NÃO SOU UM MACACO….

01/05/2014

Por Ricardo Pinto dos Santos (Doutor em História)

.

Bastou um famoso fazer alguma coisa para chover pessoas fazendo igual. O problema, nesse caso, é que ninguém parou para refletir o que efetivamente estavam fazendo. Sobre o que estou falando? me explico.

Nesta última semana o jogador do Barcelona, Daniel Alves, durante uma partida contra o Villarreal foi, mais uma vez, insultado quando um torcedor da equipe adversária jogou uma banana em sua direção. Dani Alves, como é conhecido na Espanha, em puro reflexo pegou a banana e comeu. Ok. até aí, tudo bem. A resposta do jogador pegou todo mundo de surpresa e, sem a pretensão aparente de levantar nenhuma bandeira, o jogador fez o racismo, mais uma vez emergir como tema central da semana.

Para além da sagacidade do jogador, a atitude demonstrou, de certa forma, que ele deseja abstrair sobre a questão, visto que, como ele mesmo disse, já sofre com isso, naquele país, a pelo menos 10 anos. Depois do ocorrido, no mesmo dia, Neymar, também jogador do Barcelona, postou uma foto em que, junto com o seu filho, com uma banana na mão, diz que #todossomosmacacos.

A partir deste momento, não precisa ser um gênio para adivinhar, milhares de outras pessoas, famosas ou não, começaram a postar fotos em que reproduziam a mesma frase. Ou seja, TODOS SOMOS MACACOS.

Não me recordo ter faltado as minhas aulas de biologia, tampouco as minhas aulas de história da humanidade. Assim, diante das minhas primeiras conclusões, posso afirmar que EU NÃO SOU UM MACACO. Mais do que isso, os africanos não são macacos, os negros não são macacos e, por fim, macaco é macaco. Parece simples, mas, diante de tudo que vem acontecendo, achei pertinente começar pelas questões mais básicas e colocar as coisas, ou melhor, as pessoas e os animais, nos seus devidos lugares.

Compreendo que a sátira, a comédia, o desdém, o desprezo e tantas outras ações e sentimentos, que fazem parte das nossas humanidades, possam ser utilizadas em ações de questionamentos e lutas. Reconheço até que, diante de toda a nossa potencialidade e complexidade, os caminhos por nós escolhidos são tão múltiplos que não caberia aqui tentar explicar ou definir o melhor dentre eles. No entanto, queridos amigos, RACISMO É COISA SÉRIA e, frente a essa certeza, precisamos ajustar algumas coisas.

Não vai ser uma porção MEMES (imagens que se reproduzem de forma viral na internet) que farão as coisas mudarem. Talvez surja um constrangimento aqui ou acolá,  por parte da equipe e de alguns torcedores. Mas, decididamente, não podemos banalizar o debate e encarar essas ações como sendo algo efetivo na luta contra o racismo. Afinal, depois de tantos e tantos anos de racismo já é hora de levarmos essas questões mais a sério e buscarmos ações efetivas contra essa situação que, não só no esporte, atinge o mundo.

Temos que exigir que as Instituições (CBF, FIFA, BARCELONA, VILLARREAL, LIGA EUROPÉIA E ESTADOS) se pronunciem e ajam. Acima de tudo, que o façam de forma séria, contundente, severa. Afinal, a impunidade sempre foi a grande engrenagem de ações como essa. Se consideramos o racismo um mal a ser combatido temos que agir e não vai ser percorrendo o caminho que nos deram, o da submissão, o do deixa disso, que iremos avançar em questões tão sérias e imediatas.

Há um discurso, que ainda prevalece na Europa em geral, de que somos “macacos” e, como consequência, menores nas nossas humanidades. Não podemos confirmar isso. Não podemos responder a tal agressão com campanhas vazias que, claramente, não buscam nenhum objetivo. Gritar aos quatro ventos que todos somos macacos, além de um equívoco formal, confirma a tese colocada pelos europeus e, fundamentalmente, não ajuda as vitimas do racismo.

Mais uma vez, a nossa superficialidade nos coloca um passo a frente diante de um precipício. Caímos todos, quando na verdade era preciso agir de forma mais inteligente e profunda.

Luciano Hulk, ao contrário de nós, mostrou sagacidade e toda a sua veia para os negócios. Um dos primeiros a postar uma foto com uma banana, momentos depois do ocorrido passa a vender em sua marca uma camisa com a frase Todos somos Macacos (R$ 69,00). Nesse caso, para quem o tema nunca foi uma questão é até compreensível que o episódio se torne apenas uma fonte de lucro. Assim é o capitalismo. Do mesmo modo que o rosto do Che figura em tantos utensílios, o mais cruel anti-capitalista acabará virando uma camiseta.

Diante da superficialidade e do esvaziamento do debate, não podemos deixar que nos escape mais uma grande oportunidade de agirmos, efetivamente, contra o racismo. Nos acovardamos, nossas instituições se acovardam e achamos, todos, que basta alguns gritos desesperados, entrarmos com algumas faixas em campo, ou mesmo um desprezo adequado, para as questões serem resolvidas. Não, não basta. É preciso educar, é preciso reagir com firmeza, é preciso punir.

Enfim, NÃO SOU UM MACACO. Mas, tenho certeza que alguns torcedores do Villarreal são uns verdadeiros imbecis.

.


Jogos Abertos Femininos (1954-1963): espaço de visibilidade para as mulheres gaúchas

06/04/2014

por Silvana Vilodre Goellner

.

Os Jogos Abertos Femininos foram realizados em Porto Alegre entre os anos de 1954 a 1963 com o objetivo de incentivar as mulheres à prática de esportes assim como dar visibilidade aos clubes e agremiações do Estado.   Idealizados pelo jornalista Túlio de Rose e pelo Jornal Folha da Tarde mantinham um caráter festivo  que envolvia  clubes de Porto Alegre e  de diversas cidades do Rio Grande do Sul.

As competições geralmente aconteciam durante o período de uma semana em diferentes locais de Porto Alegre, sobretudo, no clubes e em alguns espaços públicos. A cerimônia de abertura era realizada no estádio da Sociedade de Ginástica Porto Alegre (SOGIPA) que comportava mais de 30 mil espectadores, o que foi  insuficiente para  alojar o público presente na abertura dos Jogos no ano de 1959. Essa cerimônia acontecia seguindo o mesmo roteiro em todas as adições e contava com o tradicional Desfile de Abertura no qual todos os clubes participantes apresentavam suas atletas. Após o desfile  dos clubes e das atletas participantes acontecia o hasteamento das bandeiras  ao som o  Hino Nacional, a proclamação  do  juramento  feita por uma  atleta escolhida pela organização do evento e, por fim,  o desfile em carro aberto da Rainha e das Princesas  dos Jogos.

.

Abertura dos Jogos Abertos Femininos de 1957 Fonte: Jornal Folha da Tarde

Abertura dos Jogos Abertos Femininos de 1957
Fonte: Jornal Folha da Tarde

.

 A programação apresentava competições em várias modalidades tais como atletismo, arco e flecha, ginástica, ciclismo, esgrima, hipismo, natação, basquete, saltos ornamentais, tênis, lance livre, voleibol, bolão, golfe, remo, regata à vela, pesca, tênis de mesa, bridge, tiro ao alvo, entre outras. Algumas dessas modalidades tais como o tênis, a natação, o atletismo e o voleibol   tinham certo destaque em função de já existirem equipes e competições consolidadas no estado do Rio Grande do Sul.

.

