André Alexandre Guimarães Couto
Olá, leitoras(es):
Ontem, 06/02/2022, a Copa Africana de Nações, que reúne as seleções de futebol masculino do continente africano terminou com a grande final em Olembé (Camarões). A partida foi disputada entre Senegal e Egito e foi decidida nas penalidades após 0 a 0 no tempo normal e na prorrogação, tendo o time senegalês saído vitorioso por 4 a 2. Festa nacional pelo primeiro título e destaque na imprensa de todo o planeta, inclusive em função do duelo entre duas estrelas do Liverpool, Sadio Mané (Senegal) e Mohammed Salah (Egito).
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No Brasil, os principais veículos de comunicação (impressos e sites, por exemplo) deram destaque para a competição, apesar dos jogos terem sido transmitidos apenas na Band (canal aberto).
Porém, nem sempre a cobertura da Copa Africana de Nações (também chamada de Campeonato Africano das Nações, como em Angola ou Taça das Nações Africanas, em Portugal) nem sempre mereceu destaque por parte da imprensa esportiva brasileira. Para tanto, baseamos nossa análise no jornal carioca O Globo, fundado em 1925 e que se tornou um dos principais periódicos do país, mantendo esta posição nos dias atuais.
O referido jornal só apresentaria uma referência ao torneio em 1962 (terceira edição da Copa), na página 4 da edição esportiva (22/01/1962), numa nota muito curta: “Etiópia, Campeã da África: Presente o imperador Hailé Sellasié, a Etiópia derrotou hoje o Egito por 4×2, conquistando o campeonato de seleções da África.” (O GLOBO, 22/01/1962, p. 4). Informação, inclusive, apresentada pela Associated Press (AP), agência norte-americana de notícias fundada em 1846. A nota é apresentada em um canto inferior direito da página, em um espaço pouco nobre do jornal e uma curiosidade: a primeira das duas frases da nota está de cabeça para baixo. Um erro gráfico, mas o único de toda a extensa parte esportiva daquela edição.

Cabe lembrar que o Imperador Hailé Sellasié já tinha visitado o Brasil em 1960 e justamente nesta viagem, a Etiópia sofreu uma tentativa de golpe de Estado, fazendo com o que o governante etíope tivesse que retornar às pressas ao seu país de origem.
Nem por curiosidade esportiva ou pelo destaque dado às relações internacionais do Brasil com outros países africanos, este fato é explorado na cobertura do torneio de futebol de 1962.
Posteriormente, em 1963, O Globo apresentaria mais uma nota, um pouco mais robusta (“A Quarta Taça da África”) na coluna “Placar de O Globo” sobre a quarta edição desta competição, vencida pela seleção de Gana por 3 x 0 e que jogara em casa na final contra o Sudão:
“Encerrou-se domingo o quarto magno certame que reuniu as seleções principais do continente africano. Nesta competição as finais foram realizadas em Gana nas cidades de Acra e Kumasra. A seleção de Gana alcançou o troféu ao vencer a representação do Sudão na finalíssima por 4×0. Haviam ficado classificadas às finais: Gana (patrocinadora), Etiópia (detentora do título) e Tunísia na chave A. Na chave B – Egito, Sudão e Nigéria. O novo campeão passou às finais vencendo a Tunísia e Etiópia. O Sudão foi finalista abatendo o Egito e a Nigéria. Os torneios anteriores apresentaram os seguintes vencedores: 1960 e 1961 (Egito), 1962 (Etiópia). A desclassificação do Marrocos pela Tunísia e a queda da Etiópia nas quartas-de-final foram as grandes surpresas. A seleção do Egito chegou às finais sem disputar as eliminatórias com a seleção de Uganda, pois esta representação foi eliminada de saída, já que o Governo havia proibido sua exibição no Cairo” (O GLOBO, 04/12/1963, p. 15).
Nesta nota, da qual não sabemos se é uma informação compartilhada por uma agência internacional de notícias, o texto procura não só apontar o resultado final do torneio, mas também traçar um panorama geral sobre a competição, tendo em vista que não houve uma cobertura ao longo da mesma. Um detalhe: o resultado da final, 4×0, diverge dos diversos sites atuais de resultados sobre torneios de futebol (nestes, temos o 3×0). Outra questão: o jornal ignora as datas corretas dos primeiros torneios, ou seja, em 1957 e 1959 (e não 1960 e 1961, como é publicada na nota). Apresenta ainda a opinião de que as seleções de Marrocos e Etiópia tinham mais qualidade para conseguirem melhores resultados. Se no caso da Etiópia parece óbvio (pois era até então, a campeã, justamente no ano anterior), não há qualquer explicação sobre o favoritismo da seleção marroquina. Por fim, há a informação, mas sem explicação, do impacto das relações diplomáticas entre Uganda e Egito na partida não disputada entre estas equipes.
Interessante perceber o quanto as aproximações diplomáticas entre o Brasil e os países do continente africano aumentaram a partir dos anos 1960, principalmente do ponto de vista do reconhecimento das identidades culturais mútuas e também das possibilidades de novos investimentos comerciais e econômicos, não impactaram necessariamente por um grande interesse da imprensa esportiva, tanto na cobertura do campeonato africano de seleções, como de outras notícias esportivas deste continente, muito menos ainda em relacionar informações do esporte com o mundo político e internacional. Todavia, não podemos negar que ao menos existia um esforço mínimo de não ignorar os resultados esportivos vindos de lá.
A década de 1960, com os governos de Jânio Quadros e João Goulart, inaugurou para o Brasil uma nova política externa que procurava ser independente da influência norte-americana. A aproximação com o continente africano, reconhecendo inclusive a auto determinação dos povos e a emancipação política dos africanos, refletia um estreitamento, ainda tímido, mas interessante, das relações diplomáticas entre estas duas regiões. De acordo com Ferreira (2013, p.7),
“(…) Nesse sentido, como Cervo e Bueno (2008) destacam, a ênfase na política externa brasileira para a África nesse início de década de 1960 aparecia em acordos culturais, no programa de bolsas para estudantes, na criação de um sistema de consultas firmado com a Organização Interafricana de Café, visando à defesa do seu preço no mercado internacional, além da criação de embaixadas unto aos governos de Gana, da Nigéria e do Senegal e a abertura de consulados.”
O autor destaca ainda a vinda de estudantes de vários países africanos em programas oficiais de governo para as universidades brasileiras por meio do então criado IBEAA (Instituto Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos) (FERREIRA, 2013, p.7).
Esta aproximação teve reflexo em outros campos como o esporte. Não por acaso, clubes de futebol passam a incluir o continente africano em suas excursões internacionais, como no caso do Fluminense em 1961 em excursão pelo Egito; do Vasco da Gama, que esteve na Costa do Marfim, Gana, Sudão e Nigéria em 1963; do Santos, na Nigéria, em 1969 (neste caso em plena Guerra da Biafra, naquela ocasião um território separatista) e do Palmeiras em 1969 (disputando jogos no Congo, Gana e Nigéria).
Na quinta edição do torneio (em 1965), mais um vez O Globo apresentava uma pequena nota, cujo título era “Copa da África” e seguia brevemente informando que: “A equipe de futebol do Congo Leopoldville foi eliminada da luta pela V Copa da África, cuja fase final está sendo disputada em Túnis.” (O GLOBO, 15/11/1965, p. 7). A seguir informava os resultados do torneio até ali. Cabe ressaltar que, neste caso, a agência era a France Press.
Como podemos perceber na imagem acima, a pequena nota está localizada no canto da página 7 do Caderno de Esportes, abaixo da notícia (na verdade, outra nota) sobre o campeonato de futebol na cidade de Nova Friburgo, e sendo “ofuscada” pela grande propaganda dos pneus Dunlop, que avança em quase toda a página. A nota sobre o torneio africano “vence” em importância a micro propaganda das batidas Trianon, que vem logo abaixo.
