Hoje venho escrever sobre o filme oficial da Copa do Mundo de 1982, disputada na Espanha. Quem viveu se lembra. Impossível esquecer aquele que, provavelmente, foi o escrete nacional mais encantador, desde a década de 1970 (no meu caso, foi a segunda Copa que acompanhei e foi fascinante: frustrante e apaixonante). Pois bem, a Copa do Mundo da Espanha foi retratada direta ou indiretamente em algumas produções fílmicas. Conforme um levantamento próprio, que realizei para a produção de um capítulo em livro sobre o Mundial de 1982, três obras se destacam, a saber: G’Olé! Filme Oficial da Copa do Mundo FIFA de 1982 (RU, Tom Clegg,1983), Futebol Arte (RU, Richard Horne, 2014) e Corações de Campeões (Itália, Gianluca Fellini e Mechela Scolari, 2018). Hoje vou adiantar algumas observações sobre a primeira delas.
“G’olé”, lançado em 1983, foi dirigido por Tom Clegg e produzido por Drummond Challis e Michael Samuelson. Tem como destaque especial a narração de Sean Connery e trilha sonora dirigida por Rick Wakeman (ex-tecladista do Yes[1]). Faz parte da coleção de registros cinematográficos da Federação Internacional de Futebol e pode ser acessado no site da FIFA (assim como os filmes disponíveis das demais Copas – https://www.fifa.com/fifaplus/pt/cat/s4xAD7wTR30jnTMLbxISS). Por ser obra encomendada pelos gestores internacionais do futebol e de sua realização maior (as Copas) parece razoável supor que essas produções podem ajudar a delinear o que a própria FIFA considerou mais relevante e destacável no megaevento em questão. Para tanto, a própria sinopse oficial já esclarece: 1982 teria sido a Copa “de um Diego Maradona de apenas 21 anos de idade”, expulso por agressão; dos “dribles e golaços de Falcão, Sócrates, Zico e Éder” e o torneio da “primeira disputa de pênaltis da história da competição”. Contou ainda com as “zebras da Argélia e Irlanda do Norte, uma intervenção real” e um “duro choque de Toni Schumacher com Patrick Battiston” (Disponível em: https://www.fifa.com/fifaplus/pt/watch/movie/ZU5G7eaVq1PNZNZWkSypT. Consultado em 26/02/23).
Para além das referências autoexplicativas, a disputa de pênaltis faz menção à eliminação da França pela Alemanha, nas semifinais, depois de um 3 x 3 em 120 minutos. As zebras dão conta da vitória da Argélia frente à mesma Alemanha (no jogo de estreia dos germânicos) e do 1 x 0 da Irlanda sobre a dona da Casa. A “intervenção real” trata da cobertura do inusitado evento da invasão de campo pelo Príncipe Fahad Al-Ahmed, do Kuwait, que conseguiu anular um gol da França[2]! No “choque” de Schumacher em Battiston (no mesmo jogo dos pênaltis) o atleta francês foi inapelavelmente nocauteado: perdeu três dentes, teve que ser levado ao hospital e chegou a entrar em coma. O juiz considerou o lance uma entrada normal de jogo[3].
Em termos fílmicos, temos um documentário tradicional. Uma história possível (a da Copa de 1982) é narrada por intermédio de uma sucessão de imagens de época, falas coetâneas, exposições circunstanciadas, depoimentos provocados, um roteiro específico. Se quiséssemos aproveitar a clássica categorização de Bill Nichols, a obra se situa como um modelo de não ficção que emprega uma narrativa histórica. Conta uma trajetória a partir de “uma interpretação ou perspectiva dos fatos” e é construída basicamente na combinação entre um “modo expositivo” (com amplo recurso ao voice over) e “participativo”, propondo a interação com os atores sociais diretamente envolvidos, com o uso intensivo de entrevistas (Introdução ao Documentário, 2016, pp. 159-161).
G’olé, com esse título estilístico (que faz um jogo explícito entre o tento e a interjeição espanhola “empregada para animar e aplaudir”[4] – também ela apropriada pelo futebol) apresenta uma estrutura básica. Ela advém de uma proposição inicial. A voz over esclarece, logo aos dois minutos:
“Sabíamos que, embora o futebol seja apenas um jogo, ele envolve uma certa quantidade de paixão”.
Esse mote básico vai reger a composição da montagem. De modo imediato e, inicialmente, intercalam-se cortes de menção lúdica e festiva a essa paixão: são cenas seguidas de comemorações eufóricas, fundamentalmente de gols marcados. Após esse conjunto, advém o outro lado da moeda, a paixão transformada em frustração, embate e violência: segue-se, assim, uma sequência de quedas, faltas, enfrentamentos. Esse vai e vem (entre confraternização e conflito) alterna-se duas vezes. É um enunciado que vaticina: vamos mostrar o espetáculo da paixão futebolística no show imagético das performances com a bola e das altercações em torno dela.
Estabelecido um fio condutor, os segmentos se descortinam. O documentário vai se iniciar acompanhando a Argentina até a expulsão de Maradona, a partir da qual, conclui: “O mundo deve esperar que seu novo rei atinja a maioridade”. Da Argentina, segue para o Brasil, que tem uma cobertura bastante significativa. Contundente e demasiadamente caricata, diga-se. Essa primeira parte, sul-americana, estanca na vitória nacional sobre os argentinos (3 x 1). Na continuidade, abre-se para a menção aos “peixes menores”: Honduras, El Salvador, Argélia, Nova Zelândia.
Depois vem a anfitriã (Espanha) e a Inglaterra. O retorno ao Brasil e ao fatídico jogo com a Itália (aproximadamente aos 44 minutos) marca os segmentos de arremate para as semifinais e para a grande decisão, com a qual o documentário chega ao fim.
Conforme já havia antecipado, a representação do Brasil (do selecionado e do brasileiro) é bem caricata. As tomadas relativas ao Brasil sempre vêm embaladas musicalmente (muito frequentemente ao som de “Voa Canarinho, voa”)[1] e com imagens de torcedores constantemente em movimento pélvico (dançando). O texto narrado e a entonação dada sugerem pequenas entradas de apelo cômico.
Não obstante, as associações (cômicas ou não) vinculadas à seleção e aos brasileiros são sistematicamente relacionadas ao “carnaval”, à música, aos “tambores”, ao samba e ao nosso “futebol romântico”. Aliás, aqui temos uma chave ‘explicativa’ para a tragédia do Sarriá (tragédia para nós, festa nacional para os italianos): teria sido por conta do nosso tal romantismo futebolístico que, mesmo com a vantagem do empate, nos impeliu “ao ataque”. Quando Falcão empata o jogo, a narração evidencia que o 2 x 2 classificaria o Brasil: “Mas seus instintos naturais [do futebol brasileiro] os levariam adiante” [ao ataque]. Perdemos porque maior que a possibilidade de jogar com a regra o que se fez valer foi nosso impulso irrefreável ao jogo ofensivo…
Também me parece-me interessante destacar que os gols da Itália contra nossa seleção são associados a descuidos/falhas do Brasil (e, desse modo, menos ao mérito do adversário). O segundo sucesso de Paolo Rossi, no caso, é explicado como “outro lapso [que] permite” o tento do atacante.
Com a consecução do hat-trick de Rossi, no entanto, “a bateria brasileira silencia” e o nosso time, “favorito, campeão [!] do futebol romântico”, ficava “fora da Copa do Mundo”. O mais notável é que nesse ponto o documentário sofre uma inflexão narrativa que mais se assemelha a um pesar. É definido mesmo como um “anticlímax”. Isso porque, dada a eliminação do selecionado canarinho,
“A Espanha recupera o fôlego. Com o Brasil fora, uma sensação de anticlímax prevaleceu. A vida voltou ao normal e se esqueceu do futebol”.
Imageticamente isso implica uma sequência (sem fala) com várias cenas cotidianas: no campo, no trânsito, nas terrazas madrileñas, nas praias. Somente após esse interregno, e de forma lenta e quase relutantemente, é que o país se preparou para a primeira das semifinais: Polônia conta Itália.
A leitura elementar parece nos levar a crer que a saída do Brasil impacta negativamente o desenrolar da Copa (e do próprio documentário). A admissão da perda do clímax, antes mesmo das semifinais, chega a surpreender. Os jogos são cobertos, é claro, e méritos são reconhecidos à Azzurra, mas alguma coisa tinha ficado pelo caminho (sempre segundo o documentário). Chega a impressionar o destaque da seleção brasileira de 1982 que, mesmo eliminada na segunda fase, consegue imprimir um sentido de qualidade e espetáculo cuja ausência é sentida como o princípio do fim. Também é de se registrar como é pujante uma concepção de que o futebol brasileiro teria uma espécie de natureza própria, de cunho artístico, romântico (estético), vital (instintivo) e gingado (rítmico, tal como na permanente trilha sonora que lhe é constantemente associada). Para mais, esperemos o livro.
No post anterior, abordamos como a ginástica tornou-se cada vez mais uma questão relacionada à educação e à infância nos periódicos científicos da década de 1840. Este processo, que começou nas décadas anteriores, estava inserido em um campo de disputas em que diferentes agentes, práticas e saberes buscavam se legitimar.
Como sinalizamos, o Dr. Francisco Paula Candido mencionou a ginástica no discurso da comemoração do 12º aniversário da Academia Imperial de Medicina[ii].
Nesse discurso – realizado em sessão pública com a presença do imperador no Palácio Imperial da Cidade -, a prática corporal serviu como exemplo, entre os antigos, da relação desejável entre conhecimento especializado e o Estado:
Em última análise fica incontestável a influência, que a ginástica, a sobriedade, e outros preceitos higiênicos erigidos em leis, adaptados à índole e necessidade dos Lacedemônios, exerceu na educação daqueles, que essas mesmas leis transformarão em heróis (1841, p.144).
O presidente da Academia Imperial de Medicina deixava, desse modo, manifesta a posição da entidade: uma autorrepresentação da medicina enquanto portadora de um saber sobre a saúde física e coletiva, que deveria prevalecer sobre a vida social e política do Império. Não será coincidência que posteriormente Paula Candido ocupará a presidência da Junta Central de Higiene Pública (1850-1864).
O futuro do país e da sociedade como um todo dependeria, segundo Candido, do diagnóstico proveniente da ciência e, em particular, da medicina:
[..] no apogeu da civilização o legislador deve chamar a contribuição todos os ramos dos conhecimentos humanos sob pena de ficar atrás do século em que vive (p.1841, p. 143).
Tal perspectiva fica mais evidente nas atribuições que a Academia, segundo Paula Candido, deveria exercer na educação brasileira, difundindo o saber médico entre a população. Como vimos, esse saber, conforme parte dos médicos da entidade defendiam, incluiria a introdução da prática da ginástica nas escolas do país. Tal posição seria depois consolidada oficialmente pela Academia Imperial de Medicina, ao se pronunciar a favor da necessidade do ensino da ginástica nas escolas de instrução primária[iii].
Revista Medica Brasileira, v.1, n.3, julho de 1841.
Aliás, não se sabe ao certo o papel que a Academia Imperial de Medicina teve na introdução dos exercícios ginásticos no Colégio Pedro II, que ocorrera em 1841, que foi defendida por Emilio Maia com veemência no ano anterior. Contudo, naquela ocasião, o mestre de ginástica contratado foi justamente Guilherme Luiz de Taube, que quase 10 anos antes solicitou um parecer da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro sobre o seu breve tratado sobre ginástica.
Em todo caso, parece-se nos adequado afirmar que, na perspectiva dos esculápios, a ginástica materializaria (assim como os demais preceitos da educação física e da higiene, as quais ela estava articulada) a medicalização do cotidiano escolar.
Um exemplo da defesa de tal perspectiva pode ser identificado na RMF, na qual foram publicados os preceitos de higiene estabelecidos pelo decano da Faculdade de Medicina de Paris e adotados nas escolas públicas francesas[iv]. Além de diversas recomendações referentes a alimentos e bebidas, vestuário, banhos etc., a prática de exercícios, incluindo a ginástica, constitui uma orientação que deve ser seguida no meio escolar.
A educação voltada para a infância se constituiria, assim, em locus por excelência do saber médico sobre a ginástica. Essa, porém, seria uma das faces, entre outras, da ginástica médica; embora, talvez, a que os médicos dedicariam maior atenção a partir daquele momento.
Nesse cenário, avançará também a discussão sobre os métodos, bem como sobre os mecanismos fisiológicos e terapêuticos envolvidos na prática corporal, reforçando e, em alguns casos, ampliando o rol de enfermidades tratadas ou prevenidas pela ginástica. O parecer do Dr. Rego Cesar a um opúsculo sobre “ginastica médica sueca”, apresentado a pedido da Academia Imperial de Medicina, pode ser entendido como uma forma de melhor compreender os efeitos e os possíveis usos da prática corporal[v]. Rico em detalhes sobre as ações fisiológicas promovidas pela ginástica, a enumeração das moléstias que poderiam ser combatidas dá uma dimensão da possível importância atribuída a tais exercícios pelas ciências médicas: paralisia, apoplexia, problemas na coluna vertebral, catarro nos pulmões, tísica tuberculosa, asma, hiperemia abdominal, constipação, hemorroida, ingurgitamento do fígado, gota, reumatismo, escrófula, moléstias nos genitais e na bexiga, entre outras.
Adicionalmente, de acordo com Rego Cesar, a prática corporal também acostumaria o cidadão à disciplina, à obediência, tornando-o útil à defesa pátria. A ginástica ficava, assim, também associada ao corpo do (inclusive, do futuro) soldado[vi]. Contudo, na visão do médico, a difusão e as condições para sua prática ainda seriam bastante deficientes no país, inclusive nas associações estrangeiras, se constituindo em mero divertimento ou passatempo, e no Colégio Pedro II, cujo curso seria incompleto, imperfeito e facultativo. Ao mesmo tempo, haveria falta de professores devidamente habilitados para ensiná-la adequadamente.
O parecer do Dr. Rego Cesar apresentava, portanto, indícios dos desafios enfrentados, ainda na década de 1870, na longa e sinuosa trajetória da implementação da ginástica nas escolas, apesar dos “avanços” em relação à legitimação do saber médico sobre a prática. Anos depois outro médico defenderá que a ginástica se constituísse como fundamento de toda “educação individual e coletiva”. Mas essa história ficará para o próximo post.
[i] Parte do texto foi publicado originalmente em: PERES, Fabio de Faria e MELO, Victor Andrade de. O trato da gymnastica nas revistas médicas do Rio de Janeiro na primeira metade do século 19. História da Educação [online]. 2015, v. 19, n. 46, pp. 167-185. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/2236-3459/46494>. ISSN 2236-3459.
[ii] Revista Medica Brasileira, v.1, n.3, julho de 1841, p. 140-149.
[iii] Embora não tendo acesso a tal documento, o parecer do Dr. Corrêa de Azevedo sobre a ginástica médica sueca faz referência a esse episódio. Provavelmente se refere ao relatório Da Utilidade da Gymnastica nas Escolas de Ensino Primário, apresentado pelos médicos José Pereira Rego Filho, João Pinto Rego Cesar e João Batista dos Santos.
[iv] Revista Medica Brasileira, Abril de 1842, p. 679-684.
[v] Annaes Brasilienses de Medicina, Novembro e Dezembro de 1876, p. 240-245.
[vi] Deve-se lembrar que tal tema foi abordado no relatório De-Simoni sobre o tratado de Taube e, posteriormente, na memória Contribuições para o Estudo das Moléstias da Guarnição da Corte escrita pelo Dr. Manoel José de Oliveira, membro titular da Academia Imperial de Medicina (Annaes Brasilienses de Medicina, Julho a Setembro de 1883, p.35-95).
O ano de 2023 é para a Educação Física baiana muito especial. Nele se celebram os cinquenta anos de fundação daquele que foi o seu primeiro Curso Superior de formação na área, o da Universidade Católica do Salvador (UCSAL).
Poderia ser apenas uma data comemorada internamente pela UCSAL, mas acaba que é, na Bahia, um momento de celebração para o campo da Educação Física como um todo, uma efeméride que deve ser tomada como um marco institucional para esta área de conhecimento no estado, haja vista ter sido este o curso que iniciou e que durante longo tempo foi único na Bahia.
A Bahia, como mostram Pires, Rocha Junior e Marta (2013) foi um dos últimos lugares do Brasil a ter seu próprio curso superior de Educação Física. Tal formação, no Brasil, no meio civil, teve início no ano de 1939, quando da fundação da Escola Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFD), na então Universidade do Brasil.
A partir deste ano, país afora, foram criados cursos diversos, em diferentes Instituições de Ensino Superior, no entanto, na Bahia, só no ano de 1973 foi que isto aconteceu, mesmo que em tempos anteriores houvesse havido no Estado iniciativas que buscaram a fundação de um curso, mas todas foram frustradas, por variadas razões (PIRES, ROCHA JUNIOR e MARTA, 2014).
Até o ano de 1973, na Bahia, quem quisesse ter uma formação em Educação Física deveria sair do estado e buscar algum curso já existente. Em períodos variados, sem dúvida, a ENEFD foi a preferida, justo por ser uma instituição de referência, mas também houve que tivesse buscado outros cursos, a exemplo do da Escola Superior de Educação Física de Recife, a partir do Programa de Expansão e Melhoria do Ensino (PREMEN) (FERRARO, 1991).
Fica a noção de que a demora na instalação de um curso superior próprio de Educação Física, na Bahia, acabou por provocar na área, não apenas um déficit de pessoas legalmente habilitadas para o trabalho, mas também, na própria afirmação do campo e de suas práticas por extensão, como o esporte, a ginástica e as lutas, espaços tradicionais de intervenção docente, que, embora, não dependam de forma única da Educação Física, sem dúvida, tem nesta área seu maior esteio de sustentação.
Sendo a Bahia um estado muito grande, com um largo número de municípios, mesmo com a criação de seu primeiro curso, devemos ter em mente, de forma clara, que ainda seguiu um buraco no atendimento social pleno, ainda mais tendo em conta que foi só em fins dos anos de 1980 que outro curso foi fundado. Assim, as pessoas egressas da UCSAL, que verdadeiramente abraçaram o campo, claro, não davam conta de atender a toda a Bahia, nos mais variados espaços profissionais da Educação Física.
Esse considerado atraso na instalação da formação superior em Educação Física na Bahia, claro, trouxe ao estado prejuízos de variados tons, desde a condição da afirmação das práticas corporais como um bem social, até a existência plena da disciplina escolar Educação Física, passando também pelas políticas públicas, seja na capital, ou até de forma mais acentuada nos interiores, tomando a grandiosidade do estado e suas peculiaridades sociais e econômicas, mas, mesmo assim, se deve comemorar e ao fazer isto, devemos também, de forma justa, trazer a tona personagens fundamentais em todo o processo.
Assim, mesmo reconhecendo que a instalação da Educação Física na Bahia foi resultado de uma grande ação de variadas pessoas, que tiveram papel fundamental nesta verdadeira luta, há uma que é tida como fundamental em todo este processo, que é o Professor Alcyr Naidiro Fraga Ferraro.
O Professor Alcyr é reconhecido por todas as pessoas que acompanharam os esforços pela criação de um curso na Bahia, como figura fundamental e de extensa participação, não apenas na criação no da UCSAL mas também no que veio depois, o da Universidade Federal da Bahia, só em 1988.
Em sua trajetória, Alcyr Ferraro desde muito cedo se viu envolvido com a prática de esportes. Soteropolitano, filho de família mediana, Alcyr sempre participou da vida esportiva da cidade, tendo sido praticante regular de várias modalidades, se encantando com tais vivências e mesmo por isso, acabou sendo chamado para atuar como professor leigo, figura comum naquele período, onde pessoas sem formação específica atuavam como docentes de disciplinas escolares e no caso, Alcyr, por sua vivência, foi militar com a Educação Física.
A condição de professor leigo não soou para Alcyr como algo ideal e justo. O mesmo compreendeu que deveria buscar uma formação específica, para melhor qualificar sua ação e foi aí que teve a iniciativa de se graduar na ENEFD, que então, aparecia para quem era da Bahia como a cena ideal.
Alcyr iniciou sua formação em 1947 e um ponto deve se destacar para a busca pela ENEFD, a política de bolsas que o curso oferecia. Sua trajetória no Rio de Janeiro foi como a de tantas outras pessoas da Bahia que por lá passaram, ou seja, mesmo com a bolsa, elas tinha de buscar trabalho para complementar e qualificar a renda, pensando uma melhor estada na cidade e ainda, caso fosse na área da Educação Física, se entendia que estas atividades colaborariam com a formação profissional.
Em 1949 Alcyr finalizou seu curso e com a titulação optou por voltar para a Bahia, especificamente para Salvador. Vale dizer que o retorno ao seu local de origem das pessoas graduadas na ENEFD, constava no regimento da Instituição, elemento que era tido como essencial para a dinamização da Educação Física país afora.
Em sua volta a Bahia, Alcyr se colocou como professor em diversos espaços e instituições, assumindo localmente uma liderança no campo e frente as pessoas que aqui já trabalhavam e que vieram a atuar e sempre esteve em seu alvo, criar, na Bahia, um curso específico.
Com esse intento, Alcyr atuou na Bahia contribuindo com a afirmação da Educação Física, seja ministrando aulas diversas, liderando profissionais, organizando eventos ou ainda na gestão de instituições, mas sempre com a meta de aqui fundar um curso.
Devo afirmar que Alcyr não foi peça única neste processo de tentativas várias de instalação de um curso na Bahia, mas reconhecidamente foi uma liderança, alguém que colocou como meta esta busca e por ela atuou em frentes várias, por vários anos, até que conseguiu seu intento, quando em 1973 se fundou o curso da UCSAL.
Após a instalação desse curso, Alcyr nele atuou em diversas frentes, passando então a formar quadros profissionais que vieram a atuar e assim alargar a Educação Física na Bahia, fato que só fez aumentar sua liderança no campo.
Mesmo após a criação do curso da UCSAL, Alcyr não se deu por satisfeito e seguiu buscando mais, até que também atuou na formação do curso da Universidade Federal da Bahia, que só se efetivou em 1988.
Enfim, no ano que a Bahia celebra os cinquenta anos de seu primeiro curso, pareceu justo trazer aqui uma breve referência a uma figura fundamental, Alcyr Ferraro e a partir dele, homenagear a própria Educação Física na Bahia e seus vários personagens que nela atuaram, atuam e atuarão, seja qual for o lugar, instituição e experiência. Que venham outras datas, outras celebrações.
Referências:
FERRARO, Alcyr Naidiro. A Educação Física na Bahia: memórias de um professor. Bahia: CEDUFBA, 1991.
PIRES, Roberto Gondim, ROCHA JUNIOR, Coriolano P. da e MARTA, Felipe Eduardo Ferreira. PRIMEIRO CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA BAHIA – TRAJETÓRIAS E PERSONAGENS. Rev. Bras. Ciênc. Esporte, Florianópolis, v. 36, n. 1, jan./mar. 2014, p 205-223.
PIRES, Roberto Gondim, ROCHA JUNIOR, Coriolano P. da e MARTA, Felipe Eduardo Ferreira. MEMÓRIAS DE PIONEIROS DA EDUCAÇÃO FÍSICA: BAIANOS NA ENEFD. Recorde: Revista de História do Esporte . vol. 6, n. 2, julho-dezembro de 2013, p. 1-23.
Comentários desativados em A Educação Física baiana celebra cinquenta (50) anos | História do Esporte | Link permanente Escrito por Coriolano Rocha Junior
Há muito tempo atrás, ainda estava fazendo meu mestrado, não sei bem como, caiu em minhas mãos um boletim dedicado a discutir “ocio, recreación y tiempo libre” produzido por uns colegas colombianos. Naqueles tempos anteriores à internet, escrevi uma carta ao editor a fim de me apresentar e manifestar o desejo de manter contato.
Meses depois, recebo a resposta e um pacote com todos os números do boletim. A troca foi intensa e generosa, mas ao fim, não conseguimos manter o contato. Tudo era mais difícil naqueles tempos.
Anos depois, fui a Bogotá, convidado por Esperanza e Carlos Osorio para fazer uma conferência sobre lazer. Ao final de minha fala, chegou até mim um colega e se apresentou: “Olá, sou Victor Molina, mantivemos contato por carta há alguns anos atrás”.
Aquela trama do destino me encantou e de pronto conversamos muito. Meses depois, ele me convidou para uma conferência em Medellin. Quem me buscou no aeroporto foram dois outros colegas, Saul Franco, com seu carro apelidado de “El Gran Colorado”, e José Fernando Tabares. Não podia imaginar que dali sairiam milhões de projetos e uma amizade preciosa. Para ser sincero, comecei a desconfiar pela noite, quando rimos muito, conversamos muito, compartilhamos muitas ideias e tomamos muitas cervejas, muitas “Club Colômbia”. Parecia que nos conhecíamos há décadas!
Havia um fermento forte a nos unir: a ideia de que precisamos combater os privilégios para construir um mundo mais justo e menos desigual; e isso passava por uma América Latina livre, soberana e fraterna.
Não era um sonho original. É um sonho de gerações. Mas só se propaga porque há elos da corrente. E assim nos pensando, como elos da corrente, fizemos muitas coisas juntos, muitos projetos, sonhamos e realizamos juntos, e nos divertimos, confraternizamos. Muita gente mais se envolveu nessa história que começa com uma ocasionalidade do destino.
Hoje, recebi a notícia da morte de Fernando. Fazia tempo que não nos víamos e nem nos falávamos. Coisas da vida. As lágrimas não cabem no meu peito, não param de brotar dos meus olhos. Lágrimas de tristeza, sim, mas também de felicidade por tudo que vivemos juntos. Tive o privilégio de desfrutar do companheirismo e das reflexões de um dos líderes dos debates sobre o lazer na Colômbia e na América Latina. Tive o privilégio de compartilhar momentos lindos com esse cara bem-humorado, amoroso, terno, mas também duro no debate e firme nas reflexões. Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás…
Irmão querido, descansa em paz. Obrigado por tudo. Sua missão foi cumprida. Nós seguiremos na missão até o dia de nos reencontrarmos em outro plano. Até lá, saiba que você permanecerá em nossas lembranças e corações.
Caríssimos leitores, munam-se de papel e lápis e anotem a observação que se segue após estes funcionais dois pontos: o maior amigo de uma criança não é outra criança. Tampouco a companhia de um adulto. O maior amigo de uma criança é uma bola. E digo isso não apenas por convicção própria, mas, principalmente, por supor ter esta minha constatação partilhada por grande parte dos amigos leitores que também são pais.
Afinal, quem já não surpreendeu toda a pureza d’alma estampada na face de uma criança à frente de uma bola? Quem não já experimentou instantes de verdadeira estesia poética ao contemplar a alegria de uma criança brincando de bola? Aqui mesmo na minha casa, essa experiência reveladora é corriqueira pois tenho um filho cujo universo inteiro é imaginado (e vivido) nos estritos, mas infinitos limites de uma bola. Hoje, meu filho sequer é ainda criança, se consideramos apenas a cronologia das idades, para essa circunstância existencial da alma – mas também do corpo -, pois que já adentrou à vida adulta com suas outras esferas de responsabilidades e encargos. Mas, só pude compreender, contudo, o aventado acima, quando entre suas várias partidas de futebol jogadas na infância, com companheiros e adversários imaginários, flagrei a seguinte cena, que passo a relatar:
Após comandar, durante um jogo, o meio campo do seu time imaginário (apenas a bola era real, pois ele jogava futebol em um campo cujos limites eram imaginados e enfrentando adversários, repito, também imaginários), o meu filho, digo, sentou-se à beira do gramado (na verdade, a um canto da parede pois o gramado era a exígua sala do nosso apartamento) e ali ficou, observando o desenvolvimento de uma outra partida em que perdia por 2 a 1.
Fingindo não estar assistindo aquele embate, para não tirar-lhe a espontaneidade das jogadas que planejava em silêncio; das ordens mudas que dava aos companheiros em campo; dos dribles com os quais pretendia envolver os adversários quando retornasse ao campo de jogo, não contive a curiosidade e sapequei-lhe uma questão:
Por que, meu filho, você está aí à beira do gramado quando os seus companheiros estão se esgoelando para tentar empatar a partida?
