Bilac e a geografia moral da cidade: os clubes dançantes nos subúrbios do Rio de Janeiro

15/04/2013

“Nós somos um povo que vive dançando”, escreveu Olavo Bilac, sob o pseudônimo de “Fantasioso”, em crônica publicada na Kosmos, em maio de 1906 [1].  No texto, o autor descreve uma cidade fragmentada, na qual passava a ser lida através dos corpos e do comprometimento entre seus frequentadores. Foi por meio desses corpos dançantes que o cronista criou uma car­tografia moral da cidade, tomando-os como indicadores de culturas e pertencimentos sociais.

Ainda que fizesse questão de afirmar o entusiasmo pelas festas e bailes como uma característica carioca, Bilac deixava claro em sua geografia sociorracial a naturalidade dos bailados no bairro de Botafogo, em contraposição às danças executadas nos bairros suburbanos habitados por trabalhadores[2]. Para o cronista, cada bairro teria a sua própria dança e que esta serviria como fisionomia característica, rigorosa e inconfundível. Essa perspectiva se mostrava tão presente em sua análise ao ponto de afirmar que, mesmo se conduzido de olhos vendados para qualquer bairro da cidade, se tirada a venda, saberia identificar, no ato, o local em que se encontrava[3]. Em outras palavras, a visão constituía-se como referencial básico de sua orientação, classificando, de acordo com o bairro, a “geografia moral da cidade”.  Por essa razão, vamos acompanhar o cronista em seu passeio pelos bailados na cidade do Rio de Janeiro.

No primeiro ambiente, “a dança é serena, majestosa, parecendo um ritual religioso” [4]. Amortalhados por casacas negras, os cavalheiros severos parecem sacerdotes; as damas, arrastando caudas de rainha, parecem cumprir uma obrigação cultural. Nesse lugar, “os gestos são solenes e medidos, as mãos, apenas se tocam, e os pés arrastam-se sem barulho” [5]. Estamos no bairro de Botafogo, nos assegura o autor.

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O segundo cenário apresenta mudanças, não se avistam casacas, nem caudas nos vestidos. Na verdade há “esmomkings”, uma espécie de transigência entre a nobreza e plebe. As damas tem a barra da saia curta e redonda, deixando liberdade para os volteios e as mesuras do pas-de-quatre. A dança nada tem de cerimônia: é prazer. Os corpos ainda não se aproximam, mas, no aperto das mãos, já há uma franqueza. Estamos na Tijuca, Andaraí e Engenho Velho, informa Bilac. 

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O outro cenário é bem distinto. Vamos ao bairro do Catumby! Adeus à formalidade. Tocam-se os corpos, enlaçam-se os braços, faces se aproximam. O som da valsa chega aos ouvidos do casal, tomado pela vertigem do momento. Mas saiamos… Vamos à Cidade Nova, o reino do maxixe.

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Aqui os corpos não apenas se tocam: colam-se. As mãos dela pesam sobre os ombros dele, como um estojo apertado que anseia a cintura dela. As faces ficam em êxtase, com um sorriso nos lábios, os dois parecem na mesma árvore, dois galhos, no mesmo galho, dois frutos.  

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Vamos ao bairro da Saúde. Para Bilac, nos bairros pobres, “a dança é uma fusão de danças, é o samba, – uma mistura do jongo e dos batuques africanos, do canna-verde dos portugueses, e da poracé dos índios”.  Metáfora da nossa formação, o autor prosseguia “as três raças fundem-se no samba, como n’um cadinho”. No “samba” desapareceria o conflito das raças. Nele se absorvem os ódios da cor. “O samba é – se me permite a expressão – uma espécie de bule, onde entram, separados, o café escuro e o leite claro, e de onde jorra, homogêneo e harmônico, o híbrido café com leite”, escrevia o literato, em alusão às danças realizadas nos bairros pobres da cidade.

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Claramente, Bilac se mostra como agente central na construção de representações sociais sobre as agremiações do subúrbio da cidade. Dessa forma, o autor constituía a visão como referencial básico de sua orientação, afirmando que cada bairro teria a sua própria dança e que esta serviria como fisionomia inconfundível [6]. E foi justamente com essas atribuições que o discurso produzido por Bilac perpassava pela objetividade e subjetividade, colocandoos clubes não só como espaço de trocas e sínteses culturais como também a própria capacidade de congraçamento racial e cultural presente no corpo sensual do popular que, por meio dessas agremiações, mostraram-se capazes de fundir os mais diversos ritmos e etnias.


[1]Kosmos, ano III, n. 5, maio, 1906.

[2] Ver BILAC, Olavo A dança no Rio de Janeiro. Kosmos, ano III, n. 5, maio, 1906.

[3]Kosmos, ano III, n. 5, maio, 1906.

[4]Kosmos, ano III, n. 5, maio, 1906.

[5]Kosmos, ano III, n. 5, maio, 1906.

[6]Kosmos, ano III, n. 5, maio, 1906.


Andarahy Athletico Club: um clube de fábrica ou um clube da fábrica?

24/12/2012

Por Nei Jorge dos Santos Junior

 Fundado em 09 de novembro de 1909, com o objetivo de “promover e facilitar o desenvolvimento physico de seus associados por meio dos sports athleticos em geral, e em particular, pela pratica do foot-ball”, o Andarahy Athletico Club buscava entre os administradores da Fábrica Cruzeiro, assim como os outros clubes fabris, recursos necessários para a estruturação do clube.

