa. Chamado pelos italianos de Guarisi, Filó chegou a disputar um jogo na competição e se tornou o primeiro brasileiro campeão do mundo.

[2] Entre os grandes jogadores da dupla Fla-Flu de 1937, podemos destacar Leônidas da Silva, Romeu, Tim e Hércules, base do ataque da seleção brasileira que disputou a Copa do Mundo de 1938.

[3] Mario Filho assumiu a direção do Jornal dos Sports em 1936, em meio ao dissídio esportivo, e manteve a política do jornal de fidelidade às especializadas, grupo que ele já defendia das páginas esportivas d’O Globo. De acordo com Rui Castro, Mario Filho teria adquirido o Jornal dos Sports de Argemiro Bulcão com dinheiro financiado de Arnaldo Guinle e José Bastos Padilha (Castro, 2001, p. 133). Padilha era concunhado de Mario Filho (era casado com a irmã de sua esposa) e foi presidente do Flamengo de 1933 a 1938.

[4] Célio de Barros era jornalista, presidente de Sport Club Brasil e importante dirigente da Confederação Brasileira de Desportos e do esporte carioca. O estádio de atletismo situado junto ao Maracanã foi nomeado em sua homenagem.

Referências bibliográficas

DE LUCA, Tania Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKI, C. (Org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2010.

HOLLANDA, Bernardo Buarque de. O cor-de-rosa: ascensão, hegemonia e queda do Jornal dos Sports entre 1930 e 1980. In: HOLLANDA, Bernardo Buarque de; MELO, Victor A. (Orgs.). O esporte na impresna e a imprensa esportiva no Brasil. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2012.

MELO, Victor A. et al. Pesquisa histórica e História do Esporte. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013.

VARGAS, Getúlio. Diário.  2V.  São Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: FGV, 1995.


O debate acerca dos esports no campo esportivo: uma pequena reflexão

21/01/2023

Por Eduardo Gomes

eduardogomes.historia@gmail.com

Ana Moser assumiu o Ministério do Esporte no atual governo Lula. Foto: Agência Brasil

Nesse início de 2023, com o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência do Brasil depois de 12 anos desde sua saída do cargo, muito tem se debatido sobre as escolhas dos nomes que irão representar os diferentes ministérios em seu governo.

Uma das pastas que retornaram com o atual mandato, foi a do Ministério do Esporte, que durante o período de Jair Bolsonaro no poder ficou vinculado à Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania.

Para comandar tal ministério, Lula escolheu o nome de Ana Moser, ex-atleta de vôlei e muito ligada às causas progressistas relacionadas com o esporte, notadamente por sua atuação no Instituto Esporte e Educação (IEE). A escolha de Moser foi muito festejada por aliados do governo, que no geral entenderam ser a nova ministra, de fato, um bom nome para comandar a “velha nova” pasta.

Todavia, uma fala da agora ministra no último dia 10/01/2023, gerou grande debate. Segundo Moser,

A meu ver, o esporte eletrônico é uma indústria de entretenimento, não é esporte. Então, você se diverte jogando videogame, você se divertiu. “Ah, mas o pessoal treina para fazer”. Treina, assim como o artista. Eu falei esses dias, assim como a Ivete Sangalo também treina para dar show e ela não é atleta da música. Ela é simplesmente uma artista que trabalha com entretenimento. O jogo eletrônico não é imprevisível. Ele é desenhado por uma programação digital, cibernética. É uma programação, ela é fechada, ela não é aberta, como o esporte.

Essa perspectiva conceitual do que deve ou não ser entendido como esporte, gera grandes debates e, ao mesmo tempo, divergências no âmbito do campo esportivo. No senso comum, olhares como o da ministra podem ser reproduzidos e, também, utilizados como forma de demarcação daquilo que buscam passar como sendo um “modelo ideal” do que se deve considerar como esporte.

Moser destacou ainda que o objetivo central da pasta será o de olhar para o “esporte social”, ponto importante e que deve ser encarado como um verdadeiro caminho no que se diz respeito ao entendimento do esporte enquanto uma ferramenta de mobilização e mudança na sociedade. Passada a “era dos megaeventos”, focar nos aspectos sociais do esporte são, sem dúvidas, os melhores caminhos para se pensar a importância dessa pasta para o país. A partir dessa perspectiva, Moser ainda enfatizou o porquê de não estabelecer um olhar mais profundo para, por exemplo, os esports.  

Não tenho por objetivo aprofundar neste pequeno texto um olhar necessariamente crítico ao posicionamento da ministra, mas sim de problematizar a própria ideia do que conceitualmente entendemos como esporte, tendo como parâmetro alguns dos avanços e debates oriundos das Ciências Humanas e Sociais (o que, obviamente, não inviabiliza um debate acerca do tema com as perspectivas conceituais de outras áreas/campos). Afinal, os esports são ou não modalidades esportivas?

Tratando-se de forma mais específica das pesquisas acadêmicas sobre o objeto, deve-se ter em conta alguns fatores importantes. Pierre Bourdieu, em seu ensaio intitulado “Como é possível ser esportivo?”, destacou algumas características daquilo que entende como “esporte moderno”. O autor referendou, em um pequeno ensaio mas que foi de grande valia para o campo de Estudos do Esporte, as diferenças existentes entre o esporte moderno e as práticas corporais e de divertimento anteriores à modernidade.

Caracterizando a importância de conceitualmente definir tal objeto, Bourdieu escreveu sobre o que hoje é conhecido como campo esportivo. Para o autor, a história do esporte é

[…] uma história relativamente autônoma que, ainda quando é escondida pelos grandes acontecimentos da história econômica e política, tem o seu próprio ritmo, as suas próprias leis de evolução, as suas próprias crises, em suma a sua cronologia especifica.

Dentro dessas características, é válido enfatizar que para entender uma determinada manifestação como um esporte, no olhar do campo esportivo, se faz necessário que a mesma possua determinadas características, que são:

. Entidades representativas (como os clubes);

. Um calendário próprio e autônomo;

. Um corpo técnico especializado;

. Um mercado ao seu redor.

A verdade é que o conceito de esporte na modernidade não é fechado e nem deve ser entendido como algo não mutável, pelo contrário. O fato é que os esports conglomeram todas as características do campo esportivo, dentro do contexto do século XXI, sendo por si só esses alguns fatores que referendam essa perspectiva conceitual de inclusão de tais modalidades também como “esportivas”.

Obviamente, dentro do mundo acadêmico, a própria concepção daquilo que devemos entender conceitualmente como esporte, pode ser mudada. Os olhares introdutórios de Bourdieu acerca do objeto serviram como pontapé inicial de um campo investigativo e não como linha de chegada. Desde então, inclusive no Brasil, muitos autores já se debruçaram sobre as perspectivas do campo esportivo, aprofundando, criticando, dando novas sugestões ou apontando distintos caminhos acerca do conceito.

Victor Andrade de Melo, por exemplo, aprofundou esse debate em várias ocasiões. Em uma de suas obras, intitulada “Esporte e Lazer: conceitos – uma introdução histórica”, o autor destacou a importância de se estudar o conceito de esporte dentro de uma perspectiva histórica, abarcando vários pontos que podem ser considerados como caminhos para estabelecer um diálogo entre o esporte e as práticas corporais anteriores à modernidade. Assim, problematizou o conceito de “prática corporais institucionalizadas”, entendendo que

A História das Práticas Corporais Institucionalizadas “abarcaria, em um mesmo campo de investigação, sem excluir outras possibilidades de diálogos, práticas sociais como o esporte, a capoeira, a dança, a ginástica, as relativamente recentes práticas físicas ‘alternativas’ (antiginásticas, eutonia etc.), a educação física (entendida enquanto uma disciplina escolar e como uma área do conhecimento), as práticas específicas de períodos anteriores à Era Moderna (da Antiguidade e da Idade Média), entre outras. A despeito dessa conceituação, para facilitar o entendimento e/ou em função de questões operacionais, em muitas oportunidades usamos “história do esporte” como metonímia”.