Pesca. Jogos Abertos Femininos de 1960 Fonte: Folha da Tarde

Pesca. Jogos Abertos Femininos de 1960
Fonte: Folha da Tarde

.

A competição previa a premiação da Atleta Destaque cujo critério principal para a escolha era a participação no maior número de modalidades. Diná Pettenuzzo Santiago, uma participante dos Jogos assim se refere ao evento: “tínhamos a oportunidade de fazer coisas que a gente não fazia, como por exemplo, pescar, jogar pingue-pongue, bocha, atletismo, a gente se metia em tudo, às vezes nem sabíamos muita coisa, mas íamos pelo clube,  primeiro para auxiliar e para clube ter representação e segundo pra tentar ganhar, e quem sabe ser escolhida a atleta dos jogos” (2002, p. 6).

.

Diná Pettenuzzo Santiago em entrevista ao Centro de Memória do Esporte (2006) Fonte: Centro de Memória do Esporte

Diná Pettenuzzo Santiago em entrevista ao Centro de Memória do Esporte (2006)
Fonte: Centro de Memória do Esporte

.

Em um tempo no qual o esporte não era observado como possibilidade de carreira profissional para as mulheres, os Jogos Abertos Femininos deram visibilidade às praticas corporais e esportivas como um espaço de  sociabilidade das mulheres das elites.  Vale lembrar que para participar da competição  havia a necessidade de pertencer a algum clube e assim representá-lo. Essa participação foi importante para muitas atletas que, em função de seu desempenho e pertencimento clubístico, foram convocadas para participarem de competições nacionais e internacionais representando o Rio Grande do Sul e o Brasil, fundamentalmente, nas modalidades de natação, tênis, voleibol e basquetebol. Ou seja, ainda que para uma pequena elite, promoveram a divulgação do esporte de forma a fazer ver que o esporte também poderia ser uma prática delas.

 .

Margot Ritter recebendo de Túlio de Rose o troféu  Atleta de Destaque nos Jogos Abertos Femininos  de 1956 Fonte: Centro de Memória do Esporte

Margot Ritter recebendo de Túlio de Rose o troféu
Atleta de Destaque nos Jogos Abertos Femininos de 1956
Fonte: Centro de Memória do Esporte


Desafiando o inimigo: o esporte e as lutas anticoloniais na Guiné

25/05/2013

Por Victor Andrade de Melo

.

Da mesma forma que foi utilizado pelas autoridades governamentais tendo em vista os intuitos de manutenção do império português, o esporte também foi mobilizado pelas lideranças das lutas anticoloniais na Guiné Portuguesa (futura Guiné Bissau). Pode-se observar tal dimensão em algumas iniciativas de um dos principais personagens das lutas pela independência, um dos mais importantes intelectuais e líderes africanos do pós-Segunda Grande Guerra: Amílcar Cabral.

.

amilcar.1

.

Filho de cabo-verdianos, nascido na Guiné Portuguesa (em 1924), com oito anos Amílcar chegou a Cabo Verde, acompanhando seu pai, Juvenal Cabral, personagem de certa proeminência na história do arquipélago, que retornava à sua terra natal. Desde o tempo em que fora aluno de destaque no importante Liceu Gil Eanes (Mindelo, Ilha de São Vicente), Amílcar esteve envolvido com agremiações esportivas e associações juvenis, nas quais começou a tomar consciência da situação das colônias. Bom jogador de futebol, era apaixonado pelo esporte em geral.

Em 1945, Amílcar se deslocou para Lisboa, para estudar, como bolsista, no Instituto Superior de Agronomia. Por lá esteve envolvido com as atividades da Casa dos Estudantes do Império, do Clube Marítimo Africano, da Casa de África e do Centro de Estudos Africanos, instituições nas quais se formou uma parte importante das lideranças das lutas anticoloniais.

Cabral era presença constante nos eventos esportivos, se destacando nas diversas equipes de futebol que integrou. A sua paixão pelo esporte pode ser vista na caricatura realizada por um colega de turma, José Carlos Sousa Veloso, publicada no livro de final de curso (1945-1946) do Instituto Superior de Agronomia: é retratado de uniforme, meiões e chuteiras; nas mãos tem livros de Engels, Lênin e Dostoievski; seu amor por Cabo Verde é explicitado por suas lágrimas caindo sobre a representação do arquipélago em um globo.

.

amilcar.2.

Desde que regressou à Guiné, em 1952, na condição de engenheiro agrônomo a serviço do Ministério do Ultramar, Amílcar se mobilizou para criar um clube esportivo para os naturais da província, vislumbrando que a agremiação deveria investir na elevação do nível cultural dos associados. Em 1954, funda o Clube Desportivo e Recreativo de Bissau. Nas suas palavras:

Antes de darmos início à luta armada, decidimos criar organizações africanas. Em 1954 começamos por criar organizações recreativas, já que era impossível nessa altura dar-lhes um caráter político. Isso foi importante não por causa da ideia de criar uma associação, mas porque o colonialismo não o permitiu, o que provou às grandes massas de jovens que se tinham entusiasmado por esta ideia, que sob o domínio português os africanos não tinham quaisquer direitos. Isso deu-nos mais coragem para outras ações, para difundir outras ideias e para fazer avançar a luta.

O clube fora concebido como uma estratégia para gestar um espaço para a realização de atividades políticas, em um momento em que estava restrita a possibilidade de reunião. Tinha também a intenção de garantir o que Cabral compreendia ser um direito básico de todos: o acesso a práticas esportivas, recreativas, artísticas. Amílcar, enfim, enxergava a iniciativa como uma alternativa para despertar a consciência da população para sua condição colonial, para conclamá-la a participar mais ativamente de ações de contestação.

.

amilcar.3.

Essa foi, na verdade, uma estratégia política comum na trajetória de Amílcar Cabral: “formar pequenos grupos para discutir diversos assuntos culturais, relacionados com a literatura e poesia, por exemplo, e, ao mesmo tempo, ir destacando os elementos mais conscientes para, numa fase posterior, desenvolver um trabalho mais político e mais arriscado” (TOMÁS, 2008, p. 88).

Ao conclamar a juventude a participar dos movimentos anticoloniais, Cabral explicitava sua visão acerca da importância do esporte como estratégia de aglutinação, que precisa, contudo, depois ser superada com outro tipo de envolvimento:

Nessa grande batalha da justiça contra a injustiça, a juventude guineense e cabo-verdiana tem de desempenhar um papel importante. E é por isso que a nossa juventude se organiza cada vez mais, abandona o campo de futebol ou de basquetebol e todos os divertimentos fáceis, para se preparar  cuidadosamente para, no campo de batalha, empregar todas as suas forças, toda a sua inteligência, pela vitória da causa de nossos povos.

Essa postura era coerente com a sua ideia de que a cultura popular deveria formar a base para a luta anticolonial. Para ele, inclusive, não se tratava de negar, mas sim de reavaliar as bases culturais coloniais, as utilizando para fins de contraposição, de construção de uma nova ordem social.

No caso do futebol, antes mesmo da iniciativa de criação do Desportivo e Recreativo de Bissau, Cabral já se oferecera e atuara como técnico de equipes locais da Guiné. Na verdade, como o grupo inicial de engajados com suas propostas era formado majoritariamente por cabo-verdianos, tratava-se também de uma alternativa para buscar maior proximidade com os guineenses. Abílio Duarte lembra que:

O Cabral destinou-me ao Sporting, que era o clube mais anti-caboverdiano naquela altura. Entretanto, as coisas foram andando…Do meu lado, quebrei a vidraça da cachupa: acabei por estabelecer um relacionamento profundo com os guineenses, sem romper contudo os meus laços com os cabo-verdianos. Havia um casulo em que os cabo-verdianos viviam. Formavam um mundo à parte, só seu.

