Futebol e tensões sociais na Bahia

12/06/2019

Por: Coriolano P. da Rocha Junior

 

Na Bahia, sem dúvida, o futebol desde seu início foi o esporte de maior representatividade, que mais despertou interesse e mobilização popular.

Sobre o futebol baiano e seus primórdios, Leal (2002) afirma que:

na Bahia, os rapazes desejavam praticar aquela modalidade de esportes, quando chegou à cidade do Salvador, o estudante José Ferreira, de alcunha Zuza, que tinha concluído seu curso na Inglaterra e viria para empregar-se no Bank of London, nesta capital (p.180).

Na Bahia, a influência inglesa esteve diretamente ligada ao início da experiência esportiva, inclusive no futebol. Também se sabe que em Salvador e mesmo no estado da Bahia, as vivências com os esportes se davam em espaços improvisados e adaptados, a partir de áreas comuns da cidade, a exemplo de praças, largos e outros e assim também aconteceu com o futebol.

Sobre os jogos iniciais, Santos (2010, p.54) afirma que:

o local onde ocorreriam os embates seria o Campo da Pólvora. Localizado no distrito de Nazaré, o campo foi ligeiramente reformado, cercado e nivelado. A sua escolha deveu-se também pela sua ótima localização em decorrência da facilidade de se chegar naquele lugar. Praticamente todas as linhas de bonde passavam por aquela região. Sem a existência de arquibancadas o primeiro campeonato contou com o empréstimo de cadeiras por um circo que estava na cidade para a acomodação das famílias dos jogadores e demais autoridades.

Sobre os espaços adaptados para a prática do esporte, o Diário de Notícias[1] assim escreveu:

na Bahia, porem, ainda se morre de tédio, de aborrecimento… Não fosse o gosto pelo sport, actualmente tão accentuado, e aquellas partidas em que se apagavam os dignos moços em bellos combates – ainda assim num campo impróprio – e não sabemos o que seria da Bahia, cada dia mais decahiada!

No caso do futebol, as práticas iniciais estavam muito associadas a condição de modernização da cidade, de fazer acontecer em terras soteropolitanas, experiências corporais que já se davam na Europa e assim, sua prática era interpretada como um ato de civilidade, algo nobre. Exemplo está na matéria abaixo:

correu brilhante e animadamente a correcta diversão deste tão bemquisto divertimento que entre nós tanto acolhimento tem adquirido. Ao signal dado, os clubes Victória e São Paulo Bahia principaram os renhidos ataques, tendo sempre, no primeiro tempo, o São Paulo Bahia se defendido heroicamente, no segundo tempo, porem, os lutadores do Victoria conseguiram fazer dos pontos, sendo vivamente aclamados.[2]

Em contrapartida, a mesma prática, quando vivida por estratos sociais economicamente inferiores, era tida como rude, bruta, não digna, como indicado na seguinte matéria:

moradores à Rua Ferreira França, ao Polytheama, estão inhibidos de chegar as jannelas das respectivas residências, porque garotos, de manhã a noite, jogam bola, com uma gritaria infernal, com gestos e palavras obscenas. Os guarda civis que ali fazem seu quarto de policiamento, não tem ouvidos para ouvir taes offensas a moral e nem energia para cohibilos ao jogo perene.[3]

Vemos assim, que as experiências esportivas acabavam sendo tratadas como um espaço de distinção social, fazendo refletir as dinâmicas sociais e culturais vividas na sociedade baiana.

Se em seu início a vida esportiva baiana esteve ligada diretamente a presença inglesa, também o setor de serviços e a economia da cidade viviam esta influência. Vivendo uma condição de decadência econômica e política, a Bahia e Salvador, em seu cotidiano, conviviam com carências em vários serviços públicos: transporte, saneamento, iluminação, moradia, saúde, energia, limpeza urbana, já se apontando problemas com o uso desmedido de recursos naturais. Dessa forma, Salvador estava presa a uma lógica econômica que, se não impediu, certamente limitou as aspirações de um maior crescimento e de progresso e ainda, provocava conflitos sociais, que se refletiram também no futebol.

Já no início do século XX, o futebol baiano já contava com uma plateia que crescia em número e interesse. Plateia que já formava gosto por determinadas equipes, em detrimento de outras, fazendo ecoar por vezes as formas de ver a presença estrangeira na cidade.

Na Bahia, a Liga Baiana de Sports Terrestre, fundada em 1904, cuidava da organização do futebol e de seu certame e já nos primeiros anos, contou com dificuldades, que não se deram por conta só do esporte em si, mas também de outros aspectos da vida na cidade.

Alguns problemas marcaram a desistência de organizar o campeonato pela Liga Bahiana. O primeiro se deu ainda em 1906: numa partida[4], os jogadores do Internacional de Cricket (equipe formada por ingleses) foram ostensivamente hostilizados pelo público presente. Essa atitude da plateia presente ao jogo foi alvo da imprensa, que a analisou e a relacionou, segundo suas impressões, ao próprio estado de desenvolvimento da Bahia e dos cidadãos de Salvador.

Ao abordar o ocorrido, o Diário de Notícias[5] assim se posicionou:

é de lamentar que uma malta de desocupados perturbem as belas partidas a que o público acorre tão cheio de curiosa satisfação, prejudicando os movimentos dos jogadores, fazendo-os escutar ofensas quando perdem e dando triste idéia dos nossos foros de civilização. Convém notar que o Internacional é composto de ingleses que devem ter de nossa parte, como hóspedes que são, todas as distinções. Achamos que a polícia bem podia sanar esta inconveniência que vai se tornando um péssimo costume.

Em sua análise sobre o fato, Santos (2010, p.71) assevera que:

talvez uma das principais lamentações dos periódicos relacione-se com o fato de que o clube hostilizado era composto por ingleses. Em todas as notas temos uma sensação de subserviência para com os ingleses, uma vez que estes, pela origem europeia, são os referenciais de bom comportamento e civilidade.

Esse problema fez com que a Liga se reunisse e procurasse sanar as dificuldades surgidas, principalmente a ideia do Internacional de abandonar a competição – fato que se confirmou, mesmo com as atitudes solidárias dos demais clubes e da Liga Bahiana. Essas instituições fizeram questão de rechaçar a atitude popular, considerando-a incoerente com as normas civilizadas do esporte.

Essa reação dos clubes, de sua entidade organizativa e de parte da imprensa demonstrou uma noção elitizante e preconceituosa, a de que a população em geral não sabia como se portar diante de uma nova prática tipicamente moderna, o futebol, que, segundo seus padrões, exigia atitudes cavalheirescas e acima de tudo gentis, expressando ritos e normas de comportamento caracterizados como comuns a elite soteropolitana e aos ingleses residentes em Salvador.

Outro problema decisivo na atuação da liga foi que, com o progressivo aumento de interesse pelo futebol, esse acabou assumindo âmbitos maiores do que o esperado, incentivando rivalidades e exacerbando a competitividade. Este processo chegou ao extremo nos anos de 1911 e 1912, quando a Liga efetivamente desistiu da promoção de campeonatos.

Em 1912, o campeonato da Liga Bahiana, o das elites, viveu uma crise que foi motivada pela intensa e “deseducada” participação popular nos jogos. Para os dirigentes da entidade, o envolvimento e o interesse da população pelo futebol acarretaram a “perda de controle” das competições. Por conta disso, a Liga Bahiana desistiu de organizar o campeonato.

Com isso, a Liga Brazileira de Sports Terrestre, que foi fundada em 1913, de caráter mais popular, seguiu organizando o futebol na Bahia, sem contar com a participação dos primeiros clubes.

Assim, vimos que as tensões econômicas e sociais que a sociedade baiana vivia, também se repercutiram no futebol. O processo de distinção social, comum na comunidade baiana, cindida entre classes e etnias diferentes, também se fez presente no futebol, a partir da criação de ligas variadas, que representavam, estratos sociais diversos. De toda forma, o futebol baiano seguiu e segue existindo, como uma amostra do que é seu povo, suas tensões, modos de vida, de ser, de se colocar em sociedade, seja no cenário local ou nacional.

Referências:

LEAL, Geraldo da Costa. Perfis urbanos da Bahia: os bondes, a demolição da Sé, o futebol e os gallegos. Salvador: Gráfica Santa Helena, 2002.

ROCHA JUNIOR, Coriolano P. e SANTOS, Henrique Sena dos. Primórdios do esporte no Brasil: Salvador. Manaus: Reggo, 2016.

SANTOS, Henrique Sena dos. Uma caixinha de surpresas: Os primeiros anos do futebol em Salvador, 1901 – 1912. Monografia (Graduação em História). Departamento de Ciências Humanas e Filosofia – Colegiado de História, UEFS, Feira de Santana, 2010.

[1]Diário de Notícias, 10 de outubro de 1906, p.1.

