Em defesa de arquibancadas mais plurais: rememorando a Coligay

17/02/2020

Luiza Aguiar dos Anjos (IFMG – Campus Formiga)

No dia 27 de março de 1977, o Grêmio fez sua estreia na 57ª edição do Campeonato Gaúcho de Futebol. O clube iniciava sua caminhada no torneio com a esperança de acabar com um longo período sem títulos, assim como interromper a série de conquistas estaduais do rival Internacional, que vinha de uma sequência de oito taças consecutivas, sagrando-se campeão anualmente desde 1969. Para agravar o incômodo gremista com o sucesso do principal adversário, a equipe colorada não se impunha apenas em seara local, tendo sido bicampeã nacional ao conquistar a Copa Brasil de 1975 e de 1976.

Ao longo da competição, os dois maiores times do estado fizeram o que se esperava deles: superaram os demais e decidiriam entre si quem seria o campeão estadual daquele ano.

O jogo derradeiro foi disputado no Estádio Olímpico. Em casa, em frente à sua torcida, era que o Grêmio buscaria encerrar aquele infeliz jejum de títulos.

O teor dramático da partida começou quando, aos 22 minutos de jogo, foi marcado um pênalti a favor do Grêmio. O atacante Tarciso, batedor oficial do time e com boa média de acertos, mandou uma bomba à esquerda do goleiro colorado, mantendo o empate sem gols. Mas não tardou para o placar ser inaugurado. Em um embate de ânimos cada vez mais exaltados, aos 42 minutos, ainda no primeiro tempo de jogo, o atacante André Catimba fez a festa dxs[1] gremistas. O momento tornou-se ainda mais memorável com a comemoração. O jogador tentou um salto mortal, mas interrompeu o movimento no meio do caminho, ao sentir uma distensão muscular, caindo de forma completamente desajeitada. Com a aproximação do fim da partida, a torcida tricolor não conteve a comemoração, pulando das arquibancadas e ocupando o campo. Trinta minutos passados da invasão, sem condições de retomar o jogo, o árbitro declarou seu encerramento. Após oito anos, o Grêmio voltava a levantar a taça de campeão estadual.

Em meio ao furor dessa conquista, na edição do dia seguinte à partida, o jornal Zero Hora – periódico mais popular do Rio Grande do Sul – reservou uma página inteira para tratar da história da constituição de uma nova torcida gremista que, desde o início do Campeonato Gaúcho, chamava a atenção dxs frequentadorxs do Estádio Olímpico: a Coligay.

Recorte da reportagem da Zero Hora sobre a Coligay (26/09/1977)

Como o nome indica, essa torcida era formada predominantemente por homens homossexuais, o que já parece ser motivo de surpresa e curiosidade no contexto futebolístico brasileiro, no qual a heterossexualidade, mais do que tomada como norma, é enfatizada como valor. Contudo, tal agrupamento fez-se notório não (apenas) porque explicitava a homossexualidade de seus integrantes em sua retórica, mas, sobretudo, porque fazia de tal identidade sexual o norteador de sua performance estética nas arquibancadas: trajavam longas batas com as cores do Grêmio, cada uma delas com uma letra na frente que formava o nome do clube, complementadas por “rebolados frenéticos e gritinhos um tanto histéricos” (TORCIDA…, 1977, p.42).

Coligay fazendo sua festa no estádio Olímpico

A Coligay surgiu da iniciativa do empresário gremista Volmar Santos. Ele teve a ideia, liderou a mobilização e realizou as articulações financeiras e logísticas necessárias para efetivar sua formação. Volmar era proprietário da boate gay Coliseu e foram seus frequentadores quem ele convidou para fundar a torcida. A boate acabou servindo como sede. Xs componentes iam ao Coliseu no sábado, viravam a madrugada, e, na manhã seguinte, ali mesmo, pegavam seus apetrechos ali armazenados, se organizavam e seguiam para o estádio em que o Grêmio fosse jogar.

Num primeiro momento, o gremismo da torcida foi questionado, mas sua animação e assiduidade fizeram com que conquistassem o reconhecimento dx torcedorxs, jogadores e dirigentes. Prova disso é que a Coligay se manteve em atividade nos estádios até os primeiros anos da década de 1980.

Existindo durante os violentos tempos de ditadura militar, se esquivaram da repressão governamental ao não se envolver com a militância política e por possuir entre seus integrantes ou apoiadores “gente importante”, segundo o líder Volmar (FONSECA, 1977). Também não buscaram compor uma militância homossexual mais ampla ou organizada – o que também poderia fazer deles alvos do policiamento. Baseavam sua atuação na festa. O que não é pouco.

É inegável que o estádio de futebol privilegia um tipo bastante específico de masculinidade, associada, sobretudo, à virilidade e à agressividade, traços também enfatizados na cultura gaúcha. A reafirmação desses valores perpassa com frequência pela definição e representação dos homossexuais como a antítese desse modelo de masculinidade, o que os legitimou como alvos históricos da violência verbal e, por vezes, física de torcedorxs de futebol. A Coligay acaba por desarticular a expectativa de desencaixe e inadequação de homens homossexuais ao espaço futebolístico, sem que ela tenha se mostrado uma torcida “igual às outras”. Ela compactuou com códigos do futebol, se dispondo ao confronto físico e verbal, empunhando bandeiras e apoiando intensamente a sua equipe. Por outro lado, impôs seus requebros, suas vestimentas espalhafatosas, seu linguajar debochado e provocativo.

Nos últimos anos, a participação de sujeitos LGBT+s nos esportes, e mais especificamente no futebol, tem se tornado um tópico de análise e discussão. Torcidas, jogadorxs, clubes e federações, que durante décadas ignoraram a existência de tais sujeitos – e mesmo contribuíram com sua invisibilidade – têm sido convocados a responder e agir sobre alguns dos processos que xs mantém à margem, com destaque para as manifestações homofóbicas, mas não apenas. A mídia tem contribuído com isso ao tratar esses temas de forma mais frequente e crítica.

Nesse processo, a Coligay tem sido relembrada, após algumas décadas de esquecimento (ou ocultação). Sem supor uma idealização dessa torcida, acredito que ela nos ajuda a perceber que outras experiências de torcer, mais plurais, são possíveis.

 

Referências

FONSECA, Divino. Para o que der e vier. Placar, n.370, p.48-50, 27 mai. 1977.

TORCIDA: Coligay: história e pedágio da vitória. Zero Hora, Porto Alegre, p.42, 26 set. 1977.

 

Para saber mais:

Esse texto foi elaborado a partir da minha Tese de Doutorado, abaixo identificada. Nesse ano, publicarei um livro baseado nessa pesquisa, com acréscimos e adaptações. A obra, lançada pela Editora Dolores, será intitulada “Plumas, arquibancadas e paetês: uma história da Coligay”.

ANJOS, Luiza Aguiar dos. De “São bichas, mas são nossas” à “Diversidade da alegria”: uma história da torcida Coligay. 2018. 388f. Tese (Doutorado em Ciências do Movimento Humano) – Faculdade de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.

[1] Utilizo o “x” com o intuito de adotar uma linguagem não-binária. A escolha visa descaracterizar a ideia de que as palavras são masculinas ou femininas, assim como a utilização do masculino como referência. Ao usar o “x” busco contemplar igualmente homens, mulheres e aqueles e aquelas que fogem da norma binária. Especificamente nos momentos em que for tratar de agrupamentos que possuem exclusivamente pessoas identificadas como homens mantenho o uso do masculino.


“Um arco-íris multicultural de sotaques e cores de pele”: a diversão no Campeonato Mundial de Surfe Amador de 1988

19/01/2020

Por Rafael Fortes (rafael.soares@unirio.br)

O Campeonato Mundial de Surfe Amador realizado em 1988 em Porto Rico é frequentemente apontado por jornalistas, surfistas e memorialistas como um marco na trajetória brasileira no âmbito competitivo internacional. Isto porque o brasileiro Fabio Gouveia sagrou-se campeão da categoria Open, a de maior destaque (o mundial amador é uma competição por equipes e este aspecto costumava receber pouco destaque na imprensa brasileira, mas esta é outra história). Um título inédito, tanto entre os campeonatos da primeira era (1964 até 1972, sendo o de 68 também em Porto Rico) quanto aqueles realizados a partir de 1978, organizados pela International Surfing Association (ISA), fundada em 1976.

Enquanto nas revistas de surfe brasileiras a cobertura enfatizou a vitória do atleta conterrâneo, em publicações internacionais a ênfase foi – como era de se esperar – distinta (ainda que Surfing tenha mencionado mais de uma vez o título do brasileiro, inclusive dedicando a ele uma coluna de um terço de página assinada por Sam George). Neste texto, trato de uma reportagem específica, assinada por Mitch Varnes em Surfing, publicação com sede em San Clemente (Califórnia) e circulