OLAVO BILAC E A FESTA DA PENHA

07/11/2016

Por Nei Jorge dos Santos Junior

A festa da Penha, instituída no bairro do mesmo nome, subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, teve seu início no final do século XVIII. Organizada num primeiro momento pela comissão de festejos da Irmandade da Penha, transformou-se rapidamente numa das principais alternativas de divertimento popular, com “missa solene, as cerimônias de bênção e as barraquinhas de prendas, jogos e comidas, a que se juntaria o ritual e o espetáculo do cumprimento de promessas que faziam penitentes infatigáveis subir os 365 degraus que levam ao santuário”[1].

Ao passar dos anos a festa tomava ares e manifestações socioculturais distintas – rodas de samba, as batucadas, danças, capoeiristas, as barracas montadas pelas chamadas tias –, sobretudo pelo grande número de negros, operários, capoeiras e músicos que compunham os festejos. No entanto, o componente religioso não se contrapunha à profana, pelo contrário, visto como um canal de comunicação privilegiado entre diversos segmentos sociais, o cronista do periódico O Paiz descreve a romaria como “um espetáculo maravilhoso pela completa fusão de todas as classes sociais, numa só leva de peregrinos, impelida pelos sentimentos religiosos”[2].

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Fonte: Revista O Malho, 5 de novembro de 1910, p.42.

Em contraposição, alguns intelectuais da época, em especial Olavo Bilac, acreditavam que essa manifestação popular e religiosa em nada acrescentaria à modernização da cidade, pois compreendiam que a cada ano a festa tornava-se ainda mais brutal. Para Bilac, a celebração era “tão desordenada, e assinalada por tantas vergonhas e por tantos crimes” que poderia ser facilmente comparada a “um folguedo da idade moderna, no seio de uma cidade civilizada, mas uma daquelas orgias da idade antiga ou da idade média, em que triunfavam as mais baixas paixões da plebe e dos escravos”[3].

Consciente que “atacar as tradições (e principalmente as tradições religiosas)” seria um “ato de ousadia”, Bilac não se intimidou. Para ele, “há tradições grosseiras, irritantes, bestiais, que devem ser impiedosa e inexoravelmente demolidas, porque envergonham a Civilização”, entre elas, “a ignóbil festa da Penha, que todos os anos, neste mês de outubro, reproduz no Rio de Janeiro as cenas mais tristes das velhas saturnais romanas, transbordamentos tumultuosos e alucinados dos instintos da gentalha”[4].

Carregado de adjetivos, na tentativa de construir uma imagem pejorativa para tais manifestações, Olavo Bilac expõe um dos inúmeros exemplos dos contrastes do Rio de Janeiro na primeira década do século XX: o velho e bárbaro — carroções enfeitados com tecido barato, puxados por burros arreados com flores e folhagens entrelaçados com fitas e carregando gente embriagada — e o novo, civilizado e moderno — a bela Avenida Central, maior símbolo dessa metropolização, a passarela de asfalto polido, com fachadas ricas dos prédios altos e automóveis que desfilavam sua beleza. Além disso, Bilac também “associa” essa gente incivilizada à violência. Nas palavras do poeta parnasiano, ir à festa da Penha seria “caminhar para o Martírio!”[5]. Mais do que isso, “ir à Penha é afrontar mil vezes a morte, — porque todos os desordeiros da cidade se encontram ali, nos quatro domingos da clássica festa, e transformam o arraial numa arena, em que se travam batalhas sangrentas”[6].  Dessa forma, aos olhos do autor, a cidade deveria ser civilizada e moderna, e para que esse desejo pudesse ser concretizado os trabalhadores de baixa renda não poderiam coabitar esses espaços, pois a civilização estaria ligada aos hábitos europeizados, distante das práticas de lazer vivenciadas por trabalhadores braçais de uma camada social desfavorecida.

Em outras passagens, Olavo Bilac dá indicações ainda mais claras quanto aos desserviços prestados por tais manifestações populares. Ao falar de hábitos característicos de uma cidade colonial, como os “abomináveis cordões”, resquícios culturais de um Rio de Janeiro ainda folclórico, o autor traz consigo uma cidade de “aspecto fatigado e triste, um ar de quem passou a noite na orgia”[7]. Para o autor, mesmo após o período de festas “ainda havia nas ruas, como remanescentes do folguedo carnavalesco, alguns confetes, esquecidos pelas vassouras da limpeza pública”[8].

De fato, Bilac expunha a ambiguidade de quem experimenta o próprio processo de metamorfose, fomentando uma modernização estabelecida através de uma intensa distinção hierárquica, na tentativa de assegurar prerrogativas de classe no universo urbano. Adepto do cosmopolitismo e da civilização como um símbolo de aspiração lato, Olavo Bilac acreditava que outros aspectos também conjurariam em prol da evolução urbana e profilática da cidade e, consequentemente, da nação. Na verdade, o poeta parnasiano buscou nas questões do cotidiano ações que pudessem estabelecer um melhor desenvolvimento social da população, não restritos as melhorias na infraestrutura, mas, sobretudo, na higienização das práticas de lazer da população pobre da cidade do Rio de Janeiro.

No entanto, embora ojerizada em seus escritos, as práticas populares representavam, além de festas e celebrações, momentos de ruptura e transgressão, pois estabeleciam novas manifestações identitárias, não somente por diferentes performances, mas, sobretudo, por novas políticas culturais e diferentes estratégias de consumo. E por isso, enquanto porta-voz da modernidade, o autor impulsionará valores sociais próprios de uma elite citadina, corroborando um desejo de cidade profícua para os passeios fidalgos, a vida de requinte. Assim, a narrativa proposta pelo autor possibilitou a composição de um conjunto de “realidades sociais”, permitindo, cotidianamente, por conta do caráter eloquente do boletim mensal, filtrar e tratar os fatos a serem publicados. Afinal, como afirma Nogueira, a revista Kosmos não estava no cenário para proclamar os ambientes populares e simplórios — que eram a “pedra no sapato” de uma elite ansiosa por um verniz cosmopolita — e ainda abundantes para uma elite que se queria branca, civilizada e europeizada[9].