A construção de um campo tornou-se prioridade entre os fundadores[1]. Logo, os Srs. Domingos Alves Bebianno e Alfredo Coelho da Rocha, representantes da Fábrica Cruzeiro, providenciaram um terreno, localizado na Rua Prefeito Serzedello n.198, esquina com a Rua Theodoro da Silva, para construção de um campo e uma sede social. Como acontecera em outras agremiações fabris, os sócios garantiram, com o auxílio da companhia, instalações requintadas, dignas do luxo mantido pelas agremiações esportivas de maior destaque.  Como expos o redator d’ O Imparcial, após uma visita orientada pelo Secretário do clube Antonio Miranda: “uma visita ao ground do Andarahy”.

O redator destacava as obras radicais feitas na pitoresca Praça de Sport do clube alviverde, “com as quais a diretoria do valoroso clube tem gasto soma regular” (O Imparcial, 12 de maio de 1917, p.10). O campo foi ampliado e elegantemente circunscrito por um gradil pintado de verde, com grama em ótimas condições; e o terreno, que defronta o gol dos fundos, estava sendo convenientemente preparado para receber a elegante arquibancada, toda refundida e decorada com pinturas claras, a qual se destinaria exclusivamente aos sócios e as distintas famílias da região. As tribunas tinham cinco graus de elevação, cobertura leve e, pela sua ótima localização, proporcionava ao espectador “desfrutar de todas as fases dos emocionantes jogos que se ferirem no campo” (O Imparcial, 12 de maio de 1917, p.10).

O campo do Andarahy Athletic Club após a reforma de 1917.

O campo do Andarahy Athletic Club após a reforma de 1917.

O que mais impressionava nas obras “conduzidas febrilmente pela ativa diretoria do clube” eram sua “solidez e beleza”, além da velocidade em que ela avançava (O Imparcial, 12 de maio de 1917, p.10).

No entanto, os custos das obras não poderiam ser financiados somente pelo clube, pois sua arrecadação, como aponta os dados levantados pelo historiador João Manuel Malaia (2010), era modesta comparada aos grandes clubes da cidade, o que demonstrava a participação ativa da Fábrica.

Tabela I

Média de arrecadação por jogos em casa

Média de arrecadação por jogo em casa do:

1917

1918

Fluminense 3:400$000 3:788$312
America 2:595$375 2:555$666
Botafogo 2:286$444 2:665$250
Flamengo 1:342$000 3:726$500
São Cristovão 2:194$714 1:757$428
Andarahy 1:079$333 1:151$888
Bangu 629$666 332$625
Carioca 401$900 607$111
Villa Izabel 251$061 611$000

Fonte: Elaborado pelo próprio autor

Mesmo com a mensalidade paga pelos sócios no valor de 10$000, dificilmente a agremiação conseguiria dar conta de todos os gastos proporcionados pela grandiosa reforma. Contudo, comparado à arrecadação entre os clubes fabris, o Andarahy apresentava uma autonomia financeira considerável. Além dessa importância arrecadada, o clube contaria com o valor pago pelos trabalhadores da fábrica, que pagavam uma joia de 5$000 e uma mensalidade de 3$000[2], um pequeno desconto, mesmo assim três vezes mais que o valor pago, por exemplo, pelos sócios do Bangu[3].

Aliás, esse era o único benefício formalmente exposto em seus estatutos[4]. Como apontou Mario filho: “a fábrica não deixando de estar perto. Gostando, naturalmente, de ter um clube, uma espécie de parque de diversões para os seus operários. Mas sem aquele cuidado paternal da Companhia Progresso Industrial do Brasil pelo Bangu” (RODRIGUES FILHO, 2003, p. 91).

Outra fonte de arrecadação estava no aluguel dos campos. Com poucos estádios disponíveis na cidade do Rio de Janeiro, principalmente nos subúrbios, as agremiações que possuíam um campo próprio, utilizavam esse espaço para complementar a renda do clube. No entanto, no caso específico do Andarahy, ter um campo financiado pela companhia tornava-se alvo de discussões.

No dia 17 de junho de 1922, o periódico O Exemplo, órgão que tratava especificamente de assuntos da associação dos operários da Companhia America Fabril, publicou um impasse entre duas agremiações financiadas pela mesma empresa. De acordo com o cronista, “para desfazer dúvidas, tendo em vistas vários boatos, a Directoria do America Fabril officiou a do Andarahy Athletico Club, pedindo consentimento para continuarem a realizar os seus matches do campeonato decorrente no campo deste; o que a Directoria antecessora havia cedido gratuitamente, por tratar-se de um team somente composto de socios do Club” (O Exemplo, 17 de junho 1922, p. 05). Em reposta, o America Fabril F. C. recebeu um ofício enviado pela diretoria do Andarahy:

Em resposta ao officio de V.S. Cumpre-me informar que a Directoria deste Club resolveu cobrar a importância de Rs. 50$000 (cinqüenta mil réis) por cada jogo no presente campeonato desse grêmio.
Aproveito a opportunidade para fazer sentir a V.S., que motivos financeiros, exclusivamente, foram a razão que determinamos a Directoria a estipular a taxa supra.
Sem mais, sou com estima e subida consideração.
(Ass.) Mario C. Bacellar1° secretario (O Exemplo, 17 de junho 1922, p. 05).

O ofício enviado pelo secretário, confirmando a necessidade do pagamento, revelava uma nova relação com a companhia que custeava seus gastos. Surpreso, o redator do periódico não concordava com a atitude tomada “que bem demonstra o espírito de pouco cavalheirismo que existe no seio do Andarahy”, já que a “America Fabril é composta exclusivamente de associados do Andarahy e todos empregados da Companhia America Fabril; razão pela qual não é de justiça este Club pedir tal remuneração” (O Exemplo, 17 de junho 1922, p. 05). Ainda de acordo com o autor, “sabe-se que todos os rapazes do America Fabril, immensamente pesarosos por aquelle hediondo gesto, solicitaram incontinenti, assim como vários sócios operários da Fábrica, sua exclusão do quadro social do Andarahy, sendo, de todos, resolução inabalável”. Por fim, “lamentamos que tal facto tenha succedido, pois só serviu para vir perturbar o bom andamento do America Fabril, tendo como único culpado o Andarahy Athletico Club” (O Exemplo, 17 de junho 1922, p. 05).