Ê pai! – retrucou. Você não está entendendo nada. É que o técnico resolveu me botar no banco de reservas e eu estou aqui esperando ele me recolocar em campo para ver se viramos o jogo.
É, amigos! Depois dessa experiência de poesia pura envolvendo uma criança e uma bola é que pude compreender o quanto o futebol está existencialmente entranhado na alma dos homens brasileiros. Tanto assim que um dos seus maiores opositores no início do século XX – o escritor Lima Barreto – não suportou e se rendeu ao fenômeno do futebol compondo um conto em homenagem ao esporte que tanto combatia em suas inumeráveis polêmicas com o também escritor Coelho Neto.
Lima Barreto compreendia à sua época (e com relativa razão) o futebol como mais um espaço de separação, tão ao gosto da elite brasileira, do mundo dos brancos e o mundo dos negros, o mundo dos pobres e o dos ricos, o dos operários e o dos patrões, e por aí vai. Todavia, a sua visão, digamos, sociológica do futebol não impediu que o tornasse tema de sua vastíssima obra literária. E tema a partir de um dos seus vieses mais atuais: a vontade que toda criança tem de um dia se tornar um jogador de futebol, num país em que esta profissão ainda reserva para os atletas um futuro absolutamente incerto. Confiramos, pois, neste nosso espaço desse blog, o conto que Lima Barreto escreveu tematizando o futebol intitulado “Herói!”.
É que talvez um dia alguns de nós – que somos pais – nos encontremos na situação verossímil de um dos seus personagens, o velho Felisberto desta narrativa. Vamos ao texto.
***
“Herói!”
Lima Barreto
“Os dois velhos amigos desde meses que não se encontravam. Exerciam profissões diversas, em lugares afastados da cidade. Um, o Felisberto, era médico de um posto de profilaxia rural, pelas bandas de Santa Cruz; e o outro, o Teodoro, estava encarregado, como engenheiro, dos mananciais da Gávea e do Jardim Botânico. Moravam nos arredores das suas repartições e raramente desciam à cidade, a não ser para receber, no Tesouro, no começo do mês, os vencimentos de seus cargos.
Eram dois filósofos a seu modo que nada perturbava. Revoltas, exposições, discurseiras, fogos de artifícios – tudo isso os deixava frios. Uma coisa, porém, estava sempre a preocupá-los: a educação dos filhos. Nenhum dos dois foi feliz com eles. Felisberto, além de outros, tinha o mais velho, Samuel, que não dera para nada. Tudo estudara e nada aprendera. A sua mania era o tal do football. O pai lutou em vão para que metesse no bestunto algumas noções com que ele pudesse ser, ao menos, amanuense. Era inútil. Desde de manhã até à noite, não fazia outra coisa senão dar pontapés na bola, discutir corners e o mérito dos rivais. Não ganhava dinheiro; mas, graças à mãe e outros arranjos, tinha-o sempre na algibeira.
O filho mais velho de Teodoro, se não era dado a brutalidades esportivas, não possuía iniciativa de coisa nenhuma. Formara-se em direito e foi o pai quem lhe arranjou um emprego de guarda no cais do porto, apesar de anel e tudo.
Há anos, tendo, por acaso, se encontrado os dois velhos amigos, Felisberto perguntou-lhe o que fizera de seu filho mais velho, formado em direito.
O que fiz? Fi-lo guarda do cais do porto!
Como? Um bacharel?
Por certo.
Pois o meu, por não dar pra nada, deixei-o no football.
Como dizia acima, esses dois velhos amigos não se encontravam, há muito tempo, talvez desde que tiveram a conversa acima.
Há dias, ele se vieram a encontrar e foi com efusão de velhos camaradas que se falaram.
Então, Teodoro, teu filho do cais do porto ainda continua lá?
Continua; por sinal que já é escrevente; e o teu?
Ah! Não sabes?
Que houve?
Vai receber cinquenta contos; é um herói nacional.
Homem?
Venceu o campeonato Sul-Americano de football com o team nacional. E dizer que ele não dava pra nada!”
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ÚLTIMAS LINHAS. AFONSO HENRIQUES DE LIMA BARRETO foi combatente contra a prática do futebol no Brasil. Embora homem de inteligência lúcida e de origem humilde, verdadeiro filho do povo, nunca aceitou o chamado esporte bretão, chegando mesmo a tornar-se inspirador e centro de um movimento que a ele se opunha. E muito escreveu para afirmar sua posição. Artigos, crônicas, sueltos, conferência imaginária, contos, como A doença do Antunes e Herói!, que o leitor conferiu acima. Foi publicado em A careta, em 1922, e mais tarde figurou no volume Coisas do reino de Jabom, de suas obras completas. Fonte: Milton Pedrosa. Gol de letra: o futebol na literatura brasileira. Rio de Janeiro: Livraria Editora Gol, 1967.
Dentro do campo da História do Esporte, o uso de material da imprensa esportiva como fonte histórica é recorrente, e mesmo natural. Como apontado por Victor Melo et al. (2013, p. 120), “os periódicos, notadamente os jornais, são muito usados nos estudos históricos (…). De fato, provavelmente permanecerão por muito tempo como sua principal fonte”. São raros os trabalhos sobre os esportes, e sobre o futebol no Brasil em particular, que não utilizam matérias do jornalismo esportivo como fontes. E isso não deve ser encarado como um problema. De fato, as páginas dos jornais representam um importante meios de comunicação e de registro que permanecem acessíveis aos pesquisadores, onde um grande volume de informações sobre assuntos relacionados ao esporte podem ser acessadas e interpretadas. Tendo-se em conta um procedimento metodológico adequado, as páginas esportivas são, sem dúvida, um importante manancial de informações para historiadores que se debruçam sobre diferentes aspectos do fenômeno esportivo. O artigo de Tânia de Luca (2010) ainda é um importante ponto de partida para quem busca compreender melhor essa metodologia. De forma bem resumida, pode-se afirmar que em um trabalho de pesquisa histórica, é parte fundamental do ofício do historiado adotar um olhar crítico sobre suas fontes, de modo que este não seja levado à conclusões distorcidas devido ao mal uso de fontes tendenciosas.
No entanto, ainda é possível encontrar obras em que tais fontes parecem ser utilizadas sem esses mínimos cuidados. Onde tem-se a impressão de que os jornais apresentam o passado “como ele realmente aconteceu”, em uma abordagem rankeana da história, no que Melo et al. (2013, p. 120) definem como uma “crença ingênua de que os jornais apenas registram os acontecimentos, sendo, portanto, confiáveis para o relato do passado”. Isso não quer dizer, no entanto, que tais fontes não possam, ou mesmo não devam, ser utilizadas pelos historiadores ou pesquisadores em geral. Deve-se apenas levar tais fatores em consideração ao se proceder com a análise do material utilizado.
Este post tem como objetivo demonstrar a importância de tais cuidados ao se estudar o esporte nas páginas dos jornais. Já fiz apontamentos nesse sentido em outro post aqui no blogue (LINK), sobre a imprensa esportiva na Argentina peronista. O presente trabalho teve início durante minhas pesquisas sobre o esporte no primeiro governo Vargas. Ao analisar a imprensa esportiva carioca no período de 1933 a 1937, foi visível a diferença de enfoque com que diferentes jornais lidavam com o mesmo assunto. Dentre esses, destaco aqui dois dos principais jornais da cidade do Rio de Janeiro, o Jornal do Brasil (JB) e o Jornal dos Sports (JS). Em um momento no qual a organização esportiva estava dividida entre dois grupos dirigentes antagônicos, o JB e o JS conduziam suas matérias de forma visivelmente parcial, tornando-se porta-vozes dos grupos em conflito, no que Bernardo Buarque de Hollanda (2012) chamou de “cronistas-cartloas”, ou seja, agentes da imprensa esportiva que transitavam entre os campos do esporte e da imprensa.
Para melhor entendermos a questão aqui proposta, faz-se necessária uma breve análise do período em que a organização esportiva nacional esteve dividida entre dois grupos antagônicos, fato conhecido na época como o dissídio esportivo.
O dissídio esportivo
O governo de Vargas teve como uma de suas principais marcas uma profunda ambiguidade, entre modernização e tradição. Por um lado, o país atravessava uma grande modernização econômica e social, com a implementação de ampla gama de políticas sociais, envolvendo a regulamentação da educação, do serviço público, do trabalho e da cultura, por exemplo, e com uma crescente racionalização do aparelho burocrático do Estado, que provia meios administrativos e recursos financeiros a essas políticas. Junto a essa modernização, conviviam fortes características tradicionais, representadas pelas oligarquias regionais que ainda possuíam grande influência junto ao governo.
Tal ambiguidade pode ser também encontrada nas relações entre Estado e esporte, em especial no que se refere à inserção do profissionalismo no Brasil. Um olhar mais superficial sobre a relação entre Getúlio e o esporte poderia apontar para um esforço do Estado na consolidação do regime profissional no esporte brasileiro. Contudo, tal não foi o caso, como pode ser visto no processo de construção do profissionalismo do futebol brasileiro.
Amador desde adoção pelas elites brasileiras no início do século, o futebol se modernizava e os clubes tentavam acompanhá-lo, buscando meios de burlar as barreiras limitadoras do amadorismo vigente. O amadorismo marrom era feito através do pagamento de “bichos” aos jogadores amadores – como não podiam receber salários dos clubes por serem amadores, os jogadores recebiam prêmios por cada jogo disputado.
O amadorismo marrom foi uma das maiores armas utilizadas pelos clubes para manter seus jogadores e aliciar craques de outras equipes. No entanto, no final dos anos 20 e início dos 30, o futebol se profissionalizava na Argentina e no Uruguai, e a Itália descobria os Oriundi – jogadores descendentes de italianos que eram cooptados para times da terra de Mussolini e do calcio. Os clubes de futebol brasileiros começavam a sofrer com um grande êxodo de jogadores brasileiros para o exterior. Em 1931, muitos jogadores paulistas foram parar na Itália, como Filó[1], Del Debbio, Serafini, Pepe e Ministrinho – todos que já haviam defendido a seleção brasileira –, assim como Nininho e Ninão, ambos do Palestra Itália de Belo Horizonte, atual Cruzeiro.
Devido ao êxodo de jogadores para o exterior e o baixo poder aquisitivo dos clubes, o profissionalismo passou a ser visto por alguns como o único caminho a ser seguido rumo à modernização do futebol brasileiro. A ideia de considerar jogadores profissionais verdadeiros trabalhadores ainda enfrentava grandes barreiras, mas não era mais inconcebível.
Alguns clubes de São Paulo e do Rio de Janeiro passaram então a pleitear a introdução do regime profissional junto à Confederação Brasileira de Desportos (CBD). Entre esses, encontravam-se os ex-presidentes da CBD Arnaldo Guinle e Oscar Costa, ex-presidente e presidente do Fluminense respectivamente, assim como dirigentes da entidade gestora do futebol paulista, a Apea. Com a recusa por parte da CBD em acatar os termos do regime profissional, Fluminense, Vasco, Bangu e América tomam a iniciativa de romper com a Amea e criam a Liga Carioca de Futebol (LCF), à qual o Flamengo logo aderiu. A LCF adotou o profissionalismo como regime vigente e foi rejeitada pela CBD, que só aceitava entidades amadoras. A nova Liga Carioca teve seu primeiro campeonato em 1933, disputado por América, Bangu, Bonsucesso, Flamengo, Fluminense e Vasco. O Bangu sagrou-se o primeiro campeão do regime profissional no Rio de Janeiro, vencendo o Fluminense na final. Assim, o futebol seguia os passos de outros esportes que haviam criado Ligas paralelas à Amea, como o tênis, em 1931, o atletismo e o basquete, ambos em 1933.
Juntamente com a criação da LCF no Rio de Janeiro, a Apea adota o profissionalismo e se desliga da CBD. Em pouco tempo, as duas entidades recebem o apoio da Federação Fluminense de Esportes (com clubes do estado do Rio de Janeiro, que tinha sua capital na cidade de Niterói, visto que a cidade do Rio de Janeiro era ainda o Distrito Federal), da Associação Mineira Esportes e da Federação Paranaense de Desportos e formam a Federação Brasileira de Football (FBF). Esta representava o futebol profissional em todo o país. Presidida por Sérgio Meira, ligado ao São Paulo, a FBF tinha em seus quadros os maiores clubes do Brasil: América, Flamengo, Fluminense, Vasco da Gama, Corinthians, Palestra Itália-SP, Santos, São Paulo, Palestra Itália-MG, Atlético Paranaense e Coritiba, entre outros. Já a CBD continuou contando com os clubes das demais federações, como a Bahia e o Rio Grande de Sul, além dos times amadores que não se uniram à FBF, como o Botafogo.
Um olhar mais atento à cisão do futebol brasileiro pode, no entanto, observar que a disputa não era uma mera discordância entre amadores e profissionais. O dissídio representava as próprias contradições do regime vigente. A antiga elite que dirigira o futebol nacional, representada por Arnaldo Guinle, que fora presidente da CBD de 1916 a 1920, perdia o controle da direção do esporte nacional para um novo grupo que ascendia juntamente à Revolução de 1930. Nomes como Luiz Aranha e João Lyra Filho, ligados à CBD e ao Botafogo, passavam a exercer grande influência junto à Confederação Brasileira de Desportos e iam aos poucos assumindo o controle da entidade.
A imprensa esportiva e a pacificação em 1934
Em 1934 aparece a primeira tentativa de fim ao dissídio, logo chamada de pacificação dos esportes. Essa primeira proposta de acordo entre a Confederação Brasileira de Desportos e a Federação Brasileira de Football veio à tona pouco após a desclassificação da seleção brasileira da Copa de 1934, no mês de junho. É importante observar aqui que a precoce eliminação da seleção nacional, que perdeu o jogo eliminatório da estreia, pode ter sido um fator determinante na movimentação de dirigentes da CBD, visando reformar e fortalecer o futebol da seleção nacional, o carro chefe a CBD.
