Presença feminina nos primórdios do esporte em São Paulo

11/07/2022

Por Flávia da Cruz Santos

A presença feminina se faz sentir, nos momentos iniciais do esporte na capital paulista, pela ausência, pelos silêncios das fontes. O corpo feminino era algo quase que proibido, em que não se podia tocar e cujas formas não era permitido conhecer. As vestimentas não apenas adornavam, mas escondiam e deformavam o corpo feminino. Elegância era a palavra de ordem, era o que orientava a participação das mulheres na cena pública. Ao menos era esse, o desejo das elites paulistanas, que estruturavam a sociedade partir da ideologia patriarcal.  

A participação das mulheres, apesar de ser desejada e incentivada, se restringia às arquibancadas. O embelezamento do espetáculo, por vezes, se limitava à sua presença, às suas vestes e adornos. Depois de afirmar, que as corridas do Grande Prêmio, no Hipódromo da Mooca, haviam sido “uma verdadeira decepção”, o colunista, que assina como “Jack, Entraineur” avalia:

Apesar de tudo isso porém, Jack está satisfeito, porque as senhoras apresentaram-se como deviam, vestidas com luxo e esmero. Ocuparam as arquibancadas, enquanto nós outros vínhamos para o encilhamento ou para as imediações da pista.
Lá em cima, viam-se os reflexos das sedas, ao lado das cores embasadas dos vestidos de lã ou de linho, flutuavam rendas, e agitavam-se leques de infinitas formas, uns de plumas, outros de gaze e entre eles um muito chique formado de folhas de begônias. (O Estado de S. Paulo, 21 out. 1890, p. 1)

Todos se sentiam autorizados a avaliar as mulheres, até mesmo alguém cuja especialidade era o treinamento. Tentava-se reduzi-las a isso, à aparência, às vestimentas, penteados e adereços. Essa é a representação das mulheres, dominante nos periódicos. Contudo, tanto as mulheres das classes dominantes, quanto as mulheres das camadas populares, estavam longe de restringir seu papel social ao embelezamento.

As mulheres pobres (brancas, forras, escravas) desempenhavam diferentes funções (costureiras, bordadeiras, quitandeiras, lavadeiras), e também, quando necessário, ocupavam papéis tipicamente masculinos (tropeiras, roceiras) (DIAS, 1995). As mulheres das camadas dominantes, eram empresárias ativas, formadoras dos filhos, socializadoras e treinadoras dos escravizados, administradoras de suas propriedades e lavouras (CANDIDO, 1951).

Mas, se a elegância, entendida nos termos de nosso interlocutor, era uma exigência, não é difícil concluir que as mulheres que estiveram presentes nesses momentos iniciais da conformação do esporte em São Paulo, pertenciam exclusivamente às elites. Pois, a impossibilidade da exibição de luxos pelas camadas populares nos momentos de diversão, era apontada pelos próprios paulistanos daquele tempo:

Ora, todos nós sabemos quanto custa frequentar sociedades hoje em S. Paulo, principalmente quem tem mulher e filhos. Como porém me asseveraram que na Concórdia Familiar eram expressamente proibidas as sedas, as joias e as luvas, verbas todas estas elevadíssimas para os pais de família, acedi a entrar para esta nova sociedade.
 
Qual não foi, porém, Sr. redator, o meu desapontamento quando entrando noite de sábado na casa onde se dava a partida da Concórdia, vi algumas senhoras cobertas de seda e brilhantes, com finíssimas luvas Jouvin! Fiquei furioso assim como minha Eva, e mais prole, que todas tinham ido com seus vestidinhos de 6$rs., sem luvas nem adereços. Ora, uma sociedade familiar não é lugar para se ostentar riqueza, porque ofende e faz pouco nos outros, que não tem a felicidade de agarrarem boas empresas, que não tem lucros fabulosos, podendo por essa razão gastarem a grande. (Correio Paulistano, 22 out. 1872, p. 2)

O investimento nas roupas e adornos era um imperativo para aqueles que frequentavam espaços de sociabilidade, o que acabava por deles excluir uma parcela nada pequena da população da capital. Pois, a sociedade paulistana era “muito desigual, hierarquizada ao extremo e com elevado índice de concentração de riqueza” (DIAS, 1995, p. 192).


Referências

DIAS, Maria Odila Leite da Sila. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1995.

CANDIDO, A. The Brazilian family. In: LYNN SMITH, T. e MARCHANT, A. Brazil: portrait of half a continent. New York: Dryden, 1951, p. 291-312.


“Hemerotecando” a esgrima em São Paulo

05/07/2021

Flávia Cruz/flacruz.santos@gmail.com

Em 1854 já há notícia da existência de uma sala de esgrima em São Paulo. Mas a presença sistemática de tal prática na capital paulista se dá mesmo a partir de 1862, quando começam a chegar na cidade mestres de armas vindos da Europa. Mestres de armas é como são denominados os professores de esgrima.

A despeito da inexistência de ferrovias que ligassem a capital ao litoral, e das dificuldades desse trajeto, que se dava pela serra do mar, a presença de europeus na cidade foi mesmo uma constante, desde seus primórdios. Os mestres de armas que chegavam eram alemães, italianos, franceses.  

Eles ministravam aulas e cursos em suas próprias residências, em instituições de ensino, como o Liceu Alemão, e em associações, como o Clube Ginástico Português. Algumas vezes, além de europeus esses professores eram também militares, como era o caso do capitão do exército prussiano, Theodoro Maximilio de Krans, que dava lições de esgrima.

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Flavinha.1

Jornal da Tarde, 3 de abril de 1879

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A esgrima se desenvolveu na capital paulista atrelada a esses dois elementos: os europeus e os militares. Foi com professores europeus que os paulistanos aprenderam a esgrima, e foi por influência inglesa que eles desejaram aprendê-la. A esgrima compunha a formação de militares, e estes também eram mestres de armas, não apenas nas escolas militares, mas também em cursos para civis.

Os militares possuem, no entanto, uma especificidade em sua relação com a esgrima, que pode ser notada principalmente a partir da primeira década do século 20. Enquanto no meio civil as armas estudadas eram o sabre, a espada e o florete, os militares se dedicavam também à esgrima de baioneta. Baioneta é uma espécie de punhal, que é acoplado ao cano da arma de fogo, geralmente um fuzil. 