 Aristides Pereira, futuro primeiro presidente de Cabo Verde (1975-1991), também lembra que, até por não haver possibilidades de falar sobre política, se interessava muito: “pela camada jovem guineense, principalmente desportistas, e procurava incutir-lhes o gosto e a necessidade de aprender para além da instrução primária a que estavam confinados por lei”.

.

amilcar.4

Foto da seleção de futebol da Província Portuguesa da Guiné. Disponível em: http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com.br/2011/10/guine-6374-p8947-notas-de-leitura-292.html

.

O futebol foi, portanto, uma das estratégias perspectivadas para tentar romper as desconfianças históricas que existiam entre cabo-verdianos e guineenses, o que não era de se estranhar já que muitos originários do arquipélago ocuparam postos ligados à administração da Guiné.

Mesmo que supostamente disfarçado o aspecto político, a Polícia de Segurança Pública (PSP) não tardou a desconfiar da iniciativa de criação do Desportivo e Recreativo de Bissau:

o Engenheiro Amílcar Cabral e a sua mulher comportaram-se de maneira a levantar suspeitas de atividades contra a nossa presença nos territórios de África com exaltação de prioridade de direitos dos nativos e, como método de difundir as suas ideias por meios legalizados, o Engenheiro pretendeu e chegou a requerer juntamente com outros nativos, a fundação de uma agremiação desportiva e recreativa de Bissau, não tendo o Governo autorizado.

 Os agentes policiais não estavam equivocados. Hoje se sabe que a experiência do clube foi uma das significativas iniciativas que antecederam e contribuíram para a criação do PAIGC. Segundo o próprio Amílcar:

As tentativas de organizações coletivas situam-se a partir de 1953. Os elementos ditos “assimilados” ou “civilizados” organizam-se a principio nas zonas urbanas. Em 1954 um grupo de nacionalistas da Guiné e de Cabo Verde tinha em vista fundar uma associação desportiva e recreativa, cujo objetivo secreto era o desenvolvimento da luta anticolonial. As autoridades opuseram-se a sua formação com o pretexto de que os estatutos inseriam uma cláusula segundo o qual os “indígenas” podiam ser admitidos como membros. Perante este obstáculo, um grupo de assalariados e comerciantes, funcionários e estudantes criou o MING (Movimento para a Independência da Guiné). Finalmente em setembro de 1956, no meio de uma reunião realizada em Bissau, o MING cede lugar ao PAIGC.

 Mesmo que a ideia do Desportivo e Recreativo de Bissau não tenha avançado, é fato que muitos dos líderes guineenses das lutas anticoloniais na Guiné estiveram envolvidos com as iniciativas de Cabral e/ou com outras agremiações esportivas locais: Bobo Keita, Carlos Correia, Constantino Teixeira e Nino Vieira, entre outros.

.

Estádio Sarmento Rodrigues, posteriormente rebatizado para Estádio Lino Correa.

Estádio Sarmento Rodrigues, posteriormente rebatizado para Estádio Lino Correa.

.

Para mais informações:

MELO, Victor Andrade de. (Des)mobilização para a luta: o esporte como estratégia nos conflitos da Guiné Portuguesa (décadas de 50 e 60 do século XX). Métis: História e Cultura, v. 10, n. 19, pp. 215-236, jan.-jun. 2011.

Disponível em: http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/metis/article/viewArticle/1746

.


Andarahy Athletico Club: um clube de fábrica ou um clube da fábrica?

24/12/2012

Por Nei Jorge dos Santos Junior

 Fundado em 09 de novembro de 1909, com o objetivo de “promover e facilitar o desenvolvimento physico de seus associados por meio dos sports athleticos em geral, e em particular, pela pratica do foot-ball”, o Andarahy Athletico Club buscava entre os administradores da Fábrica Cruzeiro, assim como os outros clubes fabris, recursos necessários para a estruturação do clube.

A construção de um campo tornou-se prioridade entre os fundadores[1]. Logo, os Srs. Domingos Alves Bebianno e Alfredo Coelho da Rocha, representantes da Fábrica Cruzeiro, providenciaram um terreno, localizado na Rua Prefeito Serzedello n.198, esquina com a Rua Theodoro da Silva, para construção de um campo e uma sede social. Como acontecera em outras agremiações fabris, os sócios garantiram, com o auxílio da companhia, instalações requintadas, dignas do luxo mantido pelas agremiações esportivas de maior destaque.  Como expos o redator d’ O Imparcial, após uma visita orientada pelo Secretário do clube Antonio Miranda: “uma visita ao ground do Andarahy”.

O redator destacava as obras radicais feitas na pitoresca Praça de Sport do clube alviverde, “com as quais a diretoria do valoroso clube tem gasto soma regular” (O Imparcial, 12 de maio de 1917, p.10). O campo foi ampliado e elegantemente circunscrito por um gradil pintado de verde, com grama em ótimas condições; e o terreno, que defronta o gol dos fundos, estava sendo convenientemente preparado para receber a elegante arquibancada, toda refundida e decorada com pinturas claras, a qual se destinaria exclusivamente aos sócios e as distintas famílias da região. As tribunas tinham cinco graus de elevação, cobertura leve e, pela sua ótima localização, proporcionava ao espectador “desfrutar de todas as fases dos emocionantes jogos que se ferirem no campo” (O Imparcial, 12 de maio de 1917, p.10).

O campo do Andarahy Athletic Club após a reforma de 1917.

O campo do Andarahy Athletic Club após a reforma de 1917.

O que mais impressionava nas obras “conduzidas febrilmente pela ativa diretoria do clube” eram sua “solidez e beleza”, além da velocidade em que ela avançava (O Imparcial, 12 de maio de 1917, p.10).

No entanto, os custos das obras não poderiam ser financiados somente pelo clube, pois sua arrecadação, como aponta os dados levantados pelo historiador João Manuel Malaia (2010), era modesta comparada aos grandes clubes da cidade, o que demonstrava a participação ativa da Fábrica.

Tabela I

Média de arrecadação por jogos em casa

Média de arrecadação por jogo em casa do:

1917

1918

Fluminense 3:400$000 3:788$312
America 2:595$375 2:555$666
Botafogo 2:286$444 2:665$250
Flamengo 1:342$000 3:726$500
São Cristovão 2:194$714 1:757$428
Andarahy 1:079$333 1:151$888
Bangu 629$666 332$625
Carioca 401$900 607$111
Villa Izabel 251$061 611$000

Fonte: Elaborado pelo próprio autor

Mesmo com a mensalidade paga pelos sócios no valor de 10$000, dificilmente a agremiação conseguiria dar conta de todos os gastos proporcionados pela grandiosa reforma. Contudo, comparado à arrecadação entre os clubes fabris, o Andarahy apresentava uma autonomia financeira considerável. Além dessa importância arrecadada, o clube contaria com o valor pago pelos trabalhadores da fábrica, que pagavam uma joia de 5$000 e uma mensalidade de 3$000[2], um pequeno desconto, mesmo assim três vezes mais que o valor pago, por exemplo, pelos sócios do Bangu[3].