A proposta apresentada previa, entre outras medidas, que a FBF e suas afiliadas especializadas (as federações regionais de futebol) fossem reconhecidas pela CBD, fazendo com que a FBF, então filiada à Confederação Brasileira, dirigisse o futebol nacional. No Rio de Janeiro, a Liga Carioca de Football assumiria o futebol da cidade, com a incorporação de um único clube da Associação Metropolitana de Esportes Athléticos (Amea) a seus quadros – o Botafogo. Dos demais clubes de futebol ligados à Amea, alguns fariam parte de uma liga de amadores – como o Olaria, o Brasil e o Andarahy – e outros entrariam para uma subliga, a segunda divisão da época. Nos outros esportes, o basquete seria dirigido pela Liga Carioca de Basketball, uma das especializadas, e o atletismo teria uma nova liga criada, com a unificação da Amea e da Liga Carioca de Athletismo.
Esse “pacto de paz” foi assinado por dirigentes de ambas as facções em luta, como Arnaldo Guinle (então com o cargo de presidente do Conselho de Administração da LCF), Luiz Aranha (presidente do Conselho de Administração da CBD), Sergio Meira Filho (presidente da FBF) e Eduardo Góes Trindade (presidente da Amea), além de um convidado representante da Liga Argentina de Football, Enrique Pinto.
A repercussão deste acordo ganhou diferentes tons junto aos diferentes órgãos da imprensa esportiva. O Jornal do Brasil, que desde o início do dissídio havia tomado abertamente a defesa da Confederação Brasileira de Desportos e de suas afiliadas, as chamadas entidades ecléticas, não procurava esconder em suas páginas seu descontentamento com o acordo que estava para ser firmado, como pode ser visto em matéria intitulada “A tal ‘pacifiação’”, publicada no dia 05 de junho:
A nota dominante em nossos meios esportivos é a tal “pacificação” que, segundo se afirma, os mentores profissionalistas que para a desgraça do nosso sport, ao que parece, o empolgam no momento, vão impingir aos que se tem batido com sinceridade pela verdadeira causa do sport nacional, concretizada nessa organização magnífica e sem similar no mundo inteiro, que é a Confederação Brasileira de Desportos. (Jornal do Brasil, 05/06/1934, p. 24)
Pode-se observar, por este trecho, que o Jornal do Brasil não escondia de que lado estava e em nome de quem falava. Ao se referir à CBD como uma “organização magnífica e sem similar no mundo inteiro”, não havia dúvida de que o jornal estava contrário ao grupo liderado por Arnaldo Guinle, que, de acordo com o próprio jornal, empolgavam o esporte nacional no momento, mesmo que para a suposta desgraça do mesmo.
O Jornal do Brasil continuaria mostrando sua insatisfação com o acordo firmado em uma série de artigos em que tentava provar que o pacto atendia apenas os interesses da FBF. De acordo com o JB, tal acordo prejudicaria todos os esportes, com exceção do futebol, uma vez que seria o lucro com o futebol que permitiria a Amea e todas as outras entidades ecléticas regionais financiarem os outros esportes. Dessa forma, o jornal publicou uma série de matérias que, ao falarem dessa proposta de pacificação, se referiam a ela em seus títulos como “pretensa pacificação”: “A Pretensa Pacificação que vai Desmantelar o Sport Nacional” (07/06/1934, p. 24), e “A Pretensa Pacificação dos Sports Nacionais” (15/06/1934, p. 25).
Já o Jornal dos Sports, que à época era dirigido por Argemiro Bulcão, apontava a proposta de pacificação como a grande esperança para o bem do esporte nacional. Já em 02 de junho, o jornal estampava com grande destaque em sua primeira página: “Para Grandeza dos Sports Brasileiros a Pacificação Virá!” (Jornal dos Sports, 02/06/1934, p.1). A assinatura do pacto foi vista com muita felicidade pela redação do Jornal dos Sports, que na edição do dia 07 de junho publicou a matéria “Uma Nova Trilha, Tranquila e Esperançosa, para os Sports Nacionaes”, onde dizia:
A pacificação dos sports, hontem feita atravez do pacto firmado pelos “leaders” mais proeminentes das duas facções que lutavam sem desfallecimentos, há mais de um anno, é, antes do mais, uma victória para o próprio sport brasileiro, seu maior beneficiário (…). (Jornal dos Sports, 07/06/1934, p.1)
Ainda que de forma mais velada, é possível ver no Jornal dos Sports sua predileção pela liga especializada. O acordo, tido pelo JB como alog benéfico para a FBF, em prejuízo à CBD, era tratado como “uma vitória para o próprio esporte brasileiro”. O destaque dado cotidianamente aos dois campeonatos organizados simultaneamente pela Amea e pela LCF demonstra a posição do jornal. Se por um lado o Jornal dos Sports destinava a maior parte de suas manchetes de primeira página aos times da LCF – Flamengo, Fluminense e, até 1935, Vasco da Gama –, por outro o Jornal do Brasil dava uma cobertura muito mais ampla aos jogos organizados pela associada regional da CBD, como Botafogo e Olaria, Andarahy e Cocotá, Portuguesa e Mávilis. Nas páginas do JB, até mesmo os jogos da segunda divisão da Amea tinham maior destaque dos que os jogos da LCF, mesmo que se tratasse de jogos como Argentino e América Suburbano, Ideal e Penha, Irajá e Municipal, Brasil Suburbano e União, pela Amea, e Fluminense e Bangu, Bonsucesso e Vaso, pela LCF (Jornal do Brasil, 01/06/1934, p. 22). Um pesquisador desatento, sem conhecimento do futebol carioca, poderia achar que Flamengo e Fluminense não jogaram nesse período, caso se informasse apenas pelo JB.
No final de julho de 1934, aproximadamente dois meses após a assinatura do pacto assinado por Luiz Aranha, uma assembleia de diretores da CBD e representantes de suas entidades filiadas decide rejeitar as bases do pacto firmado em início de junho. Mais uma vez, as respostas dos dois órgãos de imprensa esportiva aqui analisados são díspares no tratamento da questão.
O Jornal dos Sports vê a rejeição do pacto como uma atitude impatriótica, e aponta a Confederação Brasileira de Desportos como culpada pelo fracasso nas negociações. Tal fato pode ser observado na matéria “A Federação Brasileira de Football Considera inexistente o Pacto de Paz!”:
A última tentativa de paz, na qual ambas as correntes cediam parte de suas imposições a bem de uma tranquilidade posterior, vem agora de ruir. Toda a culpa cabe, sem dúvida alguma, aos mentores da C.B.D., que embora reconhecidos pela opinião insuspeita do público como vencidos, ousaram uma vez mais repudiar uma paz, em que na verdade o vencedor não espesinhava o adversário. (Jornal dos Sports, 03/08/1934, p. 1)
Se afastando um pouco mais de sua aparente neutralidade, o Jornal dos Sports apontava claramente um grupo como “vencedor” do embate entre as duas facções – o grupo das especializadas liderado por Arnaldo Guinle. Já o Jornal do Brasil comentou a notícia com um tom de felicitação ao que, sob seu ponto de vista, foi uma atitude de coragem e bom senso dos dirigentes cebedenses. No artigo “A Situação do Sport Nacional”, comenta que a ação foi “natural”, “lógica” e fruto de “bom senso”.
O gesto da assembleia geral da Confederação Brasileira de Desportos recusando as bases do pacto de 6 de Junho foi natural, lógico, numa demonstração clara de bom senso e eloquente em sua unanimidade. (Jornal do Brasil, 07/08/1934, p. 22)
Na mesma matéria, o Jornal do Brasil ainda ataca o grupo das especializadas (FBF e entidades regionais), acusando-o de manipular os órgãos da imprensa esportiva que se colocavam contra a atitude da assembleia da CBD e ao fim do pacto de paz.
O despeito pelo ruidoso fracasso dessa tentativa, o desespero de não poder humilhar (…) o adversário levaram esse grupo, através de sua imprensa, a atacar justamente aqueles que, num movimento de legítima defesa para o resguardo da própria vida, recusaram o pacto (…). (Jornal do Brasil, 07/08/1934, p. 22)
Ao utilizar a expressão “através de sua imprensa”, o JB deixava claro o papel exercido por veículos como o Jornal dos Sports, privando-se de mencionar que desempenhava o mesmo papel, apenas de outro lado. É interessante observar que a figura do dirigente Luiz Aranha – talvez por sua influência política ou por prestígio pessoal – é exaltada por ambas as correntes da imprensa como um digno dirigente que buscava o melhor para o esporte nacional. Figura proeminente no campo político nacional, ele era irmão de Oswaldo Aranha, membro fundador do Clube 3 de Outubro e amigo íntimo de Getúlio Vargas – que se refere a ele ao longo de seu diário como “Lulu Aranha” (VARGAS, 1995). Luiz Aranha ocupou o cargo de presidente do Conselho Administrativo da CBD durante a presidência de Alvaro Catão, entre 1933 e 1936, e foi presidente da entidade entre 1936 e 1943. Ou seja, ele esteve à frente da entidade durante praticamente toda a disputa do dissídio esportivo.
Dependendo do lado defendido pelo jornal, Luiz Aranha poderia ter sido induzido ao erro de assinar o pato por sua vontade em encerrar a cisão no esporte (como visto pelo JB), como poderia ter sido traído pelos dirigentes da CBD, que rejeitaram seu acordo. Essa última visão ficava clara nas páginas do Jornal dos Sports, como no artigo “A Federação Brasileira de Football Considera inexistente o Pacto de Paz!”, matéria que comentava o fim do pacto de paz e afirmava: “Os srs. drs. Luiz Aranha e Eduardo Trindade, que foram incansáveis baluartes nos últimos estertores da entidade cebedense, viram baldeados todos os esforços desenvolvidos em prol de uma paz digna para as duas correntes” (Jornal dos Sports, 03/08/1934, p. 4).
A primeira tentativa de acordo falhara, e as disputas continuariam por cerca de três anos.
O percurso até o fim do dissídio
Em dezembro de 1934, o Vasco da Gama, campeão carioca daquele ano, decide abandonar as fileiras da LCF após uma breve crise com as diretorias do Flamengo e do Fluminense. O clube dos camisas negras aposta todas as suas fichas no título recém conquistado e, juntamente com o Botafogo, funda uma nova entidade no Rio de Janeiro, a Federação Metropolitana de Desportos (FMD), ligada à CBD. A diretoria vascaína pretende usar de seu prestígio e carregar consigo os pequenos clubes à nova entidade. Bangu e São Cristóvão seguem o exemplo e desligam-se da LCF para se filiar à nova entidade. Em São Paulo, o Palestra Itália – campeão paulista pela APEA – e o Corinthians desligam-se da entidade profissional e fundam a Liga Paulista de Futebol, também filiada à CBD. Em apenas alguns dias a FBF perde três dos maiores clubes de seus quadros, entre eles os campeões do Rio e de São Paulo. Com isso a CBD consegue se reerguer, mas paga um preço por tais aquisições: o fim do amadorismo. Clubes como Corinthians, Palestra Itália, Vasco da Gama e Bangu não voltariam ao amadorismo tão facilmente.
Por mais que a CBD ainda tentasse manter as aparências, é evidente que as coisas já não eram mais como antes. Com a FMD e a Liga Paulista, a CBD adota o “regime livre” – também chamado de regime misto –, concentrando em um mesmo campeonato equipes amadoras e profissionais.
Com a nova configuração das forças do futebol brasileiro, passa-se a falar muito pouco sobre a questão do amadorismo e do profissionalismo. O grande desentendimento que supostamente teria provocado a criação de novas entidades gestoras do esporte não era mais um obstáculo à conciliação das partes. No entanto, a rixa que havia entre os dois regimes ficava mais clara como uma luta entre duas facções pela hegemonia do controle do esporte brasileiro, uma luta entre grupos que agora levantavam as bandeiras das entidades especializadas e ecléticas.
O ano de 1937 assistiu ao fim do dissídio com a chamada “pacificação dos esportes”. Em 1937 a CBD voltou a sofrer importantes baixas em seus quadros. Os clubes de Juiz de Fora decidiram abandonar a Associação Mineira de Futebol, ligada à entidade eclética e alinharam-se à FBF. O Mesmo aconteceu em Porto Alegre, onde os principais times da Liga Atlética Porto Alegrense – Internacional, Grêmio, Força e Luz e Cruzeiro – também passaram para o lado das especializadas. No Rio de Janeiro, o Bangu demonstrou insatisfação em ralação à FMD e seus dirigentes mostraram-se nostálgicos quanto a seu tempo junto à LCF. No início de julho o Bangu pediu seu reingresso nas fileiras das especializadas e abandonou a FMD.
Em 17 de julho de 1937, o América e o Vasco da Gama apresentaram uma proposta de reunificação do futebol carioca. O pacto entre América e Vasco criava uma nova entidade no futebol carioca, à qual todos os grandes clubes da cidade estavam convidados a entrar como membro fundador. Com a criação de uma terceira entidade, tanto a FMD como a LCF seriam dissolvidas. A nova agremiação se filiaria à Federação Brasileira de Futebol e essa, por sua vez, pediria filiação à CBD. Nesta nova organização de forças, a FBF ficaria responsável pelo futebol brasileiro e a CBD (entidade filiada à FIFA) seria a responsável pela representação do Brasil no exterior. Desse modo, todos os clubes brasileiros deveriam se filiar à Federação Brasileira de Futebol, ou não poderiam enfrentar os outros clubes filiados à mesma.
Essa nova divisão de poderes no futebol deixava bem claro quem havia saído do dissídio esportivo como vencedor. A CBD não saía do dissídio com nenhum benefício. Deixaria de comandar o futebol dentro do território nacional e ficaria apenas com o comando da seleção brasileira em disputas internacionais, encargo que já controlava antes do pacto por ser a entidade brasileira filiada à FIFA. Já o grupo ligado à FBF sagrava-se vitorioso na pacificação e assumia o controle do futebol no Brasil. No entanto, esse ponto de vista não era reproduzido por toda a imprensa esportiva carioca.
