Educação Física, Higiene e Saúde Pública na Corte – Parte 2

10/05/2015

por Fabio Peres[i]

Em um post anterior destacamos como alguns relatórios da Junta Central de Hygiene Pública no final do século XIX deixavam entrever, não apenas o estabelecimento da relação entre educação física, exercícios corporais, saúde pública e higiene, como também sua institucionalização: isto é, enquanto saber médico materializado nas ações do Estado.

Contudo, como foi mencionado, essa relação não era gratuita, nem óbvia e muito menos incontestada. Tratava-se de uma construção que se deu de forma lenta, paulatina e muitas vezes pouca harmônica entre atores, práticas e ideias que configuravam o saber médico-científico do século XIX.

Na verdade, médicos da Corte já debatiam sobre a importância de tal associação desde, pelo menos, a década 1830. Periódicos médicos como o Semanário de Saúde Pública (1831-1833), Revista Médica Fluminense (1835-1841), a Revista Médica Brasileira (1841-1843), entre outros, revelam como a educação física se tornou pouco a pouco um domínio defendido pelos esculápios (Melo, Peres, 2014)[ii].

Em uma das sessões da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro (19/06/1830), cuja a ata foi publicada no Semanário de Saúde Pública em 1831 (09/04), houve apresentação do relatório da Comissão de Salubridade Geral, no qual a educação física era mencionada.

Vale destacar que tal comissão era responsável por apresentar sugestões para melhoramentos da higiene pública que a SMRJ defenderia junto ao Estado, que naquele mesmo ano reconhecera a entidade como colaboradora no aperfeiçoamento das questões ligadas à saúde.

1831.04.09.Semanario.de.Saude.Publica.ed.p77

No relatório que foi aprovado pela Sociedade, dois pontos reforçam a ideia de que a educação física e, em particular, a ginástica, começavam a se institucionalizar no saber médico da cidade.

Por um lado, havia uma maior preocupação com a educação física das crianças.  A proposta era que, dada a existência de diversas obras sobre o tema publicadas em francês e inglês, a SMRJ deveria lançar uma contribuição própria que reunisse o que sobre o assunto “parecesse melhor”. O objetivo principal era a circulação, “em língua vulgar” (p. 77), de informações que fossem úteis a “todos os pais de família”.

Por outro, ao listar uma série de tópicos que deveriam ser considerados pelo poder público, tendo em vista a questão da salubridade, o relatório fez menção à ginástica, considerada pela Comissão como uma prática ligada à saúde e aos divertimentos públicos, cuja importância deveria ser reconhecida pelo governo:

Ainda nos restaria muito a dizer sobre a construção viciosa das nossas casas, o estreitamento das ruas, […] a falta de passeios, de plantações de árvores nas praças, […] a falta de exercícios ginásticos, em que muito ganharia o povo, e o Governo, que deve interessar-se em vê-lo alegre e divertido […] (1831, p. 79).

Chama atenção a chave pela qual são lidas tais referências à educação física e à ginástica. A Comissão defendia a interdependência entre higiene privada e higiene pública como um dos eixos norteadores da elaboração do documento, revelando as relações entre indivíduo e sociedade que permeavam a concepção de saúde naquela ocasião.

Poucos anos depois a educação física e a ginástica voltariam a ser temas debatidos pelos médicos, quando a SMRJ é procurada por um não-médico para dar um parecer sobre um tratado de sua autoria . A intenção do autor era abrir um estabelecimento que oferecesse aulas de ginástica, obtendo antes o respaldo da Sociedade Médica da Corte. Mas essa história fica para um próximo post.

[i] Esse post é fruto das conversas e pesquisas realizadas no âmbito do projeto “O corpo da nação: educando o físico, disciplinando o espírito, forjando o país: as práticas corporais institucionalizadas na sociedade da Corte (1831-1889)”, que conta com o apoio da FAPERJ e do CNPq e é coordenado por Victor Andrade de Melo.

[ii] Maiores informações ver MELO, V. A.; PERES, F.F. A gymnastica no tempo do Império. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2014.


Mulheres nas águas (Rio de Janeiro, século XIX)

28/09/2014

Por Victor Andrade de Melo

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Não sendo exatamente um especialista nas questões de gênero (como o é minha querida amiga e irmã Silvana Goellner, com a qual temos a honra e o prazer de contar na equipe desse blog), sempre procurei, no âmbito de minhas investigações sobre o esporte no Rio de Janeiro do século XIX, registrar a participação feminina. Tratava-se de uma constatação explícita: a presença de mulheres nas iniciativas esportivas era anterior do que a princípio pensávamos, claro indício de uma posição protagonista, dentro dos limites do tempo (tratei um pouco do tema aqui, num artigo publicado na Revista Brasileira de História).

Os novos estudos que tenho procedido sobre as práticas corporais no Rio de Janeiro do século XIX, alguns deles em conjunto com o amigo e irmão Fábio Peres (que também integra a equipe desse blog), têm mostrado que o envolvimento das mulheres brasileiras com o esporte é ainda mais anterior. No post de hoje, tratarei brevemente da participação feminina nas iniciativas ligadas à natação. Será mesmo uma abordagem bem breve, dado que há muitos outros indícios que aqui não serão abordados por uma questão de espaço.

Para o memorialista Luiz Edmundo (1957), assim se trajavam as mulheres para os banhos de mar em determinado momento:

“calças muito largas de baeta tão áspera que mesmo molhada não lhe pode cingir o corpo. Do mesmo tecido, um blusão com gola larguíssima, à marinheira, obrigada a laço, um laço amplo que serve de enfeite e, ao mesmo tempo, de tapume a uma possível manifestação de qualquer linha capaz de sugerir o feitio vago de um seio. As calças vão até tocar o tornozelo quando não caem num babado largo, cobrindo o peito do pé. Toda a roupa é sempre azul-marinho e encadarçada de branco. Sapatos de lona e corda, amarrados no pé e na perna, à romana. Na cabeça, vastas toucas de oleado, com franzido à Maria Antonieta, ou exagerados chapelões de aba larga, tornando disformes as cabeças, por uma época em que os cabelos são uma longa, escura e pesada massa”.

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Nas duas últimas décadas do século, contudo, os jornais já veiculam algumas mudanças. Pelos números de A Estação, periódico que tinha a moda como assunto principal, podemos acompanhar as sugestões para as mulheres que procuravam os banhos de mar e a natação. Em 1879, apresentou-se o seguinte modelo: “A blusa e a calça são abotoadas, uma à outra, no cinto sofrivelmente largo, pregado de modo a correr com facilidade. Este modelo, de baetilha branca, é apertado por uma faixa, e enfeitado de bordado à ponto de marca”.

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Quase um ano depois, na coluna Crônica da Moda, Antonina Aubé observa a possibilidade de uso de uma vestimenta menos rigorosa para as que praticavam a modalidade: “As senhoras que aprenderem a nadar ou conhecerem a natação, a farão mais curta e com mais roda, para que não pareça repuxada, o que é extremamente feio e incômodo”.

A longa matéria descreve todos os detalhes da vestimenta, ainda bastante rigorosa se compararmos aos parâmetros atuais. Todavia, há que se destacar que a abordagem enfatiza mais a elegância e o conforto do que o pudor, embora essa seja uma dimensão que não deve ser negligenciada.

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No decorrer do século, sempre às vésperas do verão, o tema voltava à baila, com abordagem semelhante a essa já comentada. Além das vestimentas, comentavam-se comportamentos adequados e cuidados com a saúde e beleza a serem observados. Sempre se faziam ressalvas às distensões aceitáveis para as “nadadoras”.