[1] MOURA, R. M. Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1995, p.156.

[2] O Paiz, 8 de outubro de 1906, p.2.

[3] Kosmos, ano III, n.10, outubro de 1906.

[4] Kosmos, ano III, n.10, outubro de 1906.

[5] Kosmos, ano III, n.10, outubro de 1906.

[6] Kosmos, ano III, n.10, outubro de 1906.

[7] Kosmos, março de 1904. p. 3

[8] Kosmos, março de 1904. p. 3.

[9] NOGUEIRA, C. M. A. Cronistas do Rio: o processo de modernização do Rio de Janeiro nas crônicas de Olavo Bilac (Kosmos, 1904-1908) e Lima Barreto (Careta, 1915-1922). Tese (Doutorado em Letras). Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Assis, 2012.


A fábrica e a vida esportiva em Bangu

13/06/2016

Por Nei Jorge dos Santos Junior

Reunidos num domingo de sol, aos 17 dias de abril de 1904, na longínqua estação de Bangu, dez operários, todos estrangeiros[1], fundavam uma nova agremiação nos moldes daquelas que existiam em seus países: o Bangu Athletic Club[2]. Seus fundadores, todos trabalhadores da Companhia Progresso Industrial do Brasil, bem que tentavam há tempos organizar uma agremiação esportiva, mas os diretores da empresa não pareciam dispostos a apoiar tal iniciativa, pois o administrador da fábrica, Sr. Eduardo Gomes Ferreira, alegava ser contra qualquer tipo de jogo. Os ingleses, porém, não esmoreceram e continuaram a pedir recursos para a fundação do clube. No entanto, as restrições chegariam ao fim com o apoio do novo administrador, João Ferrer, que enxergava com bons olhos a criação de uma agremiação.

Rapidamente, a notícia se espalhara por toda fábrica. Para compor o quadro de associados, sem qualquer distinção de cargos ou nacionalidade, bastava aos interessados darem seus nomes ao secretário Andrew Procter, responsável pela filiação[3]. Naquele momento formou-se um “club athletic sob a denominação de “Bangu Athletic Club”, tendo “por fins os jogos de football, cricket, lawn tennis e outros jogos variados.”[4]

Diferentemente de outros clubes da cidade, nos quais o núcleo de ingleses convidava compatriotas para compor a equipe, no Bangu, até pelo isolamento geográfico do bairro, chefes, empregados e trabalhadores de outras nacionalidades integravam o time sem qualquer distinção, transformando a prática esportiva em uma das principais opções de lazer dos moradores da região. O próprio valor para associar-se ao clube já expressava a possibilidade de aceitação de trabalhadores das mais variadas origens: 2$000 de joia e uma mensalidade de 1$000[5], sendo que o salário dos operários variava de 94$800 (no setor da fiação) até 260$640 (no setor de acabamento)[6].  Ou seja, o clube, desde sua formação, já apresentava indicadores que pretendia agregar o maior número de funcionários possível, o que permitiu a difusão da prática e o acesso mais direto ao futebol entre as camadas populares.

Contudo, a prática esportiva não estava circunscrita apenas ao futebol. Pelo contrário, partidas de críquete, tênis, ping-pong, corridas e boxe faziam parte do cotidiano de Bangu. Os diversos jogos eram distribuídos da seguinte forma[7]:

  • Segunda-feira: football para os menores
  • Terça-feira: football para os menores
  • Quarta-feira: cricket
  • Quinta-feira: football
  • Sexta-feira: cricket
  • Sábado: football
  • Domingo: cricket de manhã, football de tarde
  • Lawn Tennis: todas as tardes. Jogo para terminar às 6:30 ou mais tarde, conforme a decisão do juiz.

Chacara-Dulley

Como pode ser visto, o críquete e tênis recebiam também uma atenção especial, sendo muito praticados entre os operários da fábrica. Contudo, as modalidades sofriam dos mesmos problemas que o futebol, já que a compra do material deveria ser feita fora do país, tornando o equipamento ainda mais custoso.

Para resolver o problema, a fórmula era simples. A empresa subsidiava as atividades do clube; entre elas, cedendo um terreno de propriedade da fábrica para a instalação do campo de futebol, críquete e tênis e a construção da sede social ou, então, contribuindo para o pagamento de aluguéis. Além disso, a companhia oferecia ao clube uma quantia em dinheiro, a fim de complementar seu orçamento, que incluía despesas com conservação[8], limpeza da sede social e do campo, pagamento de impostos, energia elétrica, compra de uniformes[9], transporte de jogadores e outras, como nos mostra a ata da assembleia realizada no dia 25 de outubro de 1904, em que o Sr. Hartley, conselheiro fiscal do clube, revela que o “Presidente Honorário João Ferrer tinha oferecido de concorrer com a quantia que falta para completar a compra dos aparelhos de cricket e lawn tennis,”[10] autorizando o sócio “Henry Bennet, que atualmente está em viagem para a Inglaterra, de fazer as compras ali”[11]. Outras iniciativas também podem ser vistas no mesmo ano, por exemplo, a compra do “pano necessário para fazer o fardamento do clube”[12], “nivelamento do terreno do Pavilhão, a fim de ficar pronto para os jogos de football e cricket” [13]e a organização da Festa Sportiva do clube, cotando com várias modalidades esportivas[14]:

  • Corrida a pé, 100 metros
  • Corrida em sacos, 100 metros
  • Corrida de costas, 100 metros
  • Corrida com barril, 200 metros
  • Corrida para moças, 200 metros
  • Corrida de 3 pernas, 200 metros
  • Corrida de bicicletas, 5 voltas
  • Corrida de colheres e ovos, 100 metros
  • Corrida a pé, 500 metros
  • Corrida de obstáculos, 200 metros
  • Corrida de carrinhos de mão, 200 metros
  • Partida de football entre teams A e B.