[2]Correio do Brasil, 11 de agosto de 1903, p.1.

[3]A Tarde, 08 de dezembro de 1914, p.2.

[4]O jogo foi Victória e Internacional, em 10 de junho de 1906.

[5]Diário de Notícias, 11 de junho de 1906, p.3.


Sobre o tênis e sua prática em Salvador: dos primeiros momentos a fundação do Clube Baiano de Tênis

07/01/2019

Por: Coriolano P. da Rocha Junior*[1]

   Em Salvador, a prática do tênis se deu de modo muito irregular nas primeiras décadas do século XX. A princípio, denominado de lawm tênis, a sua ocorrência se dava de forma tímida, sobretudo, em quadras no interior de residências de famílias abastadas da cidade. Segundo Mário Gama (1923, p. 320):

Foi ele introduzido entre nós, também pelos ingleses, que construíram um court[2] de grama, na Plataforma. A família Benn também possuía um, nesse gênero, em sua residência, ao Canela. Mas, incontestavelmente, onde se formaram os nossos melhores tenismen[3] de agora, foi no court da residência da Exma, Viuva Lydua Costa Pinto, à Vitória. Foi desse court que saíram os nossos hous (sic) e valorosos jogadores, como Mario Pereira, Macedo de Aguiar e tantos outros, tendo também (perdoem-me se o assignato), o court construído em nossa residência à Graça, sido outro fator do desenvolvimento do Tênis na Bahia.

  Sobre a introdução do tênis em Salvador, reconhecemos que esta se deu, principalmente, pela presença de muitos ingleses que residiam na cidade. Ao mesmo tempo, sabe-se que não foram apenas os ingleses os pioneiros da modalidade na cidade, mas também jovens que, ao retornarem da Europa, a trabalho ou estudo, traziam consigo bolas e manuais de práticas esportivas. Na revista Semana Sportiva há uma referência que evidencia a presença de baianos no desenvolvimento inicial do tênis:

Em 1901 e nos anos consecutivos, ao chegarem da Europa, alguns rapazes foram inquestionavelmente, o fator principal, o elemento preponderante na introdução e progresso do desporto em geral. Na Bahia já havia um court de tênis na residência da família Espinheira Costa Pinto. Construído em cimento, as suas linhas de out-side aproximavam-se de um lado, das cercas de pitangueiras; do outro de um bambuzal indiano, espesso e no fundo, de uma jabuticabeira, que era o regalo de quantos a vissem florida ou o tronco enfeitado de frutas roxas[4].

    De toda sorte, de uma forma de outra, não se pode negar que o tênis em Salvador teve uma forte influência europeia, pelos ingleses ou pelos baianos residentes na Europa. Ao que parece, as primeiras partidas de tênis estimularam os jogadores a institucionalizarem a sua prática com a criação de um campeonato regulado pela Liga Baiana de Esportes Terrestres. De acordo com Mário Gama (1923, p. 320), “a antiga Liga fez disputar um campeonato de tênis, em que tomaram parte o S. Salvador, o Vitória e o Internacional de Críquete, vencendo os representantes do primeiro”. A revista Semana Sportiva foi mais especifica ao detalhar como ocorreram as primeiras competições da modalidade:

Com o número crescente de adeptos do jogo aristocrático formaram-se diversos torneiros íntimos com e sem handicap[5], até que em 1905 a Liga Baiana de Desportos Terrestres, procurando desenvolver a sua prática, determinou a abertura de inscrições para os clubes que lhe fossem filiados, estabelecendo o primeiro Campeonato da Cidade.

Para tanto, construiu um court com as medições regulamentares, com o lastro de cinzas e betumado e as linhas marcadas a tinta branca na então moradia do Sr. Ed. Schalaepfer onde deveriam realizar-se as competições oficiais.[6].

   Apenas a partir da segunda metade da década de 1910, especificamente em 1916, que referências sobre a prática do tênis ressurgem. Um motivo principal foi a fundação do Clube Baiano de Tênis. Assim, como os outros clubes da elite soteropolitana, a agremiação alvinegra teve um início bastante modesto. A primeira sede do clube não passava de uma barraca de lona. Ficava em um terreno na Ladeira da Graça que, pertencendo à senhora Adelaide Tarquínio, foi cedido por um período de três anos. Nesse mesmo local, foram iniciadas as construções das quadras de tênis, “onde foram gastos aproximadamente 4:000$000”[7]. Um depoimento de Mário Gama, um dos primeiros sócios, revela detalhes do entusiasmo em construir as estruturas do clube.

A construção do primeiro court começava. Nós, os que havíamos aderido à ideia da fundação de um grêmio para cultivar tão lindo esporte íamos aos domingos e nos dias úteis em que o tempo nos sobrava ao terreno cedido pela Exma. Viúva Tarquínio, a fim de ajudar ao Edgar Luz que estava superintendendo os primeiros trabalhos de nivelamento[8].

   A empolgação parece ter contagiado outros jovens da cidade. Ao final da construção do court, a “natural afluência de pedidos para associados obrigou o clube a aumentar o limite de trinta para cem sócios”[9]. Com a construção das quadras, já não era possível a agremiação ter como sede uma pequena barraca. Na verdade, a construção de um prédio no mesmo terreno já havia sido planejada. Para isso os diretores do Bahiano, “em assembleia geral de 23 de janeiro de 1916 resolveram aumentar as mensalidades de 5$000 para 10$000.” Além disso, contraíram um empréstimo de 8:000$000.

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Imagem 1: Club Bahiano de Tênis (imagem de um postal).

  A nova sede seria “um pequeno pavilhão que, com o máximo de simplicidade, satisfizesse aos requisitos de conforto e higiene”. Fica evidente que o principal ideal que norteava a fundação do clube era a necessidade de retomar, na cidade, o cultivo de uma atividade considerara elitizada.

   Podemos imaginar que o interesse de reavivar o tênis na cidade tem relação com a vontade de estabelecer uma prática de distinção social, uma vez que o futebol na cidade já havia se popularizado e já não era monopolizado pelos grupos abastados. O envolvimento com a modalidade era muito custoso, até mesmo pelas despesas com a importação de equipamentos como raquetes e bolas. Deste modo, o aristocrático esporte acabou se tornando em uma possibilidade de lazer em que não haveria a presença de populares.

   O esforço de fazer do Baiano de Tênis a liderança do renascimento do tênis na Bahia se revela em memórias que destacam um interesse em ter um espaço bem estruturado, com a construção de várias quadras, inclusive de materiais diferenciados:

Quando teve de ser construído o primeiro court do Baiano, o nosso consócio engenheiro Edgar Luz que dirigia as obras, quis romper com a praxe até então aqui em voga, das quadras de cimento. E, com grande competência, fez o nosso court de uma liga de barro, tal como ora se usa em todos os países tropicais. Os resultados foram magníficos e logo foi a segunda quadra e, em seguida, a terceira, até que, agora, conta o nosso grêmio tem 4 courts, todos eles excelentes, mesmo na estação chuvosa, quando muito pouco tempo depois de um grande aguaceiro, eles por serem inteiramente permeáveis, tornam-se perfeitamente praticáveis. Nessas quadras o tênis tem se desenvolvido assombrosamente[10].

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Imagem 2: Jogadores do Clube Baiano perfilados (Semana Sportiva, Salvador, 02 de julho de 1924, p. 50).

   Obviamente que com o desenvolvimento estrutural do tênis em Salvador, ocorreu um aumento significativo de referências sobre a prática do esporte na cidade. De acordo com os registros de Mário Gama (1923, p. 320):

Com a fundação, em 1916, do Clube Baiano de Tênis, nas suas quatro “quadras” o jogo tomou incremento admirável e ali se formaram e aperfeiçoaram muitos jogadores, sob os ensinamentos – é justo registrar – do grande tennismen F. Mc. Even, que, como diretor, dedicava-se extremamente, no preparo e afinamento dos seus consócios. O Bahiano de Tênis conta, dentre as suas melhores páginas, a visita do grande campeão dos Estados Unidos, Sr. Johnston, que jogou várias vezes em seus courts. Mantendo torneios anuais de duplas e simples, são campeões das quadras do alvi-negro F. Sá Macedo de Aguiar (duplas) e Mário Pereira (simples). Com a recente visita do Fluminense, A Bahia pôde mostrar bem que, em tênis, o seu adiantamento é patente, pois que, os representantes tricolores, Srs. Heberto Filgueiras e G. Prechel foram batidos, em simples, pelos nossos conterrâneos Mario Pereira e Macedo de Aguiar, que se houveram brilhantemente. Nos courts do Bahiano e Tênis está em disputa um torneio amistoso de duplas tendo-se feito representar os Clubes, Francês da Bahia, Rio Vermelho, Vitória, Associação Atlética e Baiano de Tênis.