Com isso, surge-se mais uma questão: modalidades que se referendam menos pela utilização do corpo e mais pelo uso da mente, como é o caso do xadrex e dos próprios esports, devem ser chamados de “esporte”? Manoel Tubino, Fábio Tubino e Fernando Guarrido destacam, na obra “Dicionário Enciclopédico Tubino do Eporte”, que esses seriam os chamados “esportes intelectivos”:

Os esportes intelectivos são aquelas práticas ou modalidades esportivas nas quais há uma dominância de solicitações intelectivas nas disputas. […] Há alguns anos muitos dos atuais Esportes Intelectivos não eram reconhecidos como Modalidades Esportivas pela falta de movimentos convincentes. Entretanto, a partir da Carta Internacional de Educação Física e Esporte da Unesco (1978), que estabeleceu o direito de todas as pessoas ao Esporte, em todas as idades e em qualquer circunstância física, o conceito de Esporte ficou mais abrangente, passando a compreender muitas modalidades que antes não eram percebidas como Práticas Esportivas. Os Esportes Intelectivos, que muitas vezes são tradicionais pelo longo período de existência – e em outras também são ligados a culturas e identidades nacionais -, na verdade enriqueceram bastante o contexto esportivo internacional.

Tendo em vista essas colocações, é válido relembrar um ponto já aqui abordado: a questão da possibilidade de mutação do conceito. No mesmo livro já aqui citado, Victor Melo apontou em 2010 sobre a necessidade de estarmos sempre atentos às mudanças que o fenômeno esportivo nos proporciona, destacando assim que um olhar não apurado poderia se materializar em uma equivocada estagnação do conceito. Já citando inclusive os esports, o autor destacou que

[…] desde o tempo do Telejogo, primeira geração de games, são muitos os jogos eletrônicos que fazem da prática esportiva o motivo central. Aliás, com o Wii, vemos a junção entre o movimento corporal e o que ocorre no monitor, uma nova forma de interação. Alguns mais desconfiados podem afirmar que isso não é esporte. Quero lembrar que nem sempre a movimentação corporal foi parte essencial do fenômeno esportivo […]. Além disso, enquanto prática social que deve ser historicizada, não podemos nos prender a apreensões essenciais: o esporte é aquilo que em cada momento se defina como tal, conceitos relacionados a experiências históricas específicas. […] A questão fundamental é: se mudou a forma de relação com o outro, de relação com o corpo, de representação do corpo, por que não mudaria a concepção do que significa fazer esporte?

A verdade é que, de fato, a perspectiva conceitual acerca daquilo que devemos ou não considerar como esporte, sempre gerará divisão de opiniões. Reconheço esse ponto, tal como reconheço que, para além de um olhar que pode ou não estar equivocado, as colocações da ministra Ana Moser dizem mais respeito ao foco e tratamento que idealiza para a pasta que agora lidera, do que uma opinião em que seja necessariamente contrária aos esports.

Porém, como pesquisador que se debruça sobre o objeto há mais de uma década e que entende que o fazer ciência se constrói com embasamento teórico e conceitual, reitero a importância de se trazer esse debate hoje. Assim, fica nítido que, para além das visões difundidas no senso comum, no âmbito acadêmico não podemos cair em tais armadilhas. Deve-se sempre se fortalecer os olhares e embasamentos acerca dos fenômenos sociais existentes, entendendo que o esporte (tal como qualquer outra manifestação cultural) necessita de um entendimento com base em um conjunto de características que definam o que é o objeto a partir de uma perspectiva científica e social, ignorando assim os achismos, opiniões e visões que fujam dos olhares mais amarrados e consolidados sobre o tema.

Referências

BOURDIEU, Pierre. Como se pode ser desportista? In: _______. Questões de sociologia. Lisboa: Fim do século, 2003, p. 181-204.

MELO, Victor Andrade de. Esporte e lazer: conceitos – uma introdução histórica. Rio de Janeiro: Apicuri, 2010.

TUBINO, Manoel; GARRIDO, Fernando; TUBINO, Fábio. Dicionário enciclopédico Tubino do esporte. Rio de Janeiro: Editora Senac Rio, 2007.


A primeira edição do maior clássico do mundo e, também, do Rio Grande do Sul: o Grenal!

18/12/2021

Cleber Eduardo Karls (cleber_hist@yahoo.com.br)

Quem nasce nos pagos do sul do Brasil já vem ao mundo com uma marca vitalícia, perpétua, tatuada na alma! Azul ou vermelho, tricolor ou colorado, Grêmio ou Inter. Gaúcho que se preze não tem meio termo. E se algum desgarrado, por acaso, acabar torcendo para algum time de fora do estado é excomungado para sempre e sua entrada na fronteira entre o Rio Grande do Sul e o Brasil fica impedida para sempre. Algumas exceções são possíveis. É permitido ter um segundo time, desde que seja do próprio Rio Grande do Sul. Avenida, Juventude e Brasil de Pelotas são os preferidos. Brincadeiras a parte (ou nem tanto), o Grenal é um clássico conhecido mundialmente. Há quem diga que mais importante que levantar taças, é ganhar do rival no Grenal. Essa tradição vem de longe, do início do século XX.

O futebol em Porto Alegre tem sua história marcada pela exibição do Sport-Club Rio Grande, o primeiro clube dedicado ao futebol no Brasil. Fundado em 1900, a “apresentação” promovida pela agremiação aconteceu em um campo improvisado no Parque da Redenção (Farroupilha), palco de tantos espetáculos da capital do Rio Grande do Sul. Todos os dirigentes de clubes esportivos da capital foram convidados a fim de presenciarem a novidade. A admiração frente ao novo esporte rendeu, dias após, a fundação dos dois primeiros clubes de futebol de Porto Alegre, realizados no dia quinze de setembro de 1903: o Fuss-Ball Club Porto Alegre e o Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense. O primeiro, fundado por sócios do clube de ciclismo Blitz, de origem reconhecidamente germânica, tendo na sede do referido clube seu primeiro local de jogos. Já o Grêmio empossou sua primeira diretoria no dia sete de outubro de 1903, composta pelo presidente: Carlos L. Bohrer; vice-presidente: Joaquim F. Ribeiro; primeiro secretário: Alberto L. Siebel; segundo secretário: Guilherme Kaelfels; tesoureiro: Pedro Schuck. Estas duas equipes polarizariam por alguns anos as principais disputas de futebol da cidade. Se o campo do Fuss-Ball Club Porto Alegre funcionava junto a Blitz, na Rua Voluntários da Pátria, o Grêmio fazia seus matchs no bairro Moinhos de Vento, na sede da Sociedade de Atiradores.

.

karls1

Grêmio tricampeão do Wanderpreis (1904, 1905, 1906)

.

É correto afirmar que o Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense já se destacava frente as demais equipes da cidade em relação ao desempenho. Até mesmo na disputa do clássico da cidade, contra a equipe do Fuss-Ball, a superioridade técnica da equipe do Moinhos de Vento era visível. Ao Grêmio era creditado a prosperidade e o gosto generalizado pelo sport, assim como a introdução do nobre ideal da educação física, que era descrita como “único e principal fator na conquista da atividade humana”. No entanto, foi no final da primeira década do século XX que surgiria o seu eterno rival, o Sport Club Internacional, fundado em 4 de abril de 1909 e que abriria caminho para o surgimento e engrandecimento da maior rivalidade do Rio Grande do Sul e uma das maiores do Brasil, o clássico Grenal.