Como uma espécie de extensão recreativa da fábrica, essa área representava uma continuidade do espaço do trabalho. A força dos operários e seu empenho na estruturação do Bangu se estendiam para além das questões trabalhistas, embora diretamente ligadas ao mundo do trabalho, a partir do qual se mobilizavam e com o qual reiteradamente dialogavam. Dessa forma, percebe-se que as instalações da agremiação se confundiam com as da companhia, compondo harmoniosamente um conjunto arquitetônico construído pela empresa no distante bairro fabril. Era normal, portanto, que a empresa oferecesse ao clube uma estrutura adequada para seu funcionamento, condicionando o clube como mais um departamento da empresa.

[1] Dos dez fundadores, 8 eram ingleses, 1 português e 1 italiano.

[2] Estavam presentes os seguintes srs.:John Stark, Fred. Jacques, Clarence Hibbs, Thomas Hellowell, José Soares, William Procter, William Hellowell, William French, Segundo Maffeu e Andrew Procter, formando um club athletic sob a denominação de “Bangu Athletic Club”. Ver: Ata de Fundação, The Bangu Athletic Club, 1904.

[3] Ata de Fundação, The Bangu Athletic Club, 1904.

[4] Ibid.

[5] Ibid.

[6] MALAIA, J. M. Revolução Vascaína: a profissionalização do futebol e inserção socioeconômica de negros e portugueses na cidade do Rio de Janeiro (1915-1934). 2010. 489f. Tese (Doutorado em História Econômica) – Departamento de História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

[7] Acta da Sessão da Diretoria do Bangu Athletic Club de 25 de outubro de 1904.

[8] Acta da Sessão da Diretoria do Bangu Athletic Club de 19 de janeiro de 1906.

[9] De acordo com a Ata de fundação, logo após a escolha das cores do uniforme, coube ao Sr. Stark, a missão de conseguir, junto ao Diretor da Fábrica, o pano necessário para fazer o fardamento do clube. Além disso, por diversas vezes, essa mesma atitude pode ser vista nas atas de reunião do clube. Ver: Ata de Fundação, The Bangu Athletic Club, 1904; Acta da Sessão da Diretoria do Bangu Athletic Club de 19 de janeiro de 1906.

[10] Acta da Sessão da Diretoria do Bangu Athletic Club de 24 de abril de 1904.

[11] Acta da Sessão da Diretoria do Bangu Athletic Club de 24 de abril de 1904.

[12] Acta da Sessão da Diretoria do Bangu Athletic Club de 17 de abril de 1904.

[13] Acta da Sessão da Diretoria do Bangu Athletic Club de 24 de janeiro de 1905.

[14] Acta da Sessão da Diretoria do Bangu Athletic Club de 01 de junho de 1904.


Um Casino em Bangu

18/01/2016

Por Nei Jorge dos Santos Junior

O 1º de maio de 1907 foi motivo de festa para os operários da Companhia Progresso Industrial do Brasil. A fábrica suspendeu suas atividades para a comemoração do dia dos trabalhadores, tendo um dia inteiro repleto de celebrações. Entre elas: a abertura da nova sede do Casino Bangu[1].

A animação ficou por conta da banda de música Progresso de Bangu, que viera animar, como de praxe, “a encantadora festa”[2]. Animados, os convidados mostravam-se satisfeitos, no entanto, a festa estava longe do seu fim. Começava a escurecer quando os Srs. Comendadores Costa Pereira e João Ferrer chegaram ao edifício do Casino, que recebia os retoques finais para a sua inauguração[3].

O prédio foi construído pelos próprios trabalhadores da fábrica, “uma espécie de símbolo do “maior esforço que se pode imaginar daquela gente ativa e boa”[4]. De acordo com Silva, seu estilo era neoclássico, com fachada em calçada, em que as esquadrias superiores não acompanhavam as esquadrias inferiores e as platibandas eram delimitadas por frisos na fachada, que era construída (ou formada) em alvenaria de pedra com paredes de tijolo pintado sobre as mesmas[5].

Sede social do Clube

A cobertura e a parte interna eram sustentadas por pilares de ferro; já o forro e o piso eram formados de pinho de riga, bem como todas as esquadrias. Além disso, “o seu velarium de veludo negro-rubro esconde um palco chic em que se ostentam cenários do inteligente e hábil artista Dumiense”[6]. Toda a decoração foi “inteligente e lindamente feita pelo Sr. José Villas” Boas[7], com guirlandas de gesso dourado e grades lustres de ferro com mangas de cristal, como se pode observar na imagem abaixo[8].

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A solenidade ficou por conta do Professor Jacintho Alcides, que pronunciou um discurso ao ato, mostrando com aquele exemplo vivo o quanto podem a união e a amizade reinarem entre os operários[9]. Em seguida, o discurso ficou por conta da menina Ermelinda Fernandes, agradecendo, em nome dos seus companheiros e companheiras de trabalho, a boa vontade dos diretores com que se houveram apoiando e auxiliando a construção do edifício que se ia destinar às noites, ao recreio e à instrução daqueles que se entregam ao trabalho e à luta pela vida[10].

Impressionado com a organização administrativa, cuja diretoria zelava pelo bom andamento dos festejos, o cronista afirmava que “o Casino é positivamente um excelente teatro, que obedece rigorosamente as construções modernas, cheio de conforto e de luz”[11].

É importante salientar que o auxílio material proporcionado pela fábrica Bangu aos clubes da região se instituía através da associação entre as partes. Uma relação que, embora fosse quase sempre determinada pelo respeito aos representantes das fábricas, não significava passividade e resignação, mas uma apropriação por parte dos operários-associados do discurso dos diretores, como uma estratégia para alcance de seus interesses mais imediatos. Talvez, por essa razão, em meados de 1929, a Fábrica solicitou a devolução do prédio, alegando que “paulatinamente foram sendo eliminados da sociedade os operários da fábrica”[12]. Dessa forma, o Casino fixou sua sede na Rua Fonseca, n° 534, permanecendo até os dias de hoje.

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De fato, o clube fundado em 24 de Janeiro de 1895, por iniciativa dos Operários da Companhia Progresso Industrial do Brasil, com o nome inicial de Sociedade Musical Progresso, mudado, em assembleia de 7 de janeiro de 1906, para Casino Bangu, foi, e continua sendo, um dos principais espaços da vida festiva da região[13].