As utilidades da esgrima eram apregoadas pelos jornais: eficaz para o desenvolvimento da força física e da coragem, distração agradável e elegante. Prescrita desde forma de tratamento da melancolia a componente da educação das elites, a esgrima era apresentada como uma prática apreciada pelos ingleses.

Inglaterra e França eram países referência para a construção de gostos e hábitos, também na capital paulista. Se uma prática era apreciada nesses países, era sinal de que deveria ser apreciada também pela população paulistana. Senão por toda ela, pelo menos por suas elites. Afinal, esses países eram símbolos de civilidade e de modernidade.

Apesar de chegarem de Londres e também de Buenos Aires, desde o último quartel do século 19, notícias de assaltos de esgrima entre mulheres, e entre mulheres e homens, o mesmo não aconteceu em São Paulo. Não há notícia de sequer um assalto entre mulheres na capital, ou de sua participação em cursos e associações de esgrima até 1920.

É somente em 1879 que começamos a ter notícias de assaltos públicos de esgrima. Em um primeiro momento, eles aconteciam como parte de festividades de instituições que a tinham como objeto de ensino, ou como uma estratégia de propaganda utilizada pelos professores, para demonstrar sua perícia com a esgrima e, assim, conquistar alunos. Posteriormente os assaltos passaram a acontecer também entre os alunos dos cursos existentes na cidade.

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Flavinha.2

O Estado de São Paulo, 13 de julho de 1899

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A partir da década de 1880 um maior número de associações que tem como um de seus objetivos, ou o único objetivo, desenvolver a esgrima são fundadas na cidade: Real Sociedade Clube Ginástico Português, Clube de Esgrima, Congresso Brasileiro, Cercle de Esgrima Franco Brasileiro, Clube Brasileiro de Esgrima e Tiro, Grêmio do Comércio de São Paulo, Academia de Esgrima, Clube Internacional de Ginástica e Esgrima, Grêmio Recreativo Filhos do Trabalho, Clube de Esgrima Kosmos.

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Flavinha.3

A Província de São Paulo, 5 de julho de 1881

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Competições de esgrima só começam a acontecer a partir de 1896. Nesse ano houve a realização de torneio pelo Clube Ginástico Português, e em 1897 pela Escola Normal. Em 1899 há notícia da realização de um torneio internacional de esgrima. Internacional porque seus participantes e as escolas de esgrima participantes, eram de diferentes nacionalidades.

Não havia qualquer organização das associações e escolas de esgrima em instituições que as normatizasse, e organizasse torneios. As competições se davam por iniciativa dos mestres de armas dos cursos.  Apesar de associada à ginástica e à educação física, a esgrima não era tida ainda como um esporte. Sequer estava presente nas colunas esportivas dos jornais. Suas notícias estavam nas colunas de Notícias Diversas ou no Noticiário.

Não se falava ainda em esgrimistas, esse termo não era empregado. Os participantes dos torneios eram os professores e seus alunos de esgrima. Mas apesar disso, sem que os sujeitos desse tempo soubessem ou tivessem consciência, o campo esportivo já estava em gestação na capital paulista. E a esgrima ajudava a compor esse campo.

Tanto é que em 1905 a esgrima já figurava nas colunas esportivas dos jornais, e seus praticantes já eram chamados de esgrimistas. A esgrima participou, assim, do mesmo movimento de institucionalização vivido pelas demais práticas esportivas em São Paulo, a partir da segunda metade do oitocentos.

Com a especificidade de ter se desenvolvido nos momentos iniciais, como objeto de ensino em instituições instrutivas e cursos, como parte da educação formal e não formal, a esgrima passou a figurar, pouco a pouco, no quadro das atividades das associações recreativas e esportivas, e a possuir competições.

As comemorações cívicas também passaram a contar com a esgrima em suas programações. Em 1913, por exemplo, houve assaltos de esgrima nas comemorações pelo aniversário da proclamação da república e pelo dia da bandeira.

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Flavinha.4

O Estado de São Paulo, 20 de novembro de 1913

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No entanto, a esgrima não gozou de grande sucesso na capital paulista. O número de praticantes e de espectadores da esgrima não alcançou números muito alvissareiros. A revista Vida Sportiva, de agosto de 1904, apresenta estatísticas que o comprovam. Das 118 associações esportivas existentes na capital, apenas 4 eram de esgrima, enquanto 8 eram de atletismo, 9 de ginástica e 72 de futebol!

* Fontes

Correio Paulistano – 1854, 1855, 1856, 1857, 1858, 1859, 1862, 1863, 1864, 1865, 1866, 1867, 1868, 1869, 1870, 1871, 1872, 1873, 1874, 1875, 1876, 1877, 1878, 1879, 1880, 1881, 1882, 1883, 1884, 1885, 1886, 1887, 1888.

A Província de São Paulo / O Estado de São Paulo – 1875, 1876, 1877, 1878, 1879, 1880, 1881, 1882, 1883, 1884, 1885, 1886, 1887, 1888, 1889, 1890, 1891, 1892, 1893, 1894, 1895, 1896, 1897, 1898, 1899, 1900, 1901, 1902, 1903, 1904, 1905, 1906, 1907, 1908, 1909, 1910, 1911, 1912, 1913, 1914, 1915, 1916.

Jornal da Tarde – 1870, 1871, 1872, 1873, 1874, 1875, 1876, 1877, 1878, 1879.

Vida Sportiva – 1904.

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Europeus e cariocas nos momentos iniciais do esporte em São Paulo

19/09/2020

Por Flávia da Cruz Santos
flacruz.santos@gmail.com

 

As primeiras experiências esportivas desenvolvidas em São Paulo, não constituíam, ainda, o chamado campo esportivo, mas foram fundamentais para o desenvolvimento deste, anos mais tarde. Tais experiências, no entanto, eram compreendidas explicitamente, desde os seus primórdios, como divertimento. O fim dos esportes era promover alegria e prazer.

Os imigrantes europeus, presentes na cidade desde a sua fundação, tiveram papel central nesse processo de desenvolvimento dos esportes. Eles foram os responsáveis pelas presenças iniciais das duas primeiras práticas esportivas que surgiram em São Paulo, a esgrima e o críquete.

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O Estado de São Paulo, 20 de novembro de 1913

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Os mestres de esgrima, responsáveis pelas pioneiras presenças dessa prática nos jornais paulistanos, eram europeus: alemães, italianos e franceses. Foi com professores europeus que os paulistanos aprenderam a esgrima, e foi por influência inglesa que eles desejaram aprendê-la. A mesma presença determinante dos europeus, pode ser sentida nos momentos iniciais do críquete na cidade. Eles foram praticantes e organizadores da prática, cujas primeiras aparições nos jornais se deram, em língua inglesa, em 1872.

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A Província de São Paulo, 31 de agosto de 1888

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Os europeus, principalmente os ingleses e os franceses, foram decisivos para a chegada e o desenvolvimento dos esportes em São Paulo. Não apenas uma referência ou um modelo a ser seguido, eles foram os fomentadores, aqueles que desenvolveram as pioneiras iniciativas esportivas na capital paulista e que seguiram implementando e fazendo avançar o esporte na cidade.

A tese de que o Rio de Janeiro foi o ponto de onde o esporte se irradiou para o Brasil, se confirma aqui, no caso de São Paulo, apenas parcialmente. As relações comerciais, políticas e culturais entre estas duas cidades vinham de muito tempo, favorecidas pela proximidade geográfica entre elas.

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Correio Paulistano, 27 de maio de 1875

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Era noticiado nos periódicos paulistanos o desenvolvimento esportivo carioca, indicando que o mesmo deveria se dar em São Paulo. O Rio foi uma referência a ser seguida, e também a ser combatida. Combatida não no sentido de ser negada, mas de ser superada. A referência mesmo era a Europa. Com a intenção de se aproximar ao máximo desse continente, é que a corte deveria ser superada. O gosto pelos esportes devia ser maior em São Paulo do que na corte, a performance dos paulistanos também devia ser melhor do que a dos cariocas.

Mas os paulistanos e cariocas foram importantes uns para os outros, no que tange ao desenvolvimento esportivo. Os primeiros adversários dos paulistanos foram os cariocas. As equipes viajavam de uma província para a outra para se enfrentar, o que contribuiu para o desenvolvimento esportivo em ambas as cidades.

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Jogo da pelota: disputas dentro e fora da cancha

18/04/2020

Por Flávia da Cruz Santos

Foi em fevereiro de 1892 que os paulistanos conheceram o esporte da péla ou jogo da pelota, como também era conhecida a prática.  O primeiro frontão da cidade começou a funcionar no domingo, 7 de fevereiro[1]. Era o Frontão Paulista, em torno do qual muitas polêmicas se deram. O jogo da péla mobilizou grande número de expectadores e causou frenesi na cidade de São Paulo. Uma das razões para tal, era o fato de tal prática envolver apostas em dinheiro.

Apresentado aos paulistanos como um esporte higiênico e emocionante, desde sua primeira partida, o jogo da péla movimentou dinheiro na cidade, e por isso mesmo, foi adorado por muitos e odiado por outros. O dinheiro envolvido no jogo fez não só com que o seu público fosse numeroso, como fez também com que os frontões movimentassem o mercado financeiro com suas ações, e fez com que seus praticantes se profissionalizassem.

Os jogadores de pelota eram contratados pelos clubes e recebiam salários. Eram chamados de pelotaris.  Mas havia também os chamados amadores da pelota, que não eram profissionais, mas também jogavam.

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Pelotaris do Frontão Boa Vista. Revista da Semana, 30 de setembro de 1922.

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Desde sua primeira aparição nos jornais, tal jogo figurou nas colunas esportivas. Foi, desde sempre, apresentado como um esporte e como um divertimento, ainda que tal entendimento não fosse pacífico. Os frontões eram anunciados como casas de diversão.

O jogo da pelota na capital paulista foi uma mistura de esporte com espetáculo de massa, com show business. O que é muito comum no cenário esportivo dos dias de hoje, mas que vivia seus momentos iniciais no final do século XIX. Isso não quer dizer que o jogo da péla fosse uma unanimidade. Houve aqueles que o reprovassem, e que até mesmo quisessem a sua proibição. Durante os anos de 1894 e 1895 os jornais Correio Paulistano e O Estado de São Paulo travaram uma discussão em torno de sua prática. O primeiro defendia o jogo, enquanto o segundo não poupava esforços e argumentos contrários a ele. Mais tarde o mesmo se deu entre os jornais Correio Paulistano e Correio de S. Paulo, como demonstram Samuel Neto e Edivaldo Góis e em recente trabalho (2019)[2].

Tentava-se comprovar a ilegalidade do jogo da pelota, com o argumento de que o mesmo era um jogo de azar, um vício. Mas os contra-argumentos não tardavam a ser apresentados. Advogados e até mesmo um visconde argumentavam que o jogo da pelota não dependia unicamente da sorte ou azar, e que por isso não podia ser proibido.

Além disso, inqueriam: porque há tanto incomodo com as apostas nos frontões, e o mesmo não acontece com as apostas no Jóquei Clube e no Velódromo Paulista?[3] Questões como essa permearam os debates até 1898.

A Câmara Municipal e o poder judiciário também participaram desse embate. Enquanto a Câmara mandava fechar os frontões, os juízes concediam a eles o direito de continuar funcionando. As controvérsias em torno da questão eram tamanhas, que um procurador de justiça resolveu levar o caso ao presidente do estado – cargo correspondente ao do atual governador de estado –, em janeiro de 1895.

Em meio a ordenamentos legais que determinavam o fechamento total ou apenas em dias uteis dos frontões, e as revogações desses ordenamentos, o jogo da pelota foi se consolidando na capital paulista. A partir de meados de 1896, esse tipo de questão foi perdendo espaço para os constantes jogos de pelota que, a essa altura, aconteciam no Frontão Paulista e no Clube Atlético da Pelota. Mais tarde, pelos idos dos anos 1930, essas questões reaparecem com alguma força.

Houve pelos menos quatro canchas em São Paulo até 1920: a do Frontão Boa Vista, que foi a mais famosa e que funcionou por mais tempo, a do Clube Atlético da Pelota, a do Frontão Paulista e a do Grêmio da Péla.