   Como um dos principais sócios do Baiano de Tênis, Mário Gama não raramente fez questão de circunstanciar o desenvolvimento do esporte no clube marcado pelo um intercâmbio com tenistas de outros estados e países. É possível interpretar como um indício que o desenvolvimento do tênis no alvinegro não ocorreu de forma meramente espontânea. Pelo contrário, houve um constante esforço de estruturação, inclusive no tocante ao aprimoramento das técnicas e estilos de jogo. Além disso, percebe-se um esforço em apresentar os tenistas locais como não inferiores aos de outras localidades.

   Desta forma vimos as primeiras experiências de instalação da prática do tênis em Salvador e sua relação com um determinado clube e modo de ver a cidade e as relações sociais.

 

[1] Parte deste texto foi publicado em parceria com Henrique Sena dos Santos, na obra Primórdios do esporte no Brasil: Salvador (2015).

[2] Corresponde a quadra de tênis.

[3] Homem praticante e/ou interessado no tênis.

[4] Semana Sportiva, Salvador, 21 de julho de 1923, p. 24.

[5] Termo inglês que significa vantagem ou desvantagem, ou o ato de dar vantagem ou desvantagem. Pode também significar obstáculo, ou incapacidade.

[6] Semana Sportiva, Salvador, 02 de julho de 1924, p. 54.

[7] Semana Sportiva, Salvador, 21 de julho de 1923, p. 26.

[8] Semana Sportiva, Salvador, 02 de julho de 1924, p. 54.

[9] Semana Sportiva, Salvador, 21 de julho de 1923, p. 26.

[10] Semana Sportiva, Salvador, 02 de julho de 1924, p. 59.


A GINÁSTICA COMO PRÁTICA EDUCATIVA NA BAHIA (1850-1920)

17/07/2017

Aline Gomes Machado

O século XIX, no Brasil, representou um momento de mudanças significativas nos diversos setores. Via-se a efervescência de uma busca pela modernização do país. Civilização e modernidade se convertiam, neste momento, em palavras de ordem; virando instrumento de batalhas, além de fotografias de um ideal alentado.

 A Bahia, como a antiga capital do país, não ficou de fora desse processo. Também ela viu fervilhar o desejo pela modernidade, por novos ares, modos de vida, novos comportamentos e hábitos, inclusive, os de saúde e higiene.

Sabemos que a essa época, Salvador era uma cidade sem nenhum tipo de cuidado com o esgoto, estava sempre suscetível a moléstias infectocontagiosas, que atacavam sua população. Especialmente, a camada negra e pobre era a mais massacrada pelas epidemias que tomavam a cidade, já que era mais exposta às situações de risco sanitário.

Muito em função disso e por possuir em suas terras, uma escola médica, tida como um cenário de ciência, um dos discursos de modernização na Bahia assentou-se no pressuposto de que o saber científico possuía uma proposição especial para promover o desenvolvimento.

Dessa forma, a ciência tornou-se fundamental, por, pretensamente, apresentar caminhos objetivos para solucionar os problemas sociais, especialmente a ciência médica. Sendo assim, vimos que a camada ‘letrada, científica e lógica’, apoiada nos poderes políticos, dirigiu diretamente o projeto de modernidade, inclusive o baiano, justo por conta do papel de destaque dado ao conhecimento científico.

Assim, na Bahia, pautados nos pressupostos higienistas, os senhores da ciência constatavam as mazelas e indicavam os meios para se atingir os objetivos de uma melhor higiene, como podemos perceber no Relatório do Conselho Interino de 1856, elaborado pelo secretário da Commissão de Hygiene Publica, Dr. Malaquias Avares dos Santos:

Nas demais comarcas existem também muitas causas de insalubridade, como sejam mais geralmente habitações húmidas, e mal arejadas, alimentação irregular e de má qualidade, pântanos de todos os gêneros, e nenhum apuro na educação physica; ao que demais se ajunctam muitos vicios na educação.” moral e intelectual dos habitantes, o que se encontra ainda n’esta capital e mormente, nos seus suburbios.

O discurso médico figurou no movimento de modernidade baiano, articulando o progresso, a necessidade de higiene. A exemplo disso temos a fala de Mathias de Campos Velho, na tese apresentada para conclusão do curso de medicina na Faculdade de Medicina da Bahia em 1886, aonde afirma que a higiene:

esta quasi sempre em razão directa com a civilização de um povo e constitue fonte de riqueza, porque concede dous thesouros preciosos, a saude e a ordem (p.70) e, neste sentido diz, também, que o homem civilisado tem sempre em vista: a hygiene geral (p.67).

Dentre as estratégias elaboradas para atingir a higiene necessária, os higienistas reconheciam a importância de uma educação que se enquadrasse nos objetivos desse movimento. Objetivos esses que não se restringiam ao controle das variáveis físicas, biológicas, mas também buscavam uma retidão moral, uma disciplinarização necessária para atender as demandas sociais da época. Assim, os higienistas indicavam quais medidas deveriam ser tomadas pela população e governo, inclusive nas instituições escolares.

Contando com o apoio de articulistas, os higienistas apontavam como elemento basilar para formar o homem higiênico, o cuidado com o corpo, onde a prática de atividades físicas possuía fundamental importância. Dentre eles, a ginástica aparecia como a prática dileta.

Sabemos que a ginástica, como uma prática educativa, era tratada como algo que atuaria na formação de novos corpos e mentes, tida como uma extensão dos poderes e saberes gerados pela higiene, ganhando assim, a defesa de médicos e articulistas que se encarregavam de garantir os porquês da importância dessa atividade, não apenas fundamentando os benefícios corporais, mas também para formação moral do ‘homem vigoroso’.

Como justificativas a este apoio a uma nova ação ‘educativa’, a ginástica, encontramos nos jornais baianos questionamentos, inclusive, sobre a forma como os mais ricos educavam seus filhos. O Correio Mercantil (02 de junho de 1838, p.02) apontava que “os mimos e branduras com que as pessoas mais ricas e poderosas custumão criar os filhos os fazem commummente aleminados e de débil compleição”, e coloca a ginástica “com o exercício acertado” como corretiva desta situação, e segue garantindo que “a gymnastica, porém, nas cidades he absolutamente precisa, não para formar arlequins, como o para cuidado, mas para educar homens vigorosos”.

Por conta de pensamentos como esse, os discursos voltaram-se, então para a prática da ginástica como instrumento capaz de fornecer os idealizados objetivos dessa sociedade modernizada, civilizada e higiênica.

A partir da influência de um saber científico, os propósitos conferidos à prática metódica se tornaram mais expressivos com o passar do século XIX, demarcando que a ginástica valorizada era aquela cujos princípios básicos seriam a disciplina, a saúde e a higiene, distanciando-a de uma prática mais livre e expressiva. Era preciso uma ‘ginástica científica’ que se enquadrasse nos ideais modernizadores e higiênicos, que apresentasse caminhos para resolver as mazelas sociais que se circundavam todo país.

Nesse sentido, o Brasil e a Bahia, sob o prisma do higienismo, esforçando-se para acompanhar o desenvolvimento dos países modernos do continente europeu, adotavam muitas de suas práticas culturais e educacionais como símbolos de modernidade. Se na Europa a ginástica era parte da educação oferecida pelos principais colégios, aqui, ela seria utilizada num sentido semelhante.

A tese Hygiene Pedagogica, de Umbelino Heraclio Muniz Marques, apresentada a Faculdade de Medicina da Bahia, procurou demonstrar como uma educação higiênica, digamos assim, seria o símbolo de uma modernidade

A higiene pedagógica, que aliás age decisivamente sobre o desenvolvimento da creança, e sobre a conservação de sua saude, ainda nos paizes, mais adiantados deixa muito a desejar…(1886, p.01).

O mesmo Umbelino ainda afirma como uma educação higiênica “adapta todas as potencias physycas, intellectuaes e moraes de cada individuo á função plena do papel que lhe esteja destinado desempenhar na coletividade” (p.02). Perceba como a preocupação está centrada em tornar harmônica esta tríade das faculdades humanas para que o sujeito possa desempenhar seu papel sem alterar a ordem social desejada, que neste caso é a ordem para o progresso, a modernização.

Desta forma, nesse momento aqui tratado, vimos, na Bahia, um movimento que visou, sobretudo, civilizar os costumes, moralizar as condutas e moldar comportamentos e corpos para alicerçar as bases da sociedade higiênica e moderna. Este movimento configurou as principais estratégias do projeto higienista. Essa foi à intenção e motivação, agora saber como se deu e mesmo se alcançou tal objetivo, fica para outros escritos.

 


Mais sobre cricket em Salvador

20/02/2017

Coriolano P. da Rocha Junior

Neste blog, mais uma vez falamos sobre o cricket em Salvador, desta vez, com mais dados e imagens sobre o tema.