A imprensa esportiva no fim do dissídio
Em julho 1937, a imprensa esportiva foi surpreendida pela noticio do pacto entre América e Vasco que levariam ao fim do dissídio esportivo. Até meados de junho daquele ano, o Jornal do Brasil acusava as especializadas, a quem chamava de “dissidentes”, de estarem caminhando para o ocaso. Segundo os cronistas do jornal, as entidades rivais à CBD contavam em suas fileiras apenas com o que chamava de “tripé”: América, Flamengo e Fluminense, no Rio de Janeiro. A estes, somavam apenas o Atlético Mineiro, em Belo Horizonte, e a Portuguesa de Desportos, em São Paulo. Já a CBD teria em suas fileiras diversos clubes de renome, como o Botafogo e o Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, o Palestra Itália (atual Palmeiras), o Corinthians, o São Paulo, o Santos e a Portuguesa de Santos, em São Paulo, e o Palestra Itália (atual Cruzeiro) e o América Mineiro, em Minas Gerais.
Essa visão do Jornal do Brasil fica clara na ocasião em que Grêmio e Internacional se filiam à FBF, fortalecendo o grupo dos supostos “dissidentes”, na matéria “Um Bandeamento por Vantagens Momentâneas e Efêmeras”:
Literalmente batidos, encurralados nesse tripé [América, Flamengo e Fluminense], os dissidentes já estavam reduzidos, praticamente aos célebres Fla-Flu que a imprensa amiga proclamava como sendo coisa de outro mundo, embora esses quadros, na realidade, não passem de medíocres, com vários medalhões e uma propaganda formidável para alimentar o fogo sagrado de suas hostes. (Jornal do Brasil, 26/06/1937, p. 25)
Se referindo especificamente ao Distrito Federal, a cidade do Rio de Janeiro, a reportagem mais uma vez criticava indiretamente o Jornal dos Sports por seu apoio às entidades especializadas. Além de reclamar da “imprensa amiga” e de sua “propaganda formidável”, o jornal forçosamente depreciava as equipes de Flamengo e Fluminense, referindo-se a elas como “medíocres”. Deve-se ressaltar aqui que Flamengo e Fluminense tinham dois dos melhores quadros do futebol nacional na época, com alguns dos maiores craques brasileiros [2].
Ao receberem a notícia do acordo entre Vasco e América, taxado como “pacto da paz” – como o primeiro pacto o fora três anos antes –, ambos os lados da imprensa procuraram demonstrar terem se saído vitoriosos na disputa. Para isso, mostravam seus dirigentes satisfeitos com o resultado das negociações, e ao mesmo tempo tentavam demonstrar a derrota do adversário com insinuações sobre o descontentamento do lado oposto com o acordo. Dessa forma, o Jornal do Brasil buscava demonstrar a vitória da CBD com uma declaração de Luiz Aranha relatada no artigo “Feita a Paz no Football Brasileiro”:
O dr. Luiz Aranha (…) felicitou a Metropolitana [Federação Metropolitana de Desportos – FMD] pela resolução tomada, mostrou como sempre esteve pronto a estabelecer uma paz honrosa e terminou declarando que a C.B.D. via igualmente com satisfação aproximar-se essa paz subscrevendo também, em nome da entidade máxima do desporto brasileiro a proposta Vasco-América. (Jornal do Brasil, 20/07/1937, p. 16)
Ao mesmo tempo, o jornal tentava mostrar uma possível insatisfação por parte de dirigentes da Federação Brasileira de Football e da Liga Carioca de Football com o pacto, insinuando uma possível derrota destas face ao acordo firmado.
Segundo os comentários que fervilham nas rodas desportivas, o sr. Arnaldo Guinle, que se acha na Europa tratando justamente de assuntos desportivos a ver se consegue alguma coisa em favor da dissidência, se manifestou aborrecido com o assunto e contrário ao pacto. O América foi também taxado de traidor porque não só concorda em que os dissidentes voltem para a C.B.D., desta ou daquela maneira, mas na C.B.D., como ainda mata o pretexto da especialização pelo qual se batem. O Dr. Ari Franco, presidente da Liga Carioca de Football, segundo declarações publicadas nos jornais, é contrário à formula apresentada e se dispõe a abandonar o desporto caso seja ela executada. (“Está Iminente a Paz no Football Carioca”, Jornal do Brasil, 20/07/1937, p. 16)
O jornal fazia afirmações que não se comprovaram em nenhuma outra fonte. Arnaldo Guinle não “se manifestou aborrecido” e Ari Franco não “abandonou o desporto”, segundo outras fontes. O mesmo padrão pode ser observado nas páginas do Jornal dos Sports, então já dirigido por Mario Filho.[3] Nesse período o jornal já se mostrava mais claramente ligado ao lado das especializadas, como demonstra uma foto estampada na primeira página do dia 12 de julho de 1937, sob a manchete “A Multidão Viu o ‘Enterro’ da C.B.D.” (Jornal dos Sports, 12/07/1937, p.1). A foto mostra torcedores segurando velas acesas e um pequeno caixão preto com os dizeres “C.B.D. – Galinha Morta”, antes de um jogo entre o Fluminense e um combinado de jogadores argentinos.
No mesmo dia em que o Jornal do Brasil noticiava a declaração de Luiz Aranha a favor da pacificação, o Jornal dos Sports publicou a fala do vice-presidente da FBF, Plínio Leite. Este comandava a entidade na ocasião, em virtude de viagem de Arnaldo Guinle à Europa. Na matéria “A Palavra do presidente em Exercício da F.B.F”, o Jornal dos Sports procura passar uma imagem vencedora da FBF. Segundo a matéria, Plínio Leite teria dito:
O contentamento é geral pelo prenuncio da terminação do dissídio do football nacional. Como vice-presidente da Federação Brasileira de Football cabe-me afirmar que o gesto do América assignando o pacto com o Vasco nada mais é do que ser elle o representante verdadeiro da opinião de todos os seus companheiros de lutas e que com elles estão solidários como sempre estiveram. (Jornal dos Sports, 20/07/1937, pp. 1 e 6)
Assim como o Jornal do Brasil, o Jornal dos Sports também procurou demonstrar uma possível insatisfação com o pacto pelo lado da CBD, de modo a que este aparecesse como o derrotado no processo de pacificação. Como exemplo pode-se apontar duas matérias publicadas no dia 18 de julho, sem maiores destaques na última página da edição. Em “«Traição do Vasco»> Eis como o Sr. Célio de Barros Classificou, Pelo Radio o Movimento em Prol da Paz Sportiva” (Jornal dos Sports, 18/07/1937, p. 6), o jornal menciona uma entrevista de Célio de Barros[4], secretário da CBD à rádio Cruzeiro do Sul, na qual este teria chamado o Vaso da Gama de traidor devido ao pato que firmara com o América. Já a matéria “A Situação do Botafogo é de Expectativa” alegava que o clima no Botafogo era de desaprovação à pacificação, dizendo: “havia até diretores (…) que preferiam ver o club com a sua secção de foot-ball extincta a aceitar uma paz iniciada nas condições do actual movimento” (Jornal dos Sports, 18/07/1937, p. 6).
Considerações Finais
Em 29 de julho de 1937 era realizada a solenidade de fundação da nova entidade que viria a gerir o futebol carioca, a Liga de Football do Rio de Janeiro (LFRJ). Não tardou muito para que o futebol paulista seguisse os passos da pacificação. Com o fim do dissídio em São Paulo, os clubes da Apea se filiaram à Liga Paulista de Futebol (LPF), que inscrevia a Portuguesa de Desportos como membro fundador da entidade e se filiava à Federação Brasileira de Football, agora ligada à CBD. No Paraná a federação Paranaense de Desportos, após um breve afastamento da FBF, voltou a pedir sua inscrição na entidade, também seguindo os parâmetros acordados no Distrito Federal. Em Minas Gerais, o mesmo acontecia com a Liga Esportiva Mineira, assim como em muitos outros estados do país.
Com o fim do dissídio, a paz voltou a reinar no futebol brasileiro. Os outros esportes que já organizavam ligas especializadas seguiram o mesmo caminho traçado pelo futebol, com os clubes se filiando à federação especializada e essa se filiando à CBD. Da mesma forma, a imprensa esportiva abraçou os ideais da paz, selando suas atividades de porta-vozes de entidades em conflito.
Do dia 21 ao 26 de julho, o Jornal do Brasil já repetia diariamente com grande destaque em sua página de “Notícias Desportivas” o confronto entre Flamengo e Fluminense, que ocorreria no dia 26/07. Já o Jornal dos Sports passa a dar maior destaque a notícias envolvendo o Botafogo e o Vasco da Gama em sua primeira página.
Vê-se, desta forma, que uma análise crítica das fontes estudadas é de fundamental importância para um trabalho histórico. Caso um pesquisador menos cuidadoso buscasse olhar o período através de um único veículo da imprensa esportiva, este teria uma visão parcial e desfocada do esporte no período analisado.
Como qualquer outra área da imprensa, da mídia, ou mesmo qualquer outra fonte produzida pelo homem, a imprensa esportiva é feita a partir de um olhar historicamente situado, feita a partir de um ponto de vista específico, por alguém de uma determinada posição social e visando atingir um público em preferencial. Assim, torna-se imprescindível para o pesquisador um olhar mais cuidadoso para a natureza da fonte, sendo ela a imprensa esportiva ou não.
[1] Anfilóquio Guarisi foi contratado pela Lazio e, por também possuir nacionalidade italiana, acabou sendo convocado para a seleção italiana que conquistou a Copa do Mundo de 1934 em casa. Chamado pelos italianos de Guarisi, Filó chegou a disputar um jogo na competição e se tornou o primeiro brasileiro campeão do mundo.
[2] Entre os grandes jogadores da dupla Fla-Flu de 1937, podemos destacar Leônidas da Silva, Romeu, Tim e Hércules, base do ataque da seleção brasileira que disputou a Copa do Mundo de 1938.
[3] Mario Filho assumiu a direção do Jornal dos Sports em 1936, em meio ao dissídio esportivo, e manteve a política do jornal de fidelidade às especializadas, grupo que ele já defendia das páginas esportivas d’O Globo. De acordo com Rui Castro, Mario Filho teria adquirido o Jornal dos Sports de Argemiro Bulcão com dinheiro financiado de Arnaldo Guinle e José Bastos Padilha (Castro, 2001, p. 133). Padilha era concunhado de Mario Filho (era casado com a irmã de sua esposa) e foi presidente do Flamengo de 1933 a 1938.
[4] Célio de Barros era jornalista, presidente de Sport Club Brasil e importante dirigente da Confederação Brasileira de Desportos e do esporte carioca. O estádio de atletismo situado junto ao Maracanã foi nomeado em sua homenagem.
Referências bibliográficas
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VARGAS, Getúlio. Diário. 2V. São Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: FGV, 1995.
Nos últimos dois anos, temos desenvolvido estudos sobre representações do lazer e do entretenimento nas artes plásticas, sobretudo em obras produzidas nas primeiras décadas do século XX. Especificamente, trabalhamos com pinturas de August Macke (1887-1914)[i] e desenhos de Heinrich Zille (1858-1929)[ii]. Para realizar a análise das obras, tomamos por orientação o procedimento proposto por Victor Andrade de Melo (2009, p. 22) ao partir das imagens para estudar representações artísticas do esporte e do lazer nas artes plásticas: “Isto é, não se tratou de buscar obras que ilustrassem o que as fontes documentais informavam sobre os temas tratados, mas sim partir do que as imagens informavam, não só no que se refere ao tema, como também naquilo que dizia respeito à forma e ao contexto de representação”.
Neste breve estudo, tomaremos por objeto o mundo circense e sua representação em obras do pintor Marc Chagall (Moshe Zakharovitch Shagal; 1887-1985), um dos expoentes da arte moderna e de vanguarda no século XX. Para isso, selecionamos um corpus formado pelas seguintes obras: Le Cirque (1922-1944; O circo), Le Grand Cirque (1956; O grande circo), Le Cirque bleu (1967; O circo azul), Le Cheval de Cirque (1964; O cavalo de circo), e Le Grand Cirque (1967; O circo).
Podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que o tema do circo foi fonte de inspiração para Chagall ao longo de sua vida. Ainda criança em Vitebsk, distante aldeia natal na Rússia czarista, Chagall demonstrava verdadeira fascinação pelas companhias circenses itinerantes que se apresentavam nos pequenos vilarejos, com seus acrobatas, equilibristas, palhaços e animais. Mais tarde, quando se transferiu para Paris em 1910, aos 23 anos, após ter vivido em São Petersburgo desde 1907, passou a ir regularmente a grandes circos, na companhia de Ambroise Vollard (1866-1939), famoso marchand e curador de exposições de arte na capital francesa, que incentivou a produção artística da jovem geração que acorreu a Paris, considerada à época o centro artístico europeu. Sentado na plateia, Chagall esboçava e desenhava croquis para futuras telas. Inclusive, consta que, no início dos anos 1920, quando Chagall retornou a Paris, Vollard encomendou 19 pinturas em guache que formariam uma série temática sobre circo.
Cartaz de Jules Chéret (1836-1932) para o Nouveau Cirque de Paris (1886)
Na Belle Époque, Paris era um dos principais centros de atrações na Europa, na qual o mundo circense viveu seu florescimento e também teve seu espaço de destaque, com o Le Noveau Cirque (1886-1926), o Le Cirque Fernando (1875-1897), o Le Cirque Mendrano (1873-1962), entre outros, verdadeiros templos de lazer e entretenimento. Certamente, os espetáculos circenses na capital francesa foram fontes de inspiração para as obras de Chagall que contemplam o tema, bem como espetáculos circenses na então capital russa, São Petersburgo, de 1907 a 1909, quando o artista teve aulas de pintura com Léon Bakst e de desenho com Mstilav Dobuzhinsky (MAGALHÃES, 2009, p. 163), entre eles, o Circus Ciniselli (1875-1921).
Cartaz para o Circus Ciniselli em São Petersburgo,
sob direção de Scipione Ciniselli (1900)
Fonte: Circopedia – The Free Encyclopedia of the International Circus
A atmosfera lúdica e colorida do circo cativou Chagall desde cedo, mesmo com as pequenas companhias itinerantes do período de sua infância, cujos espetáculos eram muito mais modestos do que aqueles que conheceria nas grandes casas circenses de São Petersburgo, Moscou e Paris. O circo lhe transmitia a ideia de um ambiente artístico e de entretenimento em que todos os aspectos da vida eram representados, em uma ampla variação do trágico ao cômico. Os artistas de circo, com seus trajes excêntricos e maquiagem em cores vivas, tornaram-se personagens ideais para povoar as composições oníricas de Chagall.
