Futebol Feminino em crescimento na França

02/01/2017

O futebol feminino está em ascensão nos últimos anos na Europa. Na França, sede do próximo mundial da modalidade, a popularização do esporte tem sido bastante grande. Embora o sucesso atual esteja ligado a um avanço na luta por mais igualdade entre homens e mulheres, a história do futebol feminino no país não seguiu uma evolução linear.

O futebol feminino aparece na França em 1917, quando, em 30 de Setembro, se disputa a primeira partida entre duas equipes da organização esportiva “Fémina Sport”, existente ainda hoje. Depois de jogar entre si, a equipe de futebol feminino passou a disputar partidas contra equipes escolares e masculinas. Até que em 1918-19 nasceu o campeonato francês.

Femina Sport em 1920 (fonte: muséedusport.com)

Coube à Fédération des Sociétés Féminines Sportives de France (FSFSF), fundada em 18 de Janeiro de 1918, a responsabilidade de organizar torneio e não a FFFA, antigo nome da Federação Francesa de Futebol. A modalidade deixa de fazer parte da FSFSF em 1933, quando o campeonato feminino passa a ser organizado pela Ligue de Paris de Football Féminin. As competições continuam ativas até o início da 2ª Guerra Mundial. No início, o regime de Vichy era favorável ao esporte feminino, mas em 1941, eles proíbem a prática do futebol feminino por julgar nocivo para as mulheres. É preciso esperar até 1970 para que a Federação Francesa de Futebol passe a integrar também as equipes femininas.

A presença das mulheres foi recebida com constante desconfiança. Nos anos 1920 e 1930, as reticências e hostilidades vinham de setores masculinos do esporte, de educadores e de médicos. Muitas foram as acusações que o futebol virilizava as atletas e que colocava em risco a fertilidade das mulheres. Mesmo nos anos 1960 e 1970, muitas dessas ideias se mantinham presentes, de tal modo que os regulamentos eram adaptados para se ajustar a suposta condição mais frágil das mulheres, fazendo com que tempo de jogo fosse reduzido a 60 minutos e disputado em campos com dimensões reduzidas. Até 1989, as atletas deveriam usar uma bola mais leve e menor, usada por categorias de jovens e os contatos mais duros eram proibidos.

Women's Team

Maio de 1925: Seleção francesa de futebol pronta para jogar contra uma equipe inglesa (Foto de MacGregor/Topical Press Agency/Hulton Archive/Getty Images)

No início, o futebol feminino se concentra muito na capital francesa. No seu apogeu, em 1923, eram 18 times de Paris. Aos poucos o esporte foi se difundindo, e foram aparecendo equipes em Reims, Rouen, Lille, Toulouse e Marseille. No renascimento do futebol feminino, na década de 1960, os dois principais pólos eram a Alsácia e a região de Reims, onde o clube masculino era muito popular. Hoje em dia, o esporte já seResultado de imagem para D1 FFF espalha de maneira geral pelo território, embora haja mais resistência nas regiões da Bretanha e da Corsa.

Atualmente, a liga feminina conta com 12 equipes espalhadas pelo país. Do total, 8 equipes estão ligadas a clubes profissionais, com destaque para o Lyon (OL) que venceu os últimos 10 campeonatos e o Paris Saint-Germain, que a semelhança da equipe masculina tem feito grandes investimentos para se posicionar como líder no cenário nacional.

O começo da trajetória de sucesso do futebol francês se inicia nos anos 1990, com a criação dos primeiros pólos de formação especifica, mas a velocidade só aumenta nos anos 2000. Em 2011, o OL vence a Liga dos Campeões antes da Copa do Mundo a ser realizada na Alemanha e contribuiu para que os meios de comunicação dessem bastante atenção à competição. A equipe feminina consegue chegar a capa do jornal L’Equipe por três vezes e, na sequência, continuam a receber atenção da mídia, de modo que os direitos de transmissão televisiva do campeonato feminino são vendidos com sucesso.

A meta é aumentar o número de participantes e alcançar bons resultados dentro de campo. Em Fevereiro de 2016, a Federação comemorou a marca de 100 mil atletas inscritas. Embora ainda esteja longe das 250 mil alemãs associadas à sua federação, é uma grande evolução das menos de 35 mil no ano 2000. No horizonte está um grande evento que pode contribuir ainda mais com essa história de sucesso: o mundial feminino vai se realizar na França, em 2019, quando a federação espera atrair ainda mais interessados, e planeja chegar pelo menos ao pódio.

Logo da Copa do Mundo

 


Futebol numa tarde de domingo: uma breve história do Futebol em Portugal

15/03/2016

Nada mais poético para começar a narrativa da história do futebol em um país do que dizer que o início da modalidade aconteceu numa longínqua tarde de domingo. Apesar de pouco precisa do ponto de vista científico, ela permite colocar um tom lírico, por vezes necessário (quando se fala de Futebol), para histórias que envolvem diversos jogos políticos, sociais e econômicos.

O início da prática do futebol em Portugal envolve diferentes datas e eventos, por vezes não muito precisas. A primeira vez que alguém jogou bola foi, em 1875, na Ilha da Madeira, quando um jovem inglês convidou os seus amigos para uma atividade lúdica, nesse caso um jogo entre amigos e não formalmente organizado, que ainda por cima, teve a sua duração bastante reduzida, dado que a bola acabou sendo destruída. Mais tarde, em 1894, o futebol volta à Madeira, para ser jogado por marinheiros ingleses, apesar de haver outros relatos de partidas sendo jogadas por ingleses. Mas, segundo o relato oficial, a chegada do futebol em Portugal aconteceu numa tarde de domingo, em Outubro de 1888, quando foi organizado o primeiro jogo, mas que seu organizador, Guilherme Pinto Basto, o nomeou apenas como um “ensaio” (que era palavra usada para se referir aos treinos na época), de modo que há quem prefira dizer que o primeiro jogo oficial se realizou no dia 22 de Janeiro de 1889.

Tal como em outros países, a ideia de um “sportsmanship” e um “sportsman” era fundamental para a difusão do esporte. Mas na sociedade portuguesa da época, o tempo livre e os recursos necessários para a prática do esporte estavam limitados a uma elite lisboeta. Num primeiro momento, os jogadores eram pessoas que haviam ido para Inglaterra para estudar ou em missão de negócios ou ingleses que moravam em Portugal.