O Frontão Boa Vista, inaugurado em 10 de fevereiro de 1898, era uma casa de diversões, como diziam seus próprios anúncios. Possuía a cancha, em volta da qual havia arquibancadas e 43 camarotes. Além da cancha, possuía um bar que durante os intervalos das partidas de pelota ficava repleto de pessoas, como mostra a imagem abaixo. Possuía também um terraço, extensão do bar, de onde se tinha uma boa vista do Vale do Tamanduateí. As janelas da enfermaria e dos vestiários dos pelotaris, davam para a Várzea do Carmo.

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Bar do Frontão Boa Vista, Revista da Semana, 30 de setembro de 1922.

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As brigas entres os espectadores e apostadores da pelota, muito constantes no percurso de tal prática na capital do país, só estiveram mais marcadamente presentes em São Paulo em 1899. O que fez com que a presença da polícia fosse constante nos frontões paulistanos em tal ano.

Houve, no entanto, notícias de brigas esporádicas em outros momentos, como as ocorridas no Frontão Paulista em 11 de abril de 1897, devido à insatisfação do público com os resultados dos jogos[4], e a briga entre dois pelotaris, que foram presos, no Frontão Boa Vista em 13 de dezembro de 1907[5].

Não houve ligas ou federações do jogo da pelota, que organizassem os clubes de pelotaris. Os torneios e campeonatos de pela eram organizados pelos clubes e associações, sem qualquer regularidade.

Uma estratégia que de tempos em tempos foi adotada pelos frontões – e também por outros divertimentos –, para atribuir valor à sua imagem, foi a realização de eventos em benefício de instituições ou causas sociais.  O Frontão Paulista, o Frontão Boa Vista, o Club Atlético da Pelota, e o Clube da Péla destinaram os lucros de alguns de seus eventos à hospitais, orfanatos e sanatórios[6]. Essa prática esteve presente, pelo menos, entre os anos de 1895 e 1905.

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Várzea do Carmo com Frontão Boa Vista ao fundo, Cartão Postal, s/d.

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Em 1920, o Frontão Paulista não mais existia. Foi fechado em 1907 devido a um incêndio[7]. Mas o Frontão Boa Vista continuava a receber grande público, que lotava suas dependências. Em tal ano, temos notícias da realização de 115 espetáculos de péla, todos no Frontão Boa Vista. É como se a cada 3 dias, aproximadamente, um espetáculo fosse realizado!

As mulheres, no entanto, só aparecem como pelotarias na segunda metade da década de 1930. Ainda assim, o governo municipal determinava que só as mulheres que possuíssem 21 anos ou mais de idade, podiam ser artistas da pelota. Pelotarias espanholas foram contratadas pela Empresa Paulista de Esportes da Péla, para abrilhantar os espetáculos do Frontão Boa Vista[8]. As mulheres praticavam a modalidade de jogo da pelota em que se usava raquete.

A presença feminina no frontão, como competidoras, era apresentada como a última novidade no jogo da péla[9]. Tal qual os jogos masculinos, os jogos femininos eram anunciados como emocionantes. Mas outros adjetivos, diferentes daqueles ligados à prática masculina, eram adicionados: elegância, agilidade, graça, emotividade[10].

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Pelotarias no Frontão Boa Vista, Correio Paulistano, 2 de agosto de 1936.

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[1] O Estado de S. Paulo, 7 fev. de 1892, p.1.

[2] NETO, Samuel Ribeiro dos Santos; GÓIS, Edivaldo. Boliches e discurso esportivo: a distinção e as disputas envolvendo os jogos de azar na São Paulo dos anos 1930. Recorde, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 1-15, jul./dez. 2019.

[3] O Estado de S. Paulo, 1 ago. de 1898, p.2; O Estado de S. Paulo, 8 ago. de 1898, p.4.

[4] O Estado de S. Paulo, 12 abr. 1897, p.2.

[5] O Estado de S. Paulo, 13 dez. 1907, p.3.

[6] O Estado de S. Paulo, 5 mar. 1895, p.1; O Estado de S. Paulo, 24 out. de 1897, p. 2; O Estado de S. Paulo, 19 mai. 1898, p.3; O Estado de S. Paulo, 22 out. 1898, p. 2; O Estado de S. Paulo, 26 mar. de 1900, p. 2; O Estado de S. Paulo, 20 jul. de 1901, p. 2; O Estado de S. Paulo, 20 set. 1902, p. 2; O Estado de S. Paulo, 19 out.  1902, p. 3; O Estado de S. Paulo, 24 fev. 1905, p. 3; O Estado de S. Paulo, 2 dez. 1905, p.2.

[7] O Estado de S. Paulo, 17 jan. 1907, p. 2.

[8] Correio Paulistano, 2 ago. 1936, p. 25.

[9] Correio Paulistano, 18 jun. 1936, p. 9.

[10] Correio Paulistano, 19 jun. 1936, p. 6.

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Momentos iniciais do turfe em São Paulo

16/06/2019

Por Flávia da Cruz Santos
flacruz.santos@gmail.com

Foi no último quartel do século XIX que o turfe se organizou na capital paulista, ocupando lugar de destaque nas colunas esportivas dos jornais. Durante décadas ele foi mesmo o único esporte a figurar em tal coluna no jornal A Província de São Paulo (que com a República passou a se chamar O Estado de São Paulo).

O turfe, assim como a equitação, era uma prática das elites, a elas ligada e por elas valorizada. As famílias tradicionais paulistanas, além de frequentarem as corridas eram proprietárias dos cavalos corredores. Elas adquiriam cavalos direto da Europa, para correr em São Paulo, e as apostas efetuadas nessas corridas movimentavam altos valores monetários. Assim, além de ser um animal valorizado devido à sua importância na realização de trabalhos cotidianos, o cavalo era um animal valorizado também por estar ligado às práticas de divertimento das elites, apesar de o argumento utilizado ser o de melhoramento da raça cavalar.

Em 22 de outubro de 1876 a capital paulista inaugurou o seu primeiro espaço destinado às corridas de cavalos: o Hipódromo Paulistano[1]. No entanto, há indícios de que antes do hipódromo as corridas de cavalos já aconteciam em espaços improvisados na cidade, mas nos faltam dados. E há indícios também da existência de um outro prado, o Derby Club, que parece ter funcionado a partir do ano de 1891[2].

