Por Ricardo Pinto dos Santos (Doutor em História)
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Bastou um famoso fazer alguma coisa para chover pessoas fazendo igual. O problema, nesse caso, é que ninguém parou para refletir o que efetivamente estavam fazendo. Sobre o que estou falando? me explico.
Nesta última semana o jogador do Barcelona, Daniel Alves, durante uma partida contra o Villarreal foi, mais uma vez, insultado quando um torcedor da equipe adversária jogou uma banana em sua direção. Dani Alves, como é conhecido na Espanha, em puro reflexo pegou a banana e comeu. Ok. até aí, tudo bem. A resposta do jogador pegou todo mundo de surpresa e, sem a pretensão aparente de levantar nenhuma bandeira, o jogador fez o racismo, mais uma vez emergir como tema central da semana.
Para além da sagacidade do jogador, a atitude demonstrou, de certa forma, que ele deseja abstrair sobre a questão, visto que, como ele mesmo disse, já sofre com isso, naquele país, a pelo menos 10 anos. Depois do ocorrido, no mesmo dia, Neymar, também jogador do Barcelona, postou uma foto em que, junto com o seu filho, com uma banana na mão, diz que #todossomosmacacos.
A partir deste momento, não precisa ser um gênio para adivinhar, milhares de outras pessoas, famosas ou não, começaram a postar fotos em que reproduziam a mesma frase. Ou seja, TODOS SOMOS MACACOS.
Não me recordo ter faltado as minhas aulas de biologia, tampouco as minhas aulas de história da humanidade. Assim, diante das minhas primeiras conclusões, posso afirmar que EU NÃO SOU UM MACACO. Mais do que isso, os africanos não são macacos, os negros não são macacos e, por fim, macaco é macaco. Parece simples, mas, diante de tudo que vem acontecendo, achei pertinente começar pelas questões mais básicas e colocar as coisas, ou melhor, as pessoas e os animais, nos seus devidos lugares.
Compreendo que a sátira, a comédia, o desdém, o desprezo e tantas outras ações e sentimentos, que fazem parte das nossas humanidades, possam ser utilizadas em ações de questionamentos e lutas. Reconheço até que, diante de toda a nossa potencialidade e complexidade, os caminhos por nós escolhidos são tão múltiplos que não caberia aqui tentar explicar ou definir o melhor dentre eles. No entanto, queridos amigos, RACISMO É COISA SÉRIA e, frente a essa certeza, precisamos ajustar algumas coisas.
Não vai ser uma porção MEMES (imagens que se reproduzem de forma viral na internet) que farão as coisas mudarem. Talvez surja um constrangimento aqui ou acolá, por parte da equipe e de alguns torcedores. Mas, decididamente, não podemos banalizar o debate e encarar essas ações como sendo algo efetivo na luta contra o racismo. Afinal, depois de tantos e tantos anos de racismo já é hora de levarmos essas questões mais a sério e buscarmos ações efetivas contra essa situação que, não só no esporte, atinge o mundo.
Temos que exigir que as Instituições (CBF, FIFA, BARCELONA, VILLARREAL, LIGA EUROPÉIA E ESTADOS) se pronunciem e ajam. Acima de tudo, que o façam de forma séria, contundente, severa. Afinal, a impunidade sempre foi a grande engrenagem de ações como essa. Se consideramos o racismo um mal a ser combatido temos que agir e não vai ser percorrendo o caminho que nos deram, o da submissão, o do deixa disso, que iremos avançar em questões tão sérias e imediatas.
Há um discurso, que ainda prevalece na Europa em geral, de que somos “macacos” e, como consequência, menores nas nossas humanidades. Não podemos confirmar isso. Não podemos responder a tal agressão com campanhas vazias que, claramente, não buscam nenhum objetivo. Gritar aos quatro ventos que todos somos macacos, além de um equívoco formal, confirma a tese colocada pelos europeus e, fundamentalmente, não ajuda as vitimas do racismo.
Mais uma vez, a nossa superficialidade nos coloca um passo a frente diante de um precipício. Caímos todos, quando na verdade era preciso agir de forma mais inteligente e profunda.
Luciano Hulk, ao contrário de nós, mostrou sagacidade e toda a sua veia para os negócios. Um dos primeiros a postar uma foto com uma banana, momentos depois do ocorrido passa a vender em sua marca uma camisa com a frase Todos somos Macacos (R$ 69,00). Nesse caso, para quem o tema nunca foi uma questão é até compreensível que o episódio se torne apenas uma fonte de lucro. Assim é o capitalismo. Do mesmo modo que o rosto do Che figura em tantos utensílios, o mais cruel anti-capitalista acabará virando uma camiseta.
Diante da superficialidade e do esvaziamento do debate, não podemos deixar que nos escape mais uma grande oportunidade de agirmos, efetivamente, contra o racismo. Nos acovardamos, nossas instituições se acovardam e achamos, todos, que basta alguns gritos desesperados, entrarmos com algumas faixas em campo, ou mesmo um desprezo adequado, para as questões serem resolvidas. Não, não basta. É preciso educar, é preciso reagir com firmeza, é preciso punir.
Enfim, NÃO SOU UM MACACO. Mas, tenho certeza que alguns torcedores do Villarreal são uns verdadeiros imbecis.
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