Aliás, esse era o único benefício formalmente exposto em seus estatutos[4]. Como apontou Mario filho: “a fábrica não deixando de estar perto. Gostando, naturalmente, de ter um clube, uma espécie de parque de diversões para os seus operários. Mas sem aquele cuidado paternal da Companhia Progresso Industrial do Brasil pelo Bangu” (RODRIGUES FILHO, 2003, p. 91).

Outra fonte de arrecadação estava no aluguel dos campos. Com poucos estádios disponíveis na cidade do Rio de Janeiro, principalmente nos subúrbios, as agremiações que possuíam um campo próprio, utilizavam esse espaço para complementar a renda do clube. No entanto, no caso específico do Andarahy, ter um campo financiado pela companhia tornava-se alvo de discussões.

No dia 17 de junho de 1922, o periódico O Exemplo, órgão que tratava especificamente de assuntos da associação dos operários da Companhia America Fabril, publicou um impasse entre duas agremiações financiadas pela mesma empresa. De acordo com o cronista, “para desfazer dúvidas, tendo em vistas vários boatos, a Directoria do America Fabril officiou a do Andarahy Athletico Club, pedindo consentimento para continuarem a realizar os seus matches do campeonato decorrente no campo deste; o que a Directoria antecessora havia cedido gratuitamente, por tratar-se de um team somente composto de socios do Club” (O Exemplo, 17 de junho 1922, p. 05). Em reposta, o America Fabril F. C. recebeu um ofício enviado pela diretoria do Andarahy:

Em resposta ao officio de V.S. Cumpre-me informar que a Directoria deste Club resolveu cobrar a importância de Rs. 50$000 (cinqüenta mil réis) por cada jogo no presente campeonato desse grêmio.
Aproveito a opportunidade para fazer sentir a V.S., que motivos financeiros, exclusivamente, foram a razão que determinamos a Directoria a estipular a taxa supra.
Sem mais, sou com estima e subida consideração.
(Ass.) Mario C. Bacellar1° secretario (O Exemplo, 17 de junho 1922, p. 05).

O ofício enviado pelo secretário, confirmando a necessidade do pagamento, revelava uma nova relação com a companhia que custeava seus gastos. Surpreso, o redator do periódico não concordava com a atitude tomada “que bem demonstra o espírito de pouco cavalheirismo que existe no seio do Andarahy”, já que a “America Fabril é composta exclusivamente de associados do Andarahy e todos empregados da Companhia America Fabril; razão pela qual não é de justiça este Club pedir tal remuneração” (O Exemplo, 17 de junho 1922, p. 05). Ainda de acordo com o autor, “sabe-se que todos os rapazes do America Fabril, immensamente pesarosos por aquelle hediondo gesto, solicitaram incontinenti, assim como vários sócios operários da Fábrica, sua exclusão do quadro social do Andarahy, sendo, de todos, resolução inabalável”. Por fim, “lamentamos que tal facto tenha succedido, pois só serviu para vir perturbar o bom andamento do America Fabril, tendo como único culpado o Andarahy Athletico Club” (O Exemplo, 17 de junho 1922, p. 05).

Campo do Andarahy Athletic Club (1917). Careta, 9 de julho de 1917.

Campo do Andarahy Athletic Club (1917). Careta, 9 de julho de 1917.

Com a relação abalada, o clube perdia alguns sócios que tinha em comum com o America Fabril F. C. No entanto, como já havia mencionado no estudo, em nenhum momento a empresa interferiu no caso. De maneira geral, o Andarahy não tinha laços explicitamente estreitos como, por exemplo, o Bangu Athletic Club[5]. Embora seu quadro de sócios fosse formado pelo administrador e dirigentes da Fábrica, seus estatutos não expressavam formalmente qualquer ação em que a empresa fizesse valer, dentro do grêmio, os seus próprios interesses. Outro ponto importante estava na figura do Presidente Honorário. Este tinha um cunho meramente ornamental, não apresentando qualquer relação com o clube, como informava o artigo dois dos seus estatutos: “serão honorários os que, não pertencendo ao Club, fizerem jus a esse título, a juízo da assembléia”.

O Andarahy mantinha o elo que facilitava o alcance de recursos necessários para estruturação do clube. Necessitava do prestígio gozado pelos administradores da fábrica, mas, por opção da própria companhia, não interferia diretamente nas ações do grêmio esportivo. Por essa razão, a Fábrica Cruzeiro procurava não se confundir com o Andarahy Athletico Club. A escolha da presidência, assim como do corpo de dirigentes, ficava por conta dos sócios, ainda que de um corpo específico, o que indicava certa interferência indireta dos dirigentes da fábrica. Em termos genéricos, como aponta o próprio Mario Filho (2003), numa comparação entre as duas principais agremiações fabris, o Bangu seria um “clube da fábrica” e o Andarahy um “clube de fábrica”.


[1] Libanio da Rocha Vaz (presidente), Dr. Carlos da Rocha Braga (vice-presidente), Antonio Miranda (1° secretario), Dr. José Pinkus (2° secretario), José de Souza Ávila (1° tesoureiro), João Martins da Gloria (2° tesoureiro), Dr. Silvio e Silva, Cassiano Diniz Gonçalvez, João Marianno Ribeiro (Comissão fiscal), Alvaro Trindade, Carlos Moreira, Benjamin Martins (Suplentes).

[2] Estatutos do Andarahy Athletico Club aprovados em 29 de dezembro de 1918.

[3] Ata de fundação do Bangu Athletic Club.

[4] Artigo vinte dos Estatutos do Andarahy Athletico Club aprovados em 29 de dezembro de 1918: “os sócios empregados na Fabrica Cruzeiro continuarão a pagar a jóia de 5$000 da mensalidade de 3$000”.

[5] Ver SANTOS JUNIOR, N. J. A construção do sentimento local: o futebol nos arrabaldes de Andaraí e Bangu (1914-1923). 2012. 126f.  Dissertação (Mestrado em História Comparada) – Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.


Peregrinações em bicicleta – um pouco de história, um pouco de cinema

16/07/2012

Por André Schetino

Olá amigos

Escrevo esse post durante as férias. Acabo de chegar a Paraty de bicicleta, vindo de Ouro Preto, ao longo de alguns dias de pedaladas pela Estrada Real. Ainda inspirado pela viagem, resolvi trazer nesse post alguns exemplos de viagens e peregrinações de bicicleta ao longo da história.

A Estrada Real foi o caminho brasileiro percorrido por nosso ouro até Portugal. Hoje transformada em roteiro turístico, o percurso bem difundido por viajantes de bicicleta, contando inclusive com guias específicos para percorrer o caminho sobre duas rodas. O cicloturismo é uma atividade muito popular na Europa, e vem ganhando adeptos no Brasil. Contudo, as viagens e peregrinações em bicicletas são encontradas desde pouco depois de sua invenção, no ano de 1862.

Mas a bicicleta é muito utilizada no Brasil de diversas maneiras. Em uma reportagem sobre a inauguração de Brasília, a Revista Alterosa clicou um ciclista que saiu do Rio Grande d o Sul e foi até a recém inaugurada capital nacional.

Fonte: Revista Alterosa, nº 330, junho de 1960, página 70.

Outro exemplo atual sobre grandes peregrinações em bicicletas foi a Bicicletada Nacional realizada durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio +20. Ciclistas saíram de diversas cidades do Brasil e se encontraram no Rio de Janeiro para reinvindicar políticas de mobilidade urbana que diminuam a dependência dos automóveis e incentivem o uso da bicicleta como meio de transporte.