Campo do Andarahy Athletic Club (1917). Careta, 9 de julho de 1917.

Campo do Andarahy Athletic Club (1917). Careta, 9 de julho de 1917.

Com a relação abalada, o clube perdia alguns sócios que tinha em comum com o America Fabril F. C. No entanto, como já havia mencionado no estudo, em nenhum momento a empresa interferiu no caso. De maneira geral, o Andarahy não tinha laços explicitamente estreitos como, por exemplo, o Bangu Athletic Club[5]. Embora seu quadro de sócios fosse formado pelo administrador e dirigentes da Fábrica, seus estatutos não expressavam formalmente qualquer ação em que a empresa fizesse valer, dentro do grêmio, os seus próprios interesses. Outro ponto importante estava na figura do Presidente Honorário. Este tinha um cunho meramente ornamental, não apresentando qualquer relação com o clube, como informava o artigo dois dos seus estatutos: “serão honorários os que, não pertencendo ao Club, fizerem jus a esse título, a juízo da assembléia”.

O Andarahy mantinha o elo que facilitava o alcance de recursos necessários para estruturação do clube. Necessitava do prestígio gozado pelos administradores da fábrica, mas, por opção da própria companhia, não interferia diretamente nas ações do grêmio esportivo. Por essa razão, a Fábrica Cruzeiro procurava não se confundir com o Andarahy Athletico Club. A escolha da presidência, assim como do corpo de dirigentes, ficava por conta dos sócios, ainda que de um corpo específico, o que indicava certa interferência indireta dos dirigentes da fábrica. Em termos genéricos, como aponta o próprio Mario Filho (2003), numa comparação entre as duas principais agremiações fabris, o Bangu seria um “clube da fábrica” e o Andarahy um “clube de fábrica”.


[1] Libanio da Rocha Vaz (presidente), Dr. Carlos da Rocha Braga (vice-presidente), Antonio Miranda (1° secretario), Dr. José Pinkus (2° secretario), José de Souza Ávila (1° tesoureiro), João Martins da Gloria (2° tesoureiro), Dr. Silvio e Silva, Cassiano Diniz Gonçalvez, João Marianno Ribeiro (Comissão fiscal), Alvaro Trindade, Carlos Moreira, Benjamin Martins (Suplentes).

[2] Estatutos do Andarahy Athletico Club aprovados em 29 de dezembro de 1918.

[3] Ata de fundação do Bangu Athletic Club.

[4] Artigo vinte dos Estatutos do Andarahy Athletico Club aprovados em 29 de dezembro de 1918: “os sócios empregados na Fabrica Cruzeiro continuarão a pagar a jóia de 5$000 da mensalidade de 3$000”.

[5] Ver SANTOS JUNIOR, N. J. A construção do sentimento local: o futebol nos arrabaldes de Andaraí e Bangu (1914-1923). 2012. 126f.  Dissertação (Mestrado em História Comparada) – Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.


Bangu A. C. x Campo Grande A. C.: a decadência do Clássico Rural

03/09/2012

Por Nei Jorge dos Santos Junior

       Campo Grande e Bangu: para muitos, são bairros que, inicialmente, representam apenas o descaso e o abandono do poder público quanto aos serviços essenciais. Por outro lado, são bairros que atraem inúmeros espectadores por suas peculiaridades, shows e eventos que acontecem em suas regiões; Bairros históricos, que tiveram trabalhos jesuíticos e, posteriormente, avançaram com o crescimento fabril. No entanto, o que poucos sabem, principalmente os mais jovens, é que esses  bairros são o berço de duas agremiações que têm muita história e gols para contar. Equipes que já fizeram jogos inesquecíveis, com torcidas apaixonadas, estádios cheios, que contribuíram para o engrandecimento do futebol carioca. É por isso, que retomaremos um pouco desses feitos, que se expressam em um só título: clássico rural.

           No dia 16 de setembro de 1962, os dois bairros mais populosos dos arrabaldes da cidade entraram num frisson completo, era a primeira partida disputada entre os dois clubes suburbanos. O palco do espetáculo, conhecido por Moça Bonita, entrava de vez na história da periferia da cidade, atraindo uma multidão de torcedores que tomavam as ruas que davam acesso ao estádio.

       A equipe do Campo Grande Atlético Clube, formada por Barbosa, Brandãozinho, Viana, Gilbertto, Darci, Zequinha, Adilson, Nelsinho, Russo, Décio e Roberto Peniche, foi derrotada de virada por 3 x 2, dois gols marcados por Luis Carlos e um de Beto(Bangu) e Russo e Roberto Peniche(Campo Grande). Naquele mesmo ano, 09 de dezembro, um segundo confronto, desta vez em Campo Grande, estádio Ítalo Del Cima, terminando a partida em empate, com gols de Antoninho e Nelsinho pelo Campo Grande e dois de Hélcio Jacaré pelo Bangu.

         Após o ano de 1962, as equipes voltariam a se enfrentar outras 79 vezes, com 28 empates, 34 vitórias para a equipe banguense e 19 vitórias para a equipe campusca. Seu último confronto foi no campeonato carioca de 1995, com vitória por 6 x 2 para a equipe de Bangu.

