Brasil X México na Copa do Mundo: o Início de um Encontro

02/07/2018

André Alexandre Guimarães Couto

Olá, leitor (a):

Dia feliz para todos(as) os(as) brasileiros(as). Hoje a tarde, a seleção brasileira de futebol venceu o México por 2 x 0 pelas oitavas de final da Copa do Mundo da Rússia. Com gols de Neymar e Roberto Firmino, o Brasil avança para as quartas de final e jogará contra a Bélgica.

Brasil tem um histórico de bons encontros (pelo menos, para nós) com o México e o primeiro deles foi em 1950, justamente na primeira Copa do Mundo sediada por nós.

Neste jogo, em 24 de junho, os brasileiros estreavam na competição e emplacaram 4 x 0 no México com gols de Ademir (2), Jair e Baltazar. O Maracanã, construído para a Copa de 1950 tornava-se o palco não apenas de um projeto modernizante e desenvolvimentista de país, mas um lócus de esperança para a conquista de um título importante no esporte.

A cobertura da Copa do Mundo nos Jornal dos Sports dividia espaços importantes nas páginas do jornal com uma gama de propagandas de equipamentos tecnológicos como vitrolas, máquinas de escrever, máquinas de calcular, de fotografar, bombas d´água, cronógrafos, relógios, bicicletas e rádios de última geração. Uma enxurrada de produtos ditos modernos para uma sociedade que passara a valorizar o consumo de itens simbólicos de um novo momento do país.

O periódico carioca Jornal dos Sports celebrava por meio dos textos dos seus cronistas e jornalistas e enaltecia o início da caminhada do selecionado brasileiro rumo ao título inédito. Todavia, como era de costume, não havia uma confiança excessiva entre os mesmos. Álvaro do Nascimento (conhecido como “Zé de São Januário”) escrevia que: “(…) por incrível que pareça, nunca temi os adversários que chegam do exterior. O meu receio consiste nos adversários cá de dentro. Os ‘quinta colunas’ que por aí andam a dar palpites, metidos a técnicos, verdadeiros espíritos de porco, que jamais se satisfazem com o que Deus lhe deu. Esses, sim, meus amigos!… Esses são capazes de tudo para que subsistam suas opiniões insensatas como as dos asnos. (…) (NASCIMENTO, Álvaro. Jornal dos Sports. 25/07/1950. p. 14). Nascimento aproveitava a crônica sobre o jogo para avisar que deveríamos ter cuidado com o próximo adversário, a Suíça, mas criticava os derrotistas de plantão por não confiar na seleção brasileira.

Antonio Olinto, que escrevia sobre teatro e cinema no mesmo jornal, usa desta cena (conceito proposto por Maingueneau) para ilustrar a bela atuação de Ademir: “(…) Jair sente que pode demonstrar as filigranas de sua técnica se sua técnica, os meandros de sua arte inimitável. Olha para cima, vê um monstro de cimento, repleto de cabeças, de olhos que contemplam suas avançadas, de bocas que exigem seu pé para uma penalidade. Então, respira fundo e sente-se como o ator que vai interpretar o ‘Hamlet” diante da mais culta das plateias. (…)” (OLINTO, Antonio. Jornal dos Sports. 25/07/1950. p.11)

Finalmente, outro grande cronista do jornal, José Lins do Rego apontava a cidade do Rio de Janeiro como a grande protagonista no início do torneio da FIFA: “A cidade mudou de cara com a ‘Copa do Mundo’. Por toda a parte se vê uma mudança de fisionomia. As bandeiras desfraldadas, e por toda parte a ansiedade pelo acontecimento. O Rio de Janeiro se entregou de corpo e alma aos visitantes que aqui chegaram, para ver de perto uma autêntica maravilha da natureza. O Rio não esconde um pedaço de mar, um recanto de floresta, uma nesga do céu. A cidade se preparou com suas melhores festas, aí está bonita como nunca”. (REGO, José Lins do. Jornal dos Sports. 25/07/1950. p.11).

Enfim, a estreia do Brasil era retratada pelo Jornal dos Sports como uma oportunidade de: 1) Manter o caleidoscópio discursivo e estilístico dos cronistas deste jornal; 2) Mobilizar a defesa da cidade do Rio de Janeiro como palco central do campo esportivo brasileiro; 3) Compreender que era necessário vencer o excesso de confiança sobre o desempenho da seleção brasileiro na mesma medida que a mesma deveria ser apoiada de forma inconteste, inclusive nos elogios aos jogadores que se destacavam a cada partida daquele torneio; 4) Ampliar o campo publicitário da empresa por meio da oferta de produtos e serviços. 5) Articular a cobertura esportiva impressa com outros veículos de comunicação como o rádio.

Bem, o resultado daquela campanha todos nós sabemos. Porém, ao olharmos para a Copa de 1950, precisamos descortinar o evento como um todo, em todos os seus meandros e possibilidades, para além de uma preocupação exclusiva com a final contra o Uruguai.

Curiosidade: Em 1950, assim como em 2018, o Brasil ganhou do México, empatou com a Suíça e ganhamos da Iugoslávia (Em 2018, foi o caso da Sérvia). Repetiremos 1950 chegando na final? A saber…

Curiosidade 2: Além do primeiro e último encontro com o México em Copas do Mundo, o Brasil jogou em 1954 (5 x 0), 1962 (2 x 0), 2014 (0 x 0). Ou seja, nunca perdeu e nem sequer levou um gol.

 

 

 


Televisão, Futsal e Regionalismo: A Copa Rio Sul

29/01/2018

André Couto

Olá, leitores (as):

Neste meu primeiro post de 2018, gostaria de apresentar para quem ainda não conhece a Copa Rio Sul de Futsal (antiga Copa TV Rio Sul de Futsal).

Já temos ao longo da história do esporte vários exemplos de como os meios de comunicação interagiram com o campo esportivo, não apenas na cobertura e publicização dos eventos e práticas esportivas, mas na criação de alguns destes fatos.

A própria Corrida Internacional de São Silvestre, já tratada aqui neste blog, foi idealizada pelo jornal A Gazeta de Cásper Líbero. No Rio, por exemplo, vários eventos esportivos foram patrocinados e “inventados” por jornais como o Correio da Manhã e o Jornal dos Sports (neste caso, vale a pena citar os Jogos da Primavera).

Carrossel Copa Rio Sul Futsal 300 (Foto: Editoria de arte)

A imagem acima é o brasão comemorativo dos 25 anos do torneio, lançado em 2017. Fonte: http://globoesporte.globo.com/rj/sul-do-rio-costa-verde/copa-rio-sul-de-futsal/noticia/2017/03/copa-rio-sul-de-futsal-comeca-neste-sabado-veja-quem-entra-em-quadra.html.

No caso de nosso objeto, o torneio de futsal fora idealizado para integrar as cidades que compõem a região sul e costa verde do Estado do Rio de Janeiro.

Mesorregião do Sul Fluminense
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Mesorregi%C3%A3o_do_Sul_Fluminense

Além da Mesorregião do Sul Fluminense delimitada no mapa acima (compondo os municípios de  Angra dos Reis, Barra do Piraí, Barra Mansa, Itatiaia, Paraty, Pinheiral, Piraí, Porto Real, Quatis, Resende, Rio Claro, Rio das Flores, Valença e Volta Redonda), há uma visão mais estendida de região acrescentando as microrregiões de Vassouras (Engenheiro Paulo de Frontin, Mendes, Miguel Pereira, Paracambi, Paty do Alferes e Vassouras) e Três Rios (Areal, Comendador Levy Gasparian, Paraíba do Sul, Sapucaia e Três Rios). Esta aglutinação de municípios leva em conta o aspecto cultural e histórico da região (parte dela era produtora de café no século XIX) e a gestão administrativa do estado fluminense, por exemplo.

A TV Rio Sul, então, criaria em 1993 a primeira edição do torneio de Futsal que ao longo dos anos foi ganhando mais evidência não apenas pela emissora (afiliada na região da Rede Globo de Televisão), mas também porque fora publicizado pelos jornais e revistas dos diversos municípios envolvidos. Há que se destacar que o proprietário da TV Rio Sul, Arnaldo César Coelho, principal comentarista de arbitragem nas principais transmissões de futebol de campo da Rede Globo, é considerado o idealizador da competição. Arnaldo, ligado ao esporte na sua vida pessoal (em campo como ex-árbitro e na televisão) investira em um “produto” que poderia trazer lucro para sua empresa e popularizar o futsal na região.