Importante destacar que a palavra “internacional” era um termo recorrente e já bastante utilizado entre associações esportivas porto-alegrenses daquela época. Acontece que em muitas agremiações eram aceitas somente pessoas de determinadas procedências étnicas. Porto Alegre, no caso, tinha os seus dois principais clubes de futebol ligados à comunidade teuto-brasileira, o que limitava o acesso de muitos foot-ballers ao esporte nestes clubes. Esta seria a proposta, portanto. Este clube nasceria com a missão de atender as mais diversas nacionalidades e descendências, ele seria “internacional”.

.

karls2

Fundadores do S.C. Internacional. Da esquerda para a direita:Valdemar Fachel, Antenor Lemos, Luiz Madeira Poppe, Helderberto Mendonça, Adroaldo Fachel, Bejamim Vignoles, Rodolfo Vignoles, Horácio Carvalho, Joaquim Carvalho, José Poppe, Henrique Poppe Leão e João Leopoldo Seferin (presidente)

.

A dedicação e a empolgação do internacional era tamanha, talvez até por necessidade de afirmação enquanto clube de futebol, que no mês de junho de 1909 já estava combinado o primeiro de centenas de matchs que aconteceriam entre o S.C. Internacional e o Grêmio F.B.P.A. Os jornais apontaram o desafio como uma consagração brilhante e digna do futebol, num match importante e renhidíssimo. O primeiro Grenal da história foi disputado no campo do Grêmio, no bairro Moinhos de Vento no dia 18 de julho de 1909 e anotou a maior goleada de todos os tempos, com 10 tentos a 0 para o Grêmio.

.

karls3

Programa do primeiro Gre-nal.

.

A crônica jornalística registrou o evento como de proporções de um verdadeiro acontecimento no mundo esportivo da capital. Desde cedo a cidade se movimentou, com seus carros e bondes em direção ao Moinhos de Vento para prestigiar o desafio. O Grêmio era colocado como um poderoso team, composto de jogadores experimentados e que tantos aplausos tem colhido, tanto nos seus jogos quanto nos seus treinos. O Internacional era uma promissora nova equipe de amantes do esporte bretão.

E o que aconteceu foi justamente a supremacia de uma equipe experiente sobre uma novata, em um largo placar de 10 a 0 na primeira disputa de centenas que viriam a acontecer até hoje. No entanto, o clima de cordialidade prevaleceu. Um baile foi promovido para celebrar o acontecimento, com brindes, danças, discursos e agradecimentos de ambos os lados.

A prática do futebol em Porto Alegre com o desenvolvimento do século XX ganhou cada vez mais adeptos e era comum verificar a existência de muitas disputas concomitantes na cidade. Eram matchs internos (jogos envolvendo somente os jogadores do próprio clube), matchs externos (desafios entre clubes) sendo realizados em muitos locais da cidade em um mesmo dia. Enfim, se Porto Alegre já era uma cidade adepta das diversões e dos esportes em geral, se rendeu ao enorme sucesso que galgou o jogo bretão.

.

karls4

Time do S.C. Internacional de 1912.

.

O futebol era um sucesso. Os seus clubes e campos eram cada vez mais numerosos. Neste mesmo sentido, acompanhando as outras atividades corporais, os outros esportes, para além das razões pessoais havia ainda a sua legitimação através de um discurso científico. Era considerado útil e saudável, além de emocionante.

Todavia, o maior de todos os clássicos, que continuou mobilizando milhões de torcedores durante décadas, continuou sendo o Grenal. Esse match continua sendo atemporal e impulsona os sentimentos dos aficionados pelos dois mais importantes clubes do Rio Grande do Sul. Sem exagerar, faz parte da identidade gaúcha, extravasa as mais distintas emoções, amor, ódio… Só quem conhece o Rio Grande do Sul pode testemunhar o que envolve o maior clássico do mundo e, certamente, do estado!


O ÁS ALEMÃO NAS PISTAS CARIOCAS: APONTAMENTOS INICIAIS SOBRE AUTOMOBILISMO E COMÉRCIO BILATERAL NOS ANOS 1930.

02/11/2021

Por Maurício Drumond

            As relações entre esporte e propaganda política não são novidade para os leitores desse blogue. As interfaces entre a prática e o espetáculo esportivo e a promoção política de diferentes grupos e regimes já foram exploradas de diversas maneiras e perspectivas nos hiperlinks deste sítio coletivo. O mesmo pode ser dito em relação ao automobilismo. A modalidade já foi alvo de diversas postagens e ganha cada vez maior atenção dos historiadores do esporte no Brasil que buscam olhar para além do futebol.

            Nesse artigo, busco trazer novos ohares, ainda que de forma inicial, para o automobilismo no Brasil. Mais exatamente, procuro entender os interesses econômicos na participação alemã no Circuito da Gávea, nos anos 1930.  Além de seu papel na promoção da imagem de uma nova Alemanha que o regime nazista buscava difundir no mundo, as disputas automobilísticas foram utilizadas como uma estratégia de divulgação de carros e peças da indústria alemã. Através da análise de empresa representante da Auto Union no Brasil e de sua promoção através do piloto Hans Stuck (ou “Von Stuck”, como aparece nos periódicos do período), buscarei fazer os primeiros apontamentos sobre o papel do automobilismo nas relações econômicas bilaterais que se consolidavam entre Brasil e Alemanha nos anos 1930, até o início da Segunda Guerra Mundial.

O Automobilismo e a Economia Alemã no III Reich

            Em setembro de 1934, a revista britânica The Light Car, especializada em automobilismo, publicou em um artigo sobre a Alemanha:

“Desde a chegada de Hitler ao governo alemão, o automobilismo, sob todas as suas formas, foi tremendamente encorajado. Não apenas devido à completa eliminação de taxas sobre a compra de carro novos  e à redução de custos com seguros […], mas também pelo estímulo ativo de todo o movimento esportivo. De fato, o esporte a motor acordou para uma nova vida” (apud Ludvigsen, 2009, p. 72).

                A profunda crise política econômica que engolfara a Alemanha no início dos anos 1930 parecia estar superada. O forte impacto causado pela Grande Depressão, especialmente em uma Alemanha em grande medida dependente de capital estadunidense, se somou à instabilidade política gestada há mais longo prazo no país, contribuindo para a ascensão de Hitler ao cargo de chanceler e, pouco mais tarde, ao estabelecimento do III Reich e do regime ditatorial nazista.

            As relações especiais de Hitler e de seu regime com o automobilismo seria notas sem demora. Dias após sua nomeação como chanceler, no dia 11 de fevereiro de 1933, Hitler discursou na abertura de uma exposição de carros em Berlim, algo inédito para alguém em sua posição. Em seu discurso, o novo chefe de governo apresentou seus planos para a indústria automobilística do país, já indicando o abatimento nos impostos para os compradores de carros, mencionado na revista britânica, e divulgou ações como a construção de Autobahns, o fim da obrigatoriedade de “auto escolas” e a promoção do automobilismo esportivo.

De acordo com König (2004), já havia a ideia da promoção de um carro popular, batizado de Volskwagen – um termo utilizado desde o início do século para se referir a carros a preços populares. No entanto, o modelo a ser adotado ainda não havia sido definido e sua versão final não chegaria ao mercado internacional antes do início da guerra. Sendo assim, ele não será foco deste trabalho, ainda que tenha tido papel fundamental na política da indústria automobilística nazista.