Em 1890, as famílias Pinto Basto, dos introdutores do futebol, e os Villar, proprietários do Colégio Villar, também conhecido como “Colégio Lisbonense”, se reuniram para criar a primeira associação esportiva exclusivamente dedicada a prática do futebol: o Foot-Ball Club Lisbonense. No entanto, o Ginásio Club Português foi a primeira instituição com uma equipe de futebol. Tendo a ginástica como principal modalidade esportiva, o GCP foi fundado em 1875, e, em 1889, eles criaram uma secção de futebol. Uma terceira associação que jogava futebol de maneira organizada na época era formada por ingleses, o Carcavelos Club.

Na sua origem, o futebol era uma atividade elitista. A presença do Rei D. Carlos em alguns jogos era uma evidência bem forte a esse estatuto social. Mas, diferente de Inglaterra, popularização do esporte não foi resultado de uma disputa de classes: quando o principal campo de futebol teve que ser mudado para Belém, a popularidade do jogo passou a aumentar, mas ao invés de irem contra esse movimento, os membros da elite que jogavam futebol ficaram contentes com essa transformação porque aumentava o números de pessoas para jogar, além de ser frequente a partilha dos transportes públicos entre os jogadores que iam aos jogos.

Durante a última década do século XIX, outras associações esportivas apareceram, mas com vidas muito efémeras. A falta de capacidade nas organizações e as paixões passageiras contribuíram para a explosão e o rápido desaparecimento de muitas associações. Além disso, o ultimato inglês dado à coroa portuguesa não ajudou a popularizar o futebol, afinal ainda era um esporte muito ligado aos ingleses, bem como um ambiente político muito instável, com a crise da monarquia. Todos esses elementos acabam justificando a diminuição da intensidade em relação ao futebol, notado pela diminuição de jogos e de associações.

Mas a crise política que conduziria ao fim da monarquia e levaria a proclamação da República, em 1910, não impediu a popularização do futebol. A modalidade foi ganhando espaço na sociedade na medida em que ela era associada a uma função de modernizar o homem português, que, segundo a opinião da época, havia se tornado preguiçoso após longa influência da educação religiosa. A imprensa foi fundamental nesse processo, pois era através de suas páginas que esse debate avançava, e além disso, o jornal “Tiro e Sport” foi o responsável pela organização da primeira competição no país. Reconhecendo a importância do futebol, a imprensa tinha o papel importante na educação e formação do público, através da divulgação das regras e eventos esportivos – uma ligação que se manteve importante ao longo de todo o século XX.

Depois que se organizou a primeira competição entre clubes, a popularidade do futebol começou a aumentar. Entre 1907 e 1910, o número de jogadores inscritos na federação de Lisboa passou de 96 a 507. Entretanto, esse sucesso se limitava a capital do país, pois o torneio era municipal. A cidade do Porto tentava seguir o mesmo caminho, mas a organização do esporte no resto do país ainda era precária.

No que diz respeito à organização, três cidades – Lisboa, Porto e Portalegre – possuíam federações locais capazes de organizar os jogos e campeonatos. Desde 1906, Lisboa organizava o seu torneio municipal, enquanto Portalegre começou a fazê-lo em 1911, e o Porto em 1913. Em 1914, as três associações municipais se reuniram para criar a UPF (União Portuguesa de Futebol) que mais tarde veio a se tornar a Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Dentre os seus objetivos estavam a filiação à FIFA e organização de um campeonato nacional. Essa missão acabou sendo dificultada por causa da guerra entre 1914 e 1918, mas a UPF organizou, regularmente, encontros entre as equipes do Porto e de Lisboa, tendo que se esperar até 1921 para o primeiro campeonato nacional e 1934 para a organização da primeira liga.

Depois que o domingo passou a ser considerado um dia de folga obrigatória pelo Estado, o futebol aumentou ainda mais a sua popularidade, pois passou a ser mais fácil a participação das classes operárias, seja como atletas ou como público. Em 1914, uma partida entre Benfica e Third Lanarck atraiu 10 mil pessoas. Igualmente, durante a segunda década do século XX, o número de clubes fora da capital se multiplicou, ajudado por um clima positivo para os movimentos associativos depois da proclamação da República.

As rivalidades nacionais também foram um importante elemento de popularização do jogo durante os anos 1920. Por um lado, criou-se a equipe nacional, cujos jogos contra outros países atraiam milhares de pessoas. Por outro lado, como o campeonato nacional não era muito lucrativo, os clubes organizavam amistosos contra clubes estrangeiros, que atraiam mais público, e, consequentemente, mais receitas de bilheteria.

Outro debate relevante na época era sobre a adoção do profissionalismo. No início, o esporte era praticado por uma elite, e o número de jogadores e espectadores eram bastante reduzidos. Na medida em que os jogos começaram a atrair mais pessoas, os clubes começaram a cobrar pelas entradas, e a bilheteria ultrapassou as cotas dos associados como principal fonte de receita. Entretanto, a transformação do futebol em espetáculo não teve, automaticamente, um aumento na remuneração dos jogadores. Oficialmente, o estatuto do futebol em Portugal era amador e os jogadores viam o esporte como uma atividade complementar, tal como uma atividade de lazer que permitia complementar a renda familiar. Em geral, os jogadores eram remunerados por via de subsídios para a alimentação, residência, transporte, ajudas para arranjar empregos e prêmios nas transferências. Um antigo jogador, Fernando Peyroteo, conta que na sua época, nos anos 1940, como os clubes não estavam autorizados, legalmente, a remunerar os seus atletas, cada um dos principais clubes tinha um grupo de mecenas que davam subsídios extras aos principais jogadores.

Oficialmente, o profissionalismo ainda demorou algum tempo para se concretizar. Na imprensa, um dos argumentos a favor da manutenção do amadorismo era o fato de que apenas na Inglaterra a situação era diferente, e a mudança para o profissionalismo poderia ser perigosa, pois ao receber salários para jogar, o espetáculo esportivo estaria em risco por conta das baixas receitas geradas. Sem nenhuma lei que regulasse a relação dos atletas com o clube, esse cenário nebuloso do amadorismo marrom podia continuar. Apenas em 1943, essa polêmica é posta de lado, pois o Estado proclama a primeira lei ligada ao esporte, dizendo que toda atividade esportiva deveria ser amadora. Em 1954, seis entre os principais clubes portugueses apresentaram um relatório, com base no qual pediam uma clarificação sobre o processo de transferência de jogadores e o estatuto dos atletas, mas foi preciso esperar até 1965 para que o profissionalismo fosse implementado oficialmente, a partir da criação de um contrato esportivo a ser estabelecido entre os jogadores e clubes.