O torneio, que é disputado por atletas representando os municípios e não os clubes, passou a criar rivalidade interregional, inclusive com brigas entre torcidas organizadas.

Sobre a violência no torneio, inclusive entre integrantes da comissão técnica e atletas, veja a matéria de um jogo entre Vassouras e Rio Claro, realizado em 2017:

http://g1.globo.com/rj/sul-do-rio-costa-verde/rjtv-1edicao/videos/v/copa-rio-sul-de-futsal-envolvidos-em-confusao-no-jogo-rio-claro-x-vassouras-sao-punidos/5870208/

Desta forma, mas não apenas por este motivo, a competição possibilitou ampliar o sentimento local de pertencimento, mesmo oriundo de uma prática desportiva pouco incentivada na programação das emissoras de televisão e da imprensa esportiva. A prática do futsal, que tem espaços privilegiados nas escolas e praças públicas das cidades brasileiras, não tem um impacto mais ampliado nas arquibancadas dos jogos e na cultura esportiva e de lazer se compararmos com o futebol de campo, principalmente em relação à identidade clubística.

Outro fator relevante é que a competição não envolve diretamente a Federação de Futsal do Rio de Janeiro. Pelo menos, não localizamos no site desta instituição, nenhuma menção à Copa Rio Sul, o que chama bastante a atenção, tendo em vista a evidência midiática do torneio.

Não temos como analisar profundamente o impacto do torneio na economia local, assim como o grau preciso de adesão dos moradores/torcedores locais. Todavia, o torneio se tornou também um caminho bem lucrativo para a TV Rio Sul captar patrocínios para sua grade comercial.

No documento que apresenta o plano comercial do evento de 2018, há um informe de que cerca de mais de 4.000 torcedores estarão mobilizados e serão criados cerca de 12,6 milhões de impactos individuais (a partir das entradas e vinhetas nos intervalos de vários programas nacionais da emissora). Todavia, o que chama mais a atenção é o valor total do plano: R$ 138.000,00 (divididos em veiculação de televisão, propriedade de arena – produção e promoção e cross mídia). Ver mais detalhes da proposta comercial no documento disponível em: http://www.comercialonline.tv.br/Imagens/Oportunidades/Oportunidades_298_pdf_20171214170101.pdf.

Sobre o torneio há uma previsão de que o mesmo mobilize as cidades entre 3 de março e 2 de junho, com previsão de 20 equipes divididos em 4 grupos e jogos em turno e returno. A partir daí, 8 se classificam para a fase de quartas de final e segue até a final, televisionada ao vivo pela TV Rio Sul.

Aliás, sobre a mobilização da emissora na cobertura do evento, veja o vídeo abaixo sobre a final de 2016, disputada entre Mendes e Piraí:

http://g1.globo.com/rj/sul-do-rio-costa-verde/rjtv-2edicao/videos/v/transmissao-da-final-da-copa-rio-sul-de-futsal-envolve-toda-a-equipe-da-tv-rio-sul/5040682/

Assim como em vários dos eventos esportivos que impactam nossa sociedade, não encontrei nenhum trabalho acadêmico que discutisse este torneio, mesmo de forma periférica. Algumas das muitas perguntas possíveis são relevantes: qual a participação financeira das prefeituras locais na formação e manutenção destas equipes? Qual é o grau de mobilização dos munícipes nos jogos? De onde vêm e quem são estes “torcedores organizados”? O que fazem os atletas depois da realização do torneio?

Bem, fica a dica de como podemos conhecer um pouco mais da vida e a história social no estado do Rio de Janeiro, ao compreender a prática esportiva e cultural em que as pessoas estão e são envolvidas, sejam nas quadras, nas discussões em praças públicas ou ainda pela tela da televisão.

Abaixo, apenas para título de curiosidade, segue a lista dos campeões desde o ano de 1993. Em destaque, a cidade de Barra Mansa que conquistou 11 títulos.

Ano Campeão
1993 Barra do Piraí
1994 Volta Redonda
1995 Barra do Piraí
1996 Areal
1997 Barra Mansa
1998 Barra Mansa
1999 Barra Mansa
2000 Barra Mansa
2001 Barra Mansa
2002 Barra Mansa
2003 Barra Mansa
2004 Barra Mansa
2005 Volta Redonda
2006 Barra Mansa
2007 Barra Mansa
2008 Vassouras
2009 Vassouras
2010 Vassouras
2011 Vassouras
2012 Valença
2013 Piraí
2014 Mendes
2015 Três Rios
2016 Mendes
2017 Barra Mansa

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Copa_Rio_Sul_de_Futsal.

Algumas histórias e imagens da competição podem ser vistas no vídeo abaixo:

Logo a seguir, outro vídeo sobre a final de 2017.


Cápsula do Tempo

14/08/2017

André Alexandre Guimarães Couto

Quase todo um mundo conhece uma cápsula do tempo. Recipiente de diversos formatos, tem o objetivo intencional ou não de deixar para a posteridade ou para quem quiser , informações relevantes da sociedade e dos grupos humanos de determinado período da História.

Quem, inclusive, quiser visualizar a abertura de uma no Rio de Janeiro em 2022, na frente do Museu Nacional (UFRJ), localizado na Quinta da Boa Vista, no bairro de São Cristóvão, está prevista a abertura de uma que foi enterrada em 1972.

Cápsula do tempo enterrada nos jardins do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, em São Cristovão (Foto: Káthia Mello/G1)

Fonte: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/rio-450-anos/noticia/2015/03/g1-revela-tesouros-escondidos-do-rio-nos-450-anos-da-cidade.html&gt;.

Para William Jarvis (2002), a cápsula intencional oferece para os pesquisadores pouca informação útil, pois não conta a história das pessoas da época, ou mesmo de quem produziu a própria cápsula, sem falar na deteriorização dos objetos enterrados.

Muito comum nesta cápsula é o uso de jornais da época e para tanto, o plástico ao redor do papel é utilizado para a sua respectiva preservação.

Pensando nisso, fiquei imaginando sobre o que poderíamos selecionar hoje no meio jornalístico esportivo para incluir em uma cápsula para ser aberta daqui a 50 anos. Exercício interessante, mas decidi fazer o inverso. Se formos abrir uma hoje, enterrada há 50 anos, o que acharíamos?

Ou seja, o que interessou a imprensa esportiva (no caso a carioca), no dia 14 de agosto de 1967? Utilizamos, então, o Jornal dos Sports (JS). Vejamos, então, o resultado:

Em pleno regime militar, com poucos meses do Governo Costa e Silva, a imprensa esportiva do Rio de Janeiro ocupava-se do campeonato carioca. A Taça Guanabara disputada naquele ano era o torneio do qual o Jornal dos Sports (JS) mais se concentrava. A principal manchete garrafal dizia:

América afasta Vasco da Taça

Com um público pagante de 70.146, o jogo terminara 3 x 1 para o time rubro (gols de Edu e Eduardo, que fizera 2, e Paulo Bim para o Vasco). Interessante é que o registro do público acrescentava que além dos pagantes, assistiram 9.776 menores de idade, totalizando 79.922 expectadores. Não há notícias dos demais (cadeira cativa, por exemplo), nem se existiam alguma gratuidade. Chama a atenção a presença do público infantil em grande quantidade, além da própria totalidade dos números de público presente.

Desta forma, como dia 14/08 era uma segunda-feira, a cobertura do domingo do futebol carioca era o grande tema para o JS. Mas, cabem duas informações para compreendermos o torneio: 1) as competições regionais deste período iniciavam em julho e terminavam em dezembro. 2) a Taça Guanabara não era o primeiro turno do campeonato carioca, mas considerada um torneio a parte ou ainda um pré-torneio do campeonato carioca. Em 1967, fora disputada pelos 6 times mais tradicionais da cidade: Vasco, Fluminense, Flamengo, Botafogo, América e Bangu. Na final, Botafogo vencera o América, conforme podemos visualizar no vídeo abaixo:

 

 

Os demais, clubes com menores investimentos (Bonsucesso, São Cristóvão, Campo Grande, Portuguesa, Olaria e Madureira) disputavam um torneio similar chamado de Taça José Trócoli.