Espetáculos circenses na pintura de Chagall
Iniciemos nossa análise de pinturas de Marc Chagall que contemplam o tema do circo por Le Cirque, tela em que o artista trabalhou por mais de duas décadas, de 1922, quando emigrou da Rússia em definitivo, a 1944, quando se encontrava exilado nos Estados Unidos, após ter deixado a França em 1941, invadida por tropas alemãs:
Inegavelmente, as obras de Chagall são marcadas por um intenso hermetismo, fruto de sua poeticidade e lirismo, que resulta do rompimento com o conceito tradicional de arte como narração. Ao contrário, suas obras não narram cenas, elas expressam tanto o trabalho memorialístico do artista na escolha de determinados elementos icônicos, quanto o tratamento do onírico e do subconsciente, em que tais elementos são justapostos, sem produzir, necessariamente, uma unidade de sentido. De acordo com Ekaterina L. Selezneva (2009, p. 30), “para Chagall, o tema é tecido como uma teia de aranha. Os sentidos não se revelam um após o outro: podem ser percebidos todos juntos, oferecendo a possibilidade de uma leitura extremamente complexa”. Podemos afirmar que essa é a principal marca do estilo do pintor russo de origem judaica, naturalizado francês em 1937, sendo que o uso da cor representa o elemento básico de sua pintura, ao ser empregado, fequentemente, para produção de efeito anti-mimético, algo que nos faz lembrar, por exemplo, de obras de Franz Marc (1880-1916), um dos grandes expoentes do Expressionismo alemão. Em Le Cirque, temos um bom exemplo desse hermetismo que marca as obras de Chagall.
Inicialmente, constata-se que Le Cirque sintetiza temporalidades e espacialidades distintas, da infância e da vida adulta do artista, do picadeiro e da aldeia. Certa vez, Chagall afirmou: “Cada pintor nasceu em um determinado lugar: mesmo que, mais tarde, ele reaja a influências de novos ambientes, certa essência, certo perfume de seu país natal sempre persistirá em seu trabalho” (CHAGALL apud SELEZNEVA, 2009, p. 14). Desse modo, entendemos que as raízes judaicas e as memórias dos tempos da aldeia na Bielorússia são elementos fundamentais para se entender a arte chagalliana, incluindo a série dedicada ao mundo circense. Como bem ressalta Selezneva (2009, p. 16),
ao enfatizar sua nostalgia, retornava continuamente a visões inalteradas e amadas, sem classificá-las em sua alma como judaicas, bielo-russas ou russas. Essas imagens eram inerentes à natureza de Chagall, que foi impregnado com a cultura judaica pelo leite materno, e colheu a cultura russa de seu entorno e de suas relações de amizade.
Entretanto, em termos de contextualização há um dado fundamental como pressuposto para se analisar Le Cirque: a origem de sua composição. Após cinco anos, de 1910 a 1914, morando em Paris, período que marcou o ingresso de Chagall no cenário artístico europeu e mundial, o artista retornou a Vitebsk para rever a família e Bella (Berta Rosenfeld), sua noiva, aproveitando uma breve passagem por Berlim, onde expôs obras na galeria de arte do círculo expressionista Der Sturm (A Tempestade), dirigido por Herwarth Walden (1878-1941). Todavia, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial em agosto de 1914, Chagall se vê impedido de regressar a Paris. No ano seguinte, casa-se com Bella e segue pintando novas obras e se transfere para São Petersburgo, capital da Rússia czarista, até 1917. Com a Revolução de Outubro, o artista se torna um dos principais nomes para promover o cenário artístico do país segundo diretrizes do novo Estado Soviético. Além de eleito para o cargo de Comissário de Artes da região de Vitebsk em 1918, e de ter fundado a Escola Popular de Arte em sua cidade natal no ano seguinte (MAGALHÃES, 2009, p. 165-166), Chagall pintou sete painéis em tela para compor grandes murais decorativos para o Teatro Municipal Judaico em 2020, na cidade de Moscou, nova capital do país sob o regime soviético (SHATSKIKH, 2018). Nos murais para o Teatro, o circo também se fez presente como tema da arte performática. Conforme Alexandra Shatskikh aponta,
[s]egundo Chagall, tudo no circo era real e autêntico. Animais e palhaços em sua astúcia, as ginastas e os acrobatas com seus corpos criativos atuando no extremo de seu potencial natural, não representavam – na verdade, eram. Os trajes coloridos dos artistas circenses apenas enfatizavam o impacto festivo de sua criação viva.[iii] (SHATSKIKH, 2018; tradução própria)
Todavia, em 1922, decepcionados com os rumos que a arte estava tomando sob a tutela do regime soviético, Chagall e Bella deixam sua terra natal em definitivo, vivem por alguns meses de 2023 em Berlim e se transferem para Paris, para atender ao chamado de Ambroise Vollard, que lhe encomendara algumas ilustrações de livros, incluindo uma série sobre o mundo circense, intitulada Le Cirque de Volard (MAGALHÃES, 2009, p. 41-42). Em um desses trabalhos, o artista refez de memória uma das telas que, originalmente, compunham o mural do Teatro Municipal Judaico de Moscou, a qual designou de Le Cirque. Por anos, Chagall a manteve em seu ateliê e a levou também para a América, quando se exilou em 1941.
Conforme podemos constatar, Le Cirque revela uma densidade de elementos em sua composição: três acrobatas dominam a cena, todos de ponta cabeça, se equilibrando sobre as mãos e sustentando o peso dos corpos com os braços esticados. Eles trajam vestes coloridas distintas, e apenas um deles está com o rosto virado para frente, na direção de quem contempla a cena. Justamente esse acrobata possui algo enrolado em seu braço esquerdo, que o diferencia dos demais: o filactério (tefilin), utilizado enrolado ao braço esquerdo – e também fixado à fronte – por judeus religiosos ao fazerem as orações diárias. Certamente, uma reminiscência do mural decorativo do Teatro Municipal Judaico de Moscou que foi mantida em sua versão de 1944, quando a tela vem a público. Além dos três acrobatas, outras duas figuras se destacam em Le Cirque: dois palhaços, sendo que um está sentado com suas vestes vermelhas em um banquinho, no canto direito inferior da tela, mirando os acrobatas, e o outro está um pouco mais atrás, entre a fileira dos acrobatas e a coluna de mulheres e homens que caminham por trás deles.
Em sua complexidade, Le Cirque estabelece uma relação entre, pelo menos, duas camadas: a do mundo circense e, respectivamente, do universo da aldeia. Ao fundo, vê-se casebres, por trás dos quais o sol crepuscular projeta luminosidade em direção à cena escura que domina a tela. A vaca de ponta cabeça que paira no ar entre os dois palhaços também é uma referência icônica da aldeia nas obras de Chagall. Desse modo, realidade e fantasia se fazem presentes na representação do mundo circense, mas não podemos deixar de notar também certo tom sombrio transmitido por Le Cirque. As figuras humanas que caminham em coluna atrás dos acrobatas podem significar o movimento de fuga daqueles que se viram impelidos a deixar sua terra natal para sobreviver à violência, em decorrência tanto da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa, quando ocorreu grande êxodo rumo ao Ocidente, quanto da Segunda Guerra Mundial e da Shoah, que chegara ao fim um ano após o artista ter concluído a obra. Aliás, uma das figuras humanas, posicionada à esquerda, parece tocar violino, e outra, mais ao centro da tela, trajando vestes escuras, carrega algo que parece ser os rolos da Torá, em que a tradição cultural e religiosa é levada por aqueles que são impelidos a deixar seus lugares de origem.
Por sua vez, a segunda obra de Chagall selecionada para análise é Le Grand Cirque, de 1956, que apresenta outros elementos importantes para se entender a representação do mundo circense nas obras desse mestre da pintura moderna:
Le Grand Cirque
(O Grande Circo; 1956)
Material: óleo e guache sobre tela, 159,5 × 308,5 cm
A obra Le Grand Cirque, conforme o título indica, se relaciona muito mais com as grandes casas circenses de São Petersburgo e de Paris, do que propriamente com os circos de modestas companhias itinerantes, dos tempos de infância e adolescência de Chagall. Na tela, está presente um conjunto de figuras humanas formado por acrobatas, trapezistas, bailarinas, palhaços e músicos em primeiro plano, e o público ao fundo. Reconhece-se que, especificamente, três grupos são destacados pela luminosidade que incide sobre o tom azul, predominante na tela: ao centro, vemos a figura de uma amazona, com seu vestido branco e tons coloridos, que se equilibra sobre um cavalo preto-esverdeado; do lado direito, pela coloração de suas vestes, em laranja, e de seus cabelos vermelhos, destaca-se a figura de uma violinista, cujo corpo está apoiado nas costas de um acrobata, com corpo em tamanho desproporcional, que se equilibra sobre as mãos no solo, de ponta cabeça; do lado esquerdo, vemos um conjunto composto por cinco figuras em destaque, precisamente uma bailarina, um acrobata, uma contorcionista, um animal, parecendo ser um cavalo, que se equilibra nas patas traseiras e segura uma sombrinha, e uma figura híbrida, com corpo humano e cabeça de bode, que segura um buquê de flores nas mãos.
Com relação a esse último aspecto, cabe aqui uma inferência que nos auxilia na análise da tela: o fato de que Marc Chagall expressa em suas obras um tom de nostalgia, que remete aos tempos de infância e adolescência em Vitbesk. Figuras híbridas como essa que vemos em Le Grand Cirque estão presentes também em outras obras do pintor russo, entre elas, La Danseuse au Bouc ou La Fiancée au Bouquet vert (1945; A Dançarina com o Bode ou A Noiva com o buquê verde), Le Printemps ou Le Bouc au violon (1938, A Primavera ou O Bode com violino), Songe d’une Nuit d’Été (1939; Sonho de uma Noite de Verão), Arlequin à la Lune jaune (1969; Arlequim na Lua amarela) e Le Bouc musician (1982; O Bode músico). Porém, muito antes, nas primeiras telas pintadas por Chagall em Paris que remetem a Vitebsk, a figura do bode já se fazia presente: Moi et le Village (1911; Eu e a Aldeia), La Pluie (1911; A Chuva) e Vitebsk, Scène de Village (1917; Vitebsk, Cena da Aldeia).
Haveria, ainda, muito mais elementos a se analisar em Le Grand Cirque, por exemplo, o corpo de um acrobata separado de sua cabeça, que paira no ar, ou mesmo a cabeça azul sem corpo, na parte superior direita da tela, ou as mãos vermelhas. Todos esses elementos aparecem em outras obras de Chagall, o que evidencia não somente uma ressonância entre elas, como também um modo de o pintor trabalhar, pictoricamente, a memória. Le Grand Cirque e as próximas obras a serem analisadas datam dos anos 1950 e 1960, quando o pintor já residia em Saint-Paul de Vence, no Sul da França, e, por certo, resultam de croquis desenhados pelo artista há várias décadas antes. Podemos supor que o modo como Chagall representa, pictoricamente, o circo produz uma junção entre o olhar do adulto que contempla a cena e as reminiscências da infância, inclusive como modo de celebração de suas raízes judaicas em Vitebsk. Não é por acaso, aliás, que Marc Chagall representa o shtetl, a aldeia judaica, e os seres que a habitam – humanos, animais, seres divinos etc. –, em que realidade e fantasia parecem entretecidas, bem ao gosto do universo hassídico do Leste Europeu no qual nasceu e cresceu, em que a harmonia entre homem e animal e a unidade entre divino e terreno ocupam lugar de destaque. Conforme aponta Ekaterina L. Selezneva (2009, p. 28), “o talento de Chagall reuniu os céus e a vida terrena”. E conforme apontamos em outro estudo, “[s]uas numerosas obras representam cenas do cotidiano nos vilarejos judaicos da Rússia czarista” e, ao mesmo tempo, se atrelam “à tradição oral de narrativas do Leste Europeu, sobretudo do shtetl com suas histórias povoadas de figuras fantásticas”. (CORNELSEN, 2006, p. 101). O universo hassídico, sem dúvida, seria um elemento que influenciaria a arte de Chagall por toda sua vida. As palavras de Fábio Magalhães (2009, p. 33), curador da exposição “O mundo mágico de Marc Chagall: o sonho e a vida”, que esteve em cartaz em algumas capitais brasileiras em 2009, dão a dimensão de tal influência:
O hassidismo desenvolveu para a alma popular o sentido profundo das tradições bíblicas. Fortaleceu o sentimento religioso na relação do divino no cotidiano e trouxe para a vida social, na trivialidade dos dias, o júbilo pela criação do mundo e do homem, ou seja, o entusiasmo pelas pessoas, pela natureza e pelas coisas do universo. No hassidismo, a relação com Deus é feita com intensa alegria, à procura do êxtase. Esse sentimento apareceu já nas primeiras obras de Chagall e se manteve como uma melodia constante durante toda a sua vida. Mesmo depois de se transformar em cidadão do mundo, vivendo na França e nos Estados Unidos, ele continuou carregando, consigo, como um caracol, a memória de sua aldeia, do bairro de judeus pobres de Vitebsk.
Desse modo, ao entretecer o divino e o terreno também nas telas que representam o mundo circense, como em Le Grand Cirque, por assim dizer, Chagall promove uma divinização da arte circense, algo que escaparia a uma representação meramente mimética dos espaços e das performances de suas personagens.
Passemos, agora, à análise da obra Le Cirque bleu (1967; O circo azul), que se compõe de outros elementos icônicos:
Mais uma vez, estamos diante de uma tela de Marc Chagall repleta de elementos que, em princípio, não permitem uma associação imediata entre si e demandam contextualização. Assim como em Le Grand Cirque, predomina a cor azul, um atributo do circo, aliás, destacado no próprio título da tela. Uma figura humana domina o centro da tela: uma jovem trajando um colant vermelho, que faz acrobacias aéreas no trapézio, de ponta cabeça. Outras figuras e objetos compõem a cena: um peixe azul na parte superior da tela, algo sempre associado pelos críticos de arte ao pai do pintor, que era comerciante de arenques em Vitebsk; um ramalhete de flores que é lançado por uma mão, também na parte superior da tela, talvez como sinal de reconhecimento à performance da trapezista; um galo verde tocando bumbo no canto superior direito; a cabeça de um cavalo verde em destaque, na parte inferior da tela, sendo que, segundo os críticos de arte, a cor verde nas telas de Chagall representaria o amor; no canto inferior direito, há outras duas figuras humanas que, todavia, não recebem maiores detalhes ou cores distintas, mas nota-se que se trata de uma jovem que flexiona seu corpo segurando um arco, e de um músico que toca violino; outro violino em menores proporções aparece também na cena, sobreposto à lua amarela e brilhante, na parte central direita da tela, o que reforça a impressão de uma cena noturna. Aliás, algo que já aparecia em Le Cirque, na personagem que acompanha a coluna humana em fuga, e Le Grand Cirque, no conjunto de músicos, mas que não foi analisado anteriormente, é o violino, objeto que recebe destaque especial na obra de Marc Chagall. Basta pensarmos na série chagalliana dos violinistas, que figura como a mais conhecida do público em geral. Conforme apontamos no estudo intitulado “De ‘Tévye, o leiteiro’ ao ‘Violinista no telhado’” (C0RNELSEN, 2016, p. 92), no documentário Le Peintre à la tête renversée (O Pintor com a cabeça virada), de Dominik Rimbault (1984), exibido pela TV Cultura dentro da série “Grandes Mestres da Pintura”, entre outros temas, Chagall fala sobre as memórias de infância em Vitebsk, em que havia a figura dos músicos nas cerimônias de casamento:
Sempre gostei de violino, muito. Vocês sabem… Quando ouvia os músicos, eu me comovia. Isso é importante! Não tinha o que olhar. Havia pássaros pretos no céu cinzento. Quando havia violinistas para os casamentos… não havia concertos, não havia Rubinstein…, Yehudi Menuhin… Havia músicos para os casamentos. […] Todos os sábados, o tio Leni punha um talit,[iv]não importa qual, e lia a Bíblia em voz alta. Ele tocava violino como um sapateiro. Meu avô ouvia e sonhava. (RIMBAULT, 1984)
Portanto, devemos entender a composição dessa e de outras telas de Chagall em sua complexidade, pois as perpassam espacialidades e temporalidades distintas, por exemplo, daquele que está sentado na plateia, no circo em Paris, e se entretém – porque, não, também esboçando seus croquis – e que rememora a infância e o circo no vilarejo natal e em outras localidades próximas na Bielorússia ou em São Petersburgo na Rússia. Isso nos permite inferir que o mundo circense do artista russo se difere sensivelmente, por exemplo, daquele representado pelo pintor expressionista August Macke (CORNELSEN, 2022), pois a subjetividade se faz presente em Le Cirque bleu e em outras telas pelo olhar do pintor enquanto parte do público. Além disso, o procedimento anti-mimético adotado por Chagall traz outra qualidade à representação do mundo circense, mesmo em telas nas quais o lirismo e a nostalgia se fazem presentes, como nessa, em que a cor azul, pertencente às cores frias no círculo cromático, se associa à espiritualidade. Sobre o procedimento anti-mimético e o uso de cores Fábio Magalhães tece a seguinte consideração, da qual partilhamos:
Há extraordinária força cromática em sua pintura. Em muitos casos os contrastes de cor pura contrariam a lógica dos seres e dos objetos representados. Uma vaca azul, um rabino vermelho, essa liberdade cromática reforça sua lírica e ajuda a criar um mundo plástico que flutua entre o real e o imaginário, dotado de intensa magia. Também a geometrização trouxe novas possibilidades de tratamento espacial. (MAGALHÃES, 2009, p. 36)
Posto isto, passemos à análise da quarta obra de Chagall, intitulada Le Cheval de Cirque (1964; O cavalo de circo):
Le Cheval de Cirque
(1964; O cavalo de circo)
Material: guache e nanquim sobre papel cartão, 49,5 x 62,8 cm
De início, podemos salientar um elemento que, nas três telas anteriores analisadas, não recebe maior destaque: o espectador. Em Le Cheval de Cirque, vemos a galeria ao fundo, em que o público contempla a performance simultânea de diversos artistas circenses: a amazona, ao centro do quadro, que se equilibra sobre o cavalo branco com manchas amarelas; dois acrobatas com suas vestes coloridas, do lado direito, em que um sustenta com um único braço o peso do corpo do outro, que está de ponta cabeça; um equilibrista, na parte superior da tela, parece se sustentar sobre a corda bamba, enquanto outro, do lado esquerdo, junto à figura de um cavalo, parece pairar no ar; na parte baixa da tela, figura um homem, com cartola, talvez o diretor do circo ou mesmo um palhaço, pois tem o rosto pintado. Nota-se ainda, que predominam cores vibrantes em diversos matizes – amarelo, laranja e vermelho, algo que diferencia Le Cheval de Cirque de Le Grand Cirque e Le Cirque bleu, em que predomina a cor azul. De certo modo, as cores vivas evocam uma atmosfera de agitação e intenso movimento, seja dos artistas, seja do público que os contempla. Além disso, outro aspecto difere Le Cheval de Cirque das outras três telas analisadas até aqui: a quase ausência de elementos que se associam ao universo judaico da aldeia. Embora o cavalo seja o elemento destacado pelo próprio título da obra, nota-se um detalhamento muito maior da performance circense na própria perspectiva do picadeiro e de seu entorno. Trata-se, pois, de uma grande casa circense, em que números de trapézio e acrobacia são apresentados ao público simultaneamente.
Por fim, analisaremos a quinta e última tela de Marc Chagall selecionada para análise neste breve estudo, intitulada também de Le Grand Cirque (1967; O grande circo):
Em certa medida, Le Grand Cirque (II) dialoga com Le Cheval de Cirque, pois possui cores vibrantes – amarelo, laranja e vermelho – que acentuam a luminosidade da tela e destacam tanto a performance de artistas no picadeiro e no ar, quanto o público que a contempla. Nesse conjunto, identifica-se cinco personagens: dois músicos, sendo que um deles, posicionado na parte inferior esquerda da tela, trajando vestes vermelhas, toca violino, enquanto o outro, na margem direita da tela, toca clarinete; centralizada, figura uma malabarista trajando roupas coloridas, que gira um arco com o braço direito; outras duas figuras femininas estão acima, como se pairassem no ar, sendo que uma delas, trajando vestido azul, parece ser uma amazona que teria saltado do cavalo vermelho em posição rampante, que está a seu lado, enquanto a outra, igualmente com roupas coloridas, parece ser uma trapezista em movimento de vôo.
Embora predomine a performance circense na tela, nota-se a presença de, pelo menos, dois elementos que remeteriam a temporalidades e espacialidades distintas, retomadas pela memória visual: o violino, já destacado anteriormente, e o peixe amarelo tocando bumbo no canto superior esquerdo da tela. Conforme indicado quando da análise de Le Cirque bleu, em geral, críticos de arte apontam o peixe em obras de Chagall como uma alusão à figura paterna, que era comerciante de arenques em Vitebsk. Inclusive, o peixe se faz presente em várias telas, entre elas, em Le petit poisson et le pêcheur (1926; O pequeno peixe e o pescador), Création (1959; Criação), Le Verger (1961; O pomar) e Le Songe du capitaine Bryaxis (1961; O sonho do capitão Bryaxis). Além disso, mais uma vez, o bumbo não é tocado por uma figura humana, mas, sim, pelo peixe, algo que já havia sido detectado na análise de Le Cirque bleu, mas que não havia sido pormenorizado, quando o bumbo é tocado por um galo, outro elemento muito presente em obras do pintor russo, por exemplo, em Le Coq (1928; O galo), Les Mariés et la Tour Eiffel (1939; Os noivos e a Torre Eiffel), Le coq rouge dans la nuit (1944; O galo vermelho na noite), Les Mariés au traineau et au coq rouge (1957; Os noivos com trenó e galo vermelho). Les Amoureux au coq (1957; Os amantes com galo) e Scene de village au coq jaune (1970; Cena do vilarejo com galo amarelo). Interessante notar que o galo figura em obras cujo tema central é o amor, intensamente representado por cores vivas, enquanto o peixe, associado ao pai e às origens na pequena aldeia russa, às águas e à noite, também alude a certa religiosidade, com conotações bíblicas.
O mundo circense nas obras de um mestre da iconicidade – a guisa de conclusão
Marc Chagall figura na célebre galeria de artistas plásticos que representaram o mundo circense em suas obras, entre eles, Georges Seurat (1859-891), Henri de Toulouse-Lautrec (1864-1901), Georges Rouault (1871-1958), Kees van Dongen (1877-1968), Pablo Picasso (1881-1973), August Macke (1887-1914) e Fernand Léger (1881-1955). Em meio a influências do Cubismo, do Fauvismo e do Expressionismo, detentor de uma obra inclassificável e mística, e de um estilo original e independente, o artista russo desenvolveu uma linguagem própria, a qual se evidencia também em seu amor pela arte orgânica do circo enquanto espaço de performance artística, lazer e entretenimento. Chagall considerava palhaços, equilibristas, acrobatas e atores como seres humanos em todo o seu lirismo e tragicidade, feitos personagens de certas pinturas religiosas.
A análise do conjunto de obras formado por Le Cirque (1922-1944; O circo), Le Grand Cirque (1956; O grande circo), Le Cirque bleu (1967; O circo azul), Le Cheval de Cirque (1964; O cavalo de circo) e Le Grand Cirque (1967; O circo), não obstante várias lacunas e superficialidades que permanecem abertas ou imprecisas neste breve estudo, nos permite, no entanto, certas inferências. A primeira delas diz respeito ao jogo de temporalidades e de espacialidades, que influencia no modo como Chagall representa pictoricamente o mundo do circo. Se o artista esteve atento para um dos principais espaços de lazer e entretenimento, bem como de elevada performance artística, o modo como expressou o circo nas diversas telas analisadas é indissociável de certa nostalgia da infância e de seu torrão natal, a aldeia de Vitebsk, na Bielorússia.
Outro aspecto evidente é certa divinização do espaço do circo resultante do ato de entretecer, iconograficamente, o divino e o terreno a partir da justaposição de certos elementos icônicos não necessariamente associados, em que o sobrenatural irrompe na vida cotidiana. Nostalgia, religiosidade, amor emanam das telas de Chagall, em que o mundo circense e a performance de suas personagens, em meio a um ambiente alegre e multicor, representam uma arte divinamente redimida: “Mon cirque se joue dans le ciel” (“Meu circo se diverte no céu”).
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MAGALHÃES, Fábio. O mundo mágico de Marc Chagall. In: MAGALHÃES, Fábio (curador). O mundo mágico de Marc Chagall: o sonho e a vida. Exposição na Casa FIAT. São Paulo: Base Sete Projetos Culturais, 2009, p. 32-48.
______. (curador). O mundo mágico de Marc Chagall: o sonho e a vida. Exposição na Casa FIAT. São Paulo: Base Sete Projetos Culturais, 2009.
MELO, Victor Andrade de. Esporte, lazer e artes plásticas: diálogos. Rio de Janeiro: Apicuri, 2009.
SELEZNEVA, Ekaterina L. Contextos russos da obra de Chagall. In: MAGALHÃES, Fábio (curador). O mundo mágico de Marc Chagall: o sonho e a vida. Exposição na Casa FIAT. São Paulo: Base Sete Projetos Culturais, 2009, p. 14-31.
CORNELSEN, Elcio Loureiro. O mundo circense e o jardim zoológico na pintura de August Macke. BELA – Blog de Estudos do Lazer. 26 abr. 2022. Disponível em: https://estudosdolazer.wordpress.com/author/elcornelsen/. Acesso em: 26 set. 2022.
CORNELSEN, Elcio Loureiro. Espaços de lazer em desenhos de Heinrich Zille – um olhar social na Berlim antiga. BELA – Blog de Estudos do Lazer. 18 out. 2022. Disponível em: https://estudosdolazer.wordpress.com/author/elcornelsen/. Acesso em 18. out. 2022.
CORNELSEN, Elcio Loureiro. Imagens do lazer em desenhos de Heinrich Zille no início do século XX. BELA – Blog de Estudos do Lazer. 03 ago. 2022. Disponível em: https://estudosdolazer.wordpress.com/author/elcornelsen/. Acesso em: 26 set. 2022.
Everything in the circus was real and authentic, according to Chagall. The clever animals and clowns, the gymnasts and acrobats with their creative bodies performing at the very extreme of their natural potential, did not represent — they actually were. The colourful costumes of the circus artistes merely underscored the festive impact of their life creating.
[iv] O talit é um xale usado por judeus religiosos para cobrirem a cabeça ao fazerem as primeiras orações da manhã.
Comentários desativados em O mundo circense na pintura de Marc Chagall | História do Esporte | Link permanente Escrito por ELCIO LOUREIRO CORNELSEN
Ana Moser assumiu o Ministério do Esporte no atual governo Lula. Foto: Agência Brasil
Nesse início de 2023, com o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência do Brasil depois de 12 anos desde sua saída do cargo, muito tem se debatido sobre as escolhas dos nomes que irão representar os diferentes ministérios em seu governo.
Uma das pastas que retornaram com o atual mandato, foi a do Ministério do Esporte, que durante o período de Jair Bolsonaro no poder ficou vinculado à Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania.
Para comandar tal ministério, Lula escolheu o nome de Ana Moser, ex-atleta de vôlei e muito ligada às causas progressistas relacionadas com o esporte, notadamente por sua atuação no Instituto Esporte e Educação (IEE). A escolha de Moser foi muito festejada por aliados do governo, que no geral entenderam ser a nova ministra, de fato, um bom nome para comandar a “velha nova” pasta.
Todavia, uma fala da agora ministra no último dia 10/01/2023, gerou grande debate. Segundo Moser,
A meu ver, o esporte eletrônico é uma indústria de entretenimento, não é esporte. Então, você se diverte jogando videogame, você se divertiu. “Ah, mas o pessoal treina para fazer”. Treina, assim como o artista. Eu falei esses dias, assim como a Ivete Sangalo também treina para dar show e ela não é atleta da música. Ela é simplesmente uma artista que trabalha com entretenimento. O jogo eletrônico não é imprevisível. Ele é desenhado por uma programação digital, cibernética. É uma programação, ela é fechada, ela não é aberta, como o esporte.