Na história do futebol português, é notável a oposição entre Lisboa e o resto do país, mas sobretudo com a cidade do Porto. Tendo sido os pioneiros do futebol, era de se esperar que houvesse uma superioridade dos clubes da capital, mas além disso, como, no início, não havia uma federação nacional, os atletas que representavam o país na seleção eram conhecidos como a equipe de Lisboa. Como clube mais bem-sucedido, o FC Porto passou a ser um representante da região norte do país contra a capital, somando antagonismos políticos e económicos a essa rivalidade esportiva.

Tal como em outros regimes autoritários no mundo, o “Estado Novo” fez uso do futebol para a sua política. Ao lado do Fado e de Fátima, o Futebol compunha os três “F”s populistas do regime de Salazar. Outra importante instrumentalização do futebol era a justificação da manutenção das colônias portuguesas no território africano, uma vez que jogadores nascidos nesses países, como Eusébio e Coluna, estavam integrados aos clubes e a seleção nacional, como exemplo do sucesso colonial português, que já era visto de maneira negativa pela comunidade internacional.

Nos anos 1980, após o fim da colonização, Portugal se virou mais para a Europa, com a entrada na Comunidade Europeia, em 1985. Com a ajuda financeira recebida, o país passou por um processo de modernização para tirar o atraso em relação aos outros países do bloco económico, onde ideias de racionalização, organização e competitividade eram vistos como o caminho para o sucesso político e económico. Ao nível do futebol, a falta de vitórias internacionais, sobretudo da seleção nacional, era explicada pela carência de atributos da modernidade. Conduzido pelo FC Porto e pelo SL Benfica, o futebol português vai se modernizar, primeiro esportivamente e depois a em termos de organização, tendo sido visível a melhoria dos resultados esportivos.

A mercantilização e a influência da globalização sobre a economia influenciaram o futebol português. O aumento da presença do futebol na televisão contribuiu para que o público nos estádios diminuísse, bem como uma concentração de renda em um grupo reduzido de clubes. Paralelemente, a ligação do clube com a comunidade se torna mais fraca, pois os clubes se reorganizam em sociedades anonimas, e papel do acionista ganha importância em relação ao sócio. Além disso, ao nível continental, os clubes portugueses perdem protagonismo para equipes mais ricas, tornando-se exportadores de jogadores para mercados mais desenvolvidos.

Assim, de uma atividade jogada nas tardes de domingo em campos improvisados, rumamos para negócios internacionais. Não mais se misturam torcidas e jogadores nos trens em direção aos campos de jogo, não mais se miram a transformação do homem comum pelo esporte, hoje os clubes portugueses olham como o resto do país para as estrelas da União Europeia, e que também fazem parte da bandeira da competição continental.

Fonte principal: A Paixão do Povo – História do Futebol em Portugal, de João Nuno Coelho e Franciso Pinheiro. Editado pela Edições Afrontamento em 2002.


Amor ao clube ou ao bolso?

09/11/2015

Diz-se que a paixão por um clube faz com que o torcedor mova mundos e fundos. Em geral, o investimento emocional e financeiro que um apaixonado faz não encontra limites na racionalidade pois é explicado pelos sentimentos que o movem e não pelo raciocínio lógico. Embora tenha um grande fundo de verdade e várias comprovações empíricas, com o aumento de uma lógica comercial, essa maneira de se relacionar com o clube pode deixar de ser a forma dominante, abrindo espaço para um relacionamento com base em vantagens múltiplas.

Os programas de sócio-torcedor tentam fidelizar o torcedor para que os clubes possam conseguir mais estabilidade no fluxo de rendimentos provenientes desse setor. É uma ferramenta econômica para tentar minimizar os riscos e os imprevistos com receitas tão variáveis – pois num bom momento, a torcida pode encher os estádios, mas em outros jogos, o público pode ser reduzido. Mas e para o torcedor, quais são as vantagens? Com estádios quase completos e muita procura por ingressos (mesmo sendo caros), a simples garantia de ter lugares a disposição para todos os jogos da temporada já pode ser uma contrapartida suficiente. Embora essa possa ser a realidade nos campeonatos mais atraentes, nos clubes com elencos mais estelares e em cidades que recebem muitos turistas, nem sempre isso vale para todos os clubes.

Em Potugal, os clubes de futebol oferecem mais do que descontos no preço dos ingressos e garantias de lugar no estádio. Em grande parte, devido a um grande desequilíbrio no tamanho das torcidas – há uma dominação quase total entre os três grandes Benfica, Porto e Sporting -, mas também sendo influenciado pela relação com a TV, os estádios em Portugal raramente estão cheios. As visitas dos grandes são as únicas ocasiões em que os estádios dos clubes pequenos se enchem, e mesmo os grandes, em casa, com exceção dos clássicos, raramente, têm o estádio completo.

Por isso, o Benfica – e que depois foi seguido pelos outros clubes – passou a oferecer o “Kit Sócio” que dá acesso uma espécie de cartão de fidelidade para o torcedor. Para obtê-lo, é preciso pagar um valor base (25 euros no caso do Benfica para o Kit Sócio), e depois mensalidades de acordo com o tipo de plano escolhido. Além da oferta de produtos e bilhetes para jogos, o cartão permite o desconto nos ingressos, prioridade em alguns jogos e o que chama mais atenção: descontos com empresas parceiras. No caso do Benfica, destacam-se: 6% de desconto nas contas de luz, descontos no abastecimento de combustível e na compra de passagem áreas da patrocinadora do clube, dentre outros.

Assim, os torcedores recebem uma contrapartida direta pelo investimento feito no clube. Além do tempo e dos sentimentos colocados na sua relação com o clube, a parte financeira pode ser vista como uma escolha racional: ao mesmo tempo que está contribuindo diretamente para os cofres do clube, e assim poderá torcer por uma equipe com mais capacidade de conquistar títulos, o torcedor também tem um retorno mais palpável que apenas a felicidade de possíveis vitórias. Dessa forma, torcer poder ser uma ação tanto emocional, como racional.