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Já mais para o fim do século, a colunista Paula Cândida, é ainda mais enfática no que tange à participação feminina. Ao observar que as mulheres já tomam parte ativa em jogos e diversões públicas (“As senhoras idosas ficam admiradas diante dos jogos aos quais tomam parte as suas descendentes”), entre os quais duas novidades, o tênis e o ciclismo (rechaçado pela cronista por ser deselegante e sem função), Cândida sugere que a natação se encontraria entre os mais graciosos gêneros de diversão. Para ela, “a natação é indispensável para todas as senhoras e devia fazer parte da educação”.

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A ideia de que mulheres podiam praticar a natação não foi rapidamente aceita pela sociedade fluminense. Contribuíram para uma maior aceitabilidade não somente as ações de médicos e pedagogos, mas também a própria conformação de um mercado de entretenimentos e a circulação de notícias de nadadoras que se destacavam por proezas no exterior realizadas, especialmente recordes batidos por Miss Agnes Beckwith, chamada de “a primeira nadadora do mundo”. Logo também surgem notícias de mulheres nadando na cidade, especialmente na Praia do Boqueirão do Passeio.

Entre tantas, vale registrar o nome de duas pioneiras: Adélia Cardoso Silva, “uma elegante moça de 20 anos” que, em 1882, realizou com “admirável coragem a travessia da praia do Boqueirão à Ilha de Villegagnon”; e Ignez Victoria de S. e Souza, vencedora do páreo feminino de uma competição de natação organizada pelo Grêmio Filhos de Thetis, em 1886.

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Ginástica alemã na África colonial

14/04/2014

Sílvio Marcus de Souza Correa
Institut d’études avancées de Paris

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A ginástica fez parte dos fundamentos da cultura física na Alemanha desde o último quartel do século XIX. Em 1884, quando o imperialismo alemão entrou na “Partilha da África”, a ginástica se tornou uma prática esportiva recomendada aos corpos expostos aos rigores mesológicos do continente africano. As sociedades de ginástica (Turnvereine) tiveram um papel fundamental na organização da vida social e desportiva das comunidades alemãs, especialmente aquelas de Swakopmund, Windhoek, Lüderitzbucht e Keetmanshoop, na então colônia alemã do sudoeste africano (atual Namíbia).

Juntamente com as caçadas e as corridas de cavalo, a ginástica foi a base do incipiente campo esportivo na África colonial. A ginástica serviu ainda como forma de treinamento, pois o conflito armado fazia parte da ordem colonial. Para a prática da ginástica, havia treinos semanais e torneios anuais. Para a prática da ginástica, uma série de materiais era importada da Europa, especialmente da Alemanha. Autoridades locais, comerciantes, funcionários da administração colonial, oficiais da marinha ou da tropa militar, familiares e demais amadores do esporte formavam um público cativo em competições e torneios e, por conseguinte, eram também protagonistas do incipiente campo esportivo do sudoeste africano.

Apesar do apartidarismo político e religioso de seus estatutos, as sociedades de ginástica foram espaços sociais onde se propagaram algumas ideologias. Na colônia alemã do sudoeste africano, por exemplo, as sociedades de ginástica participaram não apenas para a formação do campo esportivo, mas também para a manutenção e propagação do germanismo e para a estruturação de um calendário esportivo nos quais os torneios eram também momentos de celebração do colonialismo.

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As sociedades de ginástica do sudoeste africano

As primeiras sociedades de ginástica do sudoeste africano foram fundadas em Swakopmund (1898) e Windhoek (1899). Segundo matéria do jornal Windhoeker Anzeiger, de 14 de fevereiro de 1900, entre os objetivos das sociedades de ginástica estava a prática de exercício para a força física e mental e a “preservação de um saudável sentimento patriótico”. Outras sociedades de ginástica foram fundadas durante a guerra colonial (1904-1908) como a sociedade de ginástica de Keetmanshoop e a de Lüderitzbucht, fundadas respectivamente em 20 de abril e 26 de novembro de 1907.

EmKaribib e Usakos também surgiram sociedades de ginástica. Até na Cidade do Cabo foifundada uma sociedade de ginástica em meados de 1911 com 30 membros ativos. Os treinos eram realizados na escola alemã (Deutsche Schule), na Queen Victoria Street.

As sociedades de ginástica tinham um estatuto próprio. Mas a orientação era comum e seguia, de modo geral, a matriz alemã. Segundo o estatuto da sociedade de ginástica de Keetmanshoop, o seu duplo objetivo era o aperfeiçoamento físico e espiritual e a preservação do germanismo. Para isso, fazia-se necessário o treinamento regular e os torneios em vida associativa.

Em contexto colonial, a prática da ginástica era uma forma de distinção entre os adventícios e os nativos. Mas ela também servia para marcar diferenças no interior da comunidade germânica na colônia alemã do sudoeste africano. Dito de outra forma, as sociedades de ginástica eram instituições de controle social.

Conforme o estatuto dasociedade de ginástica “Gut Heil” estava proibida a candidatura de qualquer cidadãocom menos de 17 anos, conscientemente contrário ao germanismo e/ou que fosse casadocom mulher de cor. Uma vez preenchidos os critérios para a candidatura, essa deveriaser formalizada por escrito. Em reunião mensal da sociedade, elegia-se em votaçãosecreta os novos membros. Para um nome ser aprovado era preciso a concordância damaioria dos associados presentes na reunião. Já um associado inadimplente ou queperdesse o seu direito de cidadania ou fosse condenado por algum crime poderia serexcluído da sociedade de ginástica.

Em suma, os valores implícitos ao germanismo e ao colonialismo alemão parecem incontornáveis à compreensão sociológica e histórica da emergência das sociedades de ginástica na então colônia do sudoeste africano.

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Referências

CORREA, S. M. S. As corridas de cavalos na colônia alemã do sudoeste africano (1884-1914). Cadernos de Estudos Africanos, p. 02-18, 2013.

CORREA, S. M. S. Caça e preservação da vida selvagem na África colonial. Esboços Revista do PPGH/UFSC, v. 18, p. 164-183, 2012.

CORREA, S. M. S. Colonialismo, germanismo e ginástica no sudoeste africano. Recorde: Revista de História do Esporte, v. 5, p. 134-156, 2012.

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Jogos Abertos Femininos (1954-1963): espaço de visibilidade para as mulheres gaúchas

06/04/2014

por Silvana Vilodre Goellner

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Os Jogos Abertos Femininos foram realizados em Porto Alegre entre os anos de 1954 a 1963 com o objetivo de incentivar as mulheres à prática de esportes assim como dar visibilidade aos clubes e agremiações do Estado.   Idealizados pelo jornalista Túlio de Rose e pelo Jornal Folha da Tarde mantinham um caráter festivo  que envolvia  clubes de Porto Alegre e  de diversas cidades do Rio Grande do Sul.

As competições geralmente aconteciam durante o período de uma semana em diferentes locais de Porto Alegre, sobretudo, no clubes e em alguns espaços públicos. A cerimônia de abertura era realizada no estádio da Sociedade de Ginástica Porto Alegre (SOGIPA) que comportava mais de 30 mil espectadores, o que foi  insuficiente para  alojar o público presente na abertura dos Jogos no ano de 1959. Essa cerimônia acontecia seguindo o mesmo roteiro em todas as adições e contava com o tradicional Desfile de Abertura no qual todos os clubes participantes apresentavam suas atletas. Após o desfile  dos clubes e das atletas participantes acontecia o hasteamento das bandeiras  ao som o  Hino Nacional, a proclamação  do  juramento  feita por uma  atleta escolhida pela organização do evento e, por fim,  o desfile em carro aberto da Rainha e das Princesas  dos Jogos.