          Esses 17 anos sem o clássico rural refletem, de certa forma, a escassez que se espera para o futuro dos clubes de bairro no cenário atual do futebol profissional. A gestão amadora de alguns dirigentes e falta de captação de recursos, principalmente dos clubes de bairro, apontam o distanciamento do potencial financeiro do futebol, passando longe do conceito de lucratividade como fator de sucesso.

         No caso crítico do Campo Grande A. C., as crises no âmbito financeiro e os litígios dentro do departamento de futebol impedem a manutenção do futebol profissional. A dificuldade está na incapacidade de gerar receita. O clube conta apenas com uma feira de roupas e acessórios, tornando inviável a sua participação num cenário cada vez mais profissional e lucrativo. Para se ter ideia, em 2012, a agremiação é excluída do Campeonato Carioca da terceira divisão por dívidas com a FFERJ.

          Na busca por soluções, o clube criou um evento de shows, “a Galo City”, com o intuito de arrecadar uma quantia suficiente para, então, saldar as dívidas com a FFERJ. Com o pagamento feito em agosto, o Campo Grande A. C. voltou a ter direito de figurar entre os clubes da terceira divisão carioca, garantindo a sua participação em 2013.

       Em melhores condições financeiras, mas ainda distante das cifras exigidas no novo modelo do futebol profissional, o Bangu A. C., figura ainda entre as principais agremiações cariocas. No entanto, sua última participação num campeonato brasileiro da primeira divisão foi 1988, pouco para um clube que já foi vice-campeão da mesma competição.

         Dessa forma, os times do Bangu e do Campo Grande, assim como outros clubes tradicionais da cidade do Rio de Janeiro, vivem o mesmo problema, reflexo de expressivos déficits sequenciais. Essa nova realidade do futebol requer uma reflexão sobre a lógica do “negócio futebol” para que as medidas de desempenho, que expressam o modelo de gestão, passem a ser definidas e monitoradas. Se, por um lado, algumas agremiações já começam a transformar seus clubes em negócios extremamente lucrativos, por outro, alguns que figuravam nos campeonatos regionais e nacionais abrem espaços para clubes-empresas ou até mesmo prefeituras, afastando aqueles que exprimem uma identificação local.

Time comandado por Luxemburgo no Campeonato brasileiro de 1983.

Curiosidades…

  •  O Campo Grande A. C. revelou Dadá Maravilha (1967-1968), 22 gols.
  • Nascido em Bangu, Vágner Love, hoje atacante do Flamengo, teve passagem pelos dois clubes da Zona Oeste: Bangu e Campo Grande.
  • Vanderlei Luxemburgo começou a carreira de treinador no Campo Grande, no Brasileirão da Série A, em 1983.
  • Em 1991, Roberto Dinamite, ídolo vascaíno, jogou pelo Campo Grande.
  • Campo Grande revelou Valdir Bigode.

 Ídolos do Campo Grande A. C.

  •  Cláudio Adão
  • Dadá Maravilha
  • Edu Coimbra
  • Elói
  • Roberto Dinamite
  • Valdir Bigode
  • Rocha
  • Luizinho das Arábias
  • Barbosa

 Seleção de todos os tempos do Bangu A. C

Fausto, Domingos da Guia, Ladislau Antônio da Guia, Plácido Assis Monsores, Zizinho, Antônio Meneses, Nívio Gabrich, Ademir da Guia, Zózimo, Antônio Parada Neto, Ubirajara, José Maria Fidélis, Paulo Luís Borges, Aladim Luciano, Moisés, Arturzinho, Cláudio Adão, Marinho e Mauro Galvão.

Domingos da Guia e seu filho Ademir da Guia (Craques do Bangu A.C.)


BANGU E A FÁBRICA: UM CASAMENTO (IN)FELIZ?

14/05/2012

      Por Nei Jorge dos Santos Junior

     Olá amigos do História(s) do Sport. Hoje vamos discutir algo que sempre esteve presente nos meus estudos: a relação futebol/fábrica.

     Diante tal relação me pergunto: até que ponto as indústrias interferiam no cotidiano das agremiações que se constituíram relacionadas ao ambiente fabril?

       Para tentar responder uma pergunta de tamanha complexidade e, quiçá, pretensão, nos atentamos a fundação do Bangu Athletic Club, o primeiro clube operário da cidade, que criou um modelo que seria, ao longo dos anos, adotado por muitos de seus pares.

       Fundado no dia 17 de abril de 1904, o Bangu Athletic Club teve estrangeiros entre seus precursores [1]. Chegados à cidade ainda em fins do século XIX, para trabalhar para a Companhia Progresso Industrial, que administraria a fábrica de tecidos fundada no bairro, em 1893, um grupo de técnicos ingleses mostrou-se disposto a criar uma agremiação nos moldes daquelas que existiam em seu país.

       A princípio, os diretores da empresa não pareciam dispostos a apoiar tal iniciativa; o administrador da fábrica, Sr. Eduardo Gomes Ferreira, alegava ser contra qualquer tipo de jogo. Os ingleses, porém, não esmoreceram e continuaram a pedir recursos para a fundação do clube[2]. As restrições só chegariam ao fim com o apoio do novo administrador, João Ferrer, que enxergava com bons olhos a criação de uma agremiação.

     A necessidade de apoio por parte da fábrica fez com que os fundadores do clube ampliassem o intuito inicial, atendendo aos interesses da empresa[3]. Na própria ata de fundação percebemos que o secretário ficou incumbido de divulgar a criação da agremiação, “convidando os rapazes de entrar como sócio”, o que já expressava a possibilidade de aceitação de trabalhadores das mais variadas origens[4]. O próprio valor para associar-se ao clube seria um importante fator para a sua popularização: 2$000 de joia e uma mensalidade de 1$000, sendo que o salário dos operários ia de 94$800 (no setor da fiação) até 260$640 (no setor de acabamento) [5]. O clube desde sua gênese indicava que pretendia agregar o maior número de funcionários.