Programas de sócio-torcedor que ofereçam um lugar garantido ainda está de acordo com visão do torcedor apaixonado que quer estar presente no estádio, pois esse é o seu lugar. Porém, ao oferecer outras vantagens que não estão ligadas ao clube, estabelece-se uma nova racionalidade em uma relação que antes era suposto ser baseada no sentimento pelo clube. Na medida em que os clubes adotam uma forma de operar mais econômica e mais próxima de empresas, também o torcedor altera a forma de encarar a relação com o clube.


Serão os clubes de futebol multinacionais?

23/06/2015

Ciclicamente, quando as empresas de consultoria lançam os seus relatórios e respectivos rankings com os clubes mais ricos do mundo, as marcas esportivas mais valiosas e outras listas do gênero, a comparação entre o futebol e o mundo empresarial é recorrente. O apelo internacional de clubes como Real Madri, Manchester United ou Bayern de Munique permitem o questionamento: será que podemos comparar os grandes clubes internacionais com empresas multinacionais?

O primeiro ponto de comparação entre clubes de futebol e multinacionais é a estrutura. Juridicamente, multinacionais são empresas que buscam o lucro, enquanto clubes, tradicionalmente, foram associação sem fins lucrativos. A partir dos anos 1980, quando os contratos da venda dos direitos de transmissão televisiva começaram a se tornar muito valiosos, em muitos países, a realidade dos clubes teve que ser ajustada para que o lucro fosse permitido, mas principalmente para que profissionais fossem contratados e remunerados por isso, pois como associações sem fins lucrativos, com exceção dos jogadores que já eram profissionais, o trabalho era em grande parte não-remunerado. Isso não quer dizer que todos os clubes tenham os mesmos estatutos jurídicos, existem os clubes que são cotados em bolsas como sociedades anônimas, e outros são sociedades esportivas e muitos ainda são clubes sem fins lucrativos.

Outra questão a ser avaliada é o objetivo final de um clube. Segundo especialistas em Economia do Esporte, organizações esportivas de ligas fechadas – modelo das ligas nos EUA – e de ligas abertas – modelo europeu e sul-americano – acabam por ter objetivos diferentes, por conta das diferenças na gestão das suas ligas, sendo as principais delas a possibilidade de rebaixamento e a divisão de receitas, tendo assim as equipes de ligas fechadas o objetivo de lucro – tal como empresas tradicionais – enquanto, os clubes de ligas abertas têm como finalidade maximizar as vitórias. Na busca por vitórias, as equipes buscam recrutar os melhores talentos, que tendencialmente representam o maior salário, assim, num dado momento, as equipes que buscam o lucro terão que avaliar o tamanho do lucro desejado, em relação ao desempenho esportivo. Por outro lado, os clubes que maximizam as vitórias, não se importam com o lucro, ou seja, todas as suas receitas podem ser reinvestidas no clube, buscando um lucro zero, de forma que mais dinheiro possa significar melhores condições e melhores jogadores. O problema se coloca quando a gestão é feita de maneira irresponsável, e as dívidas se acumulam continuamente.

Normalmente, quando se fala em multinacionais, a referência são grandes companhias industriais. No entanto, clubes de futebol estão mais próximos de um setor de serviços, e, portanto, devem ser analisados segundo os seus fatores de produção, que são capitais humanos e não físicos, bem como transações no mercado internacional. Grandes clubes contam com uma mão-de-obra vastamente diversificada, tendo sido notável que equipes do Arsenal, em anos recentes, tenham entrado em campo e no banco de reservas sem nenhum jogador inglês. Além disso, outros parceiros dos clubes são internacionais, sejam clubes que trocam experiências ao nível técnico, empresas que patrocinam a organização e os eventos ou empresas de mídia.

É preciso fazer a ressalva que apesar de todo esse processo de globalização, ainda há fortes elementos nacionalistas no futebol. Apesar de todos os estrangeiros e o seu apelo global, a Premier League continua sendo o “campeonato inglês”, disputada em estádios ingleses, para um público, maioritariamente, nacional. Além disso, o principal evento esportivo do planeta, a Copa do Mundo, coloca frente a frente nações em disputa de um título.

No entanto, essas barreiras espaciais do esporte são quebradas com as possibilidades oferecidas pelos meios de comunicação. A partir do momento em que o espetáculo esportivo é mediatizado, ele pode ser produzido, empacotado e distribuído para todos os cantos do globo. Dessa forma, um clube não está mais limitado a sua própria região, sua audiência se torna global, principalmente, quando atinge fases finais da Champions League. Não é por acaso, que a televisão se tornou a melhor e principal parceira das organizações esportivas.

Os recentes processos de modernização e racionalização das organizações esportivas permitiram a contratação de profissionais mais voltados para o mercado, contribuindo para um aumento das receitas dos clubes esportivos. Embora apresentem ainda um modelo de negócios muito particular, reconhece-se que o crescimento dos clubes que já estão no topo dos seus países passa, em grande medida, por uma expansão internacional refletida na sua mão-de-obra e parceiros, e cuja importância da mídia é fundamental. Por fim, pode-se concluir que embora nem todos os clubes estejam no patamar global, aqueles poucos que lá chegam, apesar de suas particularidades, podem ser relacionados com empresas multinacionais.


As transformações no modelo do futebol francês

09/02/2015

por Fernando Borges

O modelo francês de desenvolvimento do esporte é muito assente no investimento público, seja ao nível da base ou profissional. Historicamente, baseado em fortes valores amadores, o futebol francês se profissionalizou de uma maneira peculiar, com grande presença do setor público e voluntário. Reconfigurações mais recentes vem obrigando os clubes franceses a buscarem alternativas mais comerciais para alcançar o sucesso esportivo.

Após a Primeira Guerra, o futebol era o esporte mais popular da França, apresentando publicações especializadas como a Football de 1910 e a France Football de 1923. Com a guerra, o futebol se espalhou para o interior e para as camadas operárias. Após a guerra, o futebol foi ganhando mais espaço, em comparação à ginástica – considerada muito militarista – pois estimulava o espirito coletivo, liderança e orgulho local.