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Abertura dos Jogos Abertos Femininos de 1957 Fonte: Jornal Folha da Tarde

Abertura dos Jogos Abertos Femininos de 1957
Fonte: Jornal Folha da Tarde

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 A programação apresentava competições em várias modalidades tais como atletismo, arco e flecha, ginástica, ciclismo, esgrima, hipismo, natação, basquete, saltos ornamentais, tênis, lance livre, voleibol, bolão, golfe, remo, regata à vela, pesca, tênis de mesa, bridge, tiro ao alvo, entre outras. Algumas dessas modalidades tais como o tênis, a natação, o atletismo e o voleibol   tinham certo destaque em função de já existirem equipes e competições consolidadas no estado do Rio Grande do Sul.

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Pesca. Jogos Abertos Femininos de 1960 Fonte: Folha da Tarde

Pesca. Jogos Abertos Femininos de 1960
Fonte: Folha da Tarde

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A competição previa a premiação da Atleta Destaque cujo critério principal para a escolha era a participação no maior número de modalidades. Diná Pettenuzzo Santiago, uma participante dos Jogos assim se refere ao evento: “tínhamos a oportunidade de fazer coisas que a gente não fazia, como por exemplo, pescar, jogar pingue-pongue, bocha, atletismo, a gente se metia em tudo, às vezes nem sabíamos muita coisa, mas íamos pelo clube,  primeiro para auxiliar e para clube ter representação e segundo pra tentar ganhar, e quem sabe ser escolhida a atleta dos jogos” (2002, p. 6).

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Diná Pettenuzzo Santiago em entrevista ao Centro de Memória do Esporte (2006) Fonte: Centro de Memória do Esporte

Diná Pettenuzzo Santiago em entrevista ao Centro de Memória do Esporte (2006)
Fonte: Centro de Memória do Esporte

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Em um tempo no qual o esporte não era observado como possibilidade de carreira profissional para as mulheres, os Jogos Abertos Femininos deram visibilidade às praticas corporais e esportivas como um espaço de  sociabilidade das mulheres das elites.  Vale lembrar que para participar da competição  havia a necessidade de pertencer a algum clube e assim representá-lo. Essa participação foi importante para muitas atletas que, em função de seu desempenho e pertencimento clubístico, foram convocadas para participarem de competições nacionais e internacionais representando o Rio Grande do Sul e o Brasil, fundamentalmente, nas modalidades de natação, tênis, voleibol e basquetebol. Ou seja, ainda que para uma pequena elite, promoveram a divulgação do esporte de forma a fazer ver que o esporte também poderia ser uma prática delas.

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Margot Ritter recebendo de Túlio de Rose o troféu  Atleta de Destaque nos Jogos Abertos Femininos  de 1956 Fonte: Centro de Memória do Esporte

Margot Ritter recebendo de Túlio de Rose o troféu
Atleta de Destaque nos Jogos Abertos Femininos de 1956
Fonte: Centro de Memória do Esporte


Educação Física, Higiene e Saúde Pública na Corte – Parte 1

15/12/2013

por Fabio Peres[i]

Em 15 de abril de 1885, a Junta Central de Hygiene Pública apresentava um relatório, cuja “espinhosa tarefa” era “levar ao conhecimento do Governo Imperial os factos mais culminantes occorridos no Império relativamente à saúde publica” (1885, p. A-F-1)[ii]. A análise da estatística das mortes na cidade do Rio de Janeiro, um dos pontos centrais do relatório, dedicava especial atenção às causas da “notável” mortalidade infantil ocorrida no ano anterior:

Serão os defeitos da educação physica que produzem tão funesto resultado? […] Incontestavelmente a educação physica das mães e das crianças não é a mais adequada ao nosso clima; a esta proposição se estende desde o recém-nascido até a criança que caminha para a adolescência. […] si considerarmos a educação physica e a hygiene escolar entre nós, achamol-as eivadas de numerosos e graves inconvenientes. Desenvolver o entendimento sem attender as necessidades do physico é realisar uma educação incompleta (1885, p. A-F-9-10-11).

Havia, nesse sentido, uma percepção ampla de educação física, que a concebia próxima à puericultura, incluindo preocupações com alimentação, vestuário e condições gerais de limpeza e higiene da infância no espaço privado e escolar. Mas além disso, também somava-se a ela uma compreensão dos benefícios específicos da prática ao corpo per se:

 E’ preciso, pois, guardar um meio termo: dar impulso ás faculdades intellectuaes sem desprezar um exercicio razoável dos órgãos corporeos. […] E’ pois necessário modificar a hygiene escolar, reformal-a pela base, derrocando a inveterada rotina que dà em resultado a formação de sábios e ao mesmo tempo de inválidos. O ensino gymnastico e militar nas escolas primarias è adoptado na Allemanha, na França e em outros paizes. Manuaes adequados são remettidos aos instituidores, assim como as collecções de apparelhos para a installação dos gymnasios escolares e um certo numero de armas para exercicio ao alvo e esgrima (1885, p. A-F11).

O relatório da Junta Central de Hygiene Pública deixava entrever, não apenas o estabelecimento da relação entre saúde, higiene e exercício corporal, como também sua institucionalização: isto é, enquanto saber médico materializado nas ações do Estado. Na verdade, Domingos José Freire[iii], presidente na época da Junta Central de Hygiene Pública, já havia assinalado no relatório do ano anterior que entre as causas que contribuíam para a incidência de epidemias e, em particular, da tuberculose na cidade estavam os “nossos hábitos que condenmam o exercício”, a “vida sedentária” e a “inacção” (1884, p. A-F2-24)[iv].

Relatório do Presidente da Junta Central de Hygiene Pública (1885)

Devemos ter em vista um pouco do contexto em que se insere a produção do relatório. Como se sabe, as relações entre higiene, medicina e saúde estruturaram projetos públicos e privados de educação (sobretudo, escolar) da população brasileira no decorrer do Império. Em maior ou menor grau, tais projetos envolviam uma concepção de educação física, que mobilizava a articulação entre domínios corporais, morais e intelectuais, adequada à nação moderna e civilizada que se pretendia construir, ao mesmo tempo, em que era necessário lidar com condições econômicas, políticas e sociais específicas e concretas de um país recém-independente, periférico e ainda em formação (Melo, Peres, 2013). Aliás, não é por acaso que frequentemente o tema tem sido abordado a partir da perspectiva da história da educação (e não de outras áreas, por exemplo).

Por outro lado, a Junta Central de Hygiene Pública, inicialmente chamada apenas de Junta de Hygiene Pública, foi criada em 1850[v], como um dos principais desdobramentos das medidas que tinham o objetivo de melhorar o estado sanitário da capital e do Império, em geral. Uma epidemia de febre amarela acabara de assolar a Corte, colocando na ordem do dia a salubridade pública e as condições higiênicas da cidade. Estima-se que entre a população de 166 mil habitantes, cerca de 90 mil contraíram a doença, provocando 4.160 mortos (alguns estudos calculam que esse número pode ter chegado a 15 mil óbitos)[vi].  Nesse cenário, a Junta possuía, entre outras atribuições, propor ao governo as ações necessárias para promover a salubridade pública e exercer o papel de polícia médica e sanitária[vii].