A prática aportou em terras brasileiras pelas mãos dos ingleses. Essa atividade se desenvolveu por algum tempo, todavia, sem efetivamente se estruturar na cidade, restringindo-se a uma pequena parcela da população.

O esporte chegou a Salvador em meados do século XIX. Normalmente os jogos ocorriam no Campo Grande (LEAL, 2002), embora também haja notícias de partidas na Fonte do Boi[1] e Quinta da Barra (GAMA, 1923), no Campo da Pólvora[2] e no Largo da Madragoa[3].

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Imagem 1: Jogo de cricket no Campo Grande. Ilustração de J. J. Wild.

Fonte: http://www.salvador-antiga.com/campo-grande/cricket.htm

Vejamos alguns exemplos: “no dia 1 de janeiro terá lugar no Campo Grande um grande jogo de críquete entre alguns sócios do Bahia Críquete Clube – uma partida de estrangeiros. Terá início ao meio dia em ponto”[4]. Também sobre o uso do Campo Grande como sede dos jogos, vemos esta chamada: “Sociedade Brazilian Críquete Clube. Pedindo licença para fazer jogos de bolas no Campo Grande…”[5].

Gama (1923, p.319) afirma que em Salvador foram:

membros da colonia inglesa, que fizeram a introdução de um jogo, cuja disputa, para eles, tinha já o cunho de esporte, – pois sendo a sua Pátria o berço do esporte moderno – tinham a noção exacta da significação do vocábulo. Esse jogo, foi o críquete, de origem genuinamente inglesa […]. Esse críquete de então, era disputado no local hoje denominado Praça Duque de Caxias.

Um clube inicialmente fundado para o críquete, logo depois assumiu o futebol, o Clube de Críquete Vitória, criado por brasileiros em maio de 1899, que passou a se chamar Esporte Clube Vitória. Ainda houve o Clube Internacional de Críquete, fundado por ingleses, em novembro de 1899, além dos já citados Sociedade Brazilian Críquete Clube e Bahia Críquete Clube[6].

Em Salvador, o críquete, teve trajetória, de curta duração, iniciada como uma atividade dos ingleses, contando com participação de brasileiros. Assim, logo a prática da modalidade se manteve limitada aos membros da colônia britânica, até se tornar pouco significativa; enquanto isso, em solo baiano, outras práticas ganhavam o interesse da população.

Sobre esse “esquecimento” do esporte, A Tarde[7] apresentou uma matéria em que questionava as razões do seu possível abandono em Salvador: “não sabemos porque motivo ficou inteiramente abandonado pelos nossos sportmen, o interessante e nobre jogo inglês, o críquete. A Bahia, teve nesse jogo, a muitos annos, sua primeira manifestação esportiva”.

O jornal, na mesma matéria, valorizava sua importância inicial e as formas com que foi jogado, tanto pelos ingleses quanto pelos baianos, ressaltando os valores civilizadores do esporte e o quanto sua prática contribuia para a formação de novos hábitos, por meio de um espaço onde os “nobres” homens da Inglaterra tinham a chance de praticar um esporte que simbolizava os ares de sua terra e os brasileiros podiam vivenciar um esporte que era digno de um mundo moderno, como também Salvador deveria se tornar.

Um possível elemento da curta duração da prática e do pouco interesse da população pelo críquete pode ter sido o fato dos clubes terem sido constituídos originalmente por ingleses e só depois brasileiros – neste caso, com a mesma organização dos de estrangeiros. Assim, o esporte teve uma limitada circulação pelas cidades, dificultando sua apropriação por parte dos diferentes estratos da população.

No período da instalação dos clubes de críquete, a cidade ainda mantinha um aspecto colonial e, assim, também os hábitos e gostos não estavam ajustados a uma prática moderna. De toda forma, os clubes de criquete foram importantes, pois foi a partir deles que se estruturam outros que ampliaram as experiências esportivas.

[1] Localizada no bairro do Rio Vermelho. Diário da Bahia, Salvador, 25 de janeiro de 1902, p.

[2] Diário de Notícias, Salvador, 24 de março de 1903, p. 3 e 12 de setembro de 1903, p. 3.

[3] Diário da Bahia, Salvador, 11 de janeiro de 1902, p. 1. Localizado na Cidade Baixa, na área do bairro da Ribeira.

[4] Jornal da Bahia, Salvador, 31 de dezembro de 1874, p. 2.

[5] Correio da Bahia, Salvador, 25 de janeiro de 1873, p. 2.

[6] Diário de Notícias, Salvador, 2 de setembro de 1876, p. 2.

[7]A Tarde, Salvador, 08 de novembro de 1912, p. 2.


Algo mais sobre o turfe em Salvador

23/11/2015

Por: Coriolano P. da Rocha Junior

Na Bahia, encontramos dados que apontam para a existência do turfe já no século XIX. O jornal A Locomotiva(1) dava notícias da abertura de um palco específico para a prática na cidade, na data de 30 de dezembro de 1888:

a inauguração do Hipódromo S. Salvador, que teve lugar no dia 30 passado, foi um verdadeiro acontecimento notável para os anais desta grande capital.
[…]
Tudo correu bem, fazendo-se notar apenas a grande demora em começarem as corridas, e os enormes intervalos entre uma as outras.

Podemos perceber que a abertura deste palco de diversões mobilizou um público grande, nesta altura, carente de espaços e práticas divertidas na cidade. A boa recepção a esta inauguração denota o quanto a cidade ansiava por locais onde as “belas” pessoas, como diz a nota, podiam se entreter, numa prática considerada nobre e elegante.
No decorrer do tempo, o hipódromo continuou a promover corridas, procurando mitigar as dificuldades e as deficiências vistas nas primeiras apresentações. O mesmo A Locomotiva (2), noticiava assim:

Não se pode negar que as corridas de cavalos captarão as simpatias do povo baiano; o Hipódromo S. Salvador, tem-se tornado o ponto de reunião do mundo elegante desta capital.

As corridas de cavalo, logo começaram a fazer parte do cotidiano da cidade. Os jornais seguiam dando notícias dos eventos, apresentando as corridas, as ocorrências, comentando o desempenho dos cavalos e dos jóqueis, bem como as reações do público. As matérias sempre buscavam associar essa atividade aos estratos sociais mais altos da cidade, dando destaque a presença feminina.
Outro aspecto que denota o valor dado ao turfe, já desde o início das atividades, foi à criação de um periódico específico, O Sport. Esse jornal, que noticiava apenas coisas do esporte, teve seu primeiro número lançado já em 27 de janeiro de 1889, ou seja, logo após a inauguração do Hipódromo São Salvador, dizendo-se um jornal dedicado aos dignos turfistas desta cidade.
O Sport em 1889 (3) cuidava de mostrar desde programas e resultados, até dicas sobre formas de vestir-se e de comportar-se num hipódromo. O surgimento de um jornal próprio do turfe, e a forma como este se apresentou, demonstra a motivação de tentar consolidar esta prática. Isso, justo por reconhecer nela uma possibilidade de diversão, além de poder ser um meio de fazer da cidade, um lugar mais moderno, elegante e nobre, trazendo para Salvador uma atividade que já existia e gozava de prestígio em outras cidades e países.
O sucesso do turfe se comprovou com a abertura de um segundo local de provas, desta vez, no bairro do Rio Vermelho. Vemos que o turfe, àquela altura, mesmo ainda em sua fase inicial, já começava a se incorporar ao cotidiano da cidade. Vale citar que o bairro do Rio Vermelho, era ainda bastante distante do local do primeiro hipódromo, localizado na Boa Viagem.
Desde a inauguração, o Derby Clube do Rio Vermelho apresentava a intenção de contar com grande público, tendo para tal preparado uma estrutura que, segundo os jornais, daria conta de oferecer conforto à plateia. Também vemos a preocupação em apresentar as condições de transporte, já que o Rio Vermelho, bairro de veraneio, era de difícil acesso.
Após a inauguração do hipódromo, as notícias e análises sobre esse fato se estenderam por dias. Como exemplo, no dia 27 de maio de 1888 se noticiou a abertura e os acontecimentos mais gerais, atribuindo grande sucesso ao evento. No dia 28, foram apresentados os páreos e seus resultados.
A abertura de um novo hipódromo na cidade não significou, a princípio, que o anterior tenha interrompido suas atividades. Ao contrário, os jornais seguiam noticiando seus programas, descrevendo as provas e convidando o público a participar dos eventos. Como exemplo disso, encontramos no Diário da Bahia (4) a seguinte matéria:

no Hipódromo S. Salvador, á Boa Viagem, realiza hoje a 2ª. Corrida deste ano, tomando parte os melhores parelheiros de nosso turfe.
Abrilhantará a função a conhecida Filarmônica Carlos Gomes, que nos intervalos executará peças de seu variado repertório.