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As corridas que ocorreram no Hipódromo Paulistano foram organizadas, sobretudo, pelo Jockey Club, fundado em 1875 com o nome Club de Corridas Paulistano. Essa associação abria inscrições para as corridas uma ou duas semanas antes das mesmas acontecerem. Era quando então, os proprietários dos cavalos podiam inscrever seus animais e seus jóqueis. Os sócios do clube recebiam ingressos para assistir às corridas, enquanto os demais interessados deviam compra-los.

Raphael Aguiar Paes de Barros, depois de voltar de uma viagem à Inglaterra, se uniu a mais quatorze membros da seleta elite paulistana para fundar tal clube. Eles eram filhos de senadores, de barões, de ricos fazendeiros de café. Raphael era filho do Barão de Itu e neto do Barão de Iguapé. Um outro fundador do clube de corridas foi Antônio da Silva Prado, que a essa época também se tornara empresário do Teatro São José, e era membro de uma das famílias mais ricas da cidade. Raphael de Barros havia estudado na Inglaterra, e Antônio Prado na França.

Ser membro da elite não significava apenas possuir muito dinheiro e títulos aristocráticos, era preciso também estar afinado com os padrões comportamentais europeus. Daí o envolvimento da elite paulistana na criação de sociedades de caráter cultural. Era uma estratégia de legitimação social, além de ser uma forma de obter lucros monetários.

As provas no hipódromo aconteciam aos domingos, sem, no entanto, uma constância regular ou calendário fixo. Em alguns anos houve corridas distribuídas ao longo de todos os meses, em outros, entretanto, as corridas se concentraram em alguns meses. Em 1891, por exemplo, o calendário de corridas só teve início em maio, mas perdurou até dezembro. Enquanto em 1895, as corridas aconteceram de janeiro a abril, sofreram interrupção em maio, só voltando a ser promovidas em julho.

 O motivo, apresentado pelos jornais, das irregularidades da presença do turfe na cidade, era a falta de animais adequados[1]. Quando o Jockey Club realizava corridas com poucos cavalos inscritos, como fez em 1894, o volume de apostas era menor, em relação às corridas com número maior de animais.

Assim, ao invés de obter lucro, como era comum acontecer em associações dessa natureza, o Jockey Club obteve prejuízos. E sem lucro, cessava a importação de parelhas (como também são chamados os cavalos corredores), o que muito impactava o turfe, já que os cavalos de corrida nacionais não apresentavam a mesma qualidade e desempenho dos importados. Menor qualidade dos animais significava menores apostas.

Numa tentativa de resolver o problema, houve a importação de cavalos por membros da elite paulistana, como foi o caso de Francisco de Queiroz Netto, que realizou importações entre 1894 e 1895. No entanto, tal iniciativa não foi suficiente, pois nos anos seguintes as corridas continuaram a acontecer de modo irregular.

As dificuldades financeiras enfrentadas pelo turfe eram tamanhas, que os membros do Jockey Club pediram auxílio ao poder estadual, que atendendo à solicitação, passou a financiar uma prova de turfe por ano. Era o chamado Grande Prêmio Estado de São Paulo. Não era a primeira vez, no entanto, que os poderes públicos auxiliavam tal associação. Na época do Império, os cofres provinciais também financiaram um prêmio anual.

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Hipódromo Paulistano, s/d. Fonte: < http://www.jockeysp.com.br/historia.asp >

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Apesar de ser uma prática ligada às elites e de possuir status, o turfe foi alvo de críticas por ser um esporte envolvendo apostas. Essas críticas se deram em um momento, 1895, em que a Câmara Municipal proibia os frontões justamente por realizarem apostas, e não agia do mesmo modo com as corridas de cavalo. Os adeptos do jogo da pela, então, reagiram. E como dizem que a melhor defesa é o ataque, eles foram aos jornais atacando não apenas a Câmara por tal atitude, mas também o Jockey Club. Se as elites podiam realizar apostas em suas práticas esportivas, porque as camadas populares não podiam fazer o mesmo?

Para se defender, o Jockey Club e os adeptos das corridas de cavalo sempre diziam que possuíam um objetivo nobre: o de desenvolver a raça cavalar brasileira, o que era chamado por eles de indústria pastoril. Objetivo que, aliás, diziam eles, estava muito de acordo com o momento vivido por São Paulo, de expansão, desenvolvimento e progresso industrial.

Quando em 1900, um deputado finalmente incluiu tal sociedade na lista daquelas que exploravam o jogo na capital paulista, o jornal O Estado de São Paulo saiu em sua defesa[1]. Houve discussão entre os jornais Correio Paulistano e O Estado de São Paulo quanto a essa questão. O Estadão criticava os frontões e apoiava a Câmara na decisão de proibi-los, enquanto o Correio, fazia exatamente o oposto: apoiava os frontões e criticava a proibição da Câmara. Isso era uma mostra dos interesses defendidos por esses jornais.

O ano de 1900 não foi mesmo um bom ano para o turfe paulistano. As corridas foram esparsas, houve uma em janeiro, outra em junho e somente a partir de outubro é que elas tiveram alguma frequência até dezembro. Em 1901 o Jockey Club mais uma vez recorreu aos poderes públicos, dessa vez municipais, que financiaram uma prova, intitulada Grande Prêmio Municipal. Essa prova continuou acontecendo nos anos que seguiram, mas não foi suficiente para devolver ao turfe o sucesso dos primeiros anos.

O turfe paulistano fechou a primeira década do século XX em crise. Suas receitas não eram suficientes sequer para arcar com as despesas do hipódromo e do Jockey Club Paulistano, que a essa altura devia impostos, corridas eram canceladas devido ao pequeno número de cavalos inscritos, e o público já não tinha o mesmo interesse de outrora, comparecendo pouco.

Mas foi entre altos e baixos que o turfe se fixou na capital paulista. Ele surgiu em um momento de grandes transformações não apenas para São Paulo, mas para toda a nação. Atravessou mudanças sociais, culturais, econômicas e políticas. Viveu o momento em que a cidade abandonava definitivamente sua condição de pouca expressividade para se tornar a maior metrópole do país.