Posteriormente, outras enfermidades e epidemias se abateram sobre a população da Corte, bem como a do resto do país, aumentando bastante as taxas de mortalidade: além da febre amarela, cólera, tuberculose, disenterias, malária, entre tantas outras enfermidades, que eram lidas e tratadas através das teorias médicas e de diversas outras práticas não-científicas. O que reforçava o papel e as responsabilidades da Junta em melhorar as condições de saúde da capital, incluindo preocupações com a educação física da população.

Contudo, a relação entre educação física, exercícios corporais e saúde pública – presente no relatório de 1885 e que no final do século XIX e começo do XX se tornaria cada vez mais frequente e intensa – não era gratuita e nem óbvia. Tratava-se de uma construção que se deu de forma lenta, paulatina e muitas vezes pouca harmônica entre atores, práticas e ideias que configuravam o saber médico-científico do século XIX.

Cerca de meio século antes da publicação do relatório de 1885, médicos da Corte já apontavam a importância de tal associação. E mesmo logo após a sua criação, a Junta Central de Hygiene Pública já enredava (às vezes de maneira fina) essa tessitura. Mas essa história fica para um próximo post.


[i] Esse post é fruto das conversas e pesquisas realizadas no âmbito do projeto “O corpo da nação: educando o físico, disciplinando o espírito, forjando o país: as práticas corporais institucionalizadas na sociedade da Corte (1831-1889)”, que conta com o apoio da FAPERJ e do CNPq e é coordenado por Victor Andrade de Melo.

[ii] FREIRE, Domingos José. Relatório do Presidente da Junta Central de Hygiene Publica. In: BRASIL. Ministério do Império. Relatorio do anno de 1884 apresentado a assemblea geral legislativa na 1ª sessão da 19ª legislatura (publicado em 1885). Rio de Janeiro: Ministério do Império. p.A-F-1 – A-F-9. 1885.

[iii] Maiores sobre o médico Domingos José Freire ver BENCHIMOL, Jaime Larry. A instituição da microbiologia e a história da saúde pública no Brasil. Ciênc. saúde coletiva. 2000, vol.5, n.2, p. 265-292 e BENCHIMOL, Jaime L. Domingos José Freire e os primordios da bacteriologia no Brasil. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Jun 1995, vol.2, no.1, p.67-98 .

[iv] FREIRE, Domingos José. Relatório apresentado ao governo imperial pelo Dr. Domingos José Freire, Presidente da Junta Central de Hygiene Publica. Epidemias na cidade e subúrbios. Endemias. Tuberculoses pulmonares. In: BRASIL. Ministério do Império. Relatorio do anno de 1883 apresentado a assemblea geral legislativa na 4ª sessão da 18ª legislatura (publicado em 1884). Rio de Janeiro: Ministério do Império. p.A-F2-1 – A-F2-39. 1884.

[v] Decreto nº 598, de 14 de Setembro de 1850. Concede ao Ministerio do Imperio hum credito extraordinario de duzentos contos para se exclusivamente despendido no começo de trabalhos, que tendão a melhorar o estado sanitario da Capital e de outras Povoações do Império.

[vi] Maiores detalhes da epidemia de 1850 ver artigo “A morte anunciada” de Monique de Siqueira Gonçalves em http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/a-morte-anunciada

[vii] Posteriormente, em 1851, foi promulgado o Decreto nº 828, de 29 de Setembro que detalha e manda executar o regulamento da Junta de Hygiene Publica.


 

MELO, V. A., PERES, F. F. O corpo da nação: posicionamentos governamentais sobre a educação física no Brasil monárquico. História, ciências, saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, 2013, no prelo.


Os Jogos Intermunicipais do Rio Grande do Sul e as “Rainhas da Beleza” (1967-1971)

01/12/2013

por Silvana Vilodre Goellner e Natália Bender
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Os Jogos Intermunicipais do Rio Grande do Sul (JIRGS) foram realizados pela primeira vez no ano de 1967 na cidade de Caxias do Sul chegando em 2013 a sua 41ª edição.  Como de praxe em outros eventos esportivos, nas suas edições inaugurais as atletas disputaram uma prova específica a qual não tinha disputa correlata entre os atletas homens: a prova da beleza.

Dotadas de capital simbólico as representações que circunscreviam este título estavam direcionadas para a consagração de um ideal de feminilidade no qual a participação em competições esportivas reafirmava um modo de ser e de se comportar considerado adequado ao que se esperava de uma jovem mulher: beleza, elegância, simpatia e graciosidade.

Concursos desta natureza buscaram inspiração em eventos já reconhecidos fora das arenas esportivas tais como o Miss Universo e Miss Brasil. O primeiro surgiu na Califórnia (Estados Unidos) no ano de 1952 e foi determinante para a realização, em 1954, da primeira edição do Miss Brasil que aconteceu na boate do Hotel Quitandinha, na cidade de Petrópolis (RJ) e teve como vencedora a baiana Martha Rocha. No contexto gaúcho foi também em 1954 que despontou o Miss Rio Grande do Sul, concurso realizado na cidade de Porto Alegre tendo como primeira vencedora Ligia Carotenuto, representante da cidade de Caxias do Sul e eleita, no mesmo ano, como segunda colocada no Miss Brasil.

Nos eventos que envolviam competições esportivas alguns critérios foram adicionados à escolha da atleta que seria consagrada como “Rainha”. Nos Jogos da Primavera, realizados na cidade do Rio de Janeiro entre o final dos anos 1940 e meados de 1970, o julgamentos relacionava a plástica feminina, os traços fisionômicos, a eficiência esportiva e a disciplina da atleta na participação nos jogos, ainda que a estética fosse  exaltada com o maior peso entre os critérios de seleção, segundo afirma Ludmila Mourão em estudos sobre essa competição esportiva.

Os Jogos da Primavera foram referência para a organização, no Rio Grande do Sul, dos Jogos Abertos Femininos que aconteceram entre os anos de 1954 e 1963 com o objetivo de contribuir para a popularização da prática esportiva entre as mulheres gaúchas. Idealizados pelo jornalista Túlio de Rose, tiveram grande adesão na época  e contavam com  a disputa de modalidades pouco convencionais como a pesca e a bocha.

Os Jogos Intermunicipais do Rio Grande do Sul foram criados depois destes eventos esportivos e mantiveram algumas práticas em comuns como, por exemplo, a   realização do concurso de beleza feminina. Nesse texto destacaremos as suas três primeiras edições tendo como fonte de pesquisa a cobertura que o evento teve nos jornais da época.

Na primeira edição dos JIRGS, realizada entre os dias 26 a 28 de outubro de 1967 na cidade de Caxias do Sul, foi organizado um júri que, além de presenciar o desfile das candidatas, teve a oportunidade de entrevistá-las sobre temas que envolviam o esporte amador. Reunidos os critérios e avaliadas as candidatas, fez-se vencedora a atleta Magdalene Krolow, representante da cidade de Ijuí. Na sua segunda edição, realizada entre 27 de abril e 1º de maio de 1968 em Santa Maria, a escolha da Rainha foi bastante noticiada pela imprensa da época que foi unânime em destacar os atributos estéticos da jovem vencedora, Maria Dani, representante de Novo Hamburgo. Vejamos uma dessas matérias, publicadas no jornal Folha Esportiva do dia 03 de maio de 1968.
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Santa Cruz do Sul sediou nos dias 17 a 21 de abril a  terceira edição do JIRGS e, consequentemente, do concurso de Rainha tornando-se vencedora Beatriz Regina Neves representante da cidade de Taquara. A conquista do título foi registrada na imprensa que não deixou de mencionar os atributos estéticos da vencedora.
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A simpatia de Taquara

A turma de Taquara – muitas moças e poucos rapazes – é uma turma diferente. Não só porque entre elas está a Rainha dos III Jogos Intermunicipais, mas também porque é uma turma alegre e muito comunicativa. É a segunda vez que Taquara vence o concurso de beleza em certames atléticos: no ano passado, nos Jogos Intercolegiais, em Ijuí, também teve sua representante escolhida como rainha.