O foco deste artigo se dará sobre a empresa Auto Union, criada a partir da fusão de quatro empresas da indústria automobilística alemã em 1932, como resposta á crise da grande depressão: Audi, DKW, Horch e Wanderer (daí o símbolo com 4 argolas da Audi atualmente). Com a nova postura apresentada por Hitler, a Auto Union buscou um contrato com Ferdinand Porsche e, juntamente com a emprea Dimler-Benz, conseguiram uma subvenção do novo governo para a produção de carros de corrida alemães, no valor de 450 mil Reichsmark. Foi o início das “Flechas de Prata” (“Silberpfeile” ou “Silver Arrows”), os carros alemães que viraram lenda no automobilismo internacional.

Dentre os pilotos envolvidos com a Auto Union, encontrava-se Hans Stuck. Famoso por provas de montanhas, Stuck era um nome reconhecido no automobilismo internacional quando se encontrou com Hitler pela primeira vez, ainda em 1932, antes de sua chegada ao poder. Segundo Ludvigsen (2009, p. 56), Hitler teria prometido um carro de corrida alemão a Stuck, desde que ele não assinasse com nenhuma escuderia de outro país. Não temos como afirmar se isso de fato ocorreu, ou se é parte das lendas que circulam as relações entre o esporte e o III Reich. No entanto, Hans Stuck e a Auto Union foram de fato uma das frentes que buscavam alçar o automobilismo alemão a patamares similares ao do automobilismo italiano guiado por Mussolini, que já estrelava as provas internacionais com seus carros Alfa-Romeo, Bugatti e Maserati.

Acompanhando o aporte financeiro do governo alemão à indústria automobilística, apontado na revista britânica em 1934, o ano também marcou o início de novas relações comerciais da Alemanha com a América Latina, através da adoção de acordos econômicos bilaterais.  O comércio de compensação estabelecido entre Berlim e Rio de Janeiro estabelecia que as importações de produtos brasileiros pela Alemanha não seriam pagas em moeda corrente, mas ficariam depositadas em contas bloqueadas no Reichsbank e seriam utilizadas para pagar compra de mercadorias alemãs que seriam importadas pelo Brasil, em uma moeda chamada marcos Aski (Ausländer-Sonderkonten für Inlandszahlungen, abreviação para o termo “Conta Estrangeira para Pagamentos Domésticos”), ou  marcos de compensação (Azevedo, 2010; McCann, 1995; Oliveira, 2010).

O sistema de compensação permitia que alemães oferecesse preços mais atraentes que os estadunidenses, que haviam se tornado os maiores parceiros econômicos do Brasil os anos 1930, ocupando posto que pertencera ao Reino Unido. Na verdade, como aponta McCann (1995), os preços de produtos de bem de consumo alemães em marcos de compensação eram mais favoráveis do que os em Reichsmarks em até 24%. Se, por um lado, os alemães compravam algodão, lã, borracha e frutas do Brasil, permitindo que o país escoasse seus excedentes de produção, por outro o mercado brasileiro tinha acesso a bens de produção e de consumo da indústria alemã a preços mais em conta. Carvão, cimento, papel para jornal, aço e adubos químicos alemães, por exemplo, inundaram o mercado nacional (Oliveira, 2010).  Dentre os bens de consumo, pode-se citar aparelhos de rádios e peças de automóveis.

É nesse quadro de relações bilaterais entre Alemanha e Brasil, que busco entender em parte a participação da Hans Stuck como piloto da Auto Union em provas automobilísticas no Rio de Janeiro, em especial no Trampolim do Diabo, como ficou conhecido o circuito da gávea (para maiores informações, ver aqui). Qual seria, de fato, o papel desse “Novo Plano” econômico alemão de comércio bilateral e qual teria sido o impacto da política de compensação na importação de automóveis e peças no mercado brasileiro. Ainda mais, como isso teria afetado o automobilismo no Brasil? Essas e outras perguntas, ainda sob investigação, deverão ser respondidas no futuro. Por enquanto, realizei uma busca por anúncios da Auto Union em jornais do Rio de Janeiro, centrando minhas buscas, até o momento, em um jornal de grande circulação, o Correio da Manhã, e em jornais esportivos, e alguns apontamentos iniciais podem ser identificados.

A Auto Union no Brasil: automobilismo e propaganda

A Auto Union Brasil Ltda. Foi a principal empresa do Rio de Janeiro a importar automóveis e peças da Auto Union, vendendo carro como o DKW, que se popularizou no período. Outras empresas, como a Bramensis, também trabalhavam com a importação de Auto Union em São Paulo, mas ficarão de fora desta análise. Apesar de fundada oficialmente apenas em agosto de 1935 (cf. DOU 08/08/1935, p. 26), as propagandas em jornais brasileiros da Auto Union começam já em fevereiro deste ano.

Imagem 01: Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 17 fev. 1935, p. 19
(Correio da Manhã. 17/2/1935, p. 19)

Ainda sem o nome “Auto Union Brasil”, a peça publicitária já era provavelmente o pontapé inicial para o empreendimento que seria inaugurado no meio do ano. Utilizando-se de um recorde internacional de velocidade batido por Hans Stuck na Itália, a propaganda alardeava: “Aguardem o novo programma de fabricação de 1935 da Auto-Union, que constituirá um acontecimento sensacional do automobilismo brasileiro”, seguido de endereço a rua Mexico e do símbolo da Auto Union. Hans Stuck, por sua vez, já era conhecido internacionalmente e já tinha estado no Brasil em 1932 para a disputa de uma prova que era sua especialidade, a “Subida da Montanha”, na estrada Rio-Petrópolis, inaugurada alguns anos antes (Melo, 2009).

O automobilismo era assim o ponto de partida e de chegada do anúncio. O feito de Stuck nas pistas de Florença simbolizavam a capacidade dos veículos da Auto Union, que em breve chegariam ao automobilismo brasileiro – e ao mercado de passeio brasileiro, provavelmente o grande alvo dos anunciantes. Ainda segundo as propagandas no Correio da Manhã, a comercialização de automóveis e peças começou antes mesmo da criação oficial da empresa Auto Union Brasil, visto que em 28 de abril de 1935 já divulgavam a venda a prazo de DKWs e de “grande stock de sobressalentes”, que estariam em exposição na “Rua do Mexico, 158”, na esplanada do Castelo (Correio da Manhã, 28/4/1935, p. 15).

Os anúncios se repetem por algumas vezes na primeira metade do ano. Já ao final de 1935, a Auto Union Brasil anunciava a vitória do DKW na prova do trecho Rio-Teresópolis, ressaltando o tempo de 2h45min e os apenas 8 litros de gasolina gastos (Correio da Manhã, 10/11/1935, p. 23). Ainda que utilizassem as provas automobilísticas como mote para propaganda, a principal característica ressaltada era a economia de combustível, especialmente nos DKWs, o modelo mais acessível dentre os oferecidos pela importadora.

As propagandas da Auto Union Brasil se tornam mais frequentes em 1937, com a participação de Hans Stuck no Circuito da Gávea, quando o corredor conquistaria a segunda posição, ficando atrás do italiano Carlo Pintacuda, que venceria em 37 e 38, pilotando seu Alfa-Romeo. As provas do circuito da Gávea foram inauguradas em 1933, um ano depois de Stuck ter participado da “Subida da Montanha”, mas antes da formação da equipe de corridas da Auto Union.