Dois dias depois, na coluna “Placar de O Globo” (17/11/1965, p.16), uma nota nomeada de “África” apresentava pontualmente mais resultados do torneio sediado na Tunísia. Antes, porém, informava os resultados sobre o campeonato egípcio (nacional) de futebol. Finalmente, em 22/11/1965 (p. 4), na nota “Gana Campeã da África”, o jornal informava que Gana havia vencido a Tunísia pelo placar de 3×2, sendo necessária a prorrogação, pois no tempo normal as seleções se igualaram em 2×2. Na página 16, em nota “África”, na coluna “Placar de O Globo”, a mesma informação era apresentada.
Posteriormente, no torneio seguinte, em 1968, disputado na Etiópia (fase final), o jornal aumentava o tamanho da nota que representava a cobertura do evento esportivo, com um aumento pequeno no destaque, ao apresentar uma chamada diferenciada, informações e centralidade na página em que a notícia foi publicada, conforme podemos observar abaixo.

Cabe informar que não fora publicada nenhuma imagem nas coberturas sobre a competição ao longo desta década de 1960. As imagens deste post foram pesquisadas em sites e blogs de cunho memorialístico, conforme indicamos nas respectivas legendas.

Enfim, a partir de uma rápida viagem pelo O Globo ao longo dos anos 1960, podemos observar que a cobertura da principal competição esportiva do continente africano se não foi totalmente ignorada, estava longe de dar alguma importância para o tema. Levando em conta o tratamento dado ao futebol com farta publicação de matérias, suplementos, imagens e crônicas a outras competições, inclusive internacionais, a Copa Africana de Nações (denominada por outros nomes não oficiais pelo próprio jornal) ficou relegada a poucas notas, sem direito a publicação de imagens ou matérias mais profundas e completas.
Para avançarmos no estudo do tema, investigações acadêmicas poderiam tentar responder algumas questões como, por exemplo: 1) qual é o grau de atenção e dedicação da imprensa esportiva brasileira aos eventos internacionais, em especial aos do continente africano, ao longo do século XX? 2) O que existe de aproximações e distanciamentos entre os diversos periódicos que minimamente cobriam o futebol africano em determinado período histórico? 3) Quais são as relações do processo pós II-Guerra pela independência de países africanos com o seu principal torneio de futebol, inclusive do ponto de vista da conjuntura de Guerra Fria? 4) A cobertura esportiva apresenta, em algum momento, uma discussão de política internacional ou de relações diplomáticas ao retratar eventos na África? 5) A política externa brasileira com os países do continente africana impacta em um olhar diferenciado da imprensa esportiva para os eventos e competições esportivas por lá? Enfim, um campo amplo de pesquisas para compreendermos um pouco mais nossa relação com África sob os olhares da imprensa esportiva.
Referências:
DIAS, Gustavo. ÁFRICA: Conheça a excursão do Gigante da Colina pelo continente em 1963. Disponível em: <https://paponacolina.com.br/2021/10/09/africa-conheca-a-excursao-do-gigante-da-colina-pelo continente-em-1963/>. Acesso em: 07/02/2022.
FERREIRA, Walace. Revisitando a África na Política Externa Brasileira: distanciamentos e aproximações da “Independência” à “década de 1980”. In: Universitas Relações Internacionais, Brasília, v. 11, n. 1, p. 57-71, jan./jun. 2013. Disponível em: <file:///C:/Users/55219/Downloads/2296-11650-1-PB.pdf>. Acesso em: 07/02/2022.
GUARCHE, Guilherme. O jogo da guerra suspensa. Disponível em: <https://www.santosfc.com.br/o-jogo-da-guerra-suspensa/>. Acesso em: 07/02/2022.
HISTÓRIA – Fluminense x Times Africanos. Disponível:<http://jornalheiros.blogspot.com/2011/12/historia-fluminense-x-times-africanos.html>. Acesso em: 07/02/2022.
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