A rainha dos III Jogos – Beatriz Regina Costa Neves – tem cabelos longos aloirados e é muito bonita e desembaraçada. Suas colegas, Verona Lacerda e Lison Brodbeck dizem que o apelido dela é Gina e que está fazendo um “sucesso bárbaro” em Santa Cruz:

– Você precisava ouvir o que os rapazes diziam para ela ontem, no desfile.

– O que é que eles diziam?

– Ah, não dá para contar. Mas basta olhar para ela que a gente logo adivinha

Beatriz Regina tem apenas 15 anos, mas pode-se dar até 18 ou 19. Tem 1,68 m de altura e está cursando a 3ª série do ginasial no Colégio Santa Teresinha, em Taquara. Quer fazer o Científico depois, e, futuramente, Educação Física ou Psicologia. Sua matéria preferida, apesar de tudo, é Matemática. Seus passatempos são leitura e treinos de Vôli. Pratica também natação, mas nos Jogos está competindo apenas em vôli. Gosta de cinema e diz que basta saber que Frank Sinatra trabalha num filme, que ela vai ver sem se preocupar com mais nada. Está aprendendo piano e torce para o Internacional.

Ao meio-dia a Rainha e suas colegas, almoçam na Lancheria Xodó, que se torna, evidentemente, centro das atenções de muitas outras delegações.

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Na quarta edição, realizada nos dias 22 a 25 de outubro de 1970 na cidade de Pelotas, foi a representante da delegação de Cachoeira do Sul, Maria Helena Luchsinger que levou o título de IV Rainha do JIRGS. Já em 1971, foi uma atleta da delegação de Santa Cruz do Sul, a escolhida para o título de Rainha dos V Jogos Intermunicipais, realizados no período de 21 a 24 de outubro na cidade de Novo Hamburgo. Essa conquista foi noticiada pelo jornal Folha da Tarde no dia 22 de outubro conforme reportagem abaixo.

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Ainda que a beleza das atletas tivesse destaque no concurso que alçava uma delas à condição de “Rainha” e outras duas à de “Princesas”, os atributos estéticos das mulheres participantes do JIRGS foram exibidos de outros modos. Nos jornais que fizeram a cobertura das suas cinco primeiras edições foi possível identificar outros  textos e imagens nas quais podemos visualizar as mulheres em ação. Ma isso já é outra história…

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Ginástica, cultura e política no Rio de Janeiro do século XIX: A Sociedade Ginástica Francesa

14/09/2013

por Victor Andrade de Melo

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Entre as mais importantes instituições que contribuíram para a difusão da ginástica no Rio de Janeiro do século XIX podemos situar os clubes ginásticos. No Rio de Janeiro do século XIX, organizaram-se pelo menos cinco deles: A Sociedade Alemã de Ginástica, o Clube Ginástico Português, o Congresso Ginástico Português, o Congresso Brasileiro e a Sociedade Ginástica Francesa, assunto de nosso post de hoje.

A Sociedade Francesa de Ginástica foi fundada em 1863 e autorizada a funcionar em fevereiro de 1871. Na ocasião, o Brasil já possui claras relações com a cultura francesa. As referências simbólicas desse país gozavam de alto grau de respeitabilidade, consideradas sinais de evolução civilizacional. Além disso, havia um grande número de franceses na Corte estabelecidos.

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Gazeta de Notícias, 12 de abril de 1884

Gazeta de Notícias, 12 de abril de 1884

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Mesmo que na França a ginástica não ocupasse um lugar tão central, a prática era importante na estruturação da entidade que no Brasil se estabeleceu. Afirmava-se no artigo 1º dos estatutos: “Ella não pode em tempo algum e sob nenhum pretexto renunciar ao seu principio – a gymnastica, nem reunir-se a outras sociedades, e em taes condições é indissolúvel”.

As aulas eram previstas estatuariamente, mas abria-se possibilidade de os sócios praticarem a ginástica, usando os aparelhos da sociedade, em alguns períodos da semana (“das seis às onze horas da noite em dias uteis, e todo o dia em dias feriados”), independentemente da presença de um professor (ou ensaiador, como denominavam os alemães).

Nos estatutos, previa-se a contratação de professores de ginástica, música e esgrima para que atuassem não somente nas aulas como também dirigindo demonstrações nas festividades da Sociedade. Entre os mestres que lecionaram na agremiação, alguns merecem destaque. Um deles é João José Ferreira da Costa, futuramente um dos fundadores do Clube Ginástico Português. Outro que merece destaque é Paulo Vidal, que no Rio de Janeiro se notabilizou por seus serviços de mestre de ginástica do Colégio Abílio e do Colégio Pedro II.

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Diário do Rio de Janeiro, 20 de julho de 1875

Diário do Rio de Janeiro, 20 de julho de 1875

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Um dos anúncios do clube informa que outro professor foi Marcos Casali,  ginasta e empresário da Cia. Casali, membro de uma família tradicionalmente envolvida com exibições ginásticas, proprietária de um importante circo. Dessa companhia fazia parte Vicente Casali, que foi, além de artista de renome na companhia de sua família, um dos mais ativos professores de ginástica do século XIX.

Aqui temos um indício de como os círculos da ginástica se cruzavam. A família Casali atuava no ramo do entretenimento, mas também em agremiações ginásticas e em importantes escolas da cidade. Parece infrutífera qualquer tentativa de ver os meios como absolutamente estanques, a despeito dos discursos oficiais.

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Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 30 de setembro de 1875

Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 30 de setembro de 1875

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Por vezes os jornais chegaram a registrar esses pontos em comum, como nesse comentário sobre um baile na Sociedade Francesa:

Entremos antes no baile da Société française de gymnastique, os seus alunos estão, como se diz, pintando a manta no trapézio e na barra fixa.

Com efeito é admirável… Vê um gymnasta n’aquelle trapézio lá no fim do salão? Vê outro trapézio aqui, sobre a sua cabeça? Vio bem, atenção, hup!…Eil-o neste cá, e seguro pelos pés! É o Salto do Niagara.

– Mas eu já vi fazer isto no circo.

– Também eu, leitora, já vi fazer isto muitas vezes, somente nunca fiz!

A Sociedade Francesa era bastante festiva e seus eventos tinham grande repercussão nos jornais fluminenses. Os bailes de aniversário, trimestrais, carnavalescos ou ocasionais, ainda que em muitas ocasiões divulgados em francês (ou até mesmo por isso considerados um sinal de suposto requinte), foram ganhando espaço na cidade, sempre muito elogiados e aguardados.

A presença e valorização das práticas corporais nessas atividades podem ser observadas numa matéria de Vida Fluminense, de 20 de agosto de 1868, sobre uma de suas festas de aniversário. Depois de elogiar os cavalheiros e damas presentes, o cronista informa: “Por esta breve descripção da festa anual da Sociedade Gymnastica Franceza fica plenamente demonstrado como se pode com facilidade aliar o util ao agradável, transformando em delicioso passatempo os penosos e difíceis exercícios gymnasticos” (p. 411).