[1] Gazeta de Notícias, 03 de maio de 1907.

[2] Gazeta de Notícias, 03 de maio de 1907, p3.

[3] Gazeta de Notícias, 03 de maio de 1907, p3.

[4] Gazeta de Notícias, 03 de maio de 1907, p3.

[5] SILVA, G. A. A. Bangu: a fábrica e o bairro. Um Estudo Histórico (1889-1930). Dissertação – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1985.

[6] Gazeta de Notícias, 03 de maio de 1907.

[7] Gazeta de Notícias, 03 de maio de 1907.

[8] Gazeta de Notícias, 03 de maio de 1907, p.3.

[9] Gazeta de Notícias, 03 de maio de 1907.

[10] Gazeta de Notícias, 03 de maio de 1907.

[11] Gazeta de Notícias, 03 de maio de 1907, p.3.

[12] Diário Oficial, abril de 1929, p. 9890.

[13] Estatutos do Casino Bangu, 1929.


O turf suburbano: o club de corridas Santa Cruz

07/09/2015

Por Nei Jorge dos Santos Junior

O Bairro de Santa Cruz, estabelecido na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, cuja importância histórica se confunde com a colonização do Brasil, teve outros momentos além dos trabalhos jesuíticos e o espaço de veraneio para a família real. Na primeira década do século XX, a região mostrou-se um verdadeiro espaço de entretenimento, sendo um dos principais palcos do Turf carioca.

Fazenda Santa Cruz – Revista da Semana 22/04/1933.

Fazenda Santa Cruz – Revista da Semana 22/04/1933.

A inauguração da nova pista atraiu, em março de 1913, olhares dos mais variados periódicos, nos quais analisaram com detalhes as instalações dessa simpática sociedade. Além da nova pista de 18 metros, a maior da cidade, o prado, construído nos campos do Coronel Ernesto Durisch, obedeceu exclusivamente ao traçado de seu ilustre e dedicado presidente Dr. Avelino Pinto, que não poupou esforços para exilo de sua festa[1]. Para o deslocamento de aproximadamente 64km, muito concorreu a boa vontade do ilustre “turfmen” Dr. Paulo de Frontin, disponibilizou dois trens especiais destinados exclusivamente para os dias de corrida, sendo um às 7h da manhã para o transporte de animais; outro especial para passageiros, às 11:40, o qual chegará por volta das 13:30 da tarde[2].

O Imparcial, 25 de março de 1913.

O Imparcial, 25 de março de 1913.

As arquibancadas achavam-se lotadas, fato que se estendeu por anos, demonstrado a paixão fervorosa d’esse sport[3]. Para o cronista d’Imparcial, o entusiasmo por esse “meeting” já se vinha notando desde muitos dias, tanto que ontem era extraordinária a procura de convites, o que forçou a diretoria deste club a franquear às pessoas que forem daqui da cidade, a entrada nas dependências do prado, no que andou acertadamente[4].

A festa seguiu animada, com os diversos páreos bem disputados, tendo por vencedores os animais: Vanda e Pourquoi Pás, Hacanéa e Flor de Liz, Baroneza e Fé, Epsom e Ilka, Bem e Humayta, Breva e Jupira.

Careta, 23 de março de 1918.

Careta, 23 de março de 1918.

Apesar do sucesso, a sociedade não escapou de críticas, principalmente referentes às instalações, tais como: arquibancadas, casa de poule, botequim, sala para a imprensa, entre outro[5]. Contudo, a avaliação foi positiva, principalmente tratando-se de uma corrida inaugural.

[1] O Imparcial, 23 de março de 1913; O Imparcial, 17 de janeiro de 1913; O Malho, 29 de março de 1913.

[2] O Imparcial, 23 de março de 1913.

[3] O Malho, 29 de março de 1913.

[4] O Imparcial, 23 de março de 1913.

[5] O Malho, 29 de março de 1913.


Os campeões de boxe em Bangu

27/04/2015

Por Nei Jorge dos Santos Junior

No segundo sábado de janeiro de 1913, o subúrbio de Bangu experimentou a sensação do violento esporte britânico: o boxe[1]. O “match”, entre o campeão inglês Joe Krans e o já famoso americano Ben Smith despertou uma enorme curiosidade entre os residentes da região, que lotaram o cinema Bangu ansiosos pelo tão esperado espetáculo. Antes da luta, para agraciar ainda mais o show, o público pôde desfrutar de filmes dos melhores fabricantes, demonstrando, nas palavras do entusiasmado cronista, a modernidade local[2].

Certamente, até pela quantidade de estrangeiros no bairro, a região banguense vivia rodeada de atividades de lazer, fossem nos clubes dançantes e recreativos, que animavam a região com grandes bailes e festas, ou até mesmo nos esportivos, que atraiam um grande público em suas atividades, fosse no futebol, críket, tênis, tiro ou até mesmo no citado Boxe.

Talvez por essa razão, o evento tenha atraído um enorme público, mesmo havendo um empate em sua primeira aparição, o que forçou uma nova luta no dia corrente, domingo. Logo, o novo desafio despertou uma procura ainda mais acirrada por ingressos, lotando o charmoso cinema local.  Dessa vez “foi deveras emocionante a peleja, tendo havido golpes lindos em que ambos se mostraram acadêmicos no violento sport”[3].

Os rounds sucederam uns aos outros sem resultado, quando finalmente no “quinto assalto Krans sentiu indisposto e no sexto tombou e morreu devido ao seu estado de saúde”[4]. A torcida ensandecida pelo espetáculo aplaudiu de pé Ben Smith, que agradeceu a espacial manifestação do público.

Ben Smith

Campeão norte-americano Ben Smith.

Minutos após o fim da luta, “o destemido campeão brasileiro Waldemar de Medeiros”[5], que assistira à luta, levantou-se e desafiou logo o vencedor para um match, o qual despertou rapidamente o mais vivo interesse do público. Para o cronista, o acanhado cinema, naturalmente, será pequeno para este novo desafio[6].