O Grand Prix do Rio de Janeiro, como também era chamada a prova, foi reconhecida oficialmente pela Association Internationale des Automobile Clubs Reconnus (AIACR), a futura FIA, mas não atraiu grande atenção internacional a princípio. Em 1933, apenas alguns pilotos argentinos e uruguaios se juntaram aos pilotos brasileiros na disputa, e em 1934 o Jornal do Brasil (3/10/1934, p. 23) indicou que dos 44 participantes da prova, 15 eram argentinos e 7 italianos, sendo que os pilotos apontados como italianos eram na verdade brasileiros de descendência italiana que representavam o país. Enviar pilotos, carros e equipes de apoio para o outro lado do oceano ainda era caro e pouco interessante para as escuderias que disputavam o campeonato europeu.

A primeira edição do Circuito da Gávea a atrair pilotos europeus foi a de 1936. Nesse ano, os italianos Carlo Pintacuda e Atilio Marinoni vieram com seus Alfa Romeos, além da francesa Helle Nice. Mas 1937 marcaria o auge da participação internacional no circuito, como pode ser visto na lista de competidores divulgada no Correio da Manhã.

(Correio da Manhã, 6/6/1937, p. 3)

Dentre os participantes, oito se inscreveram com nacionalidade europeia, um alemão (Stuck), quatro italianos, um francês e dois portugueses. No entanto, uma investigação mais minuciosa sobre esses nomes poderia apontar que alguns eram residentes do Brasil, e não atravessaram o atlântico para as disputas esportivas. A profusão de Alfa Romeos também é aparente. Dos 27 carros listados, 12 eram da montadora italiana. Somados os seis Bugatti e um Fiat, foram 19 carros italianos disputando a prova.

A participação de Hans Stuck, no entanto, pode ser vista como uma forma de promoção da Auto Union no país. Três dias depois de ficar em segundo lugar no GP do Rio de Janeiro, Hans Stuck participaria de outo evento, agora em sua especialidade, a corrida de montanha. No dia 9 de junho, o piloto levou sua Flecha de Prata para a estrada Rio-Petrópolis, na tentativa de bater os recordes mundiais de velocidade na categoria. Em duas tentativas registradas pelo Automóvel Clube do Brasil, o piloto tentava o recorde de velocidade no “kilômetro parado” e na “milha parada”. Tais feitos, na corrida e na tentativa de quebra de recordes, foram utilizados como forma de propaganda pela importadora da Auto Union, como mostra a peça publicitária de grande destaque no Correio da Manhã de 13 de junho (p. 12)

(Correio da Manhã, 13/6/1937, p. 12)

No texto, há o destaque para os recordes conseguidos na Rio-Petrópolis e na volta mais rápida no Circuito da gávea, que ainda dependiam de homologação da AIACR. “A Auto Union sente-se jubilosa por ter encontrado no ‘Trampolim do Diabo’ e na Rio-Petrópolis a grande oportunidade de que precisava, para patentear de forma categórica o valor de suas machinas no Brasil.” E completa com a associação da marca a seus carros de passeio: “Audi – DKW – Horch – Wanderer. 4 marcas de fama mundial são produtos da Auto Union.”

Dessa maneira, a participação de Hans Stuck no Circuito da Gávea e sua iniciativa em bater recordes de velocidade em terras brasileiras deve ser vista, também como forma de promoção da empresa, na busca por incentivar ainda mais as importações que provavelmente vinham crescendo devido ao acordo bilateral entre Brasil e Alemanha. A proximidade cada vez maior da guerra, no entanto, afeta a realização de provas internacionais e a importação de peças alemães. Com o início do conflito em setembro de 1939, a Inglaterra impõe o bloqueio naval e os produtos alemães deixam de chegar ao Brasil. Em 10 de setembro de 1939, a pequena peça publicitária da Auto Union no Correio da Manhã (p. 7) já transparece o problema. No lugar do anúncio de veículos, oferecem “concertos, pinturas, reformas”. As importações, assim como as provas automobilísticas internacionais, retornariam apenas após a Guerra.

(Correio da Manhã, 10/9/1939, p. 7)

            A investigação ainda está em estágios iniciais. No entanto, as evidências já dão indícios da relação entre o automobilismo e a expansão da indústria automobilística alemã para mercados internacionais, pelo menos no caso brasileiro. O acordo bilateral firmado em 1934 é seguido pelo estabelecimento da importadora Auto Union Brasil, na capital federal, que inicia seus trabalhos já nos primórdios de 1935. As propagandas veiculadas nos jornais cariocas demonstra a estreita ligação das conquistas esportivas tanto nas pistas europeias como na eventual participação de Hans Stuck no Circuito da Gávea, em 1937. Muito ainda precisa ser investigado, estamos apenas nas primeiras voltas.

Referências:

Azevedo, Monica (2010). Relação Brasil-Alemanha (1937-1945): Evolução e paradoxos. XIV Encontro Regional na Anpuh-Rio: Memória e Patrimônio. Disponível em: http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1276651062_ARQUIVO_Artigo_-_Anpuh_2010final.pdf

König, Wolfgang (2004). Adolf Hitler vs. Henry Ford: The Volkswagen, the Role of America as a Model, and the Failure of a Nazi Consumer Society. German Studies Review, Vol. 27, No. 2, p. 249-268.

Ludvigsen, Karl (2009). German Racing Silver: Drivers, Cars and Triumphs of German motor Racing. Surrey: Ian Allan Publishing.

McCann, Frank (1995). The Forgotten Ally. What did you do in the war, Zé Carioca? Estudios Interdisciplinarios de América Latina y el Caribe, Vol. 6, No. 2, p. 35-70.

Melo, Victor Andrade (2009). Antes de Fittipaldi, Piquet e Senna: o automobilismo no Brasil (1908-1954). Motriz, Vol. 15, No. 1, p. 104-115.

Oliveira, Arthur (2010). Os regimes cambiais alemães e os acordos bilaterais entre 1934-1939. Departamento de Economia, pontifícia Universidade católica do Rio de Janeiro.


“Força pela Alegria” ou o lazer sob o jugo totalitário – o caso da Alemanha Nazista

02/07/2021

por Elcio Cornelsen

(cornelsen@ufmg.br)

Introdução

Em regimes totalitários, que procuram controlar todos os âmbitos da vida social, nenhum segmento da cultura permanece incólume a uma intervenção. Sem dúvida, a Alemanha nazista é um exemplo patente de tal processo, inclusive nos âmbitos do esporte e do lazer. Por um lado, o uso propagandista do esporte no contexto dos XI Jogos Olímpicos de Berlim, realizados em agosto de 1936, é uma dessas facetas. Por outro, o lazer, menos estudado se comparado à prática esportiva, também se tornou instrumento de política de indução de adesão da população ao regime. Este estudo, realizado entre março de 2014 e novembro de 2017, teve por objetivo enfocar as organizações do Estado nazista alemão que instrumentalizaram o âmbito do lazer, sobretudo a Deutsche Arbeiterfront (DAF; Frente Alemã de Trabalho) e a Kraft durch Freude (KdF; Força pela Alegria). Para isso, tomou-se por base estudos históricos e documentários sobre o lazer sob o jugo totalitário.

Metodologia

A metodologia empregada no estudo em questão pautou-se, basicamente, por dois procedimentos: em primeiro lugar, foi necessário selecionar e ler obras de cunho teórico que contemplassem o tema da relação entre história, memória, políticas públicas e lazer; em segundo lugar, o estudo orientou-se também por seleção de pesquisas históricas e documentários (Kloft, 2001; Mühlen, 2009) sobre o tema, que demandaram leitura e análise. Para lazer e políticas públicas, tomamos por base os estudos de Linhales (2001), Marcellino (2001; 2008), Gomes (2008), e Isayama (2010). Para história e memória do lazer, nos orientamos pelos estudos de Melo (2011; 2013). Por fim, para a contextualização do lazer no período nazista, adotamos os estudos de Grube e Richter (1982), Giesecke (1983), Kammer e Bartsch (1992), Studt (1995), Wendt (1999), Schneider (2004), Baranowski (2004), e Dillon e Richthofen (2008).