A programação comumente se iniciava com uma exibição de ginástica, exercícios realizados na barra fixa, nas argolas, no trapézio, tendo como ponto alto a execução do “voo do Niágara”. Eventualmente havia também assaltos de esgrima. Essas ocasiões eram sempre acompanhadas com grande excitação pelo público, e não poucas vezes elogiadas pelos jornais.

A Gymnastica Franceza, que em fevereiro inaugurou a sua nova casa à travessa da Barreira, vai dando cada vez mais realce às suas soirées. Os exercícios de gymnastica que precederam o baile, e que não foram o menor attractivo d’aquella noute, deram prova dos bons resultados que se podem tirar do desenvolvimento systematico da força e da agilidade.

 O arrojo dos executantes, que algumas vezes chegaram a se acidentar, entusiasmava a assistência. Pelo que se descreve nos jornais, uma vez mais percebemos semelhanças com os espetáculos dos circos, onde os exercícios ginásticos eram uma das principais atrações. Isso é, ainda que integrassem grupos diferentes, com intencionalidades distintas, a dinâmica de apresentação os aproximava. Da mesma forma ocorria com as exibições da ginástica na escola. Se os discursos eram divergentes, havendo até mesmo oposições assumidas, o cotidiano era marcado por grande circularidade e muitos pontos em comum.

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Le Messager du Brésil, 13 de junho de 1884

Le Messager du Brésil, 13 de junho de 1884

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Um dos aspectos mais interessantes da trajetória da Sociedade Francesa de Ginástica foi sua inserção na vida política do Rio de Janeiro, notadamente sua relação com os republicanos. Mas esse é assunto para outra ocasião.

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Política, literatura e atributos atléticos: comparações e analogias no século XIX

25/08/2013

por Fabio Peres[i]

Logo após a conquista da Copa de 62, Carlos Drummond de Andrade propôs em tom de graça e entusiasmo que a seleção brasileira deveria ocupar todos os postos ministeriais. Afinal, a vitória não significava pouca coisa. O bicampeonato “lavou os corações“, “uniu os desafetos” e “tornou possível a solução imediata dos problemas que nos afligem“. A crônica, publicada em 20 de junho de 1962, no Correio da Manhã (p.6), destacava com certa ironia as vicissitudes da conjuntura política da época:

“Este bi veio na hora H. Os políticos procuram um rumo para a nação e não o encontram, ou querem encontrá-lo fora do lugar. A mudança do Gabinete, que devia ser caso de rotina, assumiu ares de problema grave, e ninguém sabe como compor a nova equipe dirigente. Ninguém? É exagero. Modestamente vos proponho a equipe ideal, que não é nem pode ser outra senão a equipe detentora da Taça Jules Rimet […]”.

O escrete que compunha a então Seleção de Ouro possuía, de acordo com Drummond, as qualidades necessárias, tanto pessoais como técnicas, para o desempenho das funções do Gabinete e de cada pasta ministerial:

“Naturalmente o primeiro-ministro há de ser o Mauro, capitão do escrete. Bem o merece. É zagueiro, isto é, jogador de defesa e não do ataque, e isso convém a um primeiro-ministro, que se requer cauteloso, resistente, preocupado em proteger nossa vasta retaguarda […] Um velhinho sabido como Nilton Santos fica certo na Justiça, para distribuí-la ou negá-la como de mister, impor respeito e conduzir o jogo político à base de vivências, usando se preciso, seus traiçoeiros disparos. Na Fazenda, pede-se Gilmar, tão econômico no deixar passar gols; defendeu a meta como o Tesouro […]” (20/06/1962, p.6).

E por aí vai Drummond escalando o time de ministros. Didi, hábil em estabelecer com estilo e elegância nossa “independência no meio campo das nações“, para o cargo de  chanceler. Zagalo, pela sua polivalência, poderia estar em várias pastas (Agricultura, Indústria e Comércio, Minas e Energias ou Viação). Garrincha teria o privilégio de escolher aquela que fosse de seu agrado (afinal, “todo Ministério é pouco para este em sua simplicidade arguta“). Vavá e Amarildo sorteariam entre si a da Guerra. E os outros jogadores, bem como a comissão técnica, não seriam esquecidos, havendo lugar para todos. No caso de Pelé, “até ministro sem pasta honraria o Gabinete” (a crônica pode ser lida na integra no final do post).

Mas o que tudo isso tem a ver com a ginástica e a política praticadas no século XIX?

Nos últimos posts, argumentamos que o espraiamento da ginástica na sociedade da Corte se deu de forma multifacetada, através de um conjunto variado de atores, ideias e instituições (e não de maneira linear e unívoca como as teses, em geral, têm defendido). Não por acaso, chegamos a destacar em outra ocasião (Melo & Peres, 2013) que o termo no singular não seria nem mesmo o mais apropriado: existiam ginásticas, com diferentes técnicas e funções, que se manifestavam no Segundo Reinado.

Como diversas fontes têm sugerido, a presença de tais práticas na vida social carioca era maior do que se poderia supor. Talvez alguns dos indícios mais significativos dessa presença sejam aqueles justamente em que a ginástica figura em situações e espaços sociais que não são comumente identificados nas pesquisas tradicionais como “o” foco de origem de sua “difusão” ou “imposição”. Além das escolas, das instituições médicas, das instituições de defesa e, de modo geral, do Estado, a ginástica também estava nos teatros, nos circos e, por incrível que possa parecer, na literatura do século XIX.

Por certo, muito longe de gozar da mesma popularidade do futebol na época da crônica de Drummond, as referências literárias à ginástica podem ser encaradas como um sinal, entre outros, de sua vulgarização; que se dava, é bom lembrar, de modo desigual e heterogêneo entre os estratos sociais da cidade.

Em 1855, Joaquim Manuel de Macedo estabeleceu – assim como faria Drummond aproximadamente um século depois[ii] – relações entre atributos políticos e atléticos[iii] em suas obras. Também em tom zombeteiro sobre a troca de ministros e o oportunismo político, o escritor destacava em “A carteira de meu tio” que o estadista deveria aprender a arte da ginástica[iv].

O romance, que foi publicado em forma de folhetim na Marmota Fluminense, é narrado sob a perspectiva do sobrinho (do tio em questão), que decide, depois de passar alguns anos na Europa, ingressar na vida pública brasileira e se tornar político. Com traços que beiram o realismo, a obra – também caracterizada como uma crônica romanceada – traz à tona de maneira bastante bem-humorada o confronto entre, de um lado, as abstrações das leis (presentes na Constituição de 24, chamada no romance como defunta) e, de outro, a realidade e o cotidiano da pátria em meados do século XIX. Nesse cenário, em que há mistura de história e ficção, a sátira e a ironia são utilizadas como crítica à sociedade política imperial[v].

O trecho descrito na Marmota Fluminense (08/05/1855) começa quando o protagonista querendo se esquivar de uma visita indesejada, pula por uma janela, entrando em casa, sem que o visitante perceba: “de um salto puz-me dentro, e fui pé ante-pé recolher-me ao meu quarto“.  E cinicamente dispara contra as intempéries políticas do Império:

“Não tenho vergonha da acção, que pratiquei: não são somente ladrões e os namorados, que entram pelas janellas em vez de entrar pelas portas; os grandes políticos da escola do eu, que como se sabe, é predominante na actualidade, as vezes, e sempre que necessário aos seus interesses, pulam também pelas janellas para dentro do ministério, e até mesmo se sujeitam, a fim de chegar ao poleiro, a espremer-se tanto, que chegam a fazer caminho por qualquer buraquinho de rato” (p.1, grifos do autor).