Nos jornais também eram informados alguns páreos que destinavam renda a entidades beneficentes. Apesar de todo esse sucesso na sua fase inicial, em algum momento houve um esvaziamento de matérias sobre o turfe.
No tocante a esse esporte, dentro do período estudado, Salvador merece uma análise especial. Em fins do século XIX e início do XX, a modalidade figurava na cidade. Todavia, na década de 1910, foram encontradas poucas referências que fizessem menção à existência de sua prática formal nos jornais soteropolitanos. Nesse período, esporadicamente encontramos notas sobre corridas de cavalos como uma atividade de diversão, associada a alguma festa(5).
Algumas considerações podem ser feitas sobre as razões que motivaram esse intervalo na cobertura sobre o turfe em Salvador. Sarmento (2009, p. 113) afirma que a 1ª Grande Guerra causou fortes impactos na cidade, notadamente em sua vida econômica: “a população sofria com o aumento do custo de vida, especialmente com os altos preços dos alimentos. Diversas categorias profissionais foram prejudicadas com a guerra, que aumentou o desemprego”.
Como no esporte existia o hábito das apostas, podemos inferir que a menor circulação de dinheiro pode ter gerado um desestímulo pela modalidade, em função das dificuldades em se apostar e também porque a prática era uma atividade com altos custos de manutenção do espaço e dos animais. Outra razão pode ter sido a dificuldade de deslocamento até as áreas onde se localizavam os hipódromos.
A partir da década de 1920, o esporte passou novamente a ser noticiado, com sua prática acontecendo no mesmo hipódromo dos tempos iniciais, o da Boa Viagem, e também no do Rio Vermelho.
Essa retomada do turfe em Salvador foi, em grande parte, motivada pela constituição do Jóquei Clube, no Rio Vermelho, em 1919 (LOPES, 1984), que foi reinaugurado em 1923(6), na Boa Viagem.
Tratou-se de iniciativas de membros da elite baiana, que buscavam retomar os áureos tempos da prática turfística, suplantada pelo remo e principalmente pelo futebol. As tardes de turfe, como visto, se deram no antigo Derby do Rio Vermelho. Contudo, parece mesmo que foi o Hipódromo de Boa Viagem o palco principal da retomada do turfe: “…a dedicação de certos vultos de grande valor no esporte baiano como os Srs. Alberto Catharino, Fernando Petersen, Arthur Matos, Engenheiro Gantois, Dr. Couto Maia e outros incansáveis vêm agora dotar a Bahia de importante estádio”(8), representantes da mais alta sociedade soteropolitana, interessados em fazer Salvador retomar tempos em que as tardes de turfe representavam formas valorizadas de sociabilidade, um tempo de representação de poder e status.
De tudo, importa dizer que o turfe foi, em Salvador, uma prática inconstante, sem experimentar uma forte organização na forma de clube, fato só visto na década de 1920, com a criação do Jóquei Clube. Ainda assim, poucos não foram os problemas.
Apesar desse cenário de não regularidade, a participação do público era associada a “bons” modos de comportamento, exigindo-se uma vestimenta “chique”. Ir aos hipódromos significava ver e ser visto e também, circular por entre os da elite.
Estar na rua em contato com outras pessoas, bem como saber portar-se e vestir-se eram marcas das novas “posses” das camadas detentoras de poder. Além disso, apostar e mesmo ser proprietário de animais era sinal de status e, ainda, poderia contribuir para o enriquecimento.
Por fim, foi possível identificarmos a presença do turfe na cidade, tendo sido uma atividade que gerou interesse e mobilizou a população. Ao mesmo tempo, percebemos que sua prática foi inconstante, experimentando momentos de euforia e de apagamento, decorrentes de sua maior ou menor circulação e visibilidade. Diferentes estratos da população foram envolvidos pelas corridas de cavalos, assumindo papéis diversos nesse cenário. Ainda, os espaços de seu desenvolvimento também foram diferentes, ocupando locais na cidade, bastante distantes um do outro.

Notas:

1. A Locomotiva, Salvador, 15 de janeiro de 1889, p. 41.
2. A Locomotiva, Salvador, 22 de janeiro de 1889, p. 51.
3. O Sport, Salvador, 27 de janeiro de 1889, p. 1.
4. Diário da Bahia, Salvador, 06 de abril de 1902, p. 1.
5. A Tarde, Salvador, 17 de agosto de 1915, p. 2.
6. Semana Sportiva, 28 de abril de 1923, p. 5.
7. Semana Sportiva, Salvador, 21 de abril de 1923, p. 13.

Referências:

LOPES, Licídio. O Rio Vermelho e suas tradições: memórias de Licídio Lopes. Salvador: FUNCEB, 1984.

ROCHA JUNIOR, Coriolano Pereira da. Esporte e modernidade: uma análise comparada da experiência esportiva no Rio de Janeiro e na Bahia nos anos finais do século XIX e iniciais do século XX. 2011. Tese (Doutorado em História Comparada), Programa de Pós-Graduação em História Comparada, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

SARMENTO, Sílvia Noronha. A raposa e a águia: J.J. Seabra e Rui Barbosa na política baiana da Primeira República. Dissertação (mestrado em História). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, UFBA, Salvador, 2009.

 