Essa perspectiva conceitual do que deve ou não ser entendido como esporte, gera grandes debates e, ao mesmo tempo, divergências no âmbito do campo esportivo. No senso comum, olhares como o da ministra podem ser reproduzidos e, também, utilizados como forma de demarcação daquilo que buscam passar como sendo um “modelo ideal” do que se deve considerar como esporte.
Moser destacou ainda que o objetivo central da pasta será o de olhar para o “esporte social”, ponto importante e que deve ser encarado como um verdadeiro caminho no que se diz respeito ao entendimento do esporte enquanto uma ferramenta de mobilização e mudança na sociedade. Passada a “era dos megaeventos”, focar nos aspectos sociais do esporte são, sem dúvidas, os melhores caminhos para se pensar a importância dessa pasta para o país. A partir dessa perspectiva, Moser ainda enfatizou o porquê de não estabelecer um olhar mais profundo para, por exemplo, os esports.
Não tenho por objetivo aprofundar neste pequeno texto um olhar necessariamente crítico ao posicionamento da ministra, mas sim de problematizar a própria ideia do que conceitualmente entendemos como esporte, tendo como parâmetro alguns dos avanços e debates oriundos das Ciências Humanas e Sociais (o que, obviamente, não inviabiliza um debate acerca do tema com as perspectivas conceituais de outras áreas/campos). Afinal, os esports são ou não modalidades esportivas?
Tratando-se de forma mais específica das pesquisas acadêmicas sobre o objeto, deve-se ter em conta alguns fatores importantes. Pierre Bourdieu, em seu ensaio intitulado “Como é possível ser esportivo?”, destacou algumas características daquilo que entende como “esporte moderno”. O autor referendou, em um pequeno ensaio mas que foi de grande valia para o campo de Estudos do Esporte, as diferenças existentes entre o esporte moderno e as práticas corporais e de divertimento anteriores à modernidade.
Caracterizando a importância de conceitualmente definir tal objeto, Bourdieu escreveu sobre o que hoje é conhecido como campo esportivo. Para o autor, a história do esporte é
[…] uma história relativamente autônoma que, ainda quando é escondida pelos grandes acontecimentos da história econômica e política, tem o seu próprio ritmo, as suas próprias leis de evolução, as suas próprias crises, em suma a sua cronologia especifica.
Dentro dessas características, é válido enfatizar que para entender uma determinada manifestação como um esporte, no olhar do campo esportivo, se faz necessário que a mesma possua determinadas características, que são:
. Entidades representativas (como os clubes);
. Um calendário próprio e autônomo;
. Um corpo técnico especializado;
. Um mercado ao seu redor.
A verdade é que o conceito de esporte na modernidade não é fechado e nem deve ser entendido como algo não mutável, pelo contrário. O fato é que os esports conglomeram todas as características do campo esportivo, dentro do contexto do século XXI, sendo por si só esses alguns fatores que referendam essa perspectiva conceitual de inclusão de tais modalidades também como “esportivas”.
Obviamente, dentro do mundo acadêmico, a própria concepção daquilo que devemos entender conceitualmente como esporte, pode ser mudada. Os olhares introdutórios de Bourdieu acerca do objeto serviram como pontapé inicial de um campo investigativo e não como linha de chegada. Desde então, inclusive no Brasil, muitos autores já se debruçaram sobre as perspectivas do campo esportivo, aprofundando, criticando, dando novas sugestões ou apontando distintos caminhos acerca do conceito.
Victor Andrade de Melo, por exemplo, aprofundou esse debate em várias ocasiões. Em uma de suas obras, intitulada “Esporte e Lazer: conceitos – uma introdução histórica”, o autor destacou a importância de se estudar o conceito de esporte dentro de uma perspectiva histórica, abarcando vários pontos que podem ser considerados como caminhos para estabelecer um diálogo entre o esporte e as práticas corporais anteriores à modernidade. Assim, problematizou o conceito de “prática corporais institucionalizadas”, entendendo que
A História das Práticas Corporais Institucionalizadas “abarcaria, em um mesmo campo de investigação, sem excluir outras possibilidades de diálogos, práticas sociais como o esporte, a capoeira, a dança, a ginástica, as relativamente recentes práticas físicas ‘alternativas’ (antiginásticas, eutonia etc.), a educação física (entendida enquanto uma disciplina escolar e como uma área do conhecimento), as práticas específicas de períodos anteriores à Era Moderna (da Antiguidade e da Idade Média), entre outras. A despeito dessa conceituação, para facilitar o entendimento e/ou em função de questões operacionais, em muitas oportunidades usamos “história do esporte” como metonímia”.
Com isso, surge-se mais uma questão: modalidades que se referendam menos pela utilização do corpo e mais pelo uso da mente, como é o caso do xadrex e dos próprios esports, devem ser chamados de “esporte”? Manoel Tubino, Fábio Tubino e Fernando Guarrido destacam, na obra “Dicionário Enciclopédico Tubino do Eporte”, que esses seriam os chamados “esportes intelectivos”:
Os esportes intelectivos são aquelas práticas ou modalidades esportivas nas quais há uma dominância de solicitações intelectivas nas disputas. […] Há alguns anos muitos dos atuais Esportes Intelectivos não eram reconhecidos como Modalidades Esportivas pela falta de movimentos convincentes. Entretanto, a partir da Carta Internacional de Educação Física e Esporte da Unesco (1978), que estabeleceu o direito de todas as pessoas ao Esporte, em todas as idades e em qualquer circunstância física, o conceito de Esporte ficou mais abrangente, passando a compreender muitas modalidades que antes não eram percebidas como Práticas Esportivas. Os Esportes Intelectivos, que muitas vezes são tradicionais pelo longo período de existência – e em outras também são ligados a culturas e identidades nacionais -, na verdade enriqueceram bastante o contexto esportivo internacional.
Tendo em vista essas colocações, é válido relembrar um ponto já aqui abordado: a questão da possibilidade de mutação do conceito. No mesmo livro já aqui citado, Victor Melo apontou em 2010 sobre a necessidade de estarmos sempre atentos às mudanças que o fenômeno esportivo nos proporciona, destacando assim que um olhar não apurado poderia se materializar em uma equivocada estagnação do conceito. Já citando inclusive os esports, o autor destacou que
[…] desde o tempo do Telejogo, primeira geração de games, são muitos os jogos eletrônicos que fazem da prática esportiva o motivo central. Aliás, com o Wii, vemos a junção entre o movimento corporal e o que ocorre no monitor, uma nova forma de interação. Alguns mais desconfiados podem afirmar que isso não é esporte. Quero lembrar que nem sempre a movimentação corporal foi parte essencial do fenômeno esportivo […]. Além disso, enquanto prática social que deve ser historicizada, não podemos nos prender a apreensões essenciais: o esporte é aquilo que em cada momento se defina como tal, conceitos relacionados a experiências históricas específicas. […] A questão fundamental é: se mudou a forma de relação com o outro, de relação com o corpo, de representação do corpo, por que não mudaria a concepção do que significa fazer esporte?
A verdade é que, de fato, a perspectiva conceitual acerca daquilo que devemos ou não considerar como esporte, sempre gerará divisão de opiniões. Reconheço esse ponto, tal como reconheço que, para além de um olhar que pode ou não estar equivocado, as colocações da ministra Ana Moser dizem mais respeito ao foco e tratamento que idealiza para a pasta que agora lidera, do que uma opinião em que seja necessariamente contrária aos esports.
Porém, como pesquisador que se debruça sobre o objeto há mais de uma década e que entende que o fazer ciência se constrói com embasamento teórico e conceitual, reitero a importância de se trazer esse debate hoje. Assim, fica nítido que, para além das visões difundidas no senso comum, no âmbito acadêmico não podemos cair em tais armadilhas. Deve-se sempre se fortalecer os olhares e embasamentos acerca dos fenômenos sociais existentes, entendendo que o esporte (tal como qualquer outra manifestação cultural) necessita de um entendimento com base em um conjunto de características que definam o que é o objeto a partir de uma perspectiva científica e social, ignorando assim os achismos, opiniões e visões que fujam dos olhares mais amarrados e consolidados sobre o tema.
Referências
BOURDIEU, Pierre. Como se pode ser desportista? In: _______. Questões de sociologia. Lisboa: Fim do século, 2003, p. 181-204.
MELO, Victor Andrade de. Esporte e lazer: conceitos – uma introdução histórica. Rio de Janeiro: Apicuri, 2010.
TUBINO, Manoel; GARRIDO, Fernando; TUBINO, Fábio. Dicionário enciclopédico Tubino do esporte. Rio de Janeiro: Editora Senac Rio, 2007.
Comentários desativados em O debate acerca dos esports no campo esportivo: uma pequena reflexão | História do Esporte | Link permanente Escrito por Eduardo Gomes
No post de hoje, vamos falar um pouquinho sobre a Copa do Nordeste, que também é conhecida como Campeonato do Nordeste, Nordestão ou “Lampions League” (este nome em evidente alusão à bilionária e europeia Champions League).
Oficialmente, fora criada em 1994, mas retornaria posteriormente a ser disputada entre 1997 e 2003. Nesse período foi organizada pela CBF, que enxergava na competição uma forma de obter apoio político da região (numerosa em federações de futebol). Porém, só em 2010 teríamos uma nova competição e, a partir de 2013, a continuidade seguiu sem mais interrupções.
Abaixo, seguem imagens do jogo final da edição de 1994.
Durante várias edições, a CBF garantia vagas para os vencedores nas competições sulamericanas como a extinta Copa Conmebol e a atual Copa Sul-Americana. Hoje, a entidade nacional do futebol garante apenas vaga nas fases mais adiantadas da Copa do Brasil.
Cabe lembrar que o torneio atual, versão mais inchada da competição, tem duas fases preliminares antecipando a fase de grupos.
Outra observação importante é de que outros torneios regionais não seguiram adiante, principalmente pela falta de interesse das federações das regiões Sul e Sudeste (como exemplos, a Copa Sul-Minas, Copa Norte, Copa Centro-Oeste e o Torneio Rio-São Paulo, por sua vez, foram disputadas pela última vez em 2002). Há que se pensar que estas federações temiam (e ainda temem) que estas competições pudessem tirar público, patrocínio e interesse dos campeonatos realizados por elas, ou seja, os estaduais.
Exceção é a criação da Copa Verde, criada em 2014 e existente até os dias atuais (neste caso, participam times das regiões Norte, Centro-Oeste e do estado do Espírito Santo).
Apesar da criação do Nordestão em 1994, é importante saber que vários torneios entre equipes nordestinas foram disputados desde pelo menos os anos 1920. O Troféu Nordeste (1923), disputado em Alagoas, foi um dos pioneiros com este objetivo. Outros torneios foram realizados nas décadas seguintes, inclusive, nos anos 1970, um dos mais famosos e bem sucedidos foi o Torneio José Américo de Almeida Filho, disputado na Paraíba. O nome do torneio era homônimo ao estádio em João Pessoa, onde os jogos foram disputados. Todavia, apesar de importantes em suas respectivas épocas, estes torneios tinham muita dificuldade em agregar todos os estados da região, o que se viu também nas primeiras edições da Copa do Nordeste.
Ao longo da história das transmissões televisivas, a Copa do Nordeste não teve muito sucesso nas emissoras abertas. A Esporte Interativo comprou a ideia nos anos 2000 e fez uma campanha publicitária eficiente e lucrativa para ambos os parceiros envolvidos (a própria emissora, clubes e patrocinadores). Na edição atual, os jogos serão transmitidos pelo SBT e ESPN Brasil. Além disso, foi criado um canal de televisão específico: Nosso Futebol, que terá o apoio das operadoras Sky e Claro e serviços de streaming.
Interessante perceber que a Copa do Nordeste foi estendida à categoria sub20, criada em 2001 e assumida pela CBF a partir de 2015, visando uma representatividade diante das principais competições nacionais e, principalmente, fortalecendo a marca principal do torneio.
Acima podemos perceber que a materialidade da taça, em design original é único, tem também a ideia e intenção de revigorar a marca da competição. Não por acaso as “orelhas” da taça também se basearam no principal troféu do futebol europeu, o da Champions League.
Finalmente, apenas para pensarmos algumas questões que podem ser esmiuçadas por pesquisas sobre este tema: 1) Os torneios regionais movimentam quanto dinheiro em patrocínio direto e indireto para os clubes envolvidos? Para o ano de 2022, por exemplo, a projeção era de aproximadamente 31 milhões de reais de arrecadação. 2) É possível aumentar o grau de rivalidade interclubes a partir das disputas destes torneios? 3) Como é a relação dos veículos de comunicação (dentro e fora da região nordeste) com a competição? 4) E a recepção das transmissões televisivas (dentro e fora também)? 5) A Copa do Nordeste é de fato um produto “vendável” para fora do nordeste?
Enfim, questões relevantes de um futebol regional que ganha força em âmbito nacional, principalmente pensando fora do eixo Sul-Sudeste.
Um abraço e até a próxima.
Obs.: Neste 09/01/2023, não poderíamos deixar de pensar nas homenagens que Roberto Dinamite recebeu por conta de seu falecimento no dia de ontem. Não tive a menor pretensão de criar um post sobre o assunto. Porém, segue uma singela lembrança ao ídolo, não só do Vasco, mas daqueles que gostam de gols.
Com alegria, comunicamos o lançamento de mais um título da coleção “História do Esporte: olhares e experiências”: “PEQUENO, MAS DE GRANDES INICIATIVAS”: O VILA ISABEL FUTEBOL CLUBE (1910-1941). De autoria de Bruno Adriano Silva e Victor Melo, o intuito do livro é, ao discutir a trajetória da agremiação, dedicar atenção a sua participação no delineamento de um perfil para o bairro no qual se encontrava, perceber como suas ações se imbricavam com o entorno de sua sede.
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* “Pequeno, mas de grandes iniciativas”: o Vila Isabel Futebol Clube
Comentários desativados em Novo título – “Pequeno, mas de grandes iniciativas”: o Vila Isabel Futebol Clube | História do Esporte | Link permanente Escrito por Victor Melo
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