Após dois encontros, Ben Smith sagrou-se vencedor, derrotando o brasileiro e sendo novamente aplaudido de pé pela população banguense[7].

De fato, esses eventos estavam em voga na cidade do Rio de Janeiro. Lutas de boxe, já mostravam-se atrativas desde os fins do século XIX, estando sempre presentes nos principais periódicos da antiga capital federal. Contudo, não deixavam de ter suas matizes e, por essa razão, sendo veemente criticadas como “violentas” e “repletas de acidentes graves”[8].

Mesmo assim, os jornais davam um espaço significativo ao “terrível esporte bretão”[9].  O próprio Ben Smith fez lutas em diversos espaços bem conhecidos da cidade, entre eles o Circo Spinelli, Cinema Theatro Rio Branco, Colyseu Sul Americano, Pavilhão Internacional, Maison Moderne, entre outros.

[1] O Imparcial, 15 de janeiro de 1913.

[2] O Imparcial, 15 de janeiro de 1913; A Epoca, 18 de janeiro de 1913.

[3] O Imparcial, 15 de janeiro de 1913, p.6.

[4] O Imparcial, 15 de janeiro de 1913.

[5] A Epoca, 18 de janeiro de 1913.

[6] A Epoca, 18 de janeiro de 1913

[7] O Imparcial, 21 de janeiro de 1913.

[8] O Imparcial, 18 de janeiro de 1914, p.12.

[9] A imprensa, 28 de dezembro de 1913.


POR UM FUTEBOL ESTRATIFICADO: O PROJETO JOFFRE SILVARES

08/12/2014

Por Nei Jorge dos Santos Junior

Elaborado em agosto de 1915, reflexo das discussões sobre a confecção dos novos estatutos da Liga Metropolitana, o projeto criado pelo Sr. Alberto Silvares tinha como objetivo a formação de uma Liga dividida em três séries: a primeira formada por elementos que comprovassem ter renda superior a 300$000 mensais e não terem meios de subsistência das profissões braçais; a segunda por operários, serventes, caixeiros guardas civis, entre outras tantas profissões por ele ilustradas; a terceira pelos praças e inferiores de qualquer corporação armada. Em outras palavras, a busca por uma estratificação social do velho esporte bretão.

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Torcidas do Vasco da Gama e Andarahy A. C.

Consciente, o autor sabia que suas convicções poderiam sacrificar “sympathias e popularidade” , principalmente entre aqueles “democratas” que fingiam idolatrar a igualdade. Mesmo assim, afirmava ser uma questão de “puridade”, pois a prática do futebol nas condições colocadas até o momento se mostrava uma negação da realidade social. De resto, por que os sócios do Fluminense, Botafogo, etc., frequentariam o mesmo espaço social dos demais clubes que comportam as divisões inferiores? De acordo com o projeto, essas “manifestações da vida social mundana” seriam um desrespeito aos sócios dos grandes clubes da cidade do Rio de Janeiro , além de tirar, do elegante esporte inglês, toda a distinção que ainda nele restava.

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Jovens abastados da equipe do Fluminense, 1908.

Rapidamente, o projeto ganharia suas primeiras oposições. Em 7 de fevereiro, a Gazeta de Notícias publicou uma carta assinada por um “acatado Sportman, Sr. Firmino de Carvalho”, disparando contra as propostas expostas no projeto e o apoio dado pelo jornal O Imparcial . Em seu conteúdo, o sportsman cobrava imparcialidade nas publicações do periódico, narrando a relação generosa mantida com o representante do Villa Isabel F. C., o sr. Alberto Silvares.
No dia seguinte, o redator d’ O Imparcial respondeu a acusação. Declara que sua relação com Alberto Silvares se esgota na cortesia: “nenhuma outra ligação de qualquer natureza nos obriga a dizer ‘amen’ a tudo quanto possa gerar o seu cérebro fecundíssimo” . Para ele, “a seleção existe em todos os ramos da atividade social”, pois “os freqüentadores dos sambas dos cordões carnavalescos não são, positivamente, os mesmos dos salões dos diários”; inclusive nos bondes, “encontramos a primeira e a segunda classe e, para não irmos muito longe, nos próprios campos de football os assistentes são selecionados, ficando uns nas arquibancadas e outros nas gerais” .
Dias depois, outra carta recebia destaque, desta vez publicada pelo Correio da Manhã, assinada por um marinheiro com as inicias L.M. Seu conteúdo mantinha as mesmas críticas dirigidas “ao sr. redactor sportivo do Imparcial e ao sr. Alberto Silvares, representante do Villa Isabel Football Club na Liga Metropolitana” .

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Villa Isabel F. C.

Irritado, sua repulsa se concentrava na comparação estabelecida no projeto, ser “comparado a engraxates” deixaria sua classe “bastante sentida”. Já que nem todas “as praças de pret são frequentadoras de ‘ranchos’ e ‘cordões carnavalescos’, nem viajam nos bondes de segunda classe, e nem assistem aos ‘matches’ do campeonato de Metropolitana nas gerais” . Afirma ainda ter assistido aos tais “matches” nas arquibancadas, “onde os moços bonitos que freqüentam o Club dos Diários e fazem o ‘footing’ costumam mimosear-se entre si com bengaladas e dirigirem impropérios aos ‘referees’ e aos jogadores”, como em 1910, durante a disputa de um “match” entre o Botafogo F. C. e o America F. C., “clubes estes filiados à Metropolitana, compostos não por praças de pret e nem por engraxates”, mas sim por moços da “elite” . Segundo o autor, no decorrer desse jogo “houve bofetadas, sendo necessário o comparecimento da polícia, isto é, de praças de pret, para acalmar os ânimos dos contendores, que eram os tais moços bonitos e de educação”.
É importante salientar que o projeto desencadearia o envio de muitas cartas, algumas apoiando tal proposta, outras questionando a concepção elitista de Silvares . Embora o projeto não tenha sido aprovado, na prática, a nova lei do amadorismo geraria inúmeras polêmicas, ao ponto de se pensar em uma possível suspensão de suas ações. Dessa forma, rodeado de contestações, o projeto do Sr. Alberto Silvares obtinha, assim, uma recepção muito diferente daquela recebida em momentos anteriores. As propostas de restrição à entrada de jogadores de menor nível social no seio da entidade alavancaram discussões que favoreceram politicamente os clubes oriundos das camadas pobres da cidade do Rio de Janeiro , sendo possível apontar que essas ações contribuíram para modificar o cenário que compunha o futebol da época. O primeiro, com a presença de mais um clube composto por trabalhadores e negros para figurar entre as agremiações benquistas da primeira divisão. O segundo, com a força política que tais agremiações ganhariam no decorrer do tempo.