Nelson Rodrigues em sua crônica escrevia que: “Amigos, ontem, à saída do Estádio Mário Filho, dizia-me um americano: – ‘Você precisa escrever sobre o América! Basta de Fluminense’. Achei graça e passei adiante. Mas claro que não basta de Fluminense. O tricolor continua sendo um destes assuntos obsessivos e eternos. Todavia, o América merece que eu abra, hoje, com o seu nome e com sua vitória (…).” Nelson Rodrigues enfatizava sua paixão pelo time tricolor e aproveitava para valorizar a rivalidade com o Vasco ao apontar uma vitória convincente do América, clube que segundo ele era importante, mas estava passando por dificuldades para se manter na elite do futebol carioca.

Interessante é perceber que neste ano inexistiu um clube do interior na disputa das principais competições do estado do Rio de Janeiro.

O JS ainda na sua capa apresentava o principal resultado do campeonato mineiro: “Atlético derrota América” e as notícias do campeonato paulista viriam publicadas apenas na página 2. Hierarquização entre Minas Gerais e São Paulo, no interesse do público carioca? Leviano afirmar isso, sem pesquisar as fontes com mais cuidado, mas poder uma boa pista.

Na página 6, destaque para o futebol amador com a final do campeonato Série IV Centenário, realizado em Santa Cruz (zona oeste do Rio de Janeiro). Matéria de quase meia página e com destaque para o andamento do jogo e com imagem dos jogadores em disputa.

Não confundir, todavia, com o campeonato de peladas, torneio promovido pelo jornal, disputado nos campos do Aterro do Flamengo.

Apenas na página 7, uma matéria sobre a participação das modalidades aquáticas do Brasil nos Jogos Panamericanos de Winnipeg (Canadá) que havia terminado em 6 de agosto. Dentre as principais críticas do jornal, a denúncia de que a equipe de saltos ornamentais não tinha técnico e o waterpolo só viajara com um goleiro (ainda assim, conseguira a medalha de prata), sem falar nos maus resultados do remo (apenas uma de medalha de bronze).

Finalmente, na penúltima página, os resultados do turfe, tradicional espaço publicado desde a criação do jornal (1931).

Bem, este post bem descritivo não tem apenas o objetivo de pensar uma análise do que fora publicado no JS há 50 anos, mas também de compreendermos a necessidade de analisarmos melhor o espraiamento do futebol em suas diversas camadas de organização (só por aqui, vimos 4 delas); as críticas ao esporte brasileiro que representava o país em eventos olímpicos (além, é claro, da sua própria capacidade organizativa), a longevidade e importância do trabalho de Nelson Rodrigues assim como a descontinuidade dos textos subjetivos de múltiplos cronistas que atuaram na década anterior no próprio jornal. E ainda a relação do JS com outros veículos de comunicação como a televisão pois era comum a propaganda de programas como o de J. Silvestre na TV Rio, por exemplo.

Ou seja, possibilidades múltiplas para compreendermos o esporte por meio da imprensa, para além de sua restrita descrição.

 

Referências:

JARVIS, William. Time Capsules: A Cultural History. McFarland, 2002.

JORNAL DOS SPORTS. N.º 11.934. Rio de Janeiro. 14 de agosto de 1967.


Mais um Brasil x Uruguai na reta final das Eliminatórias FIFA

20/03/2017

André Alexandre Guimarães Couto

 

Olá, caros (as) leitores:

No post de hoje gostaria de lembrar o último jogo de Brasil x Uruguai que proporcionou a classificação da seleção brasileira para uma Copa do Mundo de Futebol, tendo em vista que a História pode se repetir na próxima quinta-feira.

Tratava-se das Eliminatórias de 1993 para a Copa dos Estados Unidos que ocorreria no ano seguinte. Apesar de o nosso selecionado ter reagido no segundo turno da tabela de classificação, vindo de vitórias contra Equador, Bolívia e Venezuela, o embate final seria contra a seleção do Uruguai que precisava vencer, pois tinha o saldo de gols pior que o do Brasil.

Lembramos que na ocasião, o sistema de classificação era dividido em dois grupos, o do Brasil (com 5 seleções) e que levaria dois selecionados para a Copa e o outro, com 4 seleções, mas que classificaria diretamente uma e levaria uma segunda para a repescagem (na ocasião, a Colômbia se classificaria em primeiro e a Argentina, em segundo). Lembramos ainda que o Chile estava cumprindo uma suspensão de 5 anos de punição pelos episódios ocorridos no Maracanã contra o Brasil em 1989. [1]

Porém, mais do que o destaque do fantasma uruguaio em nosso caminho, no mesmo palco do Estádio Maracanã da final de 1950, a imprensa brasileira ressaltava a convocação de Romário para aquele jogo. [2]

Ausente desde 1992 por declarar publicamente que não queria sair do continente europeu para atuar como reserva na seleção (já que jogava no Barcelona), o jogador fora esquecido pela comissão técnica comandada por Carlos Alberto Parreira e Zagallo. Este episódio fora na ocasião de um amistoso contra a Alemanha, em Porto Alegre. Além da rigidez tática que iria acompanhar o trabalho de Parreira em sua carreira como treinador, a disciplina individual e comportamental seria uma das características de Jorge Lobo Zagallo, Coordenador Técnico daquela equipe.

Em 7 de setembro de 1993, o Jornal dos Sports informava em letras garrafais “Parreira se curva a Romário”, fazendo referência a uma declaração do técnico da seleção sobre a possibilidade do atacante ser convocado para o último jogo.[3]

Apesar de informar que Parreira teria se encantado pelo último jogo de Romário no Barcelona, quando fizera três gols contra o Real Sociedad pelo Campeonato Espanhol, havia uma evidente preocupação em relação às contusões do ataque titular, formado por Bebeto e Müller. Inclusive, no penúltimo jogo, contra a Venezuela, os ataques titulares foram Valdeir e Evair.

https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=video&cd=2&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwj4g43UnObSAhUEgZAKHZbtACAQtwIIHTAB&url=https%3A%2F%2Fwww.youtube.com%2Fwatch%3Fv%3DjXxplAxn4sQ&usg=AFQjCNHSdsmuO89B7C2yVz3moi9ziNMvSQ

Gols do jogo entre Barcelona X Real Sociedad

Os jornais do Rio de Janeiro e seus vários cronistas e repórteres apresentavam uma campanha positiva mas discreta a favor do atacante do Barcelona (logo após as vitórias seguidas da seleção), e enfatizavam a impaciência da torcida brasileira no jogo contra a Venezuela no Mineirão. De fato, apesar da vitória por 4 x 0, a torcida mineira chegara a vaiar a equipe brasileira, muito em decorrência da “frustração” pois o Brasil tinha batido o time da Bolívia por 6 x 0 em Recife e esperava-se um resultado ainda mais avassalador contra os venezuelanos.

https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=video&cd=2&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwjJ_6ibnebSAhWDiZAKHbahBowQtwIIHTAB&url=https%3A%2F%2Fwww.youtube.com%2Fwatch%3Fv%3DVVL_nvefWPg&usg=AFQjCNFuGuwZmwXNxkJKY9_sCididdijNA

Gols do jogo entre Brasil x Venezuela

A Folha de São Paulo, na edição de 1º/08/1993 informava que Parreira precisava vencer a Venezuela para manter seu cargo, revelando que a imprensa de paulista era muito mais ácida e crítica com o treinador do que a imprensa carioca.[4] De modo geral, tanto no Rio, como em São Paulo, com ou sem Romário, a crítica era mais dura em relação ao esquema tático defendido por Parreira, baseado em defender-se primeiro e atacar depois. Esta forma de jogar, aliado ao ótimo desempenho de Romário em terras espanholas tornou-o um forte candidato a herói da classificação.