       Com o vínculo instituído, a fábrica criou elementos necessários para o desenvolvimento da agremiação, entre eles a construção de um campo para a prática do esporte; de frente para a Estação de Ferro, em linha paralela com a Rua Estevão, feito com grama inglesa retirada do próprio jardim da companhia, sob as ordens do administrador da fábrica João Ferrer.

        A solicitação de recursos era encaminhada ao Presidente Honorário do clube, cargo definido claramente no artigo quatro em seus estatutos – “o presidente honorário do club sempre será o diretor gerente da Companhia Progresso Industrial do Brasil, que será consultado em todas as resoluções tomadas pela diretoria, estranhas a estes estatutos” [6]. Isto é, o administrador gerente avaliava e designava os recursos necessários para o bom andamento do clube. Suas ações interferiam diretamente na política do grêmio, principalmente no controle e na composição de seus quadros e dirigentes [7]. Vale salientar que qualquer obra, ou evento realizado pelo clube, por ter sua sede no terreno da companhia, precisava de autorização prévia da fábrica, até mesmo jogos e torneios, como a disputa da Taça Ferrer, em que o administrador impôs o número de competidores, data e condição de participação: “só poderá tomar parte neste torneio, jogadores que são empregados da Cia. Progresso Industrial do Brasil” [8].

        Na verdade, os custos que exigia a prática do futebol, nos moldes desejados pela LMSA[9], tornaram importante a participação financeira das empresas para a manutenção da atividade. Assim:

 A direção da fábrica passava a subsidiar as atividades do clube; por exemplo, cedendo um terreno de propriedade da empresa para a instalação do campo de futebol e a construção da sede social ou, então, contribuindo para o pagamento de aluguéis. Mensalmente, ela oferecia ao clube uma quantia em dinheiro, a fim de complementar seu orçamento, que incluía despesas com conservação e limpeza da sede social e do campo, pagamento de impostos, energia elétrica, limpeza dos uniformes, transporte de jogadores e outras. Quanto ao material esportivo, a fábrica poderia fornecer desde as camisas até a bola e as chuteiras [10].
 

       Como se pode observar, naquele momento, a participação do Bangu, assim como a sua própria criação, só foi possível devido ao apoio dado pela Fábrica. Sem ajuda financeira, seria impossível ingressar no principal campeonato de futebol do período. Assim como desfrutar da estrutura física e dos benefícios que o jogador-operário adquiria.


[1] Sua primeira diretoria foi composta por: João Ferrer (Presidente Honorário), Willian French (Presidente), Thomas Donohoe (vice-presidente), Andrew Procter (Secretário e tesoureiro), José Villas Boas, James hartley e José Soares (Conselho Fiscal), John Stark (Capitain of Football), Thomas Hellowell (Capitain of Cricket) e Frederick Jacques (Capitain of Lawn Tennis).

[2] SILVA, G. A. A. Bangu: a fábrica e o bairro. Um Estudo Histórico (1889-1930). Dissertação (Mestrado em História Social) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1985.

[3] PEREIRA, L. A. M. Footballmania: uma história social no Futebol do Rio de Janeiro: 1902-1938. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.p.32.

[4] Livro de Atas das Sessões da Diretoria do Bangu A.C., 17 de Abril de 1904.

[5] MALAIA, J. M. Revolução Vascaína: a profissionalização do futebol e inserção sócio-econômica de negros e portugueses na cidade do Rio de Janeiro (1915-1934). 2010. 489f. Tese (Doutorado em História Econômica) – Departamento de História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

[6] Diário Oficial, 16 de fevereiro de 1918 p. 2510. Extracto Estatutos do Bangu Athletic Club.

[7] Acta da Sessão da Diretoria do Bangu Athletic Club de 28 de fevereiro de 1909.

[8] Acta da Sessão da Diretoria do Bangu Athletic Club de 21 de março de 1911.

[9] Liga Metropolitana de Sport Athleticos.

[10] ANTUNES, F. M. R. F. O futebol nas fábricas. Revista USP: dossiê futebol, São Paulo, n. 22, p. 102-109, jun.-ago. 1994. p.105.


Os caçadores de “players” suburbanos: o celeiro de craques

23/01/2012
Por Nei Santos Junior

         No dia 5 de abril de 1919, a Gazeta Suburbana publicou na coluna “Dizem…” um fato que perseguia as agremiações da periferia da cidade: os “caçadores de players” suburbanos.

         Formado por representantes da Liga Metropolitana, esses indivíduos atraiam os jogadores da região com a promessa de emprego e algumas regalias, enxergando nos jogadores da zona suburbana a oportunidade de fortalecer as suas equipes. Para o historiador João Malaia, com a popularização do futebol, jogadores da zona suburbana começavam a se destacar em clubes menores, passando a despertar interesse das grandes agremiações dos bairros da zona Sul, aqueles clubes com potencial para lotar os estádios e ter rendimentos anuais na casa de centenas e milhares contos de réis [1].