No futebol francês, o profissionalismo foi instituído graças, em grande parte, a iniciativa de industriais ligados ao Futebol. Em 1928, Jean-Pierre Peugeot decidiu criar um clube de futebol para manter os trabalhadores contentes, dado que o momento era de iminente crise econômica. A ideia foi adiante e nasceu o Football Club Sochaux-Montbeliard. Inicialmente, o objetivo era organizar jogos com clubes das regiões vizinhas, mas, aos poucos, a ambição de seu criador fez com que o time crescesse, trazendo jogadores de outras equipes com o atrativo de incorporá-los como trabalhadores da fábrica de automóveis. Em 1932, Jean-Pierre Peugeot usou da sua influência nos meios políticos e entre as autoridades esportivas para que o profissionalismo fosse implementado.

Mesmo depois de haver o profissionalismo, os jogadores continuavam tendo a possibilidade de ter outros empregos. Alguns jogadores escolhiam carreiras que fossem compatíveis com o percurso esportivo – tal como é famoso o caso de Raymond Kopa que tinha no futebol uma forma de escapar ao trabalho nas minas. Dessa forma, a barreira entre as classes médias e a classe operária não era tão forte. Estudos usam o termo “profissionalismo incompleto” para descrever essa situação, na qual cartolas, jogadores e membros das federações se recusavam a implementar completamente as regras de livre mercado ao futebol. Usando termos como diletantismo para descrever a relação entre os envolvidos no mundo do futebol, o dinheiro que se conseguia com ele era visto como um extra apenas.

Na França a demanda pela profissionalização veio de quem geria o futebol, para regular o mercado e controlar o salário dos jogadores. Grande parte dos dirigentes (um grupo formado maioritariamente por elites locais) tinha como objetivo melhorar o seu capital simbólico, não se dedicando completamente às funções administrativas do clube, nem com intenção de gerar lucro com a atividade esportiva.

A falta de lucro também era explicada pela lei de 1901 que regulava as associações esportivas. Estabelecendo a liberdade de associação, a legislação foi vista na França como um grande avanço democrático, pois pela primeira vez o Estado francês autorizava um grupo de cidadãos a se reunirem e levarem adiante uma atividade comum. No ápice dos movimentos republicanos e seculares, essa medida era importante para tornar mais fácil a sociedade civil ir contra as fortes amarras religiosas. Sem conhecer que em outros lugares, o formato de “sociedade anônima” era usado para organizar clubes, a legislação de 1901 permitia gerir o clube de maneira (semi) profissional, pagando seus funcionários e jogadores e gerindo o dinheiro, mas mantendo ao mesmo tempo o estatuo de voluntariado. A legislação de 1901 permitia gerir os clubes a partir de princípios democráticos, fazendo com que o conselho diretivo fosse eleito regularmente e não recebesse remuneração.

Isso tudo sugere que o futebol francês foi profissionalizado em torno de valores amadores. O mundo do futebol colocava mais em prática valores familiares do que valores empresariais, o que gerou na França um modelo diferente do que se fazia em outros lugares. Durante a ocupação nazista, o lado profissional sofreu um baque pois o esporte foi reorganizado para valores antirrepublicanos de trabalho e pátria. Entretanto, como os gestores se mantiveram os mesmos, após a liberação, a transição foi mais fácil. Dada a recusa em adotar valores empresariais e a paralisação durante a guerra, um elemento fundamental no futebol francês é a sua ligação ao voluntariado e a vida comunitária. No pós-guerra, o Estado garantiu a presença de valores de serviço público ao esporte, implementando legislação e regulações que ligavam o esporte profissional e a prática amadora e de formação.

O aspecto local é evidenciado pelo investimento que era feito pelas municipalidades. Hoje já não é mais permitido, mas na temporada 2000/2001 esse investimento representava em media 4% de times da primeira divisão e 15% nos da 2ª divisão. Isso também se estende para os estádios. Em grande parte são propriedade das municipalidades e até 2001 pagavam muito pouco para a sua utilização. A legislação daquele ano pressionava para ajustar as taxas de uso para as realidades dos clubes. Mesmo para a reforma dos estádios para o mundial, em 98, os clubes não pagaram por nada, sendo um misto de financiamento público e privado.

A realidade da França se chocou com o resto da Europa a partir da implementação da Lei de Bosman. Quando a União Europeia foi chamada a intervir nesse caso, o futebol passou a ser tratado como atividade econômica, e os clubes como empresas. Assim, foi considerado que subvenções eram ilegais do ponto de vista da concorrência, e o financiamento municipal só poderia ser feito através de patrocínio. Assim, um movimento que já vinha desde os anos 70 para mudar o estatuto jurídico dos clubes de futebol, para algo que permitisse a remuneração de dirigentes e a implementação de valores mais empresariais teve que acontecer obrigatoriamente nos anos 2000.

Assim, podemos ver que as estruturas legais e institucionais, tradicionalmente, refletiam a visão de que a atividade esportiva era parte da missão do Estado e das autoridades locais. O etos republicano afirma a posição do Estado em melhorar o bem-estar dos seus cidadãos e integrá-los a nação (República una e indivisível). Essas ideias se alimentam na visão que o Barão de Coulbertain tinha do esporte, como algo mais importante do que apenas a busca pela vitória, vendo a prática esportiva por um viés ético e filosófico, promovendo o desenvolvimento físico e intelectual.

Contudo, esse modelo de desenvolvimento não é compatível com o grau de sucesso exigido ao futebol atual. Para alcançar altos patamares esportivos – como o sucesso continental na Liga dos Campeões – e ter êxito financeiro para sustentar o lado esportivo, os clubes precisam se capitalizar e adotar medidas de mercado, indo de encontro ao que é feito em outros países da Europa, investindo na mediatização e na construção de marcas globais.


A industrialização francesa e os efeitos no futebol do país

22/09/2014

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Para quem olha pela primeira vez e compara com outros países da Europa, o mapa do futebol francês pode parecer estranho. Quando se pensa na concentração de equipes e títulos nas grandes capitais, ver o PSG como o único time de Paris na primeira divisão, tendo vencido apenas 4 vezes o título nacional, sendo que os últimos dois depois da chegada dos petrodólares, não combina com outros países europeus. Pode-se argumentar que Manchester e Liverpool não são as capitais da Inglaterra, mas possuem grandes times e concentram um grande número de títulos do campeonato inglês, mas então como explicar que Saint-Étienne é o clube que mais vezes ganhou o campeonato francês? A resposta passa um pouco pelo exemplo dado anteriormente, pois Manchester e Liverpool são duas cidades com alto nível de industrialização e concentração urbana.