Se no jogo desta semana, em Montevidéu, não temos um apelo por um “salvador” (já que nos parece que o técnico Tite alcançou esta pecha pela imprensa nacional), no campo da política, temos mais algumas características bem peculiares de nosso país: no ano de 1993, a população brasileira votara em um plebiscito a favor da continuidade do sistema presidencialista de governo, muito menos pela popularidade de Itamar Franco (que substituíra o presidente que sofrera o impeachment, Fernando Collor de Mello) mas, muito mais pela desconfiança de um parlamento pouco inspirador para as mudanças que o Brasil necessitara seja no âmbito social como no da modernização da economia nacional. Sobre este último ponto, lembramos que no ano de 1993, o governo Itamar Franco dedicara parte de seu tempo a controlar o processo inflacionário. Para tanto, apesar do Plano Real ter sido criado no ano seguinte, já em 1993 a moeda tornava-se o cruzeiro real, substituindo o cruzeiro, sem falar no discurso em torno do “corte de despesas”.[5]

Mas, nos chama a atenção o papel das grandes empreiteiras no ambiente político brasileiro. De acordo com o jornal, “(…) A construção civil, por exemplo, pretende contribuir com parte das dívidas que os governos têm com as empreiteiras – as doações serão feitas à medida que elas forem recebendo dos cofres públicos.” [6] E mais: “Outros empresários ameaçam não contribuir nas campanhas se não for criada uma lei que autorize as doações”.[7] Ou seja, o financiamento eleitoral era um dos pontos de destaque no cenário político/eleitoral brasileiro naquele momento.

E, já que tocamos no assunto eleitoral, em 1993 a pesquisa do DataFolha apontava algumas preferências na corrida presidencial de 1994: Lula/PT aparecia em primeiro com 22%, seguido de Paulo Maluf/PPR (15%), Leonel Brizola/PDT (14%), José Sarney/PMDB (9%), Quércia/PMDB (6%), Tasso Gereissati/PSDB (5%) e Antonio Carlos Magalhães/PFL (4%). [8]

A população desconfiada com o cenário político se dividia entre as principais lideranças políticas daquele momento e que já tinham passado pela experiência eleitoral de 1989, sejam da esquerda, sejam de uma direita, por sua vez, mais dispersa e indefinida, como no caso do PMDB (mais uma coincidência?).

Voltando ao assunto de Brasil x Uruguai, com coincidências ou não, naquela ocasião, a seleção nacional vencera bem a chamada “Celeste Olímpica”, pelo placar de 2 x 0 com dois gols de Romário. Apesar do grande destaque (e merecido) pela imprensa à atuação do atacante do Barcelona, vários outros jogadores tiveram belíssimos desempenhos, em todos os setores, como podemos observar nos lances registrados no vídeo abaixo:

https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=video&cd=2&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwirgfOaiubSAhVCIZAKHa5fCbcQtwIIIjAB&url=https%3A%2F%2Fwww.youtube.com%2Fwatch%3Fv%3DItLIJzqV0f8&usg=AFQjCNHGLOn2YARRShpiFI-vE7Bsda50Sw&bvm=bv.150120842,d.Y2I

Gols de Brasil x Uruguai em 1993.

Desta forma, a seleção brasileira alcançaria mais uma Copa do Mundo da qual se sagraria campeã no ano seguinte.

Vinte e quatro anos depois, nos perguntamos: e agora, para onde o Brasil irá?

Pergunta difícil…

Referências:

[1] Sobre este episódio, ler o artigo de BALDINI Jr., Wilson. Há 25 anos, um Brasil e Chile que não terminou no Maracanã. Disponível em: <http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,ha-25-anos-um-brasil-e-chile-que-nao-terminou-no-maracana,1519937&gt;.

[2] Ler o post “Por que não nos esquecemos de 1950?”.

[3] Parreira se curva a Romário. Jornal dos Sports. 7/09/1993. P. 5.

[4] Parreira depende de Vitória. Folha de São Paulo. 1º/08/1993. P.1.

[5] Brasil estréia hoje nova moeda e salário. Folha de São Paulo. 1º/08/1993. P.1-5.

[6] 12 ministros já fazem campanha. Folha de São Paulo. 1º/08/1993. P. 1

[7] Ibidem.

[8] Presidencialismo vence, Lula e Maluf lideram corrida para 1994. Folha de São Paulo. 22/04/1993. P. 1.

 

 

 

 

 

 

 

 


Cobertura quente na Guerra Fria: O Jornal dos Sports nas Olimpíadas de 1952 em Helsinque

16/10/2016

André Couto

Olá, caros (as) leitores (as):

Neste breve post, trago para vocês uma curiosa cobertura do Jornal dos Sports (JS) sobre os Jogos Olímpicos de 1952, em Helsinque, na Finlândia.

A então União Soviética iria disputar os Jogos de Verão pela primeira vez nesta ocasião e muita expectativa no mundo todo girava em torno da participação desta potência e de seus aliados, principalmente por conta da Guerra Fria travada com os Estados Unidos a partir do final da II Guerra Mundial.

No Brasil, não seria diferente e podemos utilizar o exemplo da cobertura do JS (já um jornal especializado em esportes e de grande circulação no Rio de Janeiro) para apontarmos algumas representações criadas por este periódico.

Primeiramente, é importante lembrar que as coberturas de grandes eventos internacionais como essa, era tarefa geralmente destinada ao jornalista Geraldo Romualdo da Silva, que estava na empresa desde os seus primórdios, no início da década de 1930.

Resultado de imagem para olimpíadas de 1952

Cartaz oficial dos Jogos Olímpícos de 1952[1]

Tanto neste evento como em outros, Geraldo procurava sempre trazer curiosidades sobre o país e seu respectivo povo e cultura local, ilustrando para os leitores do JS o contexto em que o esporte se apresentava. Discutia, ainda, em segundo plano, os aspectos e características principais das equipes esportivas, mas invariavelmente, privilegiando a análise sobre o futebol. A ideia, inclusive, era a de que os leitores teriam mais interesse pela cobertura dos Jogos, se o futebol fosse mais valorizado nas matérias e notícias.

Todavia, em um de seus momentos na cena de um observador, Geraldo apontava que:

Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso: assim ocorre, igualmente, no mundo novo dos atletas, que não mais se separam apenas pela cor da pele que Deus lhes deu; nem mais, somente, pela espécie de cruz que antes traziam no peito, na alma e no espírito, às vezes, mas já agora pelas duas intransponíveis fronteiras que Stalin estabeleceu da Russia até a Alemanha, e os países amigos da liberdade mais humana, desde a América, grande, rica e jovem, aos confins da França, um pouco ao norte também pelos lados da Suécia, Dinamarca, assim, assim a Finlandia (já a Noruega nem tanto), e, ao sul, graças à Itália; mais acima, de fato, nas alturas da Suíça, da Iugoslávia de Tito, da Austria e um bom pedaço da Alemanha, que poderia ser maior.[2]

Com sua “aula de Geografia”, o correspondente apresentava uma fronteira de ferro criada por Stalin e pela URSS, separada de um mundo sob a influência da “liberdade mais humana” e que seria ainda “grande”, “rica” e “jovem”, quase (ou nem isso) um exemplo a ser seguido pelo Brasil dos anos 1950. Chegava a opinar sobre a divisão da Alemanha, que segundo ele, deveria “ser maior” se não fosse a interferência soviética.

Em outro momento, informava que os húngaros viviam “(…) ostentando enormes escudos em que se vêem à distancia um martelo tosco e uma touceira de trigo”.[3] Cabe lembrar que a aproximação do jornalista com a seleção húngara de futebol se valia não só pelo tom de crítica ao regime socialista mas também pela condição de favorito à medalha de ouro, fato que se concretizou nesta edição. 

Pódium do Futebol com as seleções da Hungria (Ouro), Iusgoslávia (Prata) e Suécia (Bronze)[4]

Por fim, apontava de forma dualista que na vila olímpica, “(…) São duas babéis; uma, fortalecida pelo medo que seus habitantes têm de se descobrirem à verdade nua e crua de um regime condenado; outra, que insiste em viver abertamente, de “short”, trocando impressão seja lá com quem for, tranquila e confiante em si nos destinos dos homens que a dirigem.”[5]

Daí, atirava com suas linhas contra o comportamento dos atletas dos países socialistas que viviam em trajes sólidos e discretos, cientes de que estavam em um “regime condenado”, ao contrário dos demais que viviam “tranquilos”, de “shorts”, numa relação com a natureza mais leve e fluida, pois voltariam confiantes para suas casas, para o regime da liberdade. Desta forma, associava disciplina e liberdade por meio dos uniformes e roupas que os atletas dos dois grandes blocos de países usavam (socialistas e capitalistas).