         Com a entrada dos players suburbanos nos jogos da Metropolitana, os órgãos da “grande imprensa” carioca começavam a destacar essas transformações, como apontou o cronista d’O Imparcial:

 Para os sportsmen que entendem que a entidade suburbana não preenche os fins progressivos do desenvolvimento sportivo da nossa terra, como de quando em vez se propala nas rodas desportivas, levamos ao conhecimento daquelles que de facto se interessam pelo progresso do football, o escandaloso caso de suborno, de vantajosas promessas de bons empregos, de gordas gorjetas que estão sendo postas em prática aos jogadores da Suburbana para se filiarem aos diversos clubes das três divisões da Metro.
Já sobe a numero superior de 20 players que se transferiram com malas e bagagem para a entidade da Rua Buenos Aires.
E depois digam que a Suburbana não é o celeiro da Metropolitana [2].

          A transformação da Liga Suburbana num “celeiro” [3] de players para a Metropolitana colocava em xeque os valores morais tão apreciados pelos clubes dos bairros chics da cidade. Lentamente, esses jogadores, fruto de um “escandaloso caso de suborno”, apareciam ano após ano em clubes de equipes consideradas pequenas e, com isso, o cenário da Metropolitana ganhava novos ares. Para Malaia, a vantagem de se trazer um jogador suburbano, era que ele não mantinha qualquer vínculo com qualquer clube filiado à Liga Metropolitana e, portanto, não havia que esperar o período de um ano sem jogar, imposto pela famosa “Lei do estágio” [4].

‘C’est lla Mem chose’!”. Fonte: O Imparcial, 4 de março de 1919.

         A fim de evitar tamanho desastre, a Gazeta Suburbana se dedicava em acompanhar as ações que movimentavam esse mercado, publicando uma série de notícias sobre as transações que envolviam jogadores oriundos da zona suburbana. Logo, uma chamaria a atenção até mesmo do próprio cronista.

         Surpreso com a escalação do Vasco da Gama na apresentação do torneio “Initium”, revelando em seu team “vários elementos do Engenho de Dentro” [5], dentre eles, Nelson (Chauffer), Pederneiras e Quintanilha, os principais responsáveis pelo tricampeonato, o redator questiona: “mas será mesmo possível que esses players abandonem seu glorioso club para jogar por um club estranho a elles, como o Vasco?” [6] Espantado, o mesmo responde, “não queremos crer, mas… em todo caso… esperemos os acontecimentos” [7].

Fonte: MALAIA, J. M. Revolução Vascaína: a profissionalização do futebol e inserção sócio-econômica de negros e portugueses na cidade do Rio de Janeiro (1915-1934).

         De maneira geral, os jogadores suburbanos começavam a perceber que essa prática poderia ser um meio rentável para o seu sustento. Mesmo recebendo uma fatia mínima das rendas adquiridas com a venda de ingressos, esse indivíduo se convertia cada vez mais em um verdadeiro trabalhador urbano, servindo como objeto do espetáculo que se tornara o futebol da época.


[1] MALAIA, J. M. Revolução Vascaína: a profissionalização do futebol e inserção sócio-econômica de negros e portugueses na cidade do Rio de Janeiro (1915-1934). 2010

[2] O Imparcial, 25 de janeiro de 1919.

[3] Expressão ainda utilizada na atualidade para definir um local onde se produzem bons jogadores.

[4] MALAIA, J. M. Revolução Vascaína: a profissionalização do futebol e inserção sócio-econômica de negros e portugueses na cidade do Rio de Janeiro (1915-1934). 2010.

[5] Gazeta Suburbana, 5 de abril de 1919, p.3.

[6] Gazeta Suburbana, 5 de abril de 1919, p.3.

[7] Gazeta Suburbana, 5 de abril de 1919, p.3.

Entre brincadeiras e trabalho: a equipe infantil do Bangu A. C.

10/10/2011

Por Nei Santos Junior

          Aguardando o famoso dia 12 de outubro, “dia comercial das crianças”, resolvi escrever algo que relacionasse os seguintes temas: futebol suburbano x dia das crianças. Inicialmente articular esses dois objetos me pareceu uma tarefa frustrada, mas depois de vasculhar algumas fontes… Pude encontrar algo que pudesse despertar a curiosidade de alguns.

          Ainda na primeira década do século XX, o entusiasmo causado pelo esporte no Rio de Janeiro e sua difusão pelos subúrbios da capital[1] não permitiriam mais caracterizá-lo como uma prática restrita a grupos de esportistas da Zona Sul. O futebol rapidamente ganhava proporções diferentes da imagem de distinção social implementada pelos sportsmen, tornando-se cada vez mais patente a participação de negros e trabalhadores, que, assim, promoviam um alargamento simbólico nos sentidos do jogo.

          Os admiradores do futebol, agrupados em centros esportivos formados nos subúrbios ou em seus locais de trabalho, não eram os únicos a sentirem essa grande paixão pelo jogo, as “peladas” entre os meninos suburbanos, se torvavam frequentes nos arrabaldes da cidade, resultando em ainda em 1911 uma equipe infantil no Bangu Athletic Club.

          Naquele momento a população do bairro contava com um pouco mais de sete mil habitantes que direcionavam suas atividades em torno da fábrica, o que transformava o futebol em uma das principais opções de lazer dos moradores da região, principalmente entre os jovens.

          Os administradores da Fábrica Bangu perceberam que o futebol estimulava entre os jovens da região, um sentido de pertencer à comunidade da empresa, e inúmeros festivais esportivos foram criados. Entre eles, destaca-se o torneio de futebol realizado no dia 24 de junho de 1911, vencido pelos alunos do Professor Timótheo.

           A equipe vencedora era formada pelos irmãos Antônio e Áureo Corrêa, Ernani Reis, Osvaldo Corrêa (Coquinho), José Monteiro (Bodóque), Chumbado, Tio Pedro, Pata, Franklim Frango d’agua (filho do Professor Timótheo), Pepe Alvarez, Pedro Menezes e Waldemar. Destes, os cinco primeiros vestiram posteriormente a camisa do Bangu A.C., resultado do desenvolvimento do gosto pelo esporte na região.