À MODA BANGU: ESTIGMAS, FUTEBOL E LAZER

04/08/2014

Por Nei Jorge dos Santos Junior

Quem nunca ouviu a expressão à moda Bangu? Certamente, grande parte da sociedade carioca já ouviu ou reproduziu tal expressão. Na verdade, a locução adverbial de modo (à moda Bangu), cotidianamente presente na linguagem popular, e, em particular, relacionada ao futebol, expressa de certa forma a configuração do bairro arrabaldino: sem compromisso, amador ou de qualquer jeito. Isto é, “vamos fazer isso como se faz em Bangu”.
De fato, a constituição do bairro sempre apresentou peculiaridades. A região teve como primeiro proprietário o negociante português Manoel de Barcelos Domingos, que fundou, em 1673, a fazenda Bangu, tornando-a essencialmente produtiva. A região era basicamente rural, formada por fazendas que se dedicavam à produção de açúcar, aguardente e produtos que se destinavam à exportação pelo porto de Guaratiba, bem como ao mercado interno. Com a Proclamação da República, um novo fator veio alterar a condição exclusiva da agricultura da região: a construção de uma fábrica de tecidos.
Fundada em 1889, a Companhia de Progresso Industrial do Brasil teve um papel fundamental no desenvolvimento do bairro, já que levava o progresso e a modernização a um espaço ainda caracterizado pelo modo de vida das fazendas, transformando-o, rapidamente, de rural a urbano fabril.
Concomitante ao crescimento do bairro, a oferta de lazer foi sendo diversificada e logo clubes esportivos e dançantes foram caindo no gosto dos moradores. As principais bandas da região eram compostas por trabalhadores da fábrica, fazendo-se presentes em todos os eventos e bailes organizados na região . Suas festas foram, por muito tempo, “motivo de orgulho” para a população local, atraindo gente de todas as cores, crenças e idades, como expusera, em seu caderno de memórias, o Sr. Murillo Guimarães, um antigo frequentador dos clubes do bairro .
Além do mais, os clubes que organizavam tais eventos evidenciavam a existência de contextos diferenciados, sobretudo, na composição social de seus associados. Como definiu, por exemplo, o primeiro artigo dos estatutos do Clube Flor da União, uma das principais agremiações de Bangu: “o qual pode pertencer todas as pêssoas desde que sejão(sic) dignas e honestas sem distinção de nacionalidade, religiões, côr, ect. ect.” .
A partir desse exemplo, acreditamos que, ao explicitar em seus estatutos a intenção de representar um quadro mais geral, sem qualquer tipo de distinção, o clube apresentava um meio de afirmação das relações étnicas e sociais existentes no bairro. Talvez não seja exagero vermos no próprio uso do nome “união” um símbolo que revelava não somente as características da localidade – na qual ex-escravos e seus descendentes se misturavam a brancos pobres e imigrantes de várias nacionalidades –, como também o sentimento de pertença que despertava em seus associados, apontando a centralidade que esses elementos de sociabilidade e lazer assumiam na vida dos habitantes da região. Outro exemplo que compõe essa relação está presente na composição da sua equipe de futebol, Bangu Athletic Club, que teve Francisco Carregal em suas fileiras: filho de pai branco, português, e mãe negra, brasileira. Ou seja, um mulato.

bangu_Rmalho_agosto_05_1905Logo, a presença de Carregal geraria protestos entre os adversários. Em 18 de maio de 1907, pressionada por clubes da zona Sul da cidade, a Liga Metropolitana proibiu a presença de atletas negros nos times:

“Comunico-vos que a diretoria da Liga, em sessão de hoje, resolveu por unanimidade de votos que não serão registrados como amadores nesta Liga as pessoas de cor. Para os fins convenientes ficou deliberado que a todos os clubes filiados se oficiasse nesse sentido a fim de que cientes dessa resolução de acordo com ela possam proceder” .

Discordando de tal posição, o Bangu se desligou da entidade. Dessa forma, percebe-se que a política adotada pelos grêmios da região demonstra a composição variada que os caracterizavam. Suas ações produziam um estilo de vida singular, traduzindo o momento em que um grupo projetava simbolicamente sua representação do mundo. Além disso, eles constituíam no espaço a noção de pertencimento entre sujeito e bairro, compartilhando experiências e extratos da vida coletiva. Tal diversidade resultou em uma vida cultural dinâmica e multifacetada, marcada por um bairro que ainda tecia novas redes de sociabilidade, isto é, à moda Bangu.


FIDALGOS? O FUTEBOL E A CRÍTICA DE LIMA BARRETO

31/03/2014

Nei Jorge dos Santos Junior

Lima Barreto foi, de fato, um crítico implacável do futebol. Famoso por sua antipatia a qualquer prática esportiva, notadamente “o jogo do ponta-pé”, o autor não freava seu ímpeto às corriqueiras críticas. “Para gente desse calibre”, como ele mesmo denunciou, “a grandeza de um país não se mede pelo desenvolvimento das artes, da ciência e das letras. O padrão do seu progresso é o grosseiro football e o xadrez de ociosos ricos ou profissionais” .