Em outro momento, criticava o fato dos atletas do bloco socialista terem ficado em uma vila olímpica separada:

Em compensação, lá pelos lados da “Cortina de Ferro”, dentro de Otaniemi, que se formou exclusivamente para tirar todos os “vermelhos” do contagio com os que não são “vermelhos”, ideologicamente, os húngaros escapam ao rigorismo da vigilância em que vivem (um pouquinho), e simpaticamente, democraticamente, sorriem dão autógrafos e falam de suas coisas, de suas esperanças e de seus records, especialmente de seu football (pouco, é verdade), do qual se orgulham tão imensamente como nós nos orgulhamos imensamente do nosso.[6]

Com isso, conseguia cobrir os Jogos a partir da análise do futebol e valorizava a seleção húngara, sem deixar de apontar seus “defeitos ideológicos”, como a associação com o socialismo soviético.

Em síntese, a ideia da cobertura dos Jogos Olímpicos esbarrava em alguns fatores que dificultavam um debate mais amplo como a distância, ausência de informações precisas, poucos correspondentes e, principalmente, a concorrência com as competições de futebol, como o campeonato carioca, a Copa Rio de 1952 e os amistosos interestaduais e internacionais. O futebol reinava inclusive em momentos olímpicos. E os cronistas acompanhavam esta linha editorial. Geraldo Romualdo, principalmente quando assumia a posição de enviado especial, adotara a postura de narrador-repórter.[7] Com isso, se adequara piamente à ideologia do veículo em que atuara, assim como tornava-se arauto  e defensor anticomunista dos pretensos interesses de seus “consumidores”, ou seja, os leitores de JS

[1] Imagem retirada de:  http://olimpiadasdorio2016.com/olimpiadas-de-1952/

[2] SILVA, Geraldo Romualdo da. O que mais importa é competir. Democracia, Comunismo e Racismo nas Olimpíadas. In: Jornal dos Sports. Rio de Janeiro, n.º 7.020, 17 de julho de 1952. P. 5.

[3] Ibidem.

[4] Imagem retirada de: http://reliquiasdofutebol.blogspot.com.br/2012/07/o-torneio-de-futebol-nos-jogos.html.

[5] SILVA, Geraldo Romualdo da. Op. Cit. P. 5.

[6] Ibidem.

[7] SÁ, Jorge de. A Crônica. São Paulo: Ática, 1987. 3 ed. P. 7-8.

 


O ano esportivo acabou… Só que não.

28/12/2015

Olá, caros(as) leitores(as):

O ano de 2015 acabou e com ele os eventos esportivos também se foram. Porém, um dos últimos suspiros do esporte neste ano será a tradicional Corrida de São Silvestre, que apesar de ser muito conhecida, tem uma série de particularidades que muitos de nós desconhecemos.

Criada em 1925 e que, portanto, comemora-se 90 anos neste próximo dia 31 de dezembro, a prova homenageia o Papa que governou a Igreja entre os anos de 314 e 355. São Silvestre morrera justamente no último dia do ano cristão de 355.

O santo São Silvestre

Fonte: http://www.saosilvestre.com.br/historia/o-santo/.

Apesar da corrida ter se popularizado ao longo do século XX, não podemos dizer o mesmo sobre a fé dos brasileiros sobre este santo, ainda pouco conhecido por boa parte da população. Inclusive, existem apenas três paróquias deste santo em todo o território nacional: Jacareí (SP), onde se localiza o distrito de São Silvestre, Viçosa (MG) e Maringá (PR).

Já sobre a corrida, podemos dizer que teve origem em 1925 a partir da ideia do jornalista Cásper Líbero, que após uma viagem à França, trouxe a proposta de promover uma corrida noturna no Brasil. Apesar de não termos notícias de outras corridas oficiais noturnas, não podemos ter certeza, por ora, de que as mesmas não ocorriam até então. Todavia, a São Silvestre tornou-se bastante popular nos anos subsequentes e atingiu uma marca bastante interessante: nunca fora interrompida, o que nos leva a refletir que o final de ano era um momento oportuno para uma nova prova esportiva, devido ao espírito festivo e celebrativo em que as pessoas costumavam se encontrar, como nos dias de hoje.

Apesar da intervenção direta da imprensa por meio do jovem jornalista, a maior parte dos jornais simplesmente ignorou o evento esportivo nos primeiros anos.  Seu sucesso nas ruas, porém, reorganizou a pauta da imprensa esportiva local e nacional em poucos anos.

 https://upload.wikimedia.org/wikipedia/pt/4/43/SaoSilvestre1.jpg

Primeira Edição da Corrida. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Corrida_Internacional_de_S%C3%A3o_Silvestre.

Somente em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a competição tornou-se aberta a participantes de outros países da América do Sul, por meio de convite. Apesar de não sabermos os critérios deste convite, percebemos uma clara intenção de internacionalizar o evento, agora em um ambiente de euforia pacifista mundial do pós-Guerra. Apenas dois anos depois, a corrida ampliava seu leque de participação, permitindo a presença de atletas de várias partes do mundo.

É bem interessante percebermos o nascedouro da corrida por meio dos seus primeiros trajetos, porque a partir daí, notamos que se a largada era dada (como hoje), na Av. Paulista, principal via da cidade, a chegada tinha destino nas primeiras décadas (até 1948) para clubes esportivos importantes para a capital, como a Associação Athletica São Paulo (Ponte Pequena), até 1929 e o Clube de Regatas Tietê. Lembramos ainda que de 1945 a 1948, justamente nos primórdios da fase internacional, a largada era realizada não na Av. Paulista, mas no Estádio Pacaembu. Desta forma, a conformação do campo esportivo paulista é inserida de maneira proposital no trajeto da corrida de São Silvestre.

Posteriormente, a chegada fora deslocada para o Palácio da Imprensa e, finalmente, ao Edifício que abrigou o jornal A Gazeta e onde hoje se localiza a Fundação Cásper Líbero, numa demonstração de homenagear o idealizador do evento e da própria imprensa.

Apesar de famosa e contando com diversos atletas de gabarito mundial, somente em 1975 a modalidade feminina passava a ser disputada e apenas em 1989, a corrida conseguia o reconhecimento da IAAF (Federação Internacional de Atletismo). Para tanto, a competição deixava de ser noturna e os organizadores se comprometiam a estabelecer o percurso em 15km a partir de 1990.

Se o grau de dificuldade da competição aumentava, também podemos dizer acerca da popularidade da corrida, com a presença de cada vez mais pessoas, com fantasias, mensagens, promessas e manutenção de uma prática desportiva cada vez mais comum nas principais cidades brasileiras: a corrida de rua. Neste caso, como já dissemos, por se tratar de final de ano, o evento é mais uma festa para boa parte dos que ali estão.

Abaixo, a título de curiosidade, o curta metragem “São Silvestre”, lançado em 2013. Posteriormente, a partir deste trabalho, foi produzido um longa metragem com o mesmo propósito.

 

Obs.: O Brasil não vence a corrida desde 2010 (atleta Marílson Gomes dos Santos). Na modalidade feminina, a última brasileira a vencer foi Lucélia Peres (2006). Será que este ano o jejum termina? Torçamos até o último dia esportivo do ano.

Obs. 2: Para uma maior compreensão da relação da Corrida com a cidade de São Paulo, ver o post de Maurício Drummond em: https://historiadoesporte.wordpress.com/?s=s%C3%A3o+silvestre, publicado em 2013.

 

 


As Olimpíadas perdidas de Brasília

17/08/2015

André Couto

Olá, leitores (as):

Próximo do grande ano esportivo de 2016, quando sediaremos as Olimpíadas no Rio de Janeiro, fui pesquisar um dos primeiros projetos de sediar tal evento no Brasil: Brasília 2000.

Pouquíssimo material está disponível para pesquisa, porém, me chamou a atenção um documento oficial, homônimo ao projeto supracitado.

O documento elaborado pela Comissão Pró-Olimpíadas 2000 e publicado em 1991, apresentado em capa dura e em 120 páginas, nos quatro idiomas principais do COI (inglês, espanhol, francês e português), era um marco para as intenções do país em sediar um megaevento esportivo.

A logomarca do projeto escolhia a Catedral de Brasília, um dos símbolos da cidade e marca arquitetônica de Oscar Niemeyer.

A conjuntura era o início dos anos 1990, no Governo do então presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992), que lançava uma política neoliberal de “enxugamento da máquina do Estado”; reestruturação, extinção e fusão de órgãos públicos; demissão de funcionários públicos e congelamento de preços e salários, além do famigerado confisco da poupança por dezoito meses com o objetivo de reduzir a circulação de moeda no mercado. O cruzeiro retornaria em substituição ao cruzado novo, tentando deixar um passado econômico de inflação do governo anterior de José Sarney. O conjunto destas medidas seria chamado de Plano Brasil Novo, vulgarmente conhecido como Plano Collor.

 

No âmbito político, oriundo de um estado pouco influente no cenário nacional e alavancado ao poder pelo pequeno PRN (Partido da Reconstrução Nacional), Collor teve que compor sua base política de apoio com partidos conservadores e de direita como o PFL, PDS, PTB e PL e outros menores.

O projeto Brasília 2000 colocaria o Brasil em evidência internacional, no momento em que a economia procurava caminhar e fugir da década perdida e inflacionária dos anos 1980. A imagem de estadista arrojado, jovem e empreendedor fora muito utilizada durante a campanha para as eleições presidenciais em 1989 e ao longo dos primeiros anos de seu governo (quem não se lembra de Collor em um caça da Aeronáutica, pilotando um jet ski ou jogando futsal com a seleção brasileira que se preparava para a Copa do Mundo de 1990, na Itália?). Cabe lembrar que a imagem de agente público incorruptível e “caçador de marajás” (ou seja, os altos funcionários públicos do estado de Alagoas) foi veiculada pelos grandes grupos empresariais de comunicação como o Grupo O Globo e Grupo Abril, conforme podemos verificar na imagem abaixo:

Porém, qual é a memória que temos hoje deste projeto falido?

De acordo com o blog de Marcelo Monteiro, “Memória E.C.” do site Globoesporte.globo.com, a ideia era celebrar os 500 anos do descobrimento do Brasil e, portanto, o governo se empenhava para fazer grande comemoração, inclusive com um evento inédito na história brasileira. De acordo com este blogueiro, a candidatura de Brasília foi liderada pelo empresário e deputado federal Paulo Octávio, ligado ao presidente, mas inicialmente não contava com o apoio do próprio COB (Comitê Olímpico Brasileiro). De acordo com Monteiro, podemos refletir porque a candidatura fora retirada pelos próprios organizadores do projeto ainda no processo de seleção, que contava com as cidades de Pequim, Berlim, Sydney, Istambul, Manchester e Milão.

Já o jornalista Sérgio Rangel, da sucursal do Rio do jornal Folha de São Paulo, informava que Juan Antonio Samaranch, então presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional), enviara por meio do seu amigo, João Havelange (então presidente da FIFA) uma carta a Collor explicando os motivos da impossibilidade da candidatura brasiliense.

Outro blog, de Donny Silva, traz uma entrevista com Paulo Octávio, a partir de um ponto de vista bem otimista em relação à candidatura de Brasília 2000. De acordo com o empresário, “(…) Tudo começou em 1989, com a eleição do presidente Fernando Collor e as mudanças de rumo no País. Junto com um grupo de atletas, dirigentes esportivos e intelectuais, iniciei uma ampla campanha para que o Brasil se candidatasse aos Jogos de 2000, trazendo a sede para Brasília, que tinha, inegavelmente, amplas condições de abrigar as instalações requeridas para uma competição deste porte. Um ano depois, em 1990, com minha eleição a deputado federal, o trabalho ganhou força. Nasceu uma associação que atraiu patrocinadores privados e conceituados nomes do mundo esportivo, como Bernard Rajszman, Carlos Arthur Nuzman, Zico e muitos outros otimistas que trabalharam arduamente na construção do dossiê de nossa candidatura. Sempre entendi que, entre as capitais brasileiras, Brasília reunia as melhores condições para sediar o evento.” Dentre as melhores condições, estariam os empreendimentos imobiliários que o entrevistado gerenciava por meio de suas empresas?

Porém, o mais interessante, em relação à falência do projeto, de acordo com Paulo Octávio, a “(…) proposta, entregue por mim e por Márcia Kubitschek na Suíça, em 1992, foi aceita pelo Comitê Olímpico Internacional. Pela primeira vez na história dos jogos, o nosso País foi oficialmente candidato. Na decisão final, em Mônaco, porém, fomos derrotados. Perdemos para Sidney, na Austrália, a eleita entre sete cidades candidatas. Mas fizemos bonito. O problema foi que as dificuldades políticas daquele momento nos inviabilizaram. É bom não esquecer a turbulência que o País atravessava em 1992, com a economia em convulsão e vários problemas estruturais, que assustaram o Comitê Olímpico Internacional.”

Desta forma, temos três versões sobre o mesmo fato: a de que a organização desistira antes do final do processo, a de que o COI informara oficialmente de que o projeto não deveria existir e a última, de que fomos eliminados na final. Memórias e fatos confundem-se muito menos pela inexistência das fontes comprobatórias (uma visita ao COB talvez resolvesse o problema), mas muito mais pela visão de parte dos blogs e textos que tratam deste projeto e que apontam a falta de competitividade da proposta diante das demais cidades candidatas.

Brasília 2000 caiu no esquecimento e por mais que seus organizadores a associem com o sucesso da campanha Rio 2016, cabe pensar em seu contexto histórico. Como nos idos dos anos 1990, era possível pensar em um gasto astronômico de recursos públicos com uma economia ainda tão frágil? E como realizar um megaevento esportivo a partir de patrocínios desproporcionais e aquém, de empresas interessadas, sejam privadas ou ainda mesmo estatais? Foi levado em conta que um projeto de governo, liderado por um deputado federal se confundisse aos interesses privados e empresariais do Grupo Paulo Octávio (vinculado a empreendimentos imobiliários, shopping centers, televisão, hotelaria, rádio, etc)? Pois é, mas se não deu certo desta vez, outras campanhas foram realizadas. Mas, isto é assunto para outro dia.

Um abraço.

Nota 1: Cabe visualizar alguns dos vários projetos arquitetônicos para Brasília 2000, assinados por Oscar Niemeyer e Ruy Othake. Os mesmos seguem abaixo.

Nota 2: Estão lembrados da imagem do documento/livro que apresentamos lá em cima? Estava sendo vendido em um sebo virtual (desconhecido) e o site informava a seguinte nota: “A presente obra encontra-se em bom estado de conservação, contém, apenas, algumas manchas amareladas causadas pelo tempo.”

 

Estádio de Baseball

Estádio de Futebol e Atletismo

Parque Aquático

Velódromo

Quadra de Voleiball

Fontes:

MONTEIRO, Marcelo. Pela quarta vez, Brasil tenta receber os jogos olímpicos. 30/09/2009. Disponível em: <http://globoesporte.globo.com/platb/memoriaec/2009/09/30/pela-quarta-vez-brasil-tenta-receber-os-jogos-olimpicos/&gt;.

OLIMPÍADAS Anos 2000 em Brasília. Disponível em: <http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=651290&gt;.

RANGEL, Sérgio. Eterna candidata. 23/07/2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/fj2306200707.htm#_=_&gt;.

SILVA, Donny. Brasília-2000, agora Rio-2016… 19/08/2012. Disponível em: <http://donnysilva.com.br/brasilia-2000-agora-rio-2016/&gt;.


As mulheres do Irã precisam ser mais esportivas?