           A equipe principal matinha o ciclo de novos jogadores. Esses, além de cativar um espaço no time, faturavam um emprego na fábrica, alimentando a figura do operário-jogador: o trabalhador que se destacava menos por tarefas laborais e mais por suas habilidades esportivas. Isso justificava uma série de privilégios: dispensa da exigência de frequência no trabalho em horários de treino e jogos, além de colocação em um posto mais leve[2]

Ata_21 de junho de 1911.

          Diante deste entusiasmo, incentivado pela inserção de uma nova prática que começava a se disseminar pelos vários cantos do país e pelas diversas camadas sociais, o trabalho iniciado pelo professor Timótheo ganharia destaque entre os moradores, e novos talentos surgiam nos arrabaldes de Bangu. 

(Segunda parte) Ata_21 de junho de 1911

 [1] Esse fato se dá com a criação de clubes formados por rapazes de classe média, como também por empregados de fábricas e moradores de bairros populares como: The Bangu Athletic Club (1904), Andarahy Athletico Club (1909), Sport Club Mangueira (1906), Cascadura F. C (1906), Club Atlético Méier (1906), Brasil Atletic Club (1906), Esperança Atletic Club (1907). Correio da Manhã, 2 de agosto de 1906; Correio da Manhã, 22 de maio de 1907; Gazeta de Notícias, 15 de abril de 1907; O Paiz, 19 de outubro de 1906; e O Paiz, 10 de junho de 1906.

[2] RODRIGUES FILHO, M. O Negro no futebol brasileiro. 4ª edição. Rio de Janeiro: Mauad , 2003.


Campeão mundial de 1960: Bangu, Bangu, Bangu!

26/06/2011

“Em Bangu se o clube vence há na certa um feriado, comércio fechado”.

A frase acima representa um pequeno trecho do hino banguense. Se considerarmos esta frase verdadeira… Realmente o comercio fechou em 06 de Agosto de 1960. Bangu Campeão mundial! Isso mesmo, Bangu campeão do International Soccer League de 1960.

Em 1960, William Cox, um empresário americano e proprietário do Philadelphia Philies uma equipe de Basebol dos EUA, viu um mercado em potencial no país para o futebol de alto rendimento. Reconhecendo que os clubes da Liga americana não apresentavam um futebol suficientemente vistoso para atrair novos fãs, começou a considerar a possibilidade de convidar equipes européias e sul-americanas para o seu campeonato.

O futebol nos EUA é gerido pela United States Soccer Football Association (USSFA). Como membro da FIFA, o USSFA tinha em suas mãos o domínio do futebol no país, obrigando o empresário filiar-se a American Soccer Leaguer, uma liga reconhecida pela USSFA.

Resolvido esse impasse, ficava a missão de convidar os clubes que configuravam o cenário do futebol mundial no período. Foram convidados: Kilmarnock (Escócia), Burnley (Inglaterra), Red Star Belgrade (Iugoslávia), Sampdoria (Itália), Nice (França), Rapid Wien (Áustria), Sporting (Portugal), Bayern de Munique (Alemanha), Norrkoping (Suécia), Glenavon (Irlanda do Norte), Bangu (Brasil) e o New York Americans, criado para representar o país sede.

A única equipe sul-americana na competição seria proveniente do Brasil, o atual campeão mundial de futebol, com o título conquistado na Suécia em 1958. Como ainda não existia um Campeonato Brasileiro que pudesse apontar um representante para o Torneio Internacional, Bill Cox resolveu escolher um grande time, que em 1959 tivesse conquistado um título nos grandes centros (Rio de Janeiro ou São Paulo).

Segundo Molinari (2010), o Fluminense, campeão em 1959 no Rio de Janeiro, não poderia participar do evento por estar envolvido nos jogos do Torneio Rio-São Paulo, assim como o Palmeiras, campeão paulista, estaria na mesma competição. [1]O convite, então, acabou chegando às mãos do Bangu, que era o atual vice-campeão carioca. O clube de Moça Bonita cancelou uma viagem marcada para a Europa, para poder disputar o primeiro Campeonato Mundial Interclubes, em Nova York, no período de 4 de julho a 6 de agosto.

Ainda de acordo com o autor, o presidente Maurício César Buscácio, ao contrário dos dirigentes de Fluminense e Palmeiras, preferiu arriscar.

Além dos 17 atletas, embarcaram no dia 30 de junho, o chefe da delegação Sérgio Vasconcelos, o médico Ivon Côrtes, o jornalista da Rádio Nacional Antônio Cordeiro, o presidente Buscácio e o técnico Tim.

Pelo regulamento do Torneio apenas o campeão de cada grupo passaria para próxima fase. Ou seja, o campeão do grupo A e o campeão do grupo B decidiriam o título em uma partida única.

Com três vitórias e um empate, o clube conquistou o primeiro lugar no grupo A, garantindo seu lugar na final.

A equipe composta por Ubirajara, Joel, Darci Faria, Zózimo, Ananias, Nilton dos Santos, Luis Carlos, Zé Maria, Correia, Ademir da Guia e Beto sagrava-se campeão invicto após vencer o Kilmarnorck por 2×0, tendo como craque do torneio Ademir da Guia, com apenas 18 anos.

O bairro entraria em delírio para receber os campeões, e com certeza teve… Comércio fechado!

 

CURIOSIDADES…

O Campeonato carioca não esperou o Bangu, sendo a equipe representada por juniores nas três primeiras rodadas (Jornal do Brasil, 05 de agosto de 1960).