Para terminar, um exemplo diferente de mobilidade em bicicletas, desta vez vindo do cinema. Trata-se do belíssimo filme “O Caminho das Nuvens”, do ano de 2003. Wagner Moura interpreta um pai de família cujo sonho é conseguir um emprego com salário de R$1000 para sustentar sua família. Para isso viaja com todos de bicicleta, do sertão nordestino rumo ao Rio de Janeiro. Baseado numa história real, o filme mostra de forma bela – e dura – a vida de um migrante, baseada em sonho, esperança e fé. Pra quem ainda não assistiu ou memso pra quem já conhece o filme, vale acompanhar sob a ótica da bicicleta como elemento da cultura.  Deixo vocês com o trailer do filme.


A inserção da mulher no universo cultural do esporte

28/01/2012

por Silvana Goellner

A história das mulheres no universo cultural do esporte brasileiro é marcada por rupturas, persistências, transgressões, avanços e recuos. Desde meados do século XIX, elas se fazem presentes nas arenas esportivas como espectadoras e praticantes. No entanto, é a partir  das primeiras décadas do século XX que essa participação se  ampliou e consolidou.   

Com a independência do Brasil,  a chegada de imigrantes europeus e a propagação dos ideais  higienistas,  esse contexto gradativamente  começou a se alterar, em especial para as mulheres da elite, visto que  tinham maior acesso aos bens culturais, à escolarização  e às novidades advindas do  continente europeu, dentre as quais,  a  prática da ginástica e de algumas modalidades esportivas tais como o  turfe, o remo, a  natação, a esgrima, o  tênis, o arco e flecha e o  ciclismo.

.

Ciclista, Porto Alegre, 1896. Fonte: Centro de Memória do Esporte - UFRGS

.

Por certo que a presença de mulheres exercitando-se fisicamente  se traduzia como uma novidade nesse tempo,  pois sob a égide do romantismo na literatura, as imagens associadas às mulheres brasileiras eram imagens românticas. Mulheres lânguidas e gráceis, portadoras de gestualidades comedidas e delicadas, cuja educação estava voltada, prioritariamente,  para  o casamento e a maternidade. Essa imagem, mesmo que fosse bastante divulgada na literatura e em outros espaços sociais,  não perdurou por muito tempo. Os médicos, em especial, os higienistas, iniciaram a proclamar os benefícios que o exercício físico trazia para as mulheres proporcionando-lhes melhores condições orgânicas não só para  enfrentar a  maternidade mas, inclusive, para embelezá-las. A prática esportiva passou a ser identificada, também, como um espaço de exercício de sociabilidade,  cuja adesão colocava em evidência  atitudes e hábitos pertinentes a  um modo moderno e  civilizado de ser.

É necessário lembrar, ainda, que nos primeiros anos do século XX a população brasileira era composta, majoritariamente,  por  negros escravos ou descendentes. Essa composição étnica se tornou alvo de diferentes intervenções em nível nacional cujos objetivos estavam direcionados para o refinamento  da raça visto que os negros eram considerados como seres inferiores.  Baseados na teorização darwinista de que a atividade física atuava no robustecimento orgânico e, portanto, no aprimoramento da espécie, buscava-se  uma educação corporal   e esportiva que, pautada por um estatuto científico e ao mesmo tempo moral, estivesse articulada à medicina e às normas jurídicas fortalecendo a raça branca – ideal imaginário de um povo ameaçado pela mestiçagem.

.

Partida de Tênis – Clube Atlético Paulistano, 1918. Fonte: Museu da Imagem e do Som.

.

Médicos,  intelectuais, militares, dirigentes políticos, professores, instrutores de atividades físicas se integraram a esse projeto e, através da especificidade de sua intervenção no plano social e educacional, não pouparam esforços para consolidá-lo. Das várias ações desenvolvidas em prol deste fortalecimento,  destaca-se uma delas: o fortalecimento do corpo feminino, pois acreditava-se que  a regeneração físico-moral de uma população só se completaria se o aprimoramento físico também se estendesse à mulher, identificada então como  “a célula-mater da nação”.

Esse argumento figura no  primeiro livro escrito por um autor brasileiro sobre  educação física e  esporte para mulheres,  publicado no ano de 1930, no qual se lê:  

 Nunca será demasiado encarar a importância do esporte  para a mulher. Quanto mais nos aprofundarmos nos estudos tendentes a efetivar a eugenia da raça, nas pesquisas destinadas a solucionar os problemas relativos à saúde humana, a dar ao homem e à mulher o máximo de sua eficiência física para a vida, mais nos compenetramos da importância capital da Educação Física feminina. É mister que nos convençamos da verdade irrefutável desse dogma – a mulher precisa de esporte! Precisamos identificar a mulher com a prática racional dos exercícios físicos, educá-la para uma compreensão elevada dessa forma salutar de atividade que, tanto contribui para a conservação de sua saúde e de sua beleza, para a manutenção de sua mocidade e de sua eficiência (RANGEL SOBRINHO, 1930, p. 21).

 Nesse contexto a imagem da  mulher maternal, bela e feminina  revela um desejo produzido e expresso pelo imaginário social de um país que identificava na mulher um elemento  importante para a sua modernização.  Juventude, beleza, ousadia, disposição, saúde,  perseverança, dedicação, prudência, representavam virtudes possíveis de serem conquistadas diante  a participação das mulheres em diferentes espaços sociais, dentre eles, aqueles nos quais se realizavam as atividades físicas e esportivas.

Essa “nova mulher”  ao mesmo tempo que mostrava-se como uma figura inovadora era, também, observada como alguém que desestabilizava a representação da mulher romântica voltada para a família,  o recato e a honra. A prática esportiva, o cuidado com a aparência, a mudança de atitude, o desnudamento do corpo, o uso de artifícios estéticos, conferiam a essa imagem novos contornos externando, como possíveis, outras experiências que não apenas aquelas valorizadas como integrantes de sua “natureza”.

.

Uma delas: não sei como ela tem coragem de usar um malliot tão indecente. Fonte: Revista de Ed. Physica, n. 45, agosto de 1940

.

Enfim,  para além das questões nacionalistas de fortalecimento do corpo feminino, a inserção da mulher no esporte não resulta apenas desse investimento. Deve ser observada não como uma concessão mas como uma conquista de diferentes mulheres para as quais o esporte representava, também, um espaço de visibilidade não apenas como espectadora ou co-participe de uma aparição, mas, fundamentalmente, como sua principal protagonista. Ainda que o discurso da maternidade sadia e do aprimoramento da raça fosse marcadamente produzido e reproduzido não foi apenas em seu favor que o as mulheres aderiram à sua prática: ele sinalizava novos tempos diante dos quais o arcaico confinamento das mulheres no interior do espaço privado simbolizava falta de cultura e de civilização. O esporte modernizou a mulher!

Para refletir:

Se nos primórdios da história do esporte no Brasil a  participação das mulheres restringia-se quase que predominantemente  a assistência e ao acompanhamento de seus maridos e familiares,  na atualidade,  ela é infinitamente  mais ampla e diversificada: as mulheres deixaram de ocupar apenas o espaço de espectadoras para tornarem-se,  também,  praticantes, atletas, técnicas, gestoras, árbitras, comentadoras,… 

.

Jogadoras de basquetebol - Década de 1930. Fonte: Clube Esperia – São Paulo.

.

Todavia, isso não significa afirmar que homens e mulheres tenham as mesmas oportunidades no campo esportivo ou que preconceitos quanto à participação feminina inexistam. Não é raro, ainda hoje,  encontrar nas escolas de primeiro e segundo graus disparidades relevantes no que se refere ao acesso de meninas e meninos nas atividades esportivas realizadas nas aulas de educação física. Essa mesma situação pode ser observada nos espaços de lazer, na gestão esportiva, no investimento de clubes, enfim, em diversos instâncias nas quais o esporte se desenvolve.