06/04/2015

André Alexandre Guimarães Couto

Olá, caros(as) leitores (as):

O motivo de nossa conversa de hoje começou no domingo de Páscoa, mais conhecido como ontem, 05/04, quando ao ler o jornal O Globo, me perguntei porque uma informação tão relevante para o universo esportivo e feminino poderia estar em uma pequena matéria (com poucas frases formando uma coluna) no canto inferior do caderno “Sociedade”:

“Mudança na lei

Irã alivia restrições a mulheres em eventos esportivos
O Irã retirou parcialmente a lei que proíbe mulheres de assistirem eventos esportivos masculinos. A decisão foi anunciada ontem pelo vice-ministro dos Esportes do país, Abdolhamid Ahmadi, dias depois de uma mulher com cidadania britânica e iraniana ter sido presa por protestar contra a legislação. A nova política voltada para elas entrará em vigor ainda durante este ano iraniano, que, no calendário de Teerã, termina em março de 2016.” (O GLOBO, Rio de Janeiro, 05/04/2015)

Evidentemente, acerca do Irã, passamos o final desta última semana, ouvindo na grande mídia sobre a reaproximação das principais nações do Ocidente e o fim de embargos e punições internacionais sobre o país persa e o quanto este estava prestes a aceitar a decisão de reduzir sua capacidade de enriquecimento de urânio, um medo que a guerra fria alimentou por décadas mas que agora ganhou novas e quentes cores.

Mas, será que este “grande tema” diminuiu a importância de “outros” e talvez, “menores” assuntos como o esporte?

Fui fazer o dever de casa: pesquisar. Os grandes jornais e sites on line no Irã obviamente não deram um único destaque importante: nem mesmo o Iran Sports News Network, que enfatizou o campeonato de futebol local e o continental (asiático). Em tratamento semelhante, o Iran Sports Press, mais poliesportivo do que o anterior, apresentando notícias de outras modalidades como o handball ou luta greco romana e com um design mais arrojado do que o primeiro, falhava também no esquecimento de uma decisão ou debate tão caro.

ISP_LogoOs esquecimentos destas questões nos apontam para um processo interno no Irã de tentativa de frear um movimento em prol de uma maior liberdade das mulheres.

No Brasil, apesar de O Globo dar um destaque ínfimo a esta questão, o site do Globo Esporte apresentou uma matéria mais explicativa, apresentando dados relevantes como a permissão para as mulheres daquele país poderem a partir deste ato governamental, ter acesso a locais específicos em ginásios e estádios, desde que acompanhadas de suas famílias. Alguma informação, nenhuma reflexão, mesmo citando o caso daquela jovem Ghoncheh Ghavami, de 26 anos, após ser liberada pela justiça iraniana depois de um tempo presa. A acusação? Tentar assistir uma partida de vôlei masculino entre Irã e Itália, em junho de 2014 pela Liga Mundial.
E falando em vôlei, a auxiliar da seleção brasileira, Roberta Giglio, que lida com estatística esportiva, foi impedida de trabalhar em Teerã quando o nosso selecionado esteve por lá, também pela Liga Mundial.

Fonte: http://globoesporte.globo.com/outros-esportes/noticia/2015/04/com-restricoes-ira-libera-entrada-de-mulheres-em-competicoes-esportivas.html

Ghoncheh Ghavami

Fonte: http://globoesporte.globo.com/outros-esportes/noticia/2015/04/com-restricoes-ira-libera-entrada-de-mulheres-em-competicoes-esportivas.html

Bom, em se tratando do Irã, se a grande mídia brasileira só tem olhos, ouvidos e bocas para a nova tentativa de evitar um desequilíbrio diplomático (já criticada por vários países e políticos, não por acaso mais conservadores), a esportiva, pelo menos, registrou o fato, com pouquíssima reflexão, diga-se de passagem.

Outro ponto importante é perceber que apesar das leis iranianas tratarem as mulheres de forma subalterna e desumana, há um movimento de resistência aumentando cada vez mais naquele país com o apoio de instituições internacionais, como, por exemplo, a Anistia Internacional.

Se por um lado, há um certo avanço nas leis que abrem caminho para os esportes para as mulheres (como na notícia que acabamos de comentar), de outro há medidas de manter as mulheres como estão. É o caso, por exemplo, das propostas de leis pelo governo para aumentar a população iraniana, as chamadas Lei 315 e a Lei 446. De acordo com estas, as mulheres teriam acesso bem restrito aos usos contraceptivos e seriam excluídas do mercado de trabalho, caso se recusassem a casar e a terem pelo menos um filho.

De acordo com Hassiba Hadj Sahraoui, representante da Anistia Internacional para o Oriente Médio e o Norte da África, “The bills send a message that women are good for nothing more than being obedient housewives and creating babies and suggests they do not have the right to work or pursue a career until they have fulfilled that primary role and duty”.

Ou seja, não faz sentido comemorar um determinado avanço social e esportivo com as respectivas presenças das iranianas nos espaços esportivos como os estádios de futebol, quando temos leis que tratam as mesmas como “máquinas de fazer bebê” (expressão utilizada pela própria Anistia Internacional). Todavia, a luta pelos direitos humanos e sociais das mulheres deve estar presente a cada assento conquistado, a cada game, set, assalto ou tempo compartilhado in loco com os homens daquele país. Desta forma, o esporte também se torna palco e campo considerável e relevante de lutas sociais e de gênero. Lembrei-me ainda do filme Fora de Jogo (“Offside”), inclusive o primeiro que vi e discuti no Cineclub do Sport, em 2010. Filme do iraniano Jafar Panahi e produzido em 2006, mostrava as peripécias de jovens mulheres tentando entrar no estádio de futebol para ver a seleção do Irã nas eliminatórias da Copa do Mundo da FIFA.

fora de jogoPor outro lado, do ponto de vista estatal, além de toda a conjuntura internacional já citada neste breve post, o governo do Irã pode utilizar o esporte como peça de propaganda e publicidade. Mais ou menos assim: transformamos o papel do Estado e da sociedade, tanto dentro como para fora do país, mas para continuar a mesma coisa. Será que, por isso, a direita conservadora internacional anda tão desconfiada das medidas de Obama voltadas para o Irã?

Veremos como a imprensa nacional (de lá, como de cá), assim como a dos demais países reage nos próximos episódios. Tanto no que publica, como no que esquece.

Sugestões de Sites:

http://www.iransport.net

http://iransportspress.com/

https://www.amnesty.org/en/articles/news/2015/03/iran-proposed-laws-reduce-women-to-baby-making-machines/

http://globoesporte.globo.com/outros-esportes/noticia/2015/04/com-restricoes-ira-libera-entrada-de-mulheres-em-competicoes-esportivas.html


Copa do Brasil: da desconfiança ao sucesso?

16/11/2014

André Alexandre Guimarães Couto

Olá, caros(as) leitores:

Hoje, às vésperas de conhecermos o campeão da Copa do Brasil de 2014, no clássico mineiro entre Atlético-MG e Cruzeiro, numa final que há muito se esperava devido ao tamanho destes dois times e também à grande rivalidade dos mesmos, me veio uma questão: será que a Copa do Brasil sempre foi bem vista?

Retornamos, então, ao ano de 1989, há 25 anos atrás. A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) resolvera criar um novo torneio de futebol de caráter nacional. Motivos? Vários, dos quais podemos comentar alguns: a necessidade de virar a página da malfadada Copa União (que gera discussão e debate até os dias de hoje), a ideia ainda que realizada de forma tacanha e politizada de modernizar o futebol brasileiro aos moldes do futebol europeu e a possibilidade de ampliar o caixa da CBF com mais jogos em um torneio mais curto e de eliminatórias desde a sua primeira rodada e ainda com direito a uma vaga na Taça Libertadores da América, principal torneio de futebol na América do Sul até os dias de hoje.

Obviamente, não poderíamos nos esquecer da possibilidade de ganhos políticos com a inserção dos representantes de cada federação do futebol brasileiro. É importante lembrar que o formato inicial previa os campeões de cada estado e mais alguns vice-campeões dos estados com maior importância e arrecadação financeira no cenário nacional. No total, 32 times de todas as federações, disputavam este torneio no ano inicial. Se pensarmos que a Copa União diminuiu radicalmente a quantidade de clubes na primeira divisão do campeonato brasileiro (em 1986, eram 44 equipes, o que já significava um declínio se considerarmos que em 1979 eram 94 clubes), entendemos o porquê da criação deste torneio.