Atravessou a transição do Estado imperial escravocrata para a república de trabalho assalariado. Viveu os momentos prósperos do café, e também seus momentos de crise, que fizeram com que alguns de seus adeptos e promotores deixassem a condição de elite para se tornarem membros da classe média. E foi em meio a esse contexto efervescente de mudanças, que o turfe passou a fazer parte da vida de São Paulo, estando até hoje presente no cotidiano da cidade.

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[1] O Estado de S. Paulo, 9 de janeiro de 1895, p. 1.

[1] O Estado de S. Paulo, 28 de junho de 1891, p. 2; O Estado de S. Paulo, 24 de janeiro de 1895, p. 1.

[1] A Província de S. Paulo, 15 de outubro de 1876, p. 4.

[2] O Estado de S. Paulo, 18 de agosto de 1891, p. 2.

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Um divertimento útil e agradável

13/01/2019

Por Flávia da Cruz Santos
flacruz.santos@gmail.com

 

Atividades culturais que começavam a compor o novo cenário da capital paulista, mais diverso e dinâmico a partir da segunda metade do século 19, e que cumpriam o papel de serem um agradável passatempo, e ainda possuírem sempre um fim útil, eram os esportes. Os paulistanos tentavam incorporar tais práticas aos seus costumes, tendo os ingleses como referência e como protagonistas nesse processo:

É talvez o povo inglês aquele que melhor tem compreendido o grande princípio do poeta latino – miscere utile dulci.

(…)

Por isso ele compreendeu a necessidade de certos jogos, que fornecendo-lhe agradável passatempo, e dando-lhe azo para as suas singulares apostas, fossem ao mesmo tempo exercícios poderosos que lhe dessem grande agilidade e destreza, robustecendo os músculos, dando-lhes grande força e vigor, e fortalecendo eficazmente a saúde.

A ginástica, a esgrima, a equitação, a natação, o críquete e outros exercícios não somente são objeto de distração, como ainda, recomendados pela higiene, fazem parte integrante da educação esmerada na Inglaterra.

(…)

Paulo também a seu turno começa a compreender as vantagens e belezas de tais divertimentos.

Um Jóquei Clube acaba de organizar-se e dentro em pouco os paulistas poderão gozar de um divertimento útil e agradável.

Agora um grupo de distintos cavalheiros ingleses fundou uma associação tendo por fim introduzir nesta capital o jogo do críquete tão popular em Inglaterra e que na corte tanta aceitação tem encontrado.

(…)

A arena preparada para tal fim deve naqueles dias atrair a concorrência do público que por certo não será indiferente àquele novo divertimento que alguns estimáveis cidadãos ingleses intentam introduzir no nosso país, e cujos resultados podem vir a ser de todo o ponto profícuos à educação física tão descuidada entre nós até o presente.[1]

Os esportes ao mesmo tempo em que eram agradável passatempo, eram também exercícios poderosos que desenvolviam grande agilidade e destreza, robustecendo os músculos, dando-lhes grande força e vigor, e fortalecendo eficazmente a saúde. Cumpriam uma função até então negligenciada pelos paulistanos, a educação física. Função necessária à nova lógica do trabalho assalariado que estava por ser inaugurada, pois ela demandava corpos prontos para o trabalho.

Portanto, já em seu momento inaugural na cidade, os esportes foram identificados como uma estratégia de educação dos corpos, como uma forma de obter os corpos desejados e necessários à nova ordenação social que se construía. A escassez de estudos sobre os momentos iniciais do esporte na capital paulista, no entanto, nos impede de melhor compreendê-lo. Os recortes temporais dos trabalhos que dedicam-se a estudar os esportes tem, geralmente, como marco inicial a virada do século XIX para o XX.

As primeiras presenças do esporte nos jornais paulistanos, são da segunda metade do século 19. O que não quer dizer, que seja somente aí que eles tenham surgido no cenário paulistano. É possível que eles tenham sido vividos antes disso, mas que não tenham ganhado as páginas dos periódicos. Nos jornais, no entanto, os primeiros esportes praticados na capital paulista, a aparecerem foram: o tiro ao alvo, a corrida a pé, as corridas de cavalos, o críquete, a esgrima, a ginástica, a luta, a natação, a patinação, a equitação e as regatas.

Em 1868, são encontradas as primeiras presenças do tiro ao alvo e das regatas. Foi constituído um clube de tiro na capital, e as regatas aconteciam no porto de Santos, para onde se dirigia grande quantidade de paulistanos, transportada pelos horários especiais do trem, criados “afim de conduzir aqueles que desejarem tomar parte neste gênero de recreio.”

A chegada do trem facilitou também o acesso dos paulistanos a um outro esporte, as corridas de cavalo realizadas em hipódromos. Se os amantes de tal divertimento precisavam, em 1874, ir à capital do império para nele tomar parte, fazendo obrigatoriamente parte do trajeto, quando não todo ele, em mulas, em 1876 eles já eram transportados de trem, em uma curta viagem dentro de sua própria província, para o Hipódromo da Mooca, que fora inaugurado em 22 de outubro desse mesmo ano:

Mudaram-se porém os tempos e as corridas da Mooca são o divertimento mais apreciado dos paulistas.

Com ansiedade é esperado pela população o dia marcado para as corridas, e chegado ele, desde cedo, enche-se a estação da Luz de passageiros dirigindo-se à Mooca.

Depois de dar e apanhar alguns murros, com o fim de comprar um bilhete, encaixa-se um pobre homem no vagão, onde vai muito apertado, quando, não tem de ir em pé e ceder o seu lugar, a alguma senhora.

Durante o trajeto, que felizmente é curto, versa a conversação sobre a corrida, os corredores, e as apostas.[2]

As corridas de cavalo eram apresentadas como uma forma de melhorar a raça cavalar: “Se os clubes de corrida fossem simplesmente um passatempo, eu os julgaria próprios para ocupar os ociosos: são porém a força organizada para, pela seleção natural, melhorar o cavalo, esse o primeiro e mais efetivo auxiliar do homem, na luta pela vida.”[3]

No entanto, quem ganharia com o melhoramento dos cavalos eram as elites, que os tinham como valioso patrimônio e utilizavam esse argumento, do melhoramento dos cavalos, para legitimar o investimento de dinheiro público e a realização das apostas, que em atividades outras, como os jogos, eram mal vistas e até mesmo proibidas.