O esporte em Salvador: a realidade da pesquisa

02/03/2015

                                                                                                                                                                                                                                                                                    Coriolano P. da Rocha Junior

Neste blog tenho escrito sobre a história do esporte na Bahia, porém, desta vez, vou apresentar um panorama sobre o desenvolvimento das pesquisas neste tema aqui no estado.
No Brasil, os estudos sobre a história do esporte, normalmente, associam seu surgimento, sua constituição aos elementos da modernidade. Fatores como industrialização e os projetos de urbanização são apontados como indissociáveis à forma como as cidades assumiram o esporte como uma vivência. Assim, na atualidade, a maioria dos estudos em história do esporte o tem tratado como um fato, um elemento associado à modernidade. Desta maneira, esta vinculação entre esporte e modernização aponta rumos, define caminhos e elege modos de análise para as pesquisas.
A estreita vinculação entre a modernidade e seus efeitos e a constituição e alargamento das práticas esportivas na sociedade, tem por referências as pesquisas feitas a partir de cidades como São Paulo (SP) e mais ainda, o Rio de Janeiro (RJ). Tal fato se dá pela notória força destas duas no país e por toda uma gama de influências que elas exercem, direta e indiretamente. Entretanto, o cuidado deve estar em não querer analisar outras localidades a partir da realidade destas duas. É preciso entender as peculiaridades de cada uma, suas especificidades, que dão a elas maiores ou menores possibilidades de assumirem o esporte como uma prática cotidiana. E aqui, os estudos históricos são centrais, justo por nos darem a possibilidade de compreendermos a forma como se estabeleceu, ao longo dos tempos, o fenômeno esportivo em cada espaço.
Falando da Bahia e suas práticas de pesquisa, vamos encontrar um grupo ainda restrito de pesquisadores, em sua maioria, oriundos da Educação Física. Todavia, este grupo vem aumentando com o passar dos anos. Outras pessoas se juntam, outras áreas de conhecimento começam a olhar para o tema, como a própria História, para nele focarem seus estudos.
Outro fato notório é à força do tema futebol. Deste grupo de pessoas envolvidas com a pesquisa histórica, grande parte dedica seus esforços a analisar este esporte. Mas aqui também vemos se alargar os focos de estudo. Outras modalidades, outras experiências corporais, a questão escolar, os espaços de prática e gênero, são assuntos que tem surgido.
No caso baiano é possível perceber um amadurecimento desta frente de estudos, não só pelo aumento de pessoas envolvidas, mas pela diferenciação dos temas e área de origem dos interessados.
Tais mudanças ficam visíveis na constituição do simpósio temático, realizado no encontro estadual de história (no nordeste, só no da Bahia), que já aconteceu três vezes (2010, 2012 e 2014). Por mais que nos três simpósios tenhamos contado com a presença de pessoas de fora do estado, isto sempre foi uma pequena parcela, um ou dois por edição, mostrando que o tema tem mesmo atraído pesquisadores da própria Bahia. Se nas anteriores víamos uns poucos trabalhos que não falavam sobre futebol, na de 2014, este esporte aparece em minoria. Vale dizer que nos encontros nacionais, temos tido repetidamente a presença de pesquisadores da Bahia entre os apresentadores de trabalho.
Quando olhamos para os grupos de pesquisa identificamos que existem, atualmente, na Bahia, quatro grupos (o maior número do nordeste). Destes, ao menos três tem representantes em Programas de Pós-graduação. O mesmo tem se dado nas publicações em periódicos, onde temos visto as publicações de pessoas da Bahia nas principais publicações.
Um fator a se considerar ao tratarmos a Bahia é o tamanho e as possíveis diferenças de análise do tema dentro do estado. Assim, encontramos pesquisas e pesquisadores da capital e também pessoas do interior, que tem trabalhado nas interpretações do fenômeno.
As análises sobre a história do esporte na Bahia, na sua maioria, têm se associado à percepção da relação entre a constituição da modernidade e a instalação do fenômeno esportivo, todavia, não fazendo uma transposição das análises sobre RJ e SP, mas sim, buscando compreensões que tratem as particularidades locais, ou seja, são pesquisas que se atentam para as especificidades do estado, sejam elas culturais, econômicas, estruturais ou políticas.
A investigação a partir da compreensão de um projeto de modernização local, também guarda enormes diferenças em relação a outros estados, mesmo que estes tenham servido de inspiração. As realidades locais fizeram com que houvesse diferenciações, no porte, no tipo, no período de realização e no perfil dos agentes executores. Existia um mesmo desejo, mas uma diferente capacidade de execução, que redundou numa diferente realização.
Por mais que se identifique que a experiência esportiva na Bahia se iniciou em um período próximo ao do RJ e de SP, foi possível perceber foi uma descontinuidade ou ao menos, uma não linearidade na sequência da prática no estado. Desde o início com a tourada, o críquete, passando pelo turfe, pelo remo, pela vivência de práticas variadas, como natação, tênis, patinação e outras, até se chegar à dominação do futebol, o estado vivenciou alternâncias nas formas de prática, de gestão e mais, de circulação das atividades entre a população.
Tomando por base as pesquisas realizadas, identificamos que as fontes centrais têm sido os jornais de circulação diária, notadamente os da capital e mais ainda, dois em específico, o Diário de Notícias e o A Tarde, por serem considerados os principais e os que mais lidam com as questões de cotidiano e claro, aqui, falamos da transição entre o século XIX e o XX, período base dos estudos sobre a instalação do esporte. A importância destes dois jornais se consolida com a publicação de produções específicas sobre eles, em áreas diferentes.
Também encontramos dados que tratam de forma crítica o que é mostrado pelos memorialistas, principalmente Geraldo da Costa Leal e Mário Gama. Fonte importante são as revistas de costumes e de cultura. Estas, na Bahia, surgiram com uma qualidade de edição importante, com o uso de imagens, retratando o esporte e suas repercussões de maneira constante, com colunas específicas, tendo inclusive, em alguns casos, adotado a prática na extensão de seus nomes.
Pouca documentação oficial tem sido usada como fonte, a mais recorrente é a edição especial do Diário Oficial do estado, publicada no centenário de independência da Bahia, em 1923. Embora seja recorrente o aparecimento de imagens nas pesquisas, estas aparecem como ilustrativas, não conseguimos identificar nenhum estudo iconográfico. O uso de fontes orais é bem limitado, quase nenhum. Na literatura de base, encontramos uma presença grande de estudos do Programa de Pós-graduação da Arquitetura, que tem uma linha que trabalha com a história da cidade e também, dos Programas de Pós-graduação em História. Nestes dois casos, não encontramos referências ao esporte, mas sempre, a cidade, seu desenvolvimento e em alguns poucos casos, a experiências corporais como a dança, como prática social e a capoeira.
Sobre as fontes, sua descoberta e seu uso, devemos relatar a difícil condição enfrentada no estado, que claro, não deve ser única. Temos três principais centros de acesso a fontes (Biblioteca Pública do Estado; Arquivo Público e Biblioteca do Instituto Geográfico e Histórico). Estes enfrentam grandes dificuldades estruturais e de conservação das fontes. Não há nenhum tipo de tratamento especializado, fazendo com que revistas e jornais se percam com o próprio uso. Afora isto, percebemos uma descontinuidade no tratamento do tema e ainda, devemos falar de um bombardeio no que era a sede da Biblioteca Central em 1912, fazendo com que ocorresse uma perda estimada de 70% do que ali estava guardado.
Ainda sobre a Bahia, podemos dizer que estudos que tratam de outros lugares do Nordeste colocam que a experiência baiana serviu de modelo para seus contatos com o esporte, inspirando as práticas e as formas de contato com elas.
Por fim, cremos que a partir de um panorama geral, foi possível abordar as questões específicas da pesquisa em história do esporte na Bahia, nossa intenção central, trabalhando suas especificidades.


O TURFE EM SALVADOR

29/09/2013

            Coriolano P. da Rocha Junior

            Neste blog tenho tratado da prática esportiva e sua história na Bahia. Hoje, mais uma vez farei isso e para tanto, vou me ocupar de um esporte que na atualidade não tem tanta repercussão, mas que e fundamental para a constituição desta prática social no Brasil.

            No país, o turfe, desde suas origens, assumiu o papel de agente civilizador, criando uma dinâmica na qual as pessoas poderiam acompanhar uma atividade cultuada na Europa, mesmo sem praticá-la diretamente. No caso de Salvador, o turfe simbolizava uma civilidade que começava a ser pensada, sem ser um rompimento absoluto com as características da sociedade que existia.

            No turfe, vimos a coexistência entre o aspecto rural e o urbano, tendo sido o esporte um exemplo de transição. Aspirava-se a uma modernização; todavia, a cidade ainda guardava ares rurais. Assim, a modalidade, mesmo que se organizasse segundo preceitos modernos, tinha suas bases assentadas em uma lógica rural, demonstrando a ambiguidade da modernidade, gerando não uma cisão, mas uma acomodação entre continuidade e mudança.

            Por ter sido o primeiro esporte a apresentar uma estrutura mais organizada, o turfe acabou sendo uma referência para as práticas que o sucederam. Dele foram usados como modelo, normas, regulamentos, termos, tipos de provas e até mesmo as instalações e o uso e controle do tempo.

            Em Salvador, entre fins do século XIX e início do XX, o turfe aparecia na cidade. Todavia, na década de 1910, foram encontradas poucas referências que fizessem menção à existência de sua prática formal nos jornais soteropolitanos. Já na década de 1920, a revista Artes e Artistas[1], na seção Sportivas, trazia constantemente notícias sobre o turfe, como esta: “para a corrida de hoje no Hypodromo da Boa Viagem, a directoria organizou o seguinte programma”. A coluna apresentava ainda palpites para os páreos. A edição seguinte[2] trouxe esta matéria:

realizou-se no domingo último, mais uma excellente corrida no prado da Boa Viagem. A assistência regular estava um pouco apprehensiva com os novos parelheiros que tomavam parte em diversos pareos e marcava seus predilectos nas combinações das duplas e a proporção que iam se succedendo os pareos ella via com desgosto e surpreza a derrocada de seus palpites em proveitos dos novos dentre os quaes fez uma bonita figura o Patusco, que venceu em dois pareos.

             No que toca as notícias sobre o esporte, na década de 1910, se viu nos principais jornais diários um vazio sobre a modalidade. Nesse período, encontramos esporadicamente notas sobre corridas de cavalos, como uma atividade de diversão, associada a alguma festa[3]. A partir da década de 1920, o esporte passou novamente a ser noticiado, com sua prática concentrada no mesmo hipódromo dos tempos iniciais (o da Boa Viagem).

            Algumas considerações podem ser feitas sobre as razões que motivaram esse intervalo na cobertura sobre o turfe em Salvador. É sabido que a 1ª Grande Guerra causou fortes impactos na cidade, notadamente em sua vida econômica, pois a população sofreu com a elevação do custo de vida, várias categorias profissionais tiveram prejuízo e claro, houve aumento do desemprego, enfim, várias mazelas sociais aconteceram em decorrência da Guerra. Como no esporte existia o hábito das apostas, podemos inferir que a menor circulação de dinheiro pode ter gerado um desestímulo pela modalidade, em função das dificuldades em se apostar e ainda, pela prática ser uma atividade com altos custos de manutenção de seu espaço e dos animais.

            Com relação às apostas é importante dizer que essas sofreram, em Salvador, uma campanha contrária por parte de alguns jornais. Eles noticiavam o quanto esse hábito desencaminharia as boas almas e as boas famílias soteropolitanas, podendo ser esse um fator da não alusão ao turfe em suas páginas. Outra razão pode ter sido a dificuldade de deslocamento até a área do Bairro da Boa Viagem. Também, os jornais do período eram veículos de notícias vinculados a forças políticas locais e, portanto, tinham na própria política seu tema de interesse. Assim, essa pode também ter sido uma causa da diminuição ou desaparecimento do tema turfe nas páginas dos jornais. Além disso, o reduzido número de revistas pode ter sido mais um fator.

            De toda forma, apresentamos apenas algumas interpretações para esse dado, importando dizer que o turfe foi, em Salvador, uma prática inconstante e de caráter tópico, sem experimentar uma forte organização na forma de clube. Assinalamos que a participação do público no turfe era associada a “bons” modos de comportamento, exigindo-se uma vestimenta “chique”. Ir aos hipódromos para ver e ser visto circular por entre os da elite era fato comum.