A geografia do futebol francês reflete o processo de industrialização do país. Na França, não houve grandes cidades industriais como havia em meados do século XIX na Inglaterra. Assim, assistir, viver e falar sobre o futebol não era algo tão comum e um passatempo obrigatório passado por gerações. A industrialização foi pontual na região de Lille; Nordeste (Strasbourg, Alsácia…); centro e sudeste (St-Étienne, Lyon e região); ao redor de Marselha; e região de Paris. Foi um processo mais gradual, ao invés de mudar a balança de poder tão rapidamente entre campo e cidade. Nos anos 30, um terço da população ativa ainda estava empregada no setor primário, e o êxodo rural só foi acontecer com mais intensidade no pós-guerra, e só foi acompanhado de um crescimento econômico nos anos 70. Em relação a sua organização, ao invés de grandes concertações industriais, o modelo francês se baseava em “cidades-indústria”, muitas de organizações familiar, em que uma indústria dominava a mão-de-obra de uma pequena ou média cidade.

Esse modelo de industrialização criou uma forte ligação entre os clubes e as indústrias, e não por acaso aqueles que tiveram maior sucesso foram os com ligação direta a elas. O profissionalismo dos jogadores não era muito avançado, de modo que muitos jogadores estavam ligados às empresas para poder jogar. Além disso, fragmentação do futebol francês em pequenas cidades impediu que grandes massas de torcedores estivessem em torno de um clube. Os clubes mais populares estavam ligados (em seus nomes ou estádios) a essas indústrias, por exemplo, o Sochaux tem fortes ligações a montadora Peugeot e o St-Étienne ao grupo de varejo Casino.

Os clubes e jogadores de mais sucesso eram de cidades com menos de 50 mil habitantes, o que pode ajudar a explicar um pouco da falta de popularidade nacional do futebol frente a outras modalidades como o rugby e o tênis. Os primeiros clubes a atrair mais de 10 mil pessoas em jogos da Liga foram Olympique de Marselha, Racing Club de Paris, Racing Club de Strasbourg e Olympique Lillois – das grandes concentrações urbanas e industriais. Baseando-se em pequenas cidades industriais, e apoiado pela municipalidade, cada cidade tinha um time, não criando assim rivalidades através de dérbis, os clássicos municipais, que muito contribuem para aumentar o apoio do torcedor. Os estádios na França eram pequenos comparados a outros países europeus, só por ocasião das olimpíadas de 1924 que se construiu, em Paris, um estádio com capacidade de 50 mil pessoas, enquanto em Wembley já cabiam 100 mil espectadores.

A guerra também não ajudou muito. Mesmo que lentos, os progressos foram interrompidos com a dominação alemã durante a guerra, e todo o sistema teve que se reorganizar durante o pós-guerra. A partir de 1945, o período dos 30 gloriosos anos, serviu para França alcançar outras potências no desenvolvimento econômico. Só em meados dos anos 70 que a Economia começou a mudar, estando mais centrada nos serviços que na indústria, e com isso também mudou o perfil das pessoas que migravam para os grandes centros urbanos, até os anos 70, grande parte da população que migrava para Paris matinha a sua filiação com a sua origem (e seu departamento), e dessa forma mantendo a ligação com o time local.

No período entre guerras, e até brevemente pós-2ª guerra existiam clubes em Paris com sucesso de público e esportivo, como o Olympique Pantim, Red Star e o Racing Club. Com o tempo foi se tornando mais difícil mantê-los nas divisões de elite, principalmente sem a grande ajuda do poder municipal, que contribuía para o sucesso de outros times, uma vez que Paris só foi ter a sua prefeitura municipal em 1977. Mas a mudança social e da própria organização do futebol, que aos poucos estava mais baseada na publicidade e na venda de direitos televisivos, não passou desapercebida aos fundadores do Paris Saint-Germain, que foi criado com o intuito de ser uma potência no cenário Francês.

Apesar de alguns altos e baixos nesse caminho, a chegada dos sheiks a Paris aparenta ter consolidado o PSG como potência esportiva e ter dado sustentabilidade ao projeto do clube e sua ligação com a cidade. Com a perda da importância das indústrias, as cidades usam o esporte como forma de atrair atenção e tentar desenvolver os locais. Antes, o apoio da municipalidade (ajuda financeira e uso do estádio) servia mais como forma de estabilizar as contas do que como grande vantagem financeira – além disso, os prefeitos achavam que podiam interferir muito no clube. Com a nova organização do futebol, a partir de meados dos anos 80, novos dirigentes apareceram, e os clubes passaram a ser usados como forma de divulgar as cidades mais amplamente.

Para Manuel Castells, com a globalização, ao invés de perderem importância, as grandes cidades se tornam “hubs” (pontos de encontro e grande fluxo de uma rede) vitais da economia global. Com um peso cada vez maior da imagem na construção da marca, o sucesso de um empreendimento está associado a elementos simbólicos e um futebol moderno, globalizado e espetacularizado, que está muito em função da televisão, isso não poderia ser diferente.  Ao investir no PSG, uma das justificativas dadas era a noção de que uma grande capital europeia precisava de um grande time e não foi por acaso a contratação de David Beckham para o PSG, o seu papel era muito mais comercial do que esportivo. Da mesma forma, tem uma função estratégica a loja do PSG localizada no Champs-Elysées, um dos pontos de maior prestígio e fluxo de turistas da cidade de Paris, bem como a mudança do emblema da equipe, que deu mais destaque a ligação com Paris. A História avança, mudam a Geografia e a Economia de um país e o futebol vai junto.

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Do lado esquerdo, o escudo que foi usado a partir de 2002 e o novo emblema, no lado direito.