O críquete foi introduzido em São Paulo pelos ingleses, que em 1875 fundaram o São Paulo Críquete Clube: “Agora um grupo de distintos cavalheiros ingleses fundou uma associação tendo por fim introduzir nesta capital o jogo do críquete tão popular em Inglaterra e que na corte tanta aceitação tem encontrado.” A presença na cidade, do meio de transporte mais moderno da época, que ainda não levava diretamente à corte, mas facilitava parte do trajeto, possibilitou nessa ocasião que viessem “da corte 13 membros do Anglo-brazilian Cricket Club, 11 dos quais nela tomarão parte, medindo-se com 11 dos mais destros do clube de S. Paulo.”[4]

Em 1878 surgiram as corridas a pé. Elas eram realizadas no mesmo espetáculo e no mesmo lugar, em que aconteciam as corridas de cavalos e as touradas. As corridas a pé eram o “lindo e novo divertimento”, a “grande novidade”[5]. O mesmo, no entanto, foi dito da patinação, quando de sua chegada à cidade, em 1877, e das atrações que constantemente eram incluídas nos seus espetáculos.

O esporte era não apenas agradável, como os demais divertimentos. Além de provocar alegria e prazer ele era útil, pois educava e conformava os corpos, seja dos homens ou dos cavalos, no caso do turfe. Nesse ponto, o esporte se aproximava do teatro, que também era considerado agradável e útil. O teatro, porém, educava e moldava o caráter, os comportamentos.

[1] Correio Paulistano, 26 de maio de 1875, p. 2.

[2] Correio Paulistano, 16 de maio de 1878, p. 1.

[3] Correio Paulistano, 18 de maio de 1884, p. 2.

[4] Correio Paulistano, 26 de maio de 1875, p. 2.

[5] Correio Paulistano, 15 de novembro de 1878, p. 3.

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Desenvolvimento do Esporte: na trilha do Lazer?

12/08/2018

Por Flávia Cruz (flacruz.santos@gmail.com)

No post anterior, meu primeiro aqui no História(s) do Sport, tentei apresentar, ainda que brevemente, indícios de que a industrialização não foi um elemento tão decisivo assim, para a configuração do esporte na cidade de São Paulo. Terminei compartilhando a seguinte pergunta: não haveria elementos mais importantes do que a industrialização, para o desenvolvimento dos esportes na capital paulista? Alguns indícios empíricos de pesquisa, me levam a suspeitar que sim.

Um desses indícios, está ligado à natureza do esporte no século XIX paulistano. Em pesquisa sobre a história do conceito de divertimento, realizada a partir da proposta da história conceitual do historiador alemão Reinhart Koselleck, uma prática que identifiquei como divertimento foi justamente o esporte. Não é que isso seja, exatamente e completamente, uma novidade. Inúmeros trabalhos de Victor Andrade de Melo[1] sobre o Rio já apontaram a indissociação entre esporte e diversão, quando dos seus primórdios. Sobre a cidade de São Paulo, Edivaldo Gois, em artigo, também já indicou tais imbricamentos, mesmo em momento posterior, já no século XX.

Mas o fato de o esporte ser uma das atividades englobadas pelo polissêmico conceito de divertimento, de ser buscado pelos paulistanos quando desejavam alegria, prazer, regozijo, de estar ao lado de práticas como os bailes, o teatro, a música, as zombarias, as touradas, os jogos, a leitura, compartilhando com elas sentimentos, expectativas e funções pode ser um indicativo de como se deu sua configuração. A novidade então, no Brasil, seria compreender o esporte, sua configuração e desenvolvimento na trilha de outras práticas culturais de divertimento.

Tendo em vista que o esporte foi a última prática cultural a chegar à cidade de São Paulo – das que identifiquei como divertimento até 1889 –, e que quando isso aconteceu outras práticas já gozavam de um desenvolvimento mais avançado, como as touradas, o teatro, a dança, não seria pertinente pensar que o esporte se desenvolveu na esteira dos divertimentos que o antecederam, que ele encontrou condições para a sua configuração graças a essas práticas?

Para dar um exemplo, vejamos o caso das touradas em São Paulo, estudado por Victor Melo e por mim e publicado em artigo. Tal divertimento acontecia na capital paulista desde o século 18, patrocinado pelo Estado. Durante o século 19, as touradas assumem novo formato, se tornam eventos empresariais. O Estado, ao invés de ter gastos com sua organização, como outrora, passou a obter receitas, tendo em vista o pagamento de impostos pelas empresas de tauromaquia para a realização dos espetáculos. Os empresários precisavam contratar profissionais, entre eles os toureiros, precisavam pedir licença à Câmara, adquirir gado, divulgar o evento, vender ingressos.

Esse último elemento, colocava uma nova exigência aos organizadores do espetáculo: agradar ao público. Sem isso, o negócio não prosperava, pois o público não comparecia e ainda reclamava, o que, por vezes, gerava incidentes. A necessidade de agradar ao público, fez com que os empresários lançassem mão, rotineiramente, de “novidades”. Eram mais ou menos o que chamaríamos hoje de estratégias mercadológicas. Se os touros ou toureiros não eram bons, a novidade era uma mulher toureira, ou números cômicos e musicais nos intervalos, a realização de sorteios, bem como a diversificação das técnicas de tourear.

Havia, constantemente, a tentativa de aperfeiçoar o espetáculo, de agradar ao público. Quanto maior a expertise do empresário, maior o sucesso das touradas. Em São Paulo o grande nome desse “gênero de divertimento” foi Francisco Pontes. Com passagem por cidades do Brasil e da Europa, esse empresário sabia adequar o espetáculo às exigências dos novos tempos. Instituiu uma diferenciação nos preços dos ingressos, criando o modelo “sol e sombra”, usava estratégias discursivas nos anúncios dos espetáculos, se ligava à causas de interesse público, sua trupe era competente, ele mesmo possuía muitas habilidades como toureiro. É um bom exemplo de empresário do ramo do entretenimento já no século XIX.

As mulheres eram presença frequente nos espetáculos tauromáquicos, como público. Mas foram também, em algumas ocasiões, toureiras e cavaleiras. Nomes como os de Maria de Aguiar Barbosa, Anna Angelica do Espírito Santo, Julia Rachel, Josephina Baggossi, figuraram nas arenas paulistanas, causando frenesi.

O que tento demonstrar com esse exemplo, é que os divertimentos anteriores ao esporte criaram não apenas uma certa ambiência para o desenvolvimento esportivo, mas condições concretas para que isso se desse. A estrutura organizacional, a exibição do corpo humano, inclusive o feminino, em exercício, a exposição ao perigo, a organização de arenas, as estratégias de mercado, são alguns dos elementos que as touradas desenvolveram ou ajudaram a desenvolver, e que podem ter sido aproveitadas pelo esporte para sua configuração. O teatro, a dança, a música, também podem ter oferecido contribuições ao esporte e à sua estruturação?

As questões bem como o raciocínio aqui apresentados tem algumas implicações. Significa e torna necessário pensar o esporte de modo menos autônomo, como uma prática que se desenvolveu em relação com outras, podendo, inclusive, ter se aproveitado de certas estruturas e elementos, desenvolvidos por essas outras práticas, para avançar.

[1] Alguns exemplos: MELO, Victor Andrade de. Esporte e lazer: conceitos – uma introdução histórica. Rio de Janeiro: Apicuri/Faperj, 2010. MELO, Victor Andrade de. O esporte como forma de lazer no Rio de Janeiro do século XIX e década inicial do XX. In: MARZANO, Andrea; MELO, Victor. (orgs.). Vida divertida: histórias do lazer no Rio de Janeiro (1830-1930). Rio de Janeiro: Apicuri, 2010.


Esporte em São Paulo

12/03/2018

Por Flávia da Cruz Santos (flacruz.santos@gmail.com)

Cidade atualmente instigante, sobre a qual abundam estudos que tratam de sua contemporaneidade, São Paulo tem seu passado mal conhecido quando o tema são os divertimentos em geral e os divertimentos esportivos, mais especificamente. Uma das maiores potencias esportivas nacionais, a capital paulista tem os primórdios de seus esportes quase desconhecidos.

Soa estranha tal afirmação, que pode ser facilmente contestada com o argumento de que existem sim estudos, não muitos, sobre os esportes na capital paulista na transição dos séculos 19 e 20, momento tido com inicial na configuração do campo esportivo brasileiro. Algumas questões, no entanto, são: os indícios que nos ajudariam a compreender tal fenômeno não estariam presentes na cidade desde momentos anteriores? Não valeria a pena estudá-los? Porque toma-se como certa a ideia de que não há esporte em São Paulo antes dessa data?

Parte da resposta a essas questões, reside no fato de que a industrialização, tida como sinônimo de modernidade, é considerada condição para a configuração do campo esportivo (tema abordado no post anterior, por Rafael Fortes). Como antes da virada do século, a industrialização em São Paulo era insipiente, não se fala, ou pouco se fala, em esporte antes desse momento.

Mais do que uma cidade de industrialização insipiente, a fama da São Paulo oitocentista não é nada boa, e tão pouco demostra qualquer continuidade com o que sabemos da cidade que nos é contemporânea. Ao contrário, nos faz pensar que se trata mesmo de outra cidade:

Daqui a cinco minutos podemos estar à vista da cidade. Há de vê-la desenhando no céu suas torres escuras e seus casebres tão pretos de noite como de dia, iluminada, mas sombria como uma eça de enterro.

(…)

Demais, essa terra é devassa como uma cidade, insípida como uma vila, e pobre como uma aldeia. Se não estás reduzido a dar-te ao pagode, a suicidar-te de spleen[1], ou alumiar-te o rolo, não entres lá. É a monotonia do tédio. Até as calçadas![2]

Muitos são aqueles que viveram a São Paulo daquele tempo, ou que ao menos lá estiveram, e que nos deixaram relatos sombrios como este, de Álvares de Azevedo, importante nome da dramaturgia paulistana. Exemplos muito conhecidos e usados na historiografia são os relatos de viajantes como os alemães Spix, Martius e Rugendas, os franceses Alcide D’Orbigny e Saint-Hilaire, e o inglês Jonh Mawe. Informados por certos valores e sentimentos, eles possuíam compreensão nada positiva da cidade. Compreensão essa que se disseminou pelos estudos que focalizam tal contexto.

Essa São Paulo não convida o historiador do esporte a investigá-la, não é nem um pouco atraente ou condizente com o que se espera de uma cidade em que há esporte. E aqui outra questão: não deveríamos desconfiar dessa versão, desconfiar que a atual, e já há algum tempo, fervilhante cidade possa ter sido forjada, de repente, em um curto espaço de tempo?

Soma-se a essa compreensão de São Paulo e ao pressuposto da industrialização, o fato de que é em 1875 que surgem agremiações esportivas na cidade, como o Jockey Club e o São Paulo Críquete Clube, e que no ano seguinte foi inaugurado o primeiro hipódromo paulistano. Daí para frente as novidades esportivas não param.

Antes disso, no entanto, numa São Paulo que ainda construía as condições para sua industrialização, os divertimentos esportivos já estavam presentes. Em 1864 já se jogava críquete numa chácara no Campo Redondo[3]. No ano da chegada das ferrovias, 1868, por exemplo, foi constituído um clube de tiro, sobre o qual pouco se sabe. Ele destinava-se à prática do tiro com pistola ao alvo, que era tido como “um novo e útil exercício”[4]. As regatas também já faziam parte do cotidiano da cidade a essa altura, ainda que desenvolvidas no porto de Santos, para onde grande quantidade de paulistanos se dirigia.

Não haveria, então, elementos mais importantes do que a industrialização para o desenvolvimento dos esportes na capital paulista? Não seria tal capital mais dinâmica do que se costuma apregoar? Convido o/a leitor/a, nesse primeiro momento, a me ajudar a pensar na pertinência dessas questões.

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[1] Spleen foi termo difundido por Charles Baudelaire, e significa um estado de desencanto e melancolia, que resulta em apatia e indiferença e pode levar à transgressão e perversão. Caracteriza o ser romântico (ANFORA, pp. 13-15).

[2] AZEVEDO, Álvares de.  Macário. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988. Disponível em: <http://www.aliteratura.kit.net&gt;. Acesso em: 11 dez. 2014, grifo no original.

[3] Correio Paulistano, 6 de setembro de 1864, p. 2.

[4] Correio Paulistano, 1 de abril de 1868, p. 1.

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