Complementa o protagonista, fazendo referência à ginástica enquanto ponte tragicômica entre a análise pragmática da política e o sentido figurado e alegórico da prática corporal:

“É por isso que eu sustento que a gymnastica é uma arte indispensável aos estadistas: a politica toda se reduz a saber atacar e retirar, saltar e correr, agarrar e comer, tudo muito opportunamente […] só quem já foi ministro duas ou trez vezes pelo menos, e aproveitou-se do ministério para arranjar a vida, é que póde deitar-se todas as noites em colxões macios. Eu heide chegar lá; porque bons mestres me tem dado exemplos admiráveis, e aberto uma estrada, em que não se acha estrepe, nem atoleiro ” (08/05/1855, p.1-2, grifos nossos).

O romance de Joaquim Manuel de Macedo é apenas um exemplo da presença da ginástica na literatura do século XIX. Muitas referências podem ser encontradas nos periódicos do Segundo Reinado. Várias delas utilizaram o termo “ginástica” em sentido figurado[vi]. Tal polissemia, a nosso ver, estava associada a um compartilhamento, mesmo que mínimo, do que significava ginástica e dos papéis e valores atribuídos a ela, possibilitando assim usos por metáfora, metonímia, extensão de sentido etc. Mas isso fica para outra ocasião.

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EM TEMPO 1: este post é dedicado ao seu Oswaldo (in memoriam); amante e profundo conhecedor de futebol, samba, política e, sobretudo, da vida.

EM TEMPO 2: em sua homenagem, reproduzo a seguir a crônica “Imagens da Vitória. Seleção de Ouro” de Carlos Drummond de Andrade, publicada em 20/06/1962 no Correio da Manhã (p.6).


[i] Esse post é fruto das conversas e pesquisas realizadas no âmbito do projeto “O corpo da nação: educando o físico, disciplinando o espírito, forjando o país: as práticas corporais institucionalizadas na sociedade da Corte (1831-1889)”, que conta com o apoio da FAPERJ e do CNPq e é coordenado por Victor Andrade de Melo.

[ii] Vale destacar que desde 1931, pelo menos, o tema futebol esteve presente de forma intermitente nos escritos de Carlos Drummond de Andrade. Com a conquista da Copa de 58, ele já havia aventado a possibilidade do presidente convidar determinados jogadores para pastas ministeriais. Maiores informações ver ANDRADE, Carlos Drummond. Quando é dia de Futebol.  Rio de Janeiro: Record, 2002.

[iii] Estamos utilizando o termo “atlético”, considerando que a ideia de desempenho atlético não se restringe exclusivamente a requisitos corporais ou físicos tomados em sentido stricto.

[iv] Joaquim Manoel de Macedo também fez menção à ginástica na obra Memórias da Rua do Ouvidor (1878), publicada originalmente em folhetins semanais no Jornal do Comércio.

[v] Maiores informações ver QUEIROZ, J. M. A carteira de meu tio: ficção e história em Joaquim Manuel de Macedo. Revista Brasileira de História e Ciências Sociais, v. 2, p. 1-10, 2010.

[vi] Não era raro, por exemplo, o uso da noção “ginástica política”, geralmente utilizada como categoria de acusação, isto é, em sentido pejorativo.

 


Um elogio aos músculos – o corpo em pedaços

24/06/2013

Por André Schetino

Olá amigos do História(s) do Sport.

Como prometi em meu último post, hoje falaremos um pouco sobre o corpo masculino na década de 1950, período importante para a industrialização brasileira. Se para as mulheres o padrão era de um corpo magro, para os homens entravam em cena os músculos.

Esse aspecto da força, era especialmente direcionado para o mundo do trabalho e da produtividade. Trata-se de uma mudança importante, uma vez que os músculos – por serem o principal sinal de trabalho braçal – eram antes mal vistos pelas altas camadas da sociedade. Mas o esporte transformou essa visão, e  o corpo musculoso agora passava a ser sinônimo de saúde e beleza masculina.
É o que podemos ver com a realização do “1º Campeonato Nacional de Levantamento de Pesos e o campeonato para escolha do melhor físico de 1950 ” acontecido no Rio de Janeiro. A reportagem da Revista O Cruzeiro nos dá uma ideia da transformação do ideal de corpo que já vinha em curso nas grandes cidades industrializadas.

O CAMPEONATO PARA ESCOLHA DO MELHOR FÍSICO

Se as provas de levantamento de pesos atraíram uma boa assistência, na qual se notavam muitas representantes do sexo “frágil”, o campeonato para a escolha do Apolo Brasileiro de 1950 fez superlotar o antigo “grill” do Casino Atlântico. E dessa vez, como é facil imaginar, o elemento feminino acorreu em massa.
Perante a comissão julgadora, constituida por esportistas e artistas, os “bonitões” exibiram as suas possantes musculaturas, enquanto lá dentro, nos bastidores e camarins outrora ocupados pelas coristas do Cassino, os que se preparavam para ir ao palco davam os últimos retoques na camada de oleo destinada a realçar os bíceps, peitorais, tríceps e deltóides. Havia diversas classificações: Seria escolhido “o melhor braço”, “o melhor peito”, “a melhor perna”, “o melhor abdomem”, “as melhores costas”, “o mais musculoso” e, finalmente, “o melhor fisico”, ou seja, o que reunisse o melhor conjunto, sagrando-se assim o Apolo Brasileiro de 1950.
As provas foram longas e exaustivas, sob um calor de rachar. Os atletas tiveram que se exibir individualmente, depois aos pares, depois em grupos de três, de cada vez dotando as mais diversas poses a fim de permitir aos juizes uma apreciação detalhada e justa. A assistencia, por seu lado, se manifestava com ruido, enquanto no palco os músculos se enovelavam, se retezavam, se contraiam em contorsoes incríveis.
Tratando-se de um campeonato aberto, havia 21 participantes, alguns dos quai provenientes do Rio Grande do Sul, Bahia, São Paulo, Pernambuco e Estado do Rio. Por fim, os representantes da Liga Brasileira de Halterofilismo, organizadora do concurso, proclamaram os vencedores: O melhor braço: João Werneck Soares; O melhor peito: Zenildo Alves Ferreira; O mais musculoso: Zenildo Alves Ferreira; A melhor perna: Gerson Dória; O melhor abdomem: Gerson Dória; As melhores costas: Agenor Barbosa; O melhor físico de 1950: João Werneck Soares, do Ginásio Apolo . (Músculos em revista. O CRUZEIRO, 26 de agosto de 1950, p. 104. Texto de João Martins.)

O corpo masculino também obedecia a lógica industrial, da linha de produção. Estava agora segmentado, dividido em músculos e membros. O melhor braço, a melhor perna, o melhor abdômen estavam agora dentro de novos padrões de trabalho, de beleza, e de exigência física. O concurso era apenas o primeiro, e pode parecer que era algo ainda muito novo na sociedade brasileira. Mas na verdade, já mostrava um esporte já organizado , com uma Liga Nacional, e com representantes de diversos estados brasileiros. E, se o halterofilismo ainda era um esporte novo e com poucos praticantes, a cultura física masculina já se difundia com maior expressão e chegava à população em geral.

É o que podemos ver com o programa de exercícios de Charles Atlas, fisiculturista italiano que ficou famoso nos Estados Unidos por criar um método de exercícios e comercializá-lo através dos correios, investindo bastante em campanhas publicitárias em jornais e revistas. Na foto abaixo temos a propaganda nas revistas americanas, mas separo também o texto do anúncio publicado na Revista O Cruzeiro, também em 1950.