Campanha do Bangu no Torneio Internacional
Jogo A – Bangu 4×0 Sampdoria no dia 4 de julho de 1960
Jogo B – Bangu 3×2 Rapid Wien no dia 10 de julho de 1960
Jogo C – Bangu 5×1 Sporting no dia 16 de junho de 1960
Jogo D – Bangu 5×2 Red Star no dia 18 de junho de 1960
Jogo E – Bangu 0x0 Norrkoping no dia 20 de junho de 1960
Semi – Final – Bangu 2×0 Red Star no dia 31 de julho de 1960
Final – Bangu 2×0 Kilmarnorck no dia 6 de agosto de 1960

Em pé: Joel, Ubirajara, Darci Faria, Ananias, Zózimo, Nilton dos Santos. Agachados: Correia, Zé Maria, Luís Carlos, Ademir da Guia e Beto.

[1] MOLINARI, C. Nós é que somos Banguenses. 2010.


No tempo que Chiquinho jogava no Andarahy…

14/03/2011
“No tempo que Dondon jogava no Andaraí,
nossa vida era mais simples de viver…”
 
Por Nei Santos Junior

      A canção de Nei Lopes, interpretada por Zeca Pagodinho e posteriormente por Dudu Nobre, resgatava em 2003 uma agremiação de suma importância para a popularização do futebol: Andarahy Athletico Club.

      O personagem da canção, DonDon, ganhava destaque no Brasil inteiro através da novela Celebridade, exibida pela Rede Globo em 2003/2004, cujo núcleo de personagens ambientava no bairro do Andaraí, zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Depois da trama, Dondon tornou-se alvo da curiosidade, sendo frequentemente reverenciado como o “grande craque” do clube suburbano.

      Zagueiro carismático, Dondon atuou na equipe alviverde na década de 1930, não era nenhum grande full-back, mas suas atuações eram convincentes. No entanto, o que poucos sabem é que o verdadeiro craque do Andarahy A. C., apareceu bem antes, seu nome? Chiquinho!

      Chiquinho jogou no Andarahy A. C. nas primeiras décadas do século XX, habilidoso e goleador, logo chamaria a atenção por suas jogadas geniais e pelos resultados obtidos nos jogos do Andarahy. Contudo, vale lembrar que “no tempo que Chiquinho jogava no Andarahy”, o futebol ainda aspirava a fidalguia projetada pelos sportsmen, ou seja, as grandes jogadas mostradas em campo não eram devidamente valorizadas, dando espaço à desconfiança representada pela pigmentação da pele.

      Para se ter ideia, mesmo com grandes atuações os sportsmen responsáveis pelas colunas esportivas da época não admitiam que jogadores oriundos dos bairros pobres representassem a cidade.  Essa desconfiança se configurava na convocação deste jogador para o selecionado carioca em maio de 1917.

Não somos dos que fazem questão de que o quadro representativo do Rio seja formado de elementos claros como a gema d’ovos estrelados, mas é claro como água que um jogador somente deve ser escolhido para figurar num scratch quando é capaz de acarretar com a responsabilidade do nome de jogadores.[1]
 

             Com traços negros claramente marcados, Chiquinho não parecia ser um bom nome para representar o selecionado nacional. Embora o cronista esconda seus próprios preconceitos raciais, atribuindo implicância com o jogador do Andarahy à suposta falta de educação esportiva deste, acaba por trazer à luz abertamente a posição daqueles que tinham nos traços étnicos um critério inequívoco de exclusão.[2] Nesse sentido, não se tratava apenas na definição de um time da cidade, e sim a imagem da equipe que seria o atestado vivo do avanço esportivo da nação. A simples presença de negros em um selecionado nacional era, assim, para a imprensa, motivo de chacota, o que rendia corriqueiras piadas sobre esses jogadores.

– Quá, seu Xiquinho, nunca vi genti p’ra  módi jugá tanto. O tá Du centrifó Préres mi fez ficá taliqua um homi tontu, acim uma simiança di inguilez atrapaiado p’ra módi falá a falação dus arabis.
– Assuncê tem mesmo a razão. Os atacantes e os frunbéquis são mais pió que os alemães no campo dus Riva.[3]

      A fictícia conversa entre os jogadores Bráulio e Chiquinho, ambos do Andarahy, refletia intensamente o pensamento da imprensa esportiva da época.[4] Jogadores oriundos das camadas baixas da cidade não estariam à altura de uma prática que necessitava de educação e requinte. As duas citações explicitam que na opinião desses cronistas, o futebol era um esporte que só pode ser praticado por pessoas da mesma educação e cultivo, caso contrário, a prática torna-se um suplício, um sacrifício, mas nunca uma diversão.[5]

      No entanto, as exibições desses jogadores oriundos dos subúrbios do Rio de Janeiro promoviam um alargamento simbólico nos sentidos do jogo, e cada vez mais Chiquinhos iriam aparecendo nos campos da Liga Metropolitana, dando um toque de diversidade que expressaria um mito brasileiro incessantemente discutido: a formação do futebol arte.

Por isso… No tempo que Chiquinho jogava no Andarahy…


[1] Correio da Manhã, 17 de maio de 1917.

[2] Ver PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Footballmania: Uma História social no Futebol do Rio de Janeiro: 1902-1938. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2000.

[3] O Imparcial, 26 de Agosto de 1919. p. 08.

[4] Ver MALAIA, J.M.Revolução Vascaína: a profissionalização do futebol e inserção sócio-econômica de negros e portugueses na cidade do Rio de Janeiro (1915-1934).2010.489f. Tese (Doutorado em História Econômica), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

[5] Sports, 06 de Agosto de 1915.