Resultados e Discussão

A criação de uma instância reguladora de políticas de lazer na Alemanha nazista resultou de uma política de intervenção no âmbito do trabalho, como parte de uma política de Gleichschaltung (“Sincronização”), promovida pelo partido nazista no sentido de uniformizar e controlar, sob princípios ideológicos, todas as instituições públicas e sociais até então autônomas (BROSZAT, 1995, p. 62). Segundo o historiador Bernd Jürgen Wendt, a extinção dos sindicatos das inúmeras categorias profissionais e de suas centrais sindicais em 02 de maio de 1933 foi seguida pela criação de uma organização totalitária em 10 de maio de 1933, que deveria abranger todos os trabalhadores e segmentos profissionais: a DAF – Deutsche Arbeitsfront (Frente Alemã de Trabalho) (WENDT, 1999, p. 64).

Por sua vez, diretamente subordinada a essa organização surgiu em novembro de 1933 outra organização destinada, exclusivamente, a instrumentalizar o lazer e o esporte no âmbito trabalhista: a KdF Nationalsozialistische Gemeinschaft Kraft durch Freude (Comunidade Nacional-Socialista Força pela Alegria) (KAMMER; BARTSCH, 1992, p. 104). Entre outras atribuições, destinava-se a promover políticas de higiene e saúde no âmbito das empresas, bem como de construção de restaurantes, espaços de descanso e de centros esportivos mantidos pelas próprias empresas, destinados a seus trabalhadores, além de determinar um aumento das férias anuais remuneradas, de 3 para 12 dias, e de promover uma ampla oferta de programas de lazer culturais e esportivos (WENDT, 1999, p. 65).

De acordo com os historiadores Frank Grube e Gerhard Richter, esse tipo de organização não foi uma invenção do nazismo, mas sim criada a partir das estruturas pré-existentes do movimento sindical na República de Weimar, bem como a partir de um modelo italiano de organização do tempo livre e do lazer: a “Il Dopolavoro” (Após o Trabalho), criada em maio de 1925 por Benito Mussolini (GRUBE; RICHTER, 1982, p. 123). Em seu ápice, a KdF contou com mais de 150.000 funcionários encarregados de organizar o tempo livre e o lazer do trabalhador alemão. Sua estrutura organizacional abrangia cinco instâncias: o “Serviço de Nacionalidade e Pátria” (Amt Volkstum und Heimat), encarregado de organizar a participação de trabalhadores em eventos de caráter popular; o “Serviço de Formação Popular Alemã” (Deutsches Volksbildungswerk), encarregado de promover cursos para adultos; o “Serviço de Esporte” (Sportsamt), que se tornou um fator de concorrência para os clubes tradicionais ao promover, entre os trabalhadores, a prática de determinadas modalidades esportivas; o “Serviço para Viagens, Passeios e Férias” (Amt für Reisen, Wandern und Urlaub), responsável pela ampla oferta de viagens de férias ou mesmo de excursões aos fins de semana; por fim, o âmbito “Beleza do Trabalho” (Schönheit der Arbeit), responsável por melhorias nas instalações dos locais de trabalho (GRUBE; RICHTER, 1982, p. 124-126).

Sem dúvida, a KdF incentivou, sobretudo, o turismo de massa, à época um verdadeiro “luxo” para o trabalhador. De acordo com Ursula Becher, até os anos 1920, devido às crises econômicas enfrentadas pelo país e às limitações salariais, o trabalhador alemão não dispunha de meios próprios ou mesmo de financiamento para empreender viagens de férias. A pouca oferta de lazer limitava-se a atividades nos finais de semana, como, por exemplo, a organização de caminhadas e passeios em parques e em áreas verdes próximas às cidades (BECHER, 1995, p. 126). Segundo a autora, tal organização visava a duas metas: “Para os nacional-socialistas, ela era um excelente meio de propaganda no sentido de combater a resistência dos trabalhadores ao programa ideológico e, respectivamente, de ganhar novos adeptos” (BECHER, 1995, p. 126-127).


Nosso estudo revelou que o programa da KdF previa uma ampla oferta de atividades de lazer: idas a teatros, cinemas, concertos e exposições; formação de grupos de passeios e de práticas desportivas, bem como de danças folclóricas; exibição de filmes nas empresas; promoção de cursos sobre os mais variados temas. Todavia, o carro-chefe de tal intervenção política no âmbito do lazer era, sem dúvida, a promoção de viagens a partir de programas de subsídios, não apenas para regiões da Alemanha, como também para viagens marítimas ao Exterior, principalmente a Portugal e ao Mediterrâneo, contando com uma frota de 12 navios. As estatísticas apresentadas por Grube e Richter impressionam: de 2,3 milhões de pessoas que viajaram de férias, atendidas pela organização em 1934, esse número elevou-se em 1938 para 10,3 milhões. No mesmo período, o número de pessoas que buscaram orientação e subsídio junto à KdF para outras atividades de lazer subiu de 9,1 para mais de 54 milhões (GRUBE; RICHTER, 1982, p. 123).
Mesmo que tais números possam ser questionados, e mesmo que, como salienta Ursula Becher, seja difícil mensurar o nível de adesão em termos ideológicos (BECHER, 1995, p. 129), a popularidade da KdF é inegável, embora ela tenha sido muito mais motivada pela carência de “alegria” (Freude), do que propriamente pela “força” (Kraft), um dos vetores da doutrinação ideológica. Além disso, para o ramo de hotelaria e para a Rede Ferroviária Alemã – a Deutsche Reichsbahn –, o turismo subvencionado pelo Estado significou uma lucratividade garantida.


Os resultados de uma pesquisa de opinião realizada com empregados da Siemens em Berlim, no ano de 1937, demonstram bem que o aparente sucesso da KdF deveu-se justamente pela organização ter ocupado um segmento do mercado até então não explorado nessas proporções. Dos 42.000 entrevistados, 28.000 ainda não tinham passado férias fora de Berlim (GRUBE; RICHTER, 1982, p. 123).

Em primeira linha, pode-se afirmar que o intuito de uma política dessa natureza era organizar o tempo de descanso, relaxamento e lazer (não trabalho) frente ao tempo de produção (trabalho), no sentido de possibilitar aos trabalhadores uma recuperação das forças física e psíquica exigidas por suas funções, através do empreendimento de atividades lúdicas. Esse parece ser, aliás, um fenômeno comum, oriundo da própria industrialização e da formação de centros urbanos, conforme aponta Victor Andrade de Melo: “A estruturação das fábricas e a subsequente necessidade de facilitar a circulação de mercadorias transformaram a cidade no novo lócus privilegiado de vivências sociais, sede das tensões que se estabeleceram na transição entre o novo e o antigo regime” (MELO, 2011, p. 68). E o autor prossegue em sua argumentação: “À necessidade de gestar um novo conjunto de comportamentos considerados adequados para a consolidação do modelo de sociedade em construção, adenda-se a reorganização dos tempos sociais: a artificialização do tempo do trabalho, uma decorrência da industrialização, dá origem a um mais claro delineamento do tempo livre” (MELO, 2011, p. 68-69).