Movido por pela ironia e tensões íntimas, ora entusiasta, ora inimigo da vida moderna, o futebol adquiria para ele uma seriedade ímpar, que o obrigaria como “crítico de costumes” a dedicar um tempo significativo do seu trabalho ao novo fenômeno. Talvez, por essa razão, o autor criaria, ao lado de Mario de Lima Valverde, Antonio Noronha Santos e Coelho Cavalcanti, uma “Liga contra o foot-ball”, na tentativa de aludir às “verdadeiras atrocidades promovidas pelo futebol” .

Lima Barreto
Contudo, quando o escritor de Policarpo Quaresma funda a famosa Liga juntamente com seus amigos, não luta, na realidade, contra a prática esportiva, mas sim em oposição às desigualdades sociais propagadas pelo futebol e pelo tipo de sociedade que esse esporte elucida. Na verdade, o autor manifestava-se em contraposição ao preconceito que se transpunha a prática esportiva. Lima Barreto acreditava que nenhum indivíduo pudesse se sentir afastado ou diminuído dentro da sociedade. Mais precisamente, seu pensamento buscava uma modernização dos sentidos em discordância às ambiguidades e contradições que a modernidade apresentava. Por isso, consideramos que algumas de suas reflexões estivessem conectadas ao desejo de cada homem descerrar-se à imensa diversidade e riqueza que o mundo moderno apresenta.

Um exemplo dessas ações foi exposta em artigo publicado em Careta, de 1 de janeiro de 1921. O autor revela o tratamento diferenciado oferecido aos clubes aristocratas . Para dar conta à crítica, Lima Barreto põe em discussão a notícia publicada pelo jornal A Noite, em 13 de dezembro de 1920, quando o periódico noticia um conflito entre as equipes do Mangueira e do Fluminense, destacando as confusões que vinham ganhando espaço nos jogos dos clubes de elite.

Barreto também chama a atenção para o fato de que não era somente nos campos dos clubes de “terceira ordem” que os conflitos ocorriam; nos estádios das agremiações das elites “também se tem timbrado nesses desrespeitos à assistência, não atendendo sequer á presença de senhoras, que são atropeladas nas correrias e até agredidas, devido á confusão” . Para ele, aliás, “trancos e pontapés” eram típicos da modalidade, logo “clubs aristocratas e puros” não seriam distintos dos “clubezinhos do subúrbio”: “O football é uma e mesma coisa em toda parte!”.

De fato, percebemos que estas análises sobre as “ordens” do futebol são, na realidade, retalhos e estigmas de uma parte da cidade do Rio de Janeiro que sempre ficou segregada a um plano inferior. Por essa razão, o defensor suburbano procurava construir elementos que desmistificassem a fidalguia do futebol. Para Barreto, o futebol representava um projeto político-ideológico de uma elite que ansiava por uma prática que demarcasse a sua diferenciação com relação às demais classes sociais. E Lima Barreto, em suas análises sobre o antigo esporte bretão, compreendeu esse discurso.

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Lima BARRETO, “As glórias do Brasil”, 07/01/1922, reproduzido em Feiras e Mafuás, p. 270-2.
Careta, em 04 de dezembro de 1920.
Careta, 1 de janeiro de 1921, p.5

 


Tiros, pedradas, pauladas e navalhadas: representação dos clubes do subúrbio na imprensa esportiva carioca

25/11/2013

Por Nei Jorge dos Santos Junior

Em 23 de novembro de 1919, os principais jornais cariocas anunciavam com sentimento de cólera a interrupção do match entre Andarahy e Vila Isabel[1]. Ao final do primeiro tempo, após um choque entre Olivio (do Vila Isabel) e Gilabert (do Andarahy), iniciou-se um conflito generalizado, com a torcida do Andarahy invadindo o gramado. Depois de muitas pauladas, tiros e navalhadas, a polícia pediu reforços e conseguiu dar fim ao tumulto, com a prisão de alguns torcedores[2].

 Villa-Andarahy

 Dois dias após a confusão, O Imparcial publicou uma carta escrita pelo juiz da partida, o Sr. Max Eckstein, na qual o próprio relatava com indignação os atos de violência de alguns torcedores do Andarahy:

As “torcidas”, covardemente, se dirigiram para a porta de minha residencia, sabendo-me no campo do Jardim Zoologico e minha senhora sozinha, sem que nada soubesse, foi ameaçada por mais de 40 indivíduos, alguns mostrando punhais e revólveres, que, além disso, deram assustadoras noticias a meu respeito, entre ellas, que eu tinha sido navalhado e aguardava em campo os socorros da assistência.

Se não fossem as garantias prestadas pela policia local, a pedido de minha esposa, que para lá mandou uma “viuva alegre” e duas praças de cavallaria, não sei de que seriam capazes os audazes indivíduos, que, por infelicidade, são “torcidas” do Andarahy.[…]

A explosão da assistência, só pode ser attribuida ao fanatismo cego de certos indivíduos, que não conhecem as regras de football e muito menos de educação[3].

 No mesmo dia, o vice-presidente do Andarahy, Antonio de Miranda, publicou uma nota oficial desmentindo essas informações.

 A directoria do Andarahy A. C, a bem da verdade, vê-se na contingência de desmentir o chronista do matutino do Largo da Carioca, quando se referiu, em sua edição de hontem, ao match e conflicto havido no campo do Jardim Zoologico.

Assim contesta ella, por não ser verdade:

Que tivesse sido chamada para depor em qualquer delegacia de polícia; que tivesse havido navalhadas no campo de football; que tivesse sido o autor do conflicto seu associado Gilabert, tendo em vista que o mesmo chronista attribue na mesma descripção do seu jornal a autoria da aggressão e causa do referido conflicto á outra pessoa que se julgara chargeada por ser um adversario[4].

 Essas declarações são indícios do conflito simbólico que se estendeu por anos no cenário do futebol carioca. Se por um lado esses acontecimentos explicitavam a força do ethos entre torcedores e suas agremiações, por outro lado fortaleciam um processo de estigmatização claramente em curso na grande imprensa carioca.