Ainda assim é extremamente relevante enfatizar: entre rupturas e conformismos, as mulheres há muito estão presentes no esporte brasileiro ainda que, muitas vezes, o discurso oficial as tenha deixado nas zonas de sombra.

Referências bibliográficas:

RANGEL SOBRINHO, O.  Educação Physica Feminina. Rio de Janeiro: Typografica do Patronato, 1930.

 


Jogos Olímpicos de 2016 – O que o Massacre de Tlatelolco tem a nos ensinar?

03/07/2011

por Felipe Deveza

Mestre em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutorando em História pela mesma universidade.

.

Em 1968 no México, há dez dias do início das Olimpíadas que ocorreriam na capital mexicana, tanques, metralhadoras e atiradores de elite cercaram a Praça das Três Culturas, em Tlatelolco, e abriram fogo contra a multidão. Mais de 300 pessoas foram covardemente assassinadas, alguns falam em mais de mil mortos, centenas foram espancados e foi imposto o terror contra os que ousavam protestar em meio aos Jogos Olímpicos.

.

Grandes manifestações evocam os estudantes assassinados

.

A Matança de Tlatelolco, como o episódio ficou conhecido no México, pode nos dar uma importante lição sobre o que os governos são capazes de fazer para manter a aparência de controle social nos períodos que antecedem os Jogos Olímpicos ou outro evento internacional qualquer. A invasão das favelas cariocas com a justificativa de “pacificação” demonstrou o primeiro esforço nesse sentido. Como tropas de um exército inimigo, impuseram o terror, romperam com qualquer resquício de legalidade, invadiram casas, roubaram, extorquiram, destruíram. É claro, como sempre, “todos os mortos eram traficantes”. Tudo com o apoio incondicional da imprensa e da manipulação do sentimento de insegurança.

Esses ingredientes não faltaram em 1968: desrespeito aos direitos do povo por parte do Estado, massacre premeditado, terror de Estado e apoio incondicional da imprensa reacionária.

.

.

O ano de 1968 foi um período emblemático para a geração que tinha por volta de 20 anos. Foi o ano das famosas rebeliões estudantis e operárias em diversos países pelo mundo afora. Foi um ano de radicalização do movimento negro nos Estados Unidos, de enormes protestos contra a Guerra do Vietnã e muito conhecido pela rebelião estudantil na França.

No México, os estudantes do Instituto Politécnico e da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) se rebelariam contra diversas medidas repressivas do governo mexicano, reclamariam liberdade política e procurariam utilizar a visibilidade que o México ganharia no mundo com os jogos olímpicos para protestar.

Foi formado um Comitê Nacional de Greve e várias universidades e escolas no país aderem à greve. A UNAM se transforma em centro da rebelião juvenil. Um estudante declararia no megafone: “UNAM, território libre de la America Latina!”. Muitos estudantes dormiam nas salas de aulas para não perder sequer uma assembleia. A universidade fervilhava. O auditório da UNAM seria rebatizado com o nome de Ernesto Che Guevara e diversos estudantes participariam de brigadas de panfletagem nas ruas, entre os operários e moradores de bairros populares.

.

O governo reprimia os atos e mantinha presos os estudantes. Quanto mais o governo reprimia, mais volumosas se tornavam as manifestações.

.

A MATANÇA DE TLATELOLCO

02 de outubro, 18 horas. Dia e hora marcados para um protesto na Praça das Três Culturas, em Tlatelolco. Para reprimir o ato, o exército infiltrou atiradores de elite nos prédios que cercam a praça. Trezentos tanques foram mobilizados e helicópteros sobrevovaram a área.

Devido ao clima de repressão, um estudante anuncia o cancelamento do protesto. Já era tarde, às 18:10, fachos de luz sinalizadora verde são lançados de um helicóptero autorizando o massacre. Policiais infiltrados atiram em direção aos soldados, a fim de justificar o ataque, e em pouco tempo os estudantes estão cercados. Começa a saraivada de tiros. No início, imaginavam ser balas de festim, mas logo começam a cair os corpos, os tanques avançam sobre a multidão, uns correm sobre os outros, as tropas avançam e os que não são atingidos pelos atiradores, são espancados barbaramente.

O massacre não termina. Seguiria pela noite adentro, com mais espancamentos e invasões de apartamentos nos prédios que circundam a praça.

Muitos foram levados para a penitenciária de Lecumberri, outros tiveram de atravessar um corredor polonês de pontapés e socos, suas roupas são rasgadas, suas calças arriadas e outros simplesmente desaparecem.

No dia seguinte ninguém falava do massacre. Nada. Nem uma palavra nos jornais, nem uma denúncia.

Passados alguns dias, os jornais começariam a noticiar o ocorrido em Tlatelolco, mas à semelhança de muitos episódios de repressão brutal, as vítimas apareceriam como causadoras de suas mortes. O jornal Novedades colocaria a seguinte manchete no dia 4 de outubro: “O exército mantém a tranquilidade e informa oficialmente 29 mortos. O senado condena a agitação e diz que existem nacionais e estrangeiros com propósitos antiamericanos e muito perigosos!”

Calados os estudantes, as Olimpíadas de 68 ficariam conhecidas pelo mundo como a Olimpíada Black Power, pelo protesto de atletas norte-americanos negros contra o racismo. Dois atletas negros eternizaram a imagem dos punhos cerrados, com luvas características do grupo revolucionário Panteras Negras, no pódio olímpico.

Poucos foram responsabilizados mais de 40 anos depois. Não se sabe ao certo o número de mortos e muita coisa ainda falta descobrir sobre os acontecimentos de 2 de outubro de 1968.

Foi construído um memorial e um monumento em homenagem às vítimas, mas o maior legado deixado pelos que lutaram em 1968 foi a manifestação que acontece todos os anos no dia 2 de outubro, data de rebeldia, de luto e de protesto popular no México.

2 DE OUTUBRO NÃO SE ESQUECE

Ao som de palavras de ordem “2 de octubre no se olvida!” (não se esquece, em português), milhares de mexicanos marcham por cerca de 3 quilômetros, indo de Tlatelolco até o Zócalo capitalino, em frente ao Palácio Nacional, sede do governo mexicano. A manifestação de 2 de outubro já chegou a reunir mais de 3 milhões de pessoas.

Nesse dia, os estudantes ficam mais ousados, escrevem mensagens rebeldes pelas ruas, os professores parecem mais orgulhosos da profissão, os eletricistas ostentam suas faixas e protestam contra as recentes privatizações. Os bravos camponeses trazem Zapata e Pancho Villa em suas faixas, relembram as conquistas e lutas, animando-se para as que virão.

No Brasil o Massacre de Tlatelolco é quase desconhecido, mas nos mostra o que as classes dominantes são capazes de fazer para passar ao mundo uma imagem de tranquilidade e controle social que garanta os gordos lucros que, Olimpíadas, Copas do Mundo de futebol e outros eventos podem trazer.

Tlatelolco nos alerta que os massacres, as repressões e o desrespeito aos direitos do povo, que ocorreram recentemente sob o nome de “pacificação” no Rio de Janeiro, são somente o início do que virá.


Mente sã em um corpo são – Por que não?