Todavia, nosso estudo nos permitiu constatar também que a promoção de atividades de lazer com vistas à recuperação da força de trabalho não era o único aspecto que levou a cúpula nazista a interferir, através de política de Estado, na organização do tempo livre, não a deixando mais a cargo do indivíduo ou da população. Segundo Ursula Becher, tal intervenção foi motivada pelo ceticismo diante da capacidade do trabalhador organizar, ele mesmo, o seu tempo livre, pois se temia que o tempo livre produzisse ócio, e que dele surgissem “pensamentos, tolos, difamatórios e, por fim, criminosos” (LEY apud BECHER, 1995, p. 128), como o próprio dirigente da Frente Alemã de Trabalho (DAF), Robert Ley, certa vez formulou. Portanto, a organização do tempo livre e do lazer não escapou ao controle “total” do Estado, como Robert Ley afirmou: “Não temos mais pessoas num sentido privado. O tempo, onde cada um podia e era permitido fazer o que quisesse, passou” (LEY apud BECHER, 1995, p. 128).

Cabe, aliás, ressaltar que até mesmo o Volkswagen (literalmente, “veículo do povo”) foi idealizado como parte da política da DAF e da KdF. A produção do KdF-Wagen, como também era chamado, começou no segundo semestre de 1938. No final daquele ano, cerca de 150.000 pessoas já haviam encomendado o carro e estavam esperando ansiosamente pela entrega. Eles deveriam começar a receber seus carros no início de 1940. Entretanto, com a eclosão da guerra em setembro de 1939, a produção foi direcionada para a construção de veículos de combate.

Sendo assim, é patente o grau de intervenção do Estado nazista num âmbito em que, tradicionalmente, haveria uma liberdade maior de escolha por parte do individuo de suas atividades de lazer, frente a suas necessidades e possibilidades. Pois o controle de cada indivíduo em todo o tempo, inclusive no tempo livre e nas férias, era uma meta do nazismo. Portanto, o lazer durante o regime nazista tornou-se mais um campo social abarcado por uma política de cerceamento de liberdade e de doutrinação de valores.

Considerações finais

O presente estudo permitiu-nos constatar que o lazer sofreu a interferência do Estado com fins de propaganda e de estabilização política, do mesmo modo como havia ocorrido no âmbito do esporte, principalmente no contexto dos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936. Inegavelmente, o lazer sob o jugo totalitário foi um âmbito que garantiu a adesão de amplos segmentos da sociedade alemã à ideologia nazista. Se, por um lado, a Olimpíada de Berlim serviria – como realmente serviu – de “vitrine”, através da qual a cúpula nazista empreenderia todos os meios para mostrar ao mundo – e, portanto, fabricar – uma bela imagem da “nova” Alemanha (das neue Deutschland), bem diferente daquela vivenciada no dia-a-dia de um Estado totalitário erigido sobre a base de uma ideologia carismática e imperialista defendida por um líder – o Führer –, um único partido populista – o NSDAP, “Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães” –, aparelhos de repressão – SA, SS e Gestapo – e um monopólio de armas, informações e propaganda, por outro, desde que chegaram ao poder em janeiro de 1933, os governantes nazistas implantaram políticas de lazer que fomentassem entre os trabalhadores um sentido de adesão e, ao mesmo tempo, reduzisse a possível resistência entre eles, uma vez que modificações drásticas ocorreram no âmbito trabalhista com a supressão dos sindicatos e a criação de uma instituição centralizadora, a Frente Alemã do Trabalho (Deutsche Arbeiterfront ou DAF), lembrando, mais uma vez, que a ela se vinculava a organização Força pela Alegria (Kraft durch Freude ou KdF), responsável pelos âmbitos do lazer e do turismo no Terceiro Reich.

Referências

BARANOWSKI, Shelley. Strength Through Joy: Consumerism and Mass Tourism in The Third Reich. New York: Cambridge University Press, 2004, p. 1-10. Disponível online: http://catdir.loc.gov/catdir/samples/cam041/2003060603.pdf. Acesso em 18 dez. 2014.

BECHER, Ursula A. J. Kraft durch Freude. In: STUDT, Christoph (org.). Das Dritte Reich: Ein Lesebuch zur deutschen Geschichte 1933-1945. München: Beck, 1995, p. 126-129.

BROSZAT, Martin. Gleichschaltung. In: STUDT, Christoph (org.). Das Dritte Reich: Ein Lesebuch zur deutschen Geschichte 1933-1945. München: Beck, 1995, p. 62-64.

DILLON, Chris; RICHTHOFEN, Esther von. Alltag im Dritten Reich. Erfuhrt: Sutton Verlag, 2008.

GIESECKE, Hermann. Leben nach der Arbeit: Ursprünge und Perspektive der Freizeitpädagogik. München: Juventa-Verlag, 1983.

GOMES, Christianne Lucy. Lazer, trabalho e educação: relações históricas, questões contemporâneas. 2. ed., Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008. [coleção “Aprender“]

GRUBE, Frank; RICHTER, Gerhard. Alltag im Dritten Reich: So lebten die Deutschen 1933-1945. Hamburg: Hoffmann und Campe, 1982.

ISAYAMA, Hélder Ferreira (org.). Lazer em estudo: currículo e formação profissional. Campinas, SP: Papirus, 2010.

KAMMER, Hilde; BARTSCH, Elisabet. Nationalsozialismus: Begriffeaus der Zeit der Gewaltherrschaft 1933-1945. Reinbek bei Hamburg: Rowohlt, 1992.

LINHALES, Meily Assbú. Jogos da Política, Jogos do Esporte. In: MARCELLINO, Nelson Carvalho (org.). Lazer e Esporte: políticas públicas. Campinas/SP: Autores Associados, 2001, p. 31-56.

MARCELLINO, Nelson Carvalho (org.). Lazer e Esporte: políticas públicas. Campinas/SP: Autores Associados, 2001.

MARCELLINO, Nelson Carvalho (org.). Políticas públicas do lazer. Campinas, SP: Alínea, 2008. [coleção “Estudos do Lazer”]

MELO, Victor Andrade de et al. (org.). Pesquisa histórica e história do esporte. Rio de Janeiro: 7Letras, 2013.

MELO, Victor Andrade de. O lazer (ou a diversão) e os estudos históricos. In: ISAYAMA, Hélder Ferreira; SILVA, Silvio Ricardo da (org.). Estudos do lazer: um panorama. Rio de Janeiro: Apicuri, 2011, p. 65-80.

SCHNEIDER, Claudia. Die NS-Gemeinschaft Kraft durch Freude (2004). Disponível em: http://www.zukunft-braucht-erinnerung.de/die-ns-gemeinschaft-kraft-durch-freude/. Acesso em 21 fev. 2015.

STUDT, Christoph (org.). Das Dritte Reich: Ein Lesebuch zur deutschen Geschichte 1933-1945. München: Beck, 1995.

WENDT, Bernd Jürgen. Das nationalsozialistische Deutschland. Berlin: Landeszentrale für politische Bildung, 1999.


MAIS UM LIVRO DISPONÍVEL – PRIMÓRDIOS DO ESPORTE NO BRASIL – RIO DE JANEIRO

26/06/2021

por Victor Melo

.

Primórdios

.

Graças ao apoio da Reggo Edições, disponibilizamos para download mais um belo livro: Primórdios do Esporte no Brasil – Rio de Janeiro, escrito por mim e pelo irmão Fabio Peres.

Trata-se de um livro de difusão, “é parte de um projeto que pretende contribuir para o reconhecimento da importância do fenômeno esportivo no Brasil, a partir da difusão dos principais traços dos momentos iniciais de seu percurso em algumas cidades brasileiras. O intuito não é abordar academicamente o assunto, mas sim apresentar ao grande público alguns dos fatos importantes que marcaram a trajetória nacional do esporte”.