É interessante também pensarmos na ideia de modernização do esporte, copiando os modelos quase seculares de torneios nacionais deste porte em países europeus como a Copa do Rei (Espanha), Copa da Itália, Copa da Liga Inglesa, Copa da Inglaterra e Taça de Portugal, por exemplos.

Porém, apesar do apoio das federações e da ideia interessante, pois vencer um estadual poderia levar uma equipe a uma competição nacional, ainda assim a imprensa e várias personalidades do esporte diziam que a competição não iria adiante.

Jogadores famosos como Zico davam declarações que o novo torneio não passava de um “caça-níquel” e, de forma diferente mas também crítica, parte da imprensa carioca e paulista não acreditava que jogos entre times grandes e outros pequenos pudessem gerar grandes rendas. Algumas equipes, inclusive, poupavam jogadores mais importantes nos jogos iniciais.

Grêmio

Jornal Correio do Povo.

Até mesmo a imprensa gaúcha que vibrou com a vitória do Grêmio contra o Sport, só passou a se animar (?) com a possibilidade real de um título como podemos ver acima (contra o Sport, na final) e abaixo (contra o Flamengo, na semifinal):

flamengo+ida+capa+certo

Jornal Zero Hora

Se o primeiro jogo da final, na Ilha do Retiro, teve como público pagante 36.117, o segundo jogo, apoiado pela imprensa local e pela vantagem de jogar em casa, levou 62.807 pagantes ao Estádio Olímpico em Porto Alegre.

Pronto (como dizem os nossos amigos do nordeste): estava aberta a porta para a CBF continuar investindo em um torneio nacional mais ágil e político (a despeito da mudança de regulamento de 1989 para cá, incluindo, em 2013, 86 times nesta disputa).

chave

Tabela da Copa do Brasil de 1989

Apesar de jogos deficitários neste primeiro torneio, as primeiras resistências, inclusive da imprensa eram vencidas. A imprensa carioca, por exemplo, lamentava o fracasso das equipes cariocas, apostava em um bom desempenho das mesmas no campeonato brasileiro (que O Globo, por exemplo, ainda chamava de Copa União), mas dava um grande destaque ao torneio, como podemos observar abaixo.

o globo 20 agosto de 1989

Jornal O Globo

Desta forma, temos hoje um torneio inchado, ainda com problemas deficitários, mas pouco questionado na imprensa esportiva. Aliás, questiona-se, por alguns cronistas, o formato do campeonato brasileiro por pontos corridos, já consolidado pelo modelo adotado em 2003. Contestações, aliás, que não víamos lá há 11 anos atrás, por parte destes mesmos jornalistas. Mas, esta já é outra conversa.

Por ora, deixo os gols daquela final de 1989, principalmente para os gremistas matarem a saudade de um time que tinha Assis, Cuca e Mazzaropi. Aliás, como Cuca jogava bola…

 


Por que não esquecemos de 1950?

13/07/2014

 

André Alexandre Guimarães Couto

Olá, pessoal. Final de Copa do Mundo. Muitas coisas para comentar, refletir e analisar. Porém, hoje, primeiro dia de vida pós Copa no Brasil, gostaria de dialogar com vocês sobre o trauma da Seleção Brasileira e sua respectiva cobertura jornalística. Bem, não estamos pensando exatamente sobre o 7 x 1 imposto pela campeã Alemanha, pois considero aquele jogo um baita vexame, que acredito que terá repercussões. Porém, não acho que se tornará necessariamente um trauma.

Que trauma estamos falando, então? Tratamos aqui o de 1950, que voltou às manchetes dos jornais brasileiros após a vergonha já citada. Por que tivemos que lembrar daquela data fatídica? Por que revisitar uma Copa anterior para cobrir um fato do presente?

A leitura de algumas capas de jornais brasileiros e internacionais corroboram com esta questão. Vamos a eles, então:

  Imagem 1A capa do Correio Braziliense publica uma espécie de carta ao povo escrita pelo jornalista João Valadares. De acordo com este, “(…) O que se viu ou ouviu após o primeiro gol alemão é para o ‘silêncio ensurdecedor’ de 1950 virar um barulhinho bom. O Maracanazo, agora, é derrota menor. Barbosa, o goleiro que carregou o peso de uma cruz de sofrimento até a morte, se estivesse vivo, poderia sentir que a cruz que Julio Cesar vai carregar até o fim da vida é muito mais pesada.”
O jornalista informa que esta não seria apenas a maior vergonha do futebol brasileiro, mas do esporte brasileiro, como um todo. Exageros a parte, esta peça midiática procura discutir o fato, interpretando-o como o fundo do poço da Seleção Brasileira, e, para tanto, em sua análise, redime o fracasso de 1950 com a lembrança de um de seus maiores símbolos: Barbosa.

Na mesma linha de cobertura jornalística (e por que não, apocalíptica), a Folha de S. Paulo lembra de 1950 para comparar com a derrota atual, que seria “a pior derrota da História” de seus 100 anos.

Imagem 5

 

Outros importantes jornais preferiram trabalhar com a imagem, como o jornal carioca Extra, do Grupo O Globo:

Imagem 4

A capa traz a foto de Barbosa caído, após o gol do uruguaio Ghiggia, com manchete que redimiria aquela seleção de 1950, estabelecendo um novo patamar de vergonha futebolística em uma Copa do Mundo.

O Diário de Pernambuco também usou a imagem de 1950 para redimir o goleiro Barbosa e estabelecer também uma nova marca de vexame esportivo. Nesta capa, é interessante porque há uma comparação imagética entre os dois períodos da história do futebol brasileiro em copas.

Imagem 2

A imprensa mundial também deu o mesmo tom de “tragédia do Mineirão” sem necessariamente enfatizar a comparação com 1950, mas repare que a capa do espanhol Sport faz alusão ao Maracanazo com a palavra “Fracasazo”. Em outros periódicos aparecem algumas referências no texto sobre 1950, porém, em menor importância do que nos jornais brasileiros.

Imagem 3Enfim, fica claro para nós que a o exagero do discurso jornalístico precisou utilizar a História não apenas para redimir antigos e possíveis vilões, ou mesmo por uma mera comparação de duas Copas do Mundo em um mesmo país, ou ainda porque acreditam que possam estabelecer novos paradigmas de uma vergonha esportiva ou futebolística. O que penso é que em momentos de grandes eventos como este, o exagero e a hipérbole textual e imagética casam com o ofício da cobertura jornalística esportiva. Ou seja, a memória de 1950 por si só nos traz uma carga emotiva e exagerada de se pensar o nosso futebol. Trazê-la para os dias de hoje não é uma escolha casual e sim uma fórmula editorial de apresentar os fatos aos leitores, visando a construção de um novo presente (o caos do futebol brasileiro ou, como queiram, o possível fundo do poço da Seleção Brasileira), pautado em uma análise de novos vilões (Felipão, dirigentes da CBF, os próprios jogadores) e de uma rememoração de um passado injustiçado (Seleção de 1950 e Barbosa, em especial). Aliás, outro fator importante, a injustiça redimida é, sem dúvida, mais uma “peça” editorial vendável e carregada de emoções.

Em Copa do Mundo, a mídia esportiva, de forma geral, tende a explorar os limites da carga emotiva que circunda o futebol. Com um material rico como o dia 08/07/2014, então…

Mais do que um real trauma no imaginário coletivo na sociedade brasileira causada pela derrota de 1950, aquela Copa hoje é lembrada e rememorada muito mais por parte significativa de uma imprensa esportiva brasileira, pelas razões já apresentadas, do que por outros motivos.

Para terminar, apresento uma peça publicitária que a Coca-Cola lançou para os seus consumidores brasileiros. Alguma chance de lembrar de 1950? Vejam e tirem suas próprias conclusões.

Um abraço.

 

P.S.: Para ver outras capas do dia 09/07/2014, vejam o link a seguir: http://globoesporte.globo.com/futebol/copa-do-mundo/fotos/2014/07/fotos-repercussao-da-derrota-da-selecao-brasileira-pelo-mundo.html