O “Raquítico” de 44 quilos que se transformou no “Homem mais bem desenvolvido do Mundo”. “Provar-lhe-ei em 7 dias que o Senhor também pode ser este HOMEM NOVO” – Charles Atlas. Quando afirmo que o Senhor pode se transformar num homem forte e cheio de energia sei o que digo. Já vi como o meu novo sistema de Tensão Dinâmica transformou em Campeões Atlas centenas de homens mais fracos e raquíticos que o Senhor. Eu mesmo, por exemplo, pesava 44 quilos e o meu físico inspirava compaixão. Mas um dia descobri a Tensão Dinâmica que me proporcionou um corpo que ganhou duas vezes o título de ‘O Homem mais bem desenvolvido do Mundo’. Tensão Dinâmica fará no Senhor a mesma transformação. Estou tão certo do que digo que lhe faço esta surpreendente oferta: por minha conta PROVAREI que apenas em 7 dias posso transformá-lo num HOMEM NOVO. Começarei a treina-lo sujeito a sua aprovação. Se não notar nenhuma mudança real e efetiva dentro de uma semana não me dê nada. Não há meios termos. Diga-me em que parte do corpo quer músculos de aço. É gordo e mole? Delgado e débil? Fatiga-se depressa e não tem energia? Fica resignado permitindo que os outros conquistem as moças mais bonitas e os melhores empregos? Dê-me só 7 dias! E PROVAR-LHE-EI que posso fazer do Senhor um VERDADEIRO HOMEM: saudável, cheio de confiança em si próprio e na sua força. Tensão Dinâmica é um sistema completamente NATURAL. Não exige aparelhos mecânicos que possam afetar o seu coração ou outros órgãos vitais. Não exige pílulas, alimentação especial ou outros artifícios. Apenas uns minutos por dia dos seus momentos de ócio são suficientes – é na realidade uma recreação . (O CRUZEIRO, 02 de setembro de 1950, p. 96. Grifos meus. Destaques do anúncio.)

O método de Tensão Dinâmica consistia em exercícios em sua maioria isométricos e sua propaganda mostrava o homem como alvo exclusivo do programa de atividades físicas. As campanhas publicitárias de Charles Atlas mostram essa transformação nos corpos do novo homem: do padrão franzino, “raquítico” do século XIX para um homem forte e musculoso na década de 50. Assim como as mulheres que não se exercitavam, os homens “gordos, moles, delgados e débeis” também perdiam espaço nas grandes cidades modernas.


Colonialismo, feminismo e vida esportiva

28/04/2013

por Sílvio Marcus de Souza Correa (UFSC)

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Durante o colonialismo houve a introdução de uma série de práticas esportivas na África. No caso dos territórios sob domínio colonial alemão, alguns esportes foram praticados também por mulheres. Vale lembrar que uma das particularidades do colonialismo alemão foi um projeto de emigração de mulheres brancas para a África com o firme propósito de fazer valer uma política racial em defesa da “germanidade” (WILDENTHAL, 2001; DIETRICH, 2007). Para e realização de tal projeto foi de supina importância a Liga Feminina (Frauenbund) da Sociedade Alemã de Colonização (Deutsche Kolonial Gesellschaft).

Das quatro colônias alemãs na África, a do sudoeste africano (atual Namíbia) foi aquela com maior presença de alemães e, por conseguinte, a colônia com maior número de modalidades esportivas. Em 1912, a população branca no sudoeste africano era em torno de 15.000 pessoas (WESSELING, 2005:364). A maioria era de origem alemã. Esse número representava, no entanto, quase 3 vezes mais o número de brancos na África Oriental Alemã (atual Tanzânia).

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Mulheres em exercício de tiro ao alvo. National Archive of Namibia (Windhoek) PhotoNr.02535

Mulheres em exercício de tiro ao alvo. National Archive of Namibia (Windhoek) PhotoNr.02535

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Na Alemanha do final do século XIX, mulheres praticavam também remo, ciclismo, ginástica e outras modalidades de atletismo. Mas o solo arenoso e pedregoso da Namíbia não favoreceu o ciclismo, assim como os seus rios – que não têm água corrente todo o ano – impediam a prática regular de esportes aquáticos. Outras modalidades careciam de equipamentos e algumas delas eram realizadas de forma esporádica, mas o calendário de torneios e apresentações das sociedades esportivas favoreceu o treinamento, a regularidade dos exercícios e, por conseguinte, a difusão de alguns esportes.

Sociedade de tiro, sociedade de ginástica, sociedade de corridas de cavalo, clube de tênis e ainda outras organizações esportivas foram sendo criadas nas colônias alemãs da África e, em todas elas, as mulheres alemãs fizeram parte da assistência dos eventos esportivos como também participaram ativamente de alguns deles.

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Tenistas em Windhoek (Namíbia) Koloniales Bildarchiv der Stadt- und Universitätsbibliothek Frankfurt a.M Photo Nr. 080-2996-115; ilustração de uma tenista do Clube de Tênis da Baía de Lüdertiz (fundado em 1910) In XI Gau-, Turn- und Sportfest, Lüderitzbucht, 1939 (National Library of Namibia, Windhoek).

Tenistas em Windhoek (Namíbia) Koloniales Bildarchiv der Stadt- und Universitätsbibliothek Frankfurt a.M Photo Nr. 080-2996-115; ilustração de uma tenista do Clube de Tênis da Baía de Lüdertiz (fundado em 1910) In XI Gau-, Turn- und Sportfest, Lüderitzbucht, 1939 (National Library of Namibia, Windhoek).

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A ginástica foi uma das principais práticas esportivas durante o colonialismo alemão no sudoeste africano (CORREA, 2012a). Várias sociedades de ginástica (Turnvereine) foram fundadas ainda no final do século XIX em localidades como Swakopmund, Baía de Lüderitz e Windhoek, na Namíbia. Inicialmente, as sociedades de ginástica eram masculinas. Mas as mulheres passaram a fazer parte delas a partir da década de 1910. Essas sociedades organizavam torneios (masculinos e femininos) com regularidade. Mesmo depois que a Namíbia deixou de ser uma colônia alemã, as sociedades de ginástica continuaram a promover suas gincanas e torneios.

Tanto a orientação esportiva feminina durante o II Reich, quanto aquela que vigorou à época do III Reich, teve uma política do corpo influenciada pela disciplina militar e pelo racismo. As mulheres alemãs que foram para a África praticavam alguns esportes não apenas como uma forma de entretenimento, mas sobretudo como um treinamento militar com finalidades físicas e morais ajustadas à ideologia do germanismo.

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Torneio de ginástica na Baía de Lüderitz (Namíbia), 1939

Torneio de ginástica na Baía de Lüderitz (Namíbia), 1939

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Se o número de mulheres brancas era reduzido na África do início do século XX, sem dúvida, foi na colônia alemã do sudoeste africano onde houve o maior envolvimento delas com o incipiente campo esportivo. A cultura esportiva e o feminismo na Alemanha do II Reich, a participação de mulheres alemãs no projeto de imigração e a fundação de sociedades esportivas nas colônias favoreceram uma incipiente vida esportiva feminina na Namíbia sob domínio colonial alemão, provavelmente, mais do que em qualquer outra parte da África antes de 1914. Cabe a ressalva que mulheres negras estavam excluídas de qualquer prática esportiva nas colônias alemãs da África.

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