25/04/2011

por Vivian Fonseca

A película húngara Sangue nas Águas (2006), debatida na última sessão do Cineclube Sport, foi a inspiração inicial que dá origem hoje a esse post. A produção da diretora Krisztina Goda, aborda a revolução ocorrida em Budapeste em 1956 contra a dominação soviética, tendo como um de seus panos de fundo o time nacional de pólo aquático e sua ida para as Olimpíadas de Melbourne do mesmo ano. Uma das questões levantadas pelo filme e amplamente debatida no encontro de abril do Cineclube foi como o esporte e seus resultados são ressignificados e utilizados em bandeiras políticas. No caso retratado, a vitória húngara na semifinal das Olimpíadas sobre o time soviético representava a possibilidade de superioridade, mesmo que no campo esportivo, de uma nação que era violentamente humilhada e obrigada a fazer parte da URSS. A personagem principal Karcsi, capitão do time húngaro, se engaja na Revolução e, com a ilusão de que ela teria terminado e os russos teriam regressado definitivamente para casa, volta para a equipe com a responsabilidade de representar, pela primeira vez, a Hungria livre – mostrando para o mundo, a partir de vitórias no esporte, a potencialidade de seu povo. Apesar de seu engajamento político, Karcsi é muitas vezes desacreditado pela sua condição de atleta que, no senso comum e não apenas na película, é visto como o modelo de alienação, à medida que dedica seu tempo a trabalhar músculos o que, nessa concepção, o impossibilitaria de elaborar reflexões sofisticadas e ter ações engajadas politicamente.

            Inspirada por essas questões fiquei a pensar sobre meu objeto de pesquisa: capoeira e capoeiristas. Por mais que muitos questionem a ideia da capoeira como esporte e, portanto, de seus praticantes como atletas, não se pode negar que se trata de uma atividade física institucionalizada e que, muitos grupos, destacam a veia esportiva de suas vertentes. Para além de debates sobre a definição da prática, meus capoeiras, como diversos estudos sobre outras modalidades também apontam, colocam em xeque essa visão do atleta ou, de maneira mais geral, da pessoa que tem no corpo seu grau maior de expressão, como alienado e descolado de discussões socialmente relevantes. Cada vez mais organizados e articulados, os capoeiristas têm demandado respostas do governo para seus problemas, mobilizando, ainda, direitos garantidos pela Constituição brasileira.

Como um dos frutos dessa estruturação política, além do registro da capoeira como patrimônio cultural imaterial brasileiro, pode-se citar a pressão para a realização dos Encontros Pró-Capoeira do Programa Nacional de Salvaguarda e Incentivo à Capoeira, organizados pelo Ministério da Cultura, IPHAN e Fundação Cultural Palmares. Nessas reuniões, os mestres apresentaram e organizaram, em conjunto com gestores públicos, propostas para a formulação de uma política pública para o setor. Outro exemplo é a articulação política resultante da oposição que setores da capoeira baiana têm travado com a organização do evento acima. Dela resultou o Manifesto da Bahia e o I Seminário Baiano de Proposições de Políticas Públicas para a Capoeira, ocorrido no final de 2010. Exemplos de engajamento político de capoeiras ao longo da história brasileira não faltam e mostram que, mais do que puramente estimuladores de músculos, atletas e praticantes profissionais de atividades físicas refletem sim sobre questões políticas de relevância nacional. Mais uma vez, é preciso convidar os pseudointelectuais de plantão a repensarem suas categorias de análise do mundo.


O GUARANY: UM PRADO POPULAR NO RIO DE JANEIRO DO SÉCULO XIX

18/01/2010

Por Victor Andrade de Melo

Sede social do Derby Club, Praça da Constituição

Houve um tempo em que  turfe era como hoje é o futebol; na verdade, até mais! Nos fins de semana, na década final do século XIX, a população do Rio de Janeiro invadia os hipódromos para acompanhar as corridas, ter alguns momentos de diversão, encontrar amigos, flertar e, fundamentalmente, apostar algum dinheiro nas patas dos cavalos. Era gente dos mais diferentes estratos econômicos e grupos sociais, alocados obviamente, em distintos espaços nas tribunas.

O turfe era uma atividade popular, mas somente se considerarmos o aspecto do consumo do espetáculo esportivo. Se as oportunidades de prática de esportes eram bastante limitadas até mesmo para as elites, ainda mais restritas eram as possibilidades para os indivíduos das camadas populares. Os mais “nobres” Jockey Club e Derby Club, ainda que aceitassem a presença do povo nas competições, sempre deixavam claro o seu lugar, criando muitas formas de garantir que se tratava de uma prática que concedia status e distinção aos mais abastados.

Contudo, chegaram a organizar-se agremiações mais populares de corridas de cavalos, como aquelas que realizavam suas atividades no prado da Vila Guarany, no bairro de São Cristóvão. Sobre esse espaço, afirma Cássio Costa (1961):

“as arquibancadas eram de madeira e sem cobertura e os animais que tomavam parte em sua carreira, em sua maioria, eram peludos ou já afastados das pistas do Jockey Club e do Prado Vila Isabel. Um pradozinho de 3a ordem”.

Seguindo o clube Prado Guarany, três outras sociedades de curta duração lá organizaram atividades: O Sport Club, o Hippódromo Fluminense e o Sport Fluminense. Essas agremiações contavam muitas vezes com a presença de bom público, devido aos preços mais baixos de entradas e de apostas, mas também porque se ajustavam mais ao gosto das camadas populares. Embora tivessem instalações menos luxuosas, cavalos “feios e de segunda categoria” e um programa muito confuso, muitas corridas animadas foram no Guarany realizadas.

Mais do que atrair os mais populares, não poucas vezes ali foram encontrados, até mesmo disfarçados e escondidos, indivíduos que pertenciam às elites ou por elas transitavam. Por exemplo, é sabido que se envolveram em confusões no Guarany o capitão de mar-e-guerra Eduardo Wandellok, depois almirante e Ministro da Marinha, e o dr. Bricio Filho, renomado jornalista. José do Patrocínio chegou a ser diretor do Hippódromo Fluminense.

Na verdade, esses clubes foram mesmo marcados pelas confusões. Como lembra Luiz Edmundo (1957):

“Qual velho não se lembrará, hoje, do famoso prado que se chamou Vila Guarany, cognominado Maxixe, que existiu para as bandas da Praia Formosa e do qual se pode dizer que, sendo o mais tribofeiro entre todos os de seu tempo, foi, ainda, o que mais sofreu a ação violenta e justa da massa popular, que vivia constantemente a depredá-lo?”.

Os “tribofes” eram comuns e fartamente divulgados pelos jornais, confusões das mais diferentes ordens: suborno de jóqueis, árbitros que ocasionalmente se equivocavam com os resultados (já que na época não havia muitos recursos eletrônicos); árbitros subornados que “fabricavam resultados”; alguns episódios descaradamente desonestos. Muitas vezes essas ocorrências eram seguidas de violência, depredação dos hipódromos, surra nos jóqueis e proprietários dos animais. Normalmente esses conflitos eram mais graves exatamente no Guarany, embora também fossem constantes nos clubes chics.

Encaro os “tribofes” como uma forma de participação ativa do público. Excluído da possibilidade de influenciar na direção do espetáculo, relegado ao pior lugar dos hipódromos, considerado mero coadjuvante, o público reagia da forma que era possível. Ao se sentir burlado, encerrava qualquer pretensão de “civilidade” e utilizava os recursos de que dispunha: destruía, simbólica e literalmente, a farsa montada.