            Enfim, vivia-se nas atividades de turfe um cenário de socialização típico dos adventos da modernidade. Estar na rua em contato com outras pessoas, bem como saber portar-se e vestir-se eram marcas das novas “posses” das camadas detentoras de poder. Além disso, apostar e mesmo ser proprietário de animais simbolizava poder financeiro – e ainda poderia contribuir para o enriquecimento. Eis dois exemplos sobre o estar num evento de turfe:

no Hyppodromo S. Salvador realisarse-á, no domingo próximo, uma importante corrida, em beneficio da Sociedade S. Vicente de Paulo, uma das mais bem conceituadas instituições de caridade deste estado. Comparecerão as principaes autoridades civis e militares, além de muitas famílias que vão levar o seu valioso concurso para o bom êxito de tão importante festa, cujo fim é todo de caridade e amor á pobreza. Tocarão durante a festa seis bandas de música: a do 9º batalhão de infantaria, as do 1º e 2º corpos de polícia e as philarmonicas: Lyra de Appollo, órphãos de São Joaquim e Lyra S. Vicente de Paulo.[4]

realisou-se, domingo passado, a corrida extraordinária no Hippodromo S. Salvador, em benefício da revista leituras religiosas. As archibancadas estiveram muito movimentadas, notando-se muitas exmas. famílias. Foram disputados com vantagem todos os páreos, exhibindo-se excelentes parelheiros, producto de Matta de S. João.[5]

             A partir do que vimos, podemos identificara as formas de participação e envolvimento da sociedade soteropolitana com o turfe, deixando ver o quanto esta prática, no período assinalado, se inseria no cotidiano local, sendo uma atividade de diversão e ocupação, um esporte que se inseriu naquele que foi um dos projetos de urbanização da cidade, mesmo que ainda tivesse uma base rural, representando a ambiguidade da configuração da modernidade.


[1]Revista Artes e Artistas, anno II, número 43, 1923, p.10.

[2]Revista Artes e Artistas, anno II, número 44, 1923, p.12.

[3]A Tarde, 17 de agosto de 1915, p.2.

[4]Diário da Bahia, 12 de setembro de 1902, p.1.

[5]Diário da Bahia, 16 de julho de 1902, p.1.


AS RELAÇÕES ENTRE OS GOVERNOS E A CONSTITUIÇÃO DO ESPORTE NA BAHIA

10/06/2013

          Coriolano P. da Rocha Junior

         Foi entre fins do século XIX e início do século XX que o esporte viveu sua fase de implantação e busca de consolidação de sua prática, como uma experiência corporal que representava os ideais da modernidade. Por conta disso, foi nesse período que se constituíram as primeiras iniciativas de ligação entre a atividade esportiva e a classe política, vista na figura de seus maiores representantes. Nesse contexto, ao falarmos da Bahia, nos centraremos na figura do Governador J.J. Seabra.

O estabelecimento da existência ou não de uma relação entre a classe política e a prática esportiva pode ser vista no envolvimento direto dos políticos com as atividades, ou numa convivência mediada pelas entidades dirigentes. Assim, entender o papel da participação política, na constituição do esporte nas cidades pode ajudar a análise do próprio desenvolvimento esportivo de Salvador.

            Ao analisarmos as relações do poder político com o esporte, identificamos que na Bahia, J.J. Seabra não foi muito atuante, sem desenvolver ações que tenham efetivamente favorecido o desenvolvimento esportivo, notadamente em seu primeiro governo.

            Em Salvador, o que observamos foi um vazio de ações do poder público em relação às atividades esportivas. Em todo o processo referente ao início e efetivação da prática das modalidades em Salvador, pouco ou nada se viu de participação do governo estadual de J.J. Seabra, por mais que o Governador também estivesse executando seu projeto de modernização para a Bahia (mais fortemente em Salvador).

            Se tomarmos por referência que, para a Bahia e todo o Brasil, o Rio de Janeiro foi o modelo de modernização a ser seguido, e acrescentarmos a própria experiência de J.J.Seabra em terras cariocas, onde viveu e atuou como ministro, fica ainda mais evidente a ausência de qualquer ação do Governador baiano que tenha contribuído com o esporte, ou mesmo que dele fizesse uso.

            O fato de alguns clubes terem como fundadores membros da elite baiana, notadamente a pequena elite burguesa urbana de Salvador, que assim como o Governador desejava modernizar Salvador, nos leva a pensar que J.J. Seabra poderia estabelecer uma proximidade com o esporte, desenvolvendo algumas ações que colaborassem com sua prática, fato que não se deu.

            O máximo que podemos considerar acerca das iniciativas de J.J Seabra que, em algum aspecto, favoreceram o esporte foram as próprias obras de remodelamento e reforma urbana por ele empreendidas e isso, por conta do fato dos participantes das equipes esportivas locais fazerem uso de alguns desses espaços para seus treinos e/ou jogos. Ou seja, eram benefícios indiretos, já que as obras não tinham por fim o esporte, principalmente se considerarmos que esses espaços, a princípio, não deveriam ser usados para o esporte, e sim deveriam servir à municipalidade para fins de ocupação, mobilidade ou deleite.

            Esse afastamento do Governador da Bahia do esporte aconteceu mesmo que os clubes, principalmente os de remo, operassem iniciativas de aproximação. Durante as regatas, que eram verdadeiras cerimônias, eventos sociais relevantes para a cidade, quase sempre havia um páreo com seu nome. Tal fato, além de simbolizar uma homenagem, também pode ser vista como uma forma dos clubes e da própria federação se aproximarem do poder público. Todavia, nem com isso Seabra desviou seus olhares diretamente para o esporte.

O máximo que se viu foi o Governador mandar confeccionar troféus ou medalhas para os vencedores do páreo em seu nome. Contudo, sequer comparecia ao evento, enviando sempre um representante, por mais que as regatas, à época, fossem um palco de celebração de uma modernidade onde a elite baiana, incluindo as mulheres, se fazia presente, assim como os populares.

Sendo assim, podemos considerar que os esportes na Bahia não alcançaram o mesmo nível de desenvolvimento do Rio de Janeiro. Dentre as causas, foi perceptível a falta de apoio à prática esportiva, seja com um financiamento direto ou com apoio político mais extenso.


JORNAL A TARDE E A REPRESENTAÇÃO DO ESPORTE NA BAHIA

22/10/2012

Coriolano P. da Rocha Junior

     O jornal A Tarde comemora em 2012, 100 anos de sua fundação. Assim, ele passa a fazer parte de um pequeno grupo de jornais brasileiros que chegaram à marca de um século contínuo de publicação. Ao todo, são 25 jornais que podem desfrutar desta marca e destes, apenas 03 estão no nordeste. Foi no último dia 15 de outubro que o A Tarde alcançou esta marca.

   Desde sua criação em 1912, o jornal A Tarde passou a fazer parte do cenário baiano, mais fortemente do soteropolitano. Criado pelo Sr. Ernesto Simões Filho, que procurou trazer para terras baianas os moldes de produções jornalísticas já existentes, principalmente no Rio de Janeiro. Seu nome, A Tarde, se deve ao fato de que em seu início, sua circulação era vespertina.

      No momento de sua fundação existiam na cidade de Salvador outros 06 jornais, que eram: Jornal de Noticias, Diário da Bahia, Diário de Noticias, Gazeta do Povo, A Bahia e Diário da Tarde. Assim, o A Tarde entrou num cenário de disputas pela preferência dos leitores da cidade de Salvador. Para ganhar destaque, o jornal desde cedo apostou na tecnologia e na busca por uma qualidade gráfica e no uso de imagens, lançando-se como um jornal “moderno”, sintonizado com os adventos do projeto de modernidade que o governo estadual de J.J.Seabra procurava implantar na cidade.

      Outro ponto de destaque do jornal foi à construção de sua famosa sede, localizada na Praça Castro Alves, que acabou se tornando um importante e marcante prédio no cenário urbano da cidade de Salvador. Esta edificação já não é mais utilizada, mas continua a existir e a se destacar na cidade.

      No momento da fundação do jornal, seu fundador Ernesto Simões Filho alinhava-se ao poder estadual, apoiando o governo de J.J.Seabra, todavia, em pouco tempo, esta união se esfacelou, passando o jornal a fazer oposição ao governador. Mais a frente, Ernesto Simões Filho assumiu uma carreira política. O jornal, desde cedo, mostrou-se uma importante personagem no jogo político baiano, assumindo o papel de representação ideológica e de interesses de grupos na Bahia, fato que não é exclusivo do A Tarde. Como já dito, desde suas primeiras matérias o jornal procurou representar os desejos de parte da sociedade baiana por um projeto de modernidade e aí, o esporte ganhou importância.

        O esporte, como uma das representações do projeto baiano de modernidade, desde as primeiras edições ocupou as páginas do jornal A Tarde, contando inclusive com a publicação de fotos dos eventos esportivos. O jornal publicava matérias onde destacava a importância do esporte na formação da sociedade baiana, caracterizando-o como um bom hábito, uma boa prática, que só faria melhorar a formação da população, dando a ela a oportunidade de conviver com o que havia de melhor em terras europeias.

      Eram comuns no jornal matérias de destaque, inclusive na primeira página, sobre as práticas esportivas em Salvador. Eram anunciadas a fundação de clubes, de entidades, os acontecimentos, os resultados e ainda, eram escritos textos que procuravam tratar o esporte.

      Exemplo é esta matéria em que o jornal questionava a si e aos leitores as razões do possível abandono do críquete na cidade: “não sabemos porque motivo ficou inteiramente abandonado pelos nossos sportmen, o interessante e nobre jogo inglês, o cricket. A Bahia, teve nesse jogo, a muitos annos, sua primeira manifestação sportiva[1].

    Como um novo hábito, o jornal também escrevia notas sobre as formas da população se comportar nos espaços esportivos: “mais uma vez recomendamos aos que forem por mar assistir a regata de domingo vindouro, não ancorarem suas embarcações no meio da raia, nem cortarem-na na hora do pareo”[2].

       Sobre o futebol, esporte que logo ganhou popularidade o jornal apresentava distintas compreensões, veja:

 moradores à Rua Ferreira França, ao Polytheama, estão inhibidos de chegar as jannelas das respectivas residências, porque garotos, de manhã a noite, jogam bola, com uma gritaria infernal, com gestos e palavras obscenas. Os guarda civis que ali fazem seu quarto de policiamento, não tem ouvidos para ouvir taes offensas a moral e nem energia para cohibilos ao jogo perene.[3]

       Em outra matéria, o A Tarde faz alusão ao futebol como uma boa prática para a juventude:

conforme tinha sido previamente annunciado, realisou-se, hontem, no ground do Rio Vermelho, o match acima refererido [Estudantes x Benjamin Constant], e sua assistência foi numerosa e distincta, apezar de ser um dia útil, o que prova que a nossa população já se vae educando, com a nossa viva satisfação, a este gênero de sport, cultivado em todos os centros adiantados[4].

       Não foi apenas na modelação do jornal que o A Tarde tinha o Rio de Janeiro como referência, também na própria forma de tratar o esporte, se fazia alusão ao então Dsitrito Federal:

entre nós, houve um homem que soube comprehender a necessidade de auxiliar o sport, concorrendo com grandes donativos e emprehendimentos, quando dirigiu os negócios públicos. Foi elle o reformador do Rio de Janeiro, o benemérito prefeito Pereira Passos.[5

     Interessa destacar, neste momento, que o A Tarde, como um importante jornal soteropolitano, desde sua fundação, teve no esporte um de seus temas, dando as práticas esportivas destaque, com um tratamento relevante em suas páginas e manchetes.

     Assim, no ano em que se celebra seu centenário, julgamos de valor abordar o esporte como um elemento das matérias do A Tarde, uma homenagem ao esporte como um fenômeno social e ao jornal, por sua importância para o estado da Bahia.


[1]A Tarde, 08 de novembro de 1912, p. 2.

[2]A Tarde, 24 de outubro de 1912, p.2.

[3]A Tarde, 08 de dezembro de 1914, p.2.

[4]A Tarde, 30 de setembro de 1914, p.3.

[5]A Tarde, 15 de outubro de 1912, p.2.


Touradas em Salvador

12/03/2012

Por: Coriolano P. da Rocha Junior

             A tourada, uma prática conhecida e de importância na Europa desde muito tempo, notadamente na Espanha e em Portugal (ainda que com diferenças em sua organização), também se organizou por terras baianas.

          Na atualidade (ao menos brasileira), as touradas não são classificadas como esporte e sofrem perseguições de entidades protetoras de animais e órgãos de justiça. Todavia, entre meados do século XIX e o início do século XX, a tourada foi sim uma atividade de interesse para o público.

             No Brasil, as touradas foram realizadas desde o período colonial e eram presença efetiva nas festas públicas, como as promovidas pela corte. Ott (1955) e Silva (1957), ao tratarem de Salvador, apresentam as mesmas observações sobre a presença das touradas: existiam desde o império e faziam parte das festas, acontecendo em praças que eram, naquele momento, sítios importantes e de convivência das pessoas.

         Segundo Silva (1957): “tauromáquia, antiquissima em nosso meio, porque praticada desde os primeiros tempos desta cidade, representou assim e durante três centúrias seguidas, o seu principal divertimento” (p.17). Como exemplo disso, o Correio de Notícias[1] trazia a seguinte nota: “esta sociedade philarmonica vae realisar amanhan beneficio com uma tourada no Derby-Club do Rio Vermelho”.

           As críticas às touradas como práticas de diversão ganhavam peso na mesma medida em que crescia nas cidades um apelo à modernidade. Dessa forma, dentro desse processo ambíguo de constituição da modernidade e diante de resistências, em Salvador, as touradas continuaram a existir, contando inclusive com a presença feminina, na platéia ou na condição de toureira[2].

a senhorita Josefa Mola, intreída e sympathica toureira, mais conhecida, nos redondéis como hespanhóes, portuguezes, mexicanos e do sul da República por La Pepita. A notícia da estréa da senhorita Josefa Meola e a promessa de attrahentes sortes, feita nos cartazes, levou ao redondel do Largo de Nazareth animadora e selecta concorrência, no domingo último. Desta feita, bem no meio do sol havia um claro enorme e a sombra regorgitava de sombrinhas e sombreros, de cores e feitios diversos, predominando, porém, os tons claros e o indefectível matiz da moda – violeta. [..] Pouco depois, saia o 1º touro, portuguez, para o diretor da praça, que o aproveitou com boa arte, cravando quatro ferros largos, dos quaes 3 muito bem citados e rematados. A fera foi bem recebida por um bom salto de vara pelo Angelo. […] Afinal, para que o animalejo não recolhesse ao touril sem um pallitos, Minuto, que capeava para a corajosa Pepita, poz-lhe um par de bandarilhas, muito regulares e deixou-o ir, pinoetando, de bocca escancellada e língua pendente… Substitui-o um outro, ligeiro, que não queria cumprir, a despeito dos esforços da Senhorita Josefa Mola e que entretanto achou geito de colher a sympathisada matadora junto da trincheira, lançando-a por terra e pisando-a. Soccorrida, num segundo, pelo Minuto, e por outros peões, volveu a lide, cravando bom par de ferros na fera e executando a sorte, muito limpa, da morte simulada[3].

          Outro exemplo é:

o redondel do Largo de Nazareth alindou-se para a festa do sempre querido Club de Natação e Regatas S. Salvador; e mui acertadamente, porque raríssimas vezes apanhará tamanha concorrência. Feitas as cortezias, o sr. Major da Joaquim da Costa Freitas, que servia de intelligente, ordenou a saída do 1º touro, portuguez, para o cavalleiro Adelino Raposo, que, offerecendo a sorte ao Presidente da Federação e do S. Salvador, cravou com arte 4 ferros, sendo que o último, curto de palmo, arrancou prolongado palmeio á assistencia[4].

          Ainda, Silva afirma que ” Pessoas existem entre nós e não poucas que presenciaram touradas entre 1904 e 1908 no Largo de Nazaré num campo situado nos fundos do atual Ginásio São Salvador e possivelmente no Largo do Barbalho (1957, p.22)[5]“.

          Vemos então, que quando a cidade procurava se modernizar, a tourada – prática associada a valores considerados “atrasados” e identificados com a ideia de um Brasil colonial, por possuir características rurais e fazer uso de animais –, existiu e teve relevância. A tourada, mesmo representando o “velho” e antiquado tinha apelo popular e também era de interesse das elites rurais. Assim, a tourada foi uma prática que por muito tempo foi uma prática cultural importante na cidade.

Referências:

OTT, Carlos B. Formação e evolução étnica da cidade do Salvador – Tomo I. Salvador: Prefeitura Municipal de Salvador – Tipografia Marú Editora, 1955.

SILVA, Alberto. A cidade do Salvador: aspectos seculares. Salvador: Livraria Progresso Editora, 1957.


[1]Correio de Notícias, 15 de julho de 1898, p.1.

[2]Revista do Brasil, 15 de março de 1908, ano II, n. 12, p.28, 15 de abril de 1908, ano. II, n.14, p.24 e 30 de abril de 1908, ano III, n.15, p.9.

[3]Revista do Brasil, 15 de março de 1908, ano II, n. 12, p. 28.

[4]Revista do Brasil, 15 de abril de 1908, Ano II, n. 14, p. 24.

[5]Matérias em jornais também trazem o Derby do Rio Vermelho como um local de touradas neste período.