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Evolução dos escudos do PSG


UEFA Champions League: o melhor produto de futebol do mundo

19/05/2014

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O mundo do futebol tem a sua atenção voltada para a Copa do Mundo. Mas no mês de Maio, tradicionalmente, não têm sido as convocações a chamar a atenção dos amantes do esporte bretão, e sim a Champions League. Mesmo sendo um torneio continental, do qual o Brasil não faz parte diretamente, o interesse nessa competição vem aumentando a cada ano. Podemos tentar entender a repercussão do torneio por sua qualidade técnica, pela presença dos jogadores brasileiros atuando na Europa e pela estratégia adota pelos organizadores da competição para fazer expandir a sua marca – que será o tema do texto que se segue.

Em 1954, depois das já conhecidas vitórias da seleção húngara sobre a Inglaterra, tanto em Wembley quanto em Budapeste, a equipe inglesa Wolverhampton Wanderers venceu o Honved da Hungria por 3 a 2 e foi declarado o “melhor time do mundo”. Por conta dessa disputa, o jornal francês L’Équipe propôs a criação de uma competição continental de clubes de futebol na Europa – e a partir do ano seguinte, ela passou a acontecer.

O torneio que foi batizado de Taça dos Campeões Europeus manteve o seu formato durante quase 40 anos. Até que em 1992, a competição que recebia apenas os vencedores de cada campeonato nacional passou a acolher também outros clubes que não tinham sido campeões, aumentando o seu número de participantes, criando uma nova fórmula de disputa e aumentando o seu número de jogos.

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Essas mudanças precisam ser entendidas no contexto da disputa de poder entre os grandes clubes europeus e as instituições organizadoras, como a UEFA. Na época (e vez ou outra isso volta), os clubes mais ricos do continente se organizaram num grupo de pressão para defender os seus interesses, que ficou conhecido como o G:14 (e que depois criou o ECA), e que tinha como uma das possibilidades a criação de uma superliga europeia de clubes, que seria mais atraente e lucrativa. Assim, os clubes forçam para um lado mais lucrativo para eles, e, por outro, a UEFA tenta manter o seu poder como organizadora da competição. Nessa posição a UEFA se baseou em duas estratégias como forma de se manter “dona” da competição: em primeiro lugar se vale da sua história e da sua posição para se manter a legitima organizadora da competição; em segundo lugar, se obriga a organizar uma competição cada vez melhor, esportivamente e comercialmente, e que atenda as demandas dos seus clubes.

Tendo em vista a estrutura triangular que movimento o esporte, na qual, em cada ponta, se encontram o Futebol, Televisão e Patrocinadores, a UEFA tentou se posicionar no centro desse triângulo através das estratégias de marketing. Para alcançar os seus objetivos era preciso transformar a UEFA Champions League (UCL) numa marca global, e esse processo foi liderado por executivos da TEAM e outros que vieram da ISL.

A primeira questão a ser analisada é a mudança na fórmula de disputa. Antes, apenas os campões de cada país participavam e a competição era jogada em forma de mata-mata, com jogos de ida e volta. No seu novo formato, outros clubes que não só os campeões nacionais, dos principais centros, passaram a participar da competição que passou a incluir uma fase de grupos. Com essas alterações foi possível incluir mais times considerados grandes e deixou de ser um mata-mata simples, garantindo um mínimo de jogos, assim agradando aos grandes clubes e a quem transmitia as competições.

Na medida em que a participação na UCL é uma grande fonte de receita, ela acaba por favorecer um ciclo vicioso em que os clubes que entram nela acabam ganhando mais dinheiro, e permitindo que se perpetue a participação de quase sempre os mesmos clubes. Além disso, grande parte dos recursos, que vem da publicidade, remunera mais os times que estão situados nos principais centros e países com melhor economia. Para tentar minimizar a influência financeira, a UEFA estabeleceu um ranking para definir quantos participantes no torneio cada país pode enviar, além de fazer um esforço para incluir clubes de todos os países membros e criar mecanismos esportivos para favorecer os campeões de nações menos tradicionais na fase de play-offs. Apesar de tudo, os resultados (mesmo que Atlético de Madri vença esse ano) ainda mostram que o aspecto econômico ainda é bastante importante.

Essa preocupação com o formato de disputa da UCL é uma das facetas da centralização que a UEFA estabeleceu na gestão da competição. Pensando em manter o seu papel de “dona” do torneio, a confederação europeia sabia que tinha que organizar um evento que fosse lucrativo para os grandes clubes e interessante esportivamente para todos, e como estratégia para alcançar esse objetivo decidiu centralizar as operações comerciais, de marketing e branding.

Antes, cada clube participante era responsável pela venda dos direitos de TV da sua participação, e agora é tudo responsabilidade da UEFA que repassa verbas fixas aos participantes. Os pagamentos são feitos com base no desepenho esportivo e no mercado de mídia no qual estão inseridos. Pela parte dos clubes, eles esperam receber uma quantia igual ou superior do que receberiam ao negociar separadamente, e a UEFA, ao negociar em conjunto e centralizado, consegue valores superiores a soma de todos se negociassem sozinhos.

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As principais fontes de renda da UCL são a venda dos direitos de transmissão e os patrocinadores. Ao negociar e vender de maneira centralizada, a UEFA pode oferecer aos patrocinadores um produto mais exclusivo. Num mercado fragmentado e com grande necessidade de diferenciação nos produtos, a UCL se destaca pela sua qualidade e seu alcance, oferecendo aos patrocinadores e emissoras um produto único.

Em sua estratégia de divulgação, a UEFA estabeleceu a importância das televisões abertas na transmissão dos jogos. Por não estar exclusivamente nos canais fechados, foi possível criar uma maior relação com o público em geral, gerando mais atenção à sua marca e contribuindo para criar hábitos nos espectadores. Talvez seja por isso que o acordo com a TV Globo seja tão importante no Brasil, mesmo que a emissora faça tantas demandas.

A centralização exercida pela UEFA é notada em todos os jogos. A cada partida, do ponto de vista prático, os clubes cedem os seus estádios para UEFA. Dessa forma, a organização pode “vestir” os estádios todos de maneira igual, de modo que possa haver um controle maior no padrão de qualidade e os patrocinadores e emissoras de TV recebam um produto confiável. Entretanto, há críticas sobre a perda de autenticidade pois todos os estádios, entrevistas, dentre outros elementos, acabam sempre por serem repetitivos e homogêneos.