Nas palavras de Mario Pollo, cronista do Correio da Manhã, essas ações afastariam dos estádios as “boas famílias cariocas”, que não se conformariam em passar por uma situação “absolutamente incômoda e desagradável” [5]. Na maior parte das vezes, os clubes do subúrbio eram retratados nos periódicos cariocas dessa maneira: se eram inegáveis os conflitos, também o eram os preconceitos.

De fato, as práticas estabelecidas pelos jornais da época contribuíam para a construção de representações sociais das agremiações da zona suburbana, pois, do mesmo modo em que realizavam as intermediações entre realidades, por outro lado, ofereciam uma interpretação sobre determinado fato e/ou acontecimento, apesar dos discursos de imparcialidade. Como lembra Moscovici (2004), a representação social desponta no momento em que existe ameaça para a identidade coletiva, quando o cojunto de conhecimentos submerge as regras que a sociedade se outorgou. Foi nesse cenário que o discurso produzido por esses jornais perpassavam pela objetividade e subjetividade.


[1] O Imparcial, 24 de novembro de 1919; Correio da Manhã, 24 de novembro de 1919; Gazeta de Notícias, 24 de novembro de 1919.

[2] O Imparcial, 24 de novembro de 1919.

[3] O Imparcial, 26 de novembro de 1919, p.10.

[4] O Imparcial, 26 de novembro de 1919, p.11.

[5] Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 23 de outubro de 1916, p.3.


A vida festiva suburbana

05/08/2013

Por Nei Jorge dos Santos Junior

A noite do dia 14 de agosto de 1918 foi de alegria em Bangu. O grandioso festival, organizado pela diretoria Montepio dos Operários da Fábrica Bangu, foi um sucesso entre os moradores da pitoresca vila operária[1]. O objetivo inicial do evento era arrecadar fundos em benefício dos cofres sociais do clube, por conseguinte, a construção de um completo gabinete dentário para atender aos seus associados.

Sob a batuta do aplaudido maestro Domingos Raymundo, a orquestra harmoniosa seguia proporcionando horas deliciosas de boa música aos seus sócios e convidados. Para o cronista do Bangú-Jornal, o grande baile, realizado em um dos seus melhores salões, “foi motivo de orgulho para a laboriosa região banguense, que tanto concorreu para o brilhantismo da referida festa” [2].

De fato, o relato nos mostra traços das ações que movimentavam a vida festiva suburbana. Os bailes e festas realizados nos subúrbios da cidade contagiavam grande parte da população, ganhando destaque significativo nas páginas dos jornais locais, como, por exemplo, noticiou a Gazeta Suburbana:

 

A festa dançante do Andarahy.

A festa dançante que o valoroso Andarahy offereceu sabbado defluiu animadíssima até alta madrugada.

A sua directoria foi pródiga em gentilezas para com todos que ali se achavam.

O serviço de <<buffet>> esteve excelente.

Em conclusão: foi uma diversão que deixou as mais gratas recordações [3].

 

A festa que seguiu até alta madrugada é um exemplo das atividades noticiadas nos jornais suburbanos. Sociedades como os Filhos da Lyra, Floresta do Andarahy, Andarary Club Carnavalesco, Mocidade de Bangu, Prazer das Morenas, Flor da União e Botão de ouro agitavam as noites dos subúrbios da cidade. Para dar conta das atividades de lazer dos subúrbios, periódicos como a Gazeta Suburbana, Revista Suburbana e Bangu-jornal se dedicavam intensamente aos bailes, noticiando com frequência as ações das sociedades, como podemos observar abaixo:

 

Filhos da Lyra

Em Bangú não há rival desse gremio de carnavalescos sarados e aparados.

Livra! Parece até que ali não se faz outra coisa senão empunhar-se a <<Lyra>> carnavalesca do reino de Momo [4].

 

Grande admirador da agremiação Filhos da Lyra, o cronista ainda destacou os feitos da Mocidade de Bangu, alegando que “a agremiação tem conseguido attrahir a attenção da gente que mora em Bangu. E o motivo é simples: dele faz parte quase toda mocidade escovada e sadia a localidade” [5].

Aliás, Bangu mantinha um número significativo de sociedades dançantes. Em 1910, por exemplo, o bairro contava com um pouco mais de vinte e cinco associações, fossem elas de caráter esportivo como o Sport Club Americano, o Esperança Foot-ball Club e o próprio Bangu Athletic Club, fossem aquelas diretamente dedicadas às atividades dançantes ou carnavalescas como a Flor da Lyra, o Cassino Bangu , a Flor da União e o Grêmio Prazer das Morenas.

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É bem verdade que essa cultura associativa não era uma exclusividade dos subúrbios da cidade. A antiga capital federal vivia um período de efervescência cultural, em que as influências do cosmopolitismo conviviam com elementos das tradições populares,oriundas das várias províncias e regiões brasileiras.

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Neste cenário, repleto de transformações culturais, crescia significativamente o número de associações ligadas ao lazer. A cidade contava aproximadamente com um número de 350 sociedades que se autodenominavam dançantes, esportivas, carnavalescas e, em menor número, culturais e educacionais, demonstrando que o hábito de associar-se já fazia parte de uma tendência facilmente observável no Rio de Janeiro dos primeiros anos do século XX[6].

Todavia, por mais geral que fosse esse crescimento, a relação que os grêmios de diversas classes sociais, notadamente os clubes da zona sul, estabeleciam com essas manifestações e o modo como eram simbolicamente apropriadas por essas classes eram substancialmente diferentes daqueles organizados nos subúrbios da cidade. Afinal, eram nesses elementos próprios da cultura popular que se traduziam o universo cultural suburbano, manifestando todos os seus contornos e peculiaridades.


[1] Bangú-Jornal, 15 de setembro de 1918, p. 3.

[2] Bangú-Jornal, 15 de setembro de 1918, p. 3.

[3] Gazeta Suburbana, 24 de fevereiro de 1920, p. 4.

[4] Gazeta Suburbana, 7 de fevereiro de 1920, p. 5.

[5] Gazeta Suburbana, 14 de fevereiro de 1920, p. 4.

[6] Jornal do Brasil (1910), Correio da Manhã (1910), O Paiz (1910) e O imparcial (1910).