Esta obra, além da bela editoração e imagens, traz uma parte do magnífico acervo de Roberto Gesta de Melo.

Os interessados podem baixar o livro em:

primordios_do_esporte_RIO DE JANEIRO

Um abraço, Victor.


Pandemia, atores do espetáculo esportivo e engajamento político.

03/05/2021

Uma discussão importante que vem crescendo nos últimos anos e também durante essa Pandemia tem a ver com o papel político do Esporte e especialmente das declarações e posicionamentos de atores do espetáculo esportivo no Brasil e no mundo

A continuidade das práticas esportivas profissionais mesmo após um período de suspensão temporária no início da primeira onda da COVID, demonstrou que apesar das polêmicas, riscos de contágio e diversas situações específicas inacreditáveis na realização dos torneios, o esporte tanto nas suas modalidades profissionais, quanto na prática cotidiana dos amadores, seja talvez uma das atividades mais presentes na vida pandêmica, mesmo com os estádios, arenas e quadras praticamente vazias.

Apesar da insegurança e dos desvios de conduta cometidos em muitas ocasiões por dirigentes e políticos para o retorno de um “novo calendário” minha impressão é que a atividade esportiva se tornou ainda mais onipresente durante esse difícil período, gerando até uma certa naturalização do perigo quando novas ondas da doença surgem no país e no mundo. Sinto que existe um “novo normal” para as competições de todas as modalidades internacionais e nacionais nem sempre justificadas pela Ciência, mas regularmente aceita pelos amantes do esporte.

O objetivo desse especulativo post não é condenar a realização dos diversos campeonatos   nas diferentes modalidades que servem também de ocupação do tempo de lazer e do psicológico de muitas pessoas, pois eu mesmo já me vejo como um daqueles que naturalizaram a situação para ter o prazer de assistir esporte enquanto estou isolado e de praticar em espaços abertos quando está liberado, mas apontar questões polêmicas que surgiram ao longo desse triste período que na minha visão ajudam a pensar o local de fala do esporte na própria sociedade brasileira e a necessidade de engajamento político e liberdade de expressão dos atletas em todos os sentidos.

Isto posto pretendo mencionar algumas situações específicas que na minha opinião foram emblemáticas nesse momento pandêmico e que podem gerar polêmicas mas também boas reflexões.

A primeira delas foi o retorno dos campeonatos estaduais em um contexto de grande incerteza, de pouquíssimo conhecimento da doença e seus protocolos e de divergência entre autoridades esportivas e sanitárias, ainda no primeiro semestre do ano passado. A triste aliança de alguns dirigentes esportivos de importantes clubes como o Flamengo com o negacionismo explícito do presidente da República para acelerar o retorno  das partidas, chegando a cogitar naquele momento a presença de torcedores nos estádios (fato que é inconcebível praticamente um ano depois) foi ignóbil porém naturalizada aos poucos por torcedores, profissionais da mídia e mesmo apaixonados pelo futebol mesmo sendo ou se considerando de setores progressistas.

Um exemplo recente foi a reação à declaração do técnico Lisca  no início de março contra a retomada da competição da Copa do Brasil. Apesar de usar argumentos racionais como a distância e risco nos translados de equipes por exemplo do Sudeste para o Norte e também emotivos como a referência a colegas que morreram,diversos técnicos, jogadores, torcedores o criticaram veementemente o chamando de hipócrita.

O próprio Lisca afirmou que não foi uma declaração política e que estava apenas dando sua opinião em função do triste momento da Pandemia mas acabou sendo execrado por muitas pessoas, sendo importante lembrar como o número de mortes e casos aumentou  de forma avassaladora nos meses de março e abril. Para maiores informações sobre o caso ver  https://www.terra.com.br/esportes/futebol/lisca-diz-que-desabafo-sobre-pandemia-nao-foi-politico,bd2f10fb799109907cb966face9a2a43vkegyxd4.html

Esse caso também é emblemático em função da temática do engajamento político no esporte. O fato do treinador ter se justificado que o desabafo não teria sido político pode ser visto pela ótica das dificuldades que treinadores e atletas, ainda podem ter para se manifestarem no nosso país. Infelizmente não temos uma cultura política muito engajada na nossa sociedade e obviamente isso se reverbera no meio esportivo.

Entretanto acredito que existem duas faces de uma mesma moeda. Se por um lado os atores do espetáculo esportivo no país se envolvem pouco com política e raramente se manifestam por falta de interesse ou consciência como alguns intelectuais as vezes cobram, por outro, a pressão institucional das Confederações, dos interesses políticos dos clubes podem estabelecer uma espécie de censura invisível muitas vezes difícil de ser rompida.

O recente caso da jogadora de vôlei de praia Carol Solberg ocorrido durante a Pandemia é representativo nesse tema. A tentativa de uma punição exagerada  à  atleta por ter se manifestado contra o atual Presidente da república  foi resultado de uma “cláusula leonina” de impedimento de manifestação dos atletas  imposta no regulamento da competição e  de um Tribunal Desportivo que no Brasil é uma jurisdição anômala e despreparada. A denúncia com um valor muito alto de multa e suspensão por várias partidas entra em choque com o histórico princípio iluminista da “liberdade de expressão” acolhido constitucionalmente e serviria caso se concretizasse para estimular ainda mais a conduta passiva dos atletas no campo político.

A própria advertência aplicada à jogadora apesar de ser factível no âmbito jurídico me parece equivocada a partir de uma perspectiva sociológica e inibe novas manifestações dos atletas, já se configurando como um cerceamento desnecessário. Entendo que a polêmica gerada em torno da situação foi muito importante para refletirmos sobre o local de fala do Esporte e dos esportistas. Para maiores informações sobre o caso ver

https://globoesporte.globo.com/volei/noticia/carol-solberg-e-advertida-por-manifestacao-politica.ghtml

No âmbito da crônica esportiva e também em alguns estudos de História do Esporte recentes, muitos atletas de ponta brasileiros como Pelé, Zico, Nelson Piquet, Oscar Schmidt são criticados por não terem se manifestado politicamente de forma contundente ou pelo teor de suas opiniões, enquanto outros são representados como símbolos de resistência ou de ruptura revolucionária como Afonsinho, Reinaldo, Sócrates, Paulo César Caju, etc. Acredito que possa existir exageros retóricos nos dois lados, sendo que obviamente cada caso específico tem suas peculiaridades, mas a importância é que o debate tanto jornalístico quanto acadêmico pode estimular a participação cada vez maior dos atletas dando a sua opinião.

O engajamento político dos atletas, jogadores, dirigentes esportivos independentemente de que ideias defendam deve ser estimulado em todos os esportes e não deve ser cerceado por cláusulas de comportamentos, argumentos de que as praças esportivas sejam campos neutros, regulamentos internos dos clubes ou oligárquicas Federações e Confederações.  

    Assim como o Esporte mesmo em tempos de Pandemia do Coronavírus se perpetua como Fato Social onipresente nos termos de Émile Durkheim a participação política dos atores do espetáculo esportivo deve ser estimulada, estar cada vez mais presente no nosso cotidiano e nunca cerceada por regulamentos abusivos, jornalistas supostamente neutros, ou lunáticos internéticos valentões digitais.

O local de fala do esportista tem que ser respeitado. Para mim Lisca “Doido”, Carol Solberg ou até mesmo Felipe Melo, também execrado em muitas redes sociais pelas suas convicções políticas que obviamente não compartilho têm que ter o direito  assegurado de se manifestar e fazer política dentro dos gramados, quadras e demais espaços esportivos para que os atores também atuem na defesa da Democracia e não apenas alguns setores de torcidas Antifascistas.