 

 

ImageUma das coisas mais interessantes é como a UEFA trabalha a imagem da competição (branding). A mudança do formato antigo para o novo levantou preocupações sobre a influência “maléfica” do poder do dinheiro e da mídia, e perante essa preocupação, a UEFA fez questão de reforçar o aspecto tradicional da competição, ligando às edições anteriores. Isso pode ser visto, dentre outras coisas, pela utilização de emblemas especiais (como o de campeão) nos uniformes dos times participantes. É através da sua marca que a UEFA tenta passar a imagem de prestígio e que consiste em três elementos: o hino, as cores e a bola de estrelas (não a esfera do campo, mas a que faz parte do logo da competição). A isso se pode acrescentar a importância simbólica do troféu. 

 

Esses elementos passam a ideia de prestígio e de ligação histórica necessária para manter a atração do público alta, para que o vínculo emocional com a competição não se perdesse após as mudanças de formato. Para quem quiser aprofundar a questão recomenda-se o texto de Anthony King, The New symbols of European Football, ou então para um próximo post.

Por fim, a verdadeira força da competição está na soma total dos seus elementos formadores. A qualidade dos jogadores, dos clubes, dos fãs, dos parceiros comerciais e da televisão acabam por contribuir para o sucesso da Champions League. Nisso tudo, o papel centralizador da UEFA é fundamental na estruturação da competição, assim como permite que a instituição mantenha grande parte do seu poder, e, alegadamente,permita que os critérios esportivos sejam mantidos como prioridade.

Referências:
Chadwick, Simon e Holt, Matthew (2007) Building global brands: key success factors in marketing UEFA Champions League in Marketing and Football: an international perspective, Desbordes, M. (eds.). Elsevier: Oxford pp.21-50


Museu do Benfica: clubes de futebol (re)construindo memórias

13/01/2014

Como se diz em Portugal, “o Benfica é muito grande”.  Realmente é impossível negar a sua grandeza. Estima-se que 60% da população portuguesa torce pelo clube encarnado, além de ser o maior colecionador de títulos no futebol português com 32 campeonatos nacionais e 24 Taças de Portugal .

Recentemente, dentro das quatro linhas, a hegemonia do Benfica tem sido colocada em causa pelo sucesso do seu rival do norte, o FC Porto, mas no campo simbólico, o clube da Luz tem feito grandes investimentos que contribuem para a manutenção de seu nome no cenário nacional e internacional. Uma dessas iniciativas foi a criação da Benfica TV em 2008, e que a partir de Agosto de 2013 passou a transmitir os jogos, em casa, do próprio clube, e a outra iniciativa, sobre a qual vamos tratar agora, foi a criação do Museu Benfica – Cosme Damião.

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Desde a sua inauguração, em 29 de Julho, até o passado dia 23 de Dezembro, o museu, que traz no nome um dos fundadores do clube, alcançou a marca de 25 mil visitantes, e venceu o prêmio de “novidade do ano” pela Revista Time Out de Lisboa. O primeiro passo para a sua estruturação foi criação do Departamento de Reserva, Conservação e Restauro, em 2010, que contribuiu para a inventariar, restaurar, identificar e organizar grande parte do espólio que constitui o acervo do Museu Benfica. Image

O site do Benfica tem uma parte especialmente dedicada ao museu. Nela, é possível ver a descrição de cada uma das 29 instalações do museu, distribuídas em 2 andares. O museu mescla bem a sua vertente patrimonial, destacando, principalmente, troféus, e objetos históricos, com uma inclinação moderna, ao utilizar recursos multimédia para contar as história do clube com imagens da TV, digitalização de jornais, acervo de rádio, jogos interativos, dentre outros. No site ainda é possível assistir a vídeos  que fazem um tour pelo museu, que podem ser vistos aqui ou aqui.

A construção de museus de clubes de futebol não é uma invenção do Benfica. Outros clubes na Europa tem iniciativas semelhantes, mas chama atenção que instituições esportivas, que, cada vez mais, se movimentam em uma esfera econômica, se organizando como empresas multinacionais – no caso dos grandes clubes europeus – estejam investindo em iniciativas que valorizem o aspecto cultural e simbólico do esporte.

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Myriam Sepúlveda dos Santos diz que a criação dos museus, dentre outros elementos,  fizeram parte da construção de um ideal de nação, de memórias coletivas, tradições inventadas que sustentavam o imaginário por trás do estabelecimento dos Estados-Nação.  Destaco ainda duas passagens de seu texto: “os museus dão a impressão de que preservam o passado. No entanto, longe de preservarem um significado eterno inerente a objetos, eles atribuem novos significados a objetos que foram retirados do tempo e do espaço em que foram originalmente produzidos”  e que “diversos atores, sejam eles indivíduos, grupos ou nações, utilizam a memória com o objetivo de fortalecer identidades e defender interesses específicos”.

Se junto a essas afirmações, considerarmos as posições de Jameson sobre a virada cultural, e a tese de Lash e Urry que aponta que a economia atual apresenta crescente importância em elementos simbólicos – informação, imagens, desejo – podemos interpretar a iniciativa do Benfica como uma maneira de investir na sua marca e expandir o seu poder econômico.

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Uma possível evidência para isso é a seção criada na loja de produtos do clube com o nome do museu – Cosme Damião.  Lá é possível encontrar varias réplicas, dentre elas a camisa do Benfica campeão europeu em 1960/1961, a primeira camisa do clube e a bola da finais europeias contra o Real Madri e o Barcelona.

No entanto, o Futebol, como elemento cultural, é vivo. A dificuldade de lidar com a patrimonialização do futebol já foi levantada por Clara Azevedo e Daniela Alfonsi, justamente por causa da interação entre público e acervo, e a dificuldade em mapear e catalogar as manifestações futebolísticas fora do museu. Cada um reage de acordo com a sua maneira, e em se tratando da constante produção e interpretação de novos acontecimentos e objetos futebolísticos, o universo de análise está em constante mutação.

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Referências:

Azevedo, C. e Alfonsi, D. A patrimonizalização do futebol: notas sobre o museu do futebol. Revista de História, São Paulo, n. 163, p. 275-292, jul./dez. 2010

dos Santos, Myriam Sepúlveda. Política da memória na criação dos museus brasileiros.Cadernos de Sociomuseologia nº19, 2002.

Jameson, Frederic. The Cultural Turn. Londres: Verso, 1998.

Lash, S. e Urry, J. Economies of Sign and Space. Londres: Sage, 1994.