Os clubes que funcionaram no Guarany vieram a falir em função de sua própria desonestidade e/ou desorganização, mas também muito em decorrência das restrições impostas pelos clubes “nobres” da cidade.  Seus nomes, por exemplo, não eram citados nos livros e periódicos. Nos jornais, suas atividades não conseguiam muito espaço; quando conseguiam, era de forma pejorativa. Quando algumas agremiações se uniram na chamada “Sociedades Solidárias”, o pessoal do prado da Vila Guarany não foi convidado.

Quando o Sport Fluminense resolveu organizar páreos nas quintas-feiras, para fugir da concorrência, os clubes chics resolveram tomar medidas mais diretas. Começaram a proibir cavalos de correr naqueles espaços e até tentaram impedir a frequência dupla: quem fosse visto na Vila Guarany teria proibida sua entrada nos outros hipódromos. O Diário de Notícias, de 16 de outubro de 1886, noticia tal decisão:

 

“UM PRADO EM ESTADO DE SÍTIO – reuniram-se anteontem na secretaria do Jockey Club, os diretores dos Prados Vila Isabel, Derby Club e Jockey Club resolveram que fossem proibidos de correr nos seus prados os jóqueis e animais que corressem no Sport Fluminense, dando como motivo desta resolução não ser o Sport Fluminense uma sociedade constituída debaixo das condições necessárias”.

 

O Sport Fluminense a princípio não se incomodou com tais imposições e sequer dava atenção para a imprensa, que não divulgava suas atividades. Seu perfil, seus intuitos e seu público alvo eram outros. Contudo, com o tempo viu as ações dos outros clubes obterem resultados, reduzindo-se rapidamente o seu número de inscrições e de público, até que definitivamente extinguiu-se; mesmo porque, ao contrário das outras agremiações, não podia contar com as benesses das autoridades governamentais.

Os desenhos das pistas de 4 hipódromos da cidade (o do Prado Guarany não foi incluído na publicação)

Não se pode sequer considerar que os clubes do Prado Guarany chegaram a ser grandes rivais no aspecto financeiro. Em 1887, enquanto o Jockey Club vendeu 114.824 poules e lucrou 2:499$400 e o Derby Club vendeu 297.224 e lucrou 6:778$900, o Hippodromo Fluminense e o Sport Fluminense (criados e extintos no decorrer do referido ano), somados, venderam 21.085 poules e lucraram 524$700.

Os clubes “nobres”, na verdade, vislumbravam o que poderiam perder se essas agremiações mais populares aumentassem sua popularidade e/ou modificassem o sentido da prática do turfe na cidade. Tratava-se de uma estratégia de seleção e controle, de garantia de manutenção dos sentidos originais concebidos para o esporte, ligados aos interesses dos mais poderosos.

 Trata-se, de fato, de uma tensão que marca desde os primórdios a constituição do campo esportivo.


RACISMO “DE VOLTA” AOS GRAMADOS

25/06/2009

Olá amigos,

De tempos em tempos lemos em diários esportivos matérias tratando sobre racismo. Notadamente, a diferença entre os materiais apresentados pela mídia é mínima e sempre circulam sobre os mesmos pontos. Alguns autores questionam a validade e a necessidade das denúncias, outros exploram seus potenciais de venda e, bem poucos, tratam o tema com maior profundidade. Independente do uso e da apropriação feita, racismo é coisa séria e merece um pouco mais de atenção.

Ontem, dia 24 de Junho, na partida pela Taça Libertadores entre Grêmio e Cruzeiro o volante Elicarlos, do clube mineiro, acusou o atacante Maxi Lopez, da equipe adversária, de tê-lo chamado de “macaco”. O fato foi parar na delegacia e acabou se agravando com as abomináveis declarações feitas pelo técnico Paulo Autuori. O técnico da equipe gaúcha, visivelmente, desconhecedor do que seja o racismo e com uma extrema confiança na impunidade deixou claro o seu perfil de cidadão. Ou seja, daquele que enquanto não acontece comigo, permaneço na critica leviana e evasiva.

Ao Sr. Autuori informo que o racismo é crime no Brasil. Uma lei de 1951, a lei 1390/51 – Lei Afonso Arinos, dizia: “constitui infração penal (contravenção penal) …o preconceito de raça ou de cor” foi substituída na Constituição de 1988, em seu art. 5º – inc. XLII, e passou a considerar a prática do racismo como crime inafiançável e imprescritível. Como esse espaço não é o ideal para o debate do direito, já vale a pequena indicação da Lei.

Não sei e não posso apontar culpado ou inocente no ocorrido. Mas, tratar o racismo como um tema menor ou menos grave, que outros tantos que presenciamos no dia a dia, não pode ser admitido. Sobretudo, porque fazer isso é desconhecer a história e a importância do negro para o Brasil, bem como não reconhecer o seu papel na história do futebol Brasileiro.

O racismo sempre esteve presente no Brasil e nos campos de futebol. No entanto, torna-lo aceitável é inadmissível. Durante longos anos o racismo quis paralisar o avanço dos negros no futebol brasileiro. Houve tempos em que as marcas da cor eram decisivas para a entrada, ou não, de atletas e sócios nos clubes esportivos. Mas, a sagacidade, a luta, a força e, sobremaneira, a habilidade destes homens fizeram com que a história “conhecesse” um outro agente social, fundamental para os desdobramentos do nosso país. Os negros.

Equipe de Futebol do Vila Isabel em 1918.

Equipe de Futebol do Vila Isabel em 1918.

Reconheço que deva ser difícil ao Sr. Autuori perceber a gravidade de um ato de racismo. Dois motivos me levam essa conclusão. O primeiro, por ser branco e de uma alta classe social talvez não conheça e nem reconheça a dor da exclusão e do estigma. Já o segundo motivo, o mais importante a meu ver, é saber que só quem sente a dor pode mensurá-la. E, neste sentido, o distanciamento do Sr. Autuori é visível e revelador.

Enfim, não resolvi escrever este pequeno texto para apontar culpado ou inocente no ocorrido, isso a justiça tem obrigação de fazer. Escrevi com a intenção de chamar a atenção dos desconhecedores da  história do Brasil, da história do Futebol brasileiro e, sobretudo, da história dos negros nas terras tupiniquim. Cuidado caro amigos, o desconhecimento leva a ignorância.

Por Ricardo Bull – Historiador

Para saber um pouco mais sobre  futebol e  racismo ver em:

SANTOS, R. P. . Futebo e Racismo no Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Periodico IHGB, p. 131 – 148, 12 jan. 2009.

PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Footballmania: Uma história do futebol Brasileiro no Rio de Janeiro – 1902 -1938. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,2000.

GOMES, Flávio dos Santos e CUNHA, Olívia Maria. Quase-cidadãos: História e antropologias da pós-emancipação no Brasil – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.

GOMES, Flávio dos Santos. Negro e política (1888-1937) – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2005.

SCHWARCZ, Lílian Moritz. O espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil – 1870-1930. São Paulo: Companhia da Letras, 1993.

FILHO, Mario. O Negro no Futebol Brasileiro, 4 ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.

MELLO, Victor Andrade de. Cidade Sportiva: Primórdios do esporte no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Relume Dumará: FAPERJ, 2001.

SANTOS, Ricardo Pinto e SILVA, Francisco Carlos Texeira. Memória Social dos Esportes – Futebol e Política: A Construção de uma Identidade Nacional. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.

ELIAS, Nobert e SCOTSON, John L. Os Estabelecidos e os Outsiders. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.

WIEVIORKA, Michel, Racismo e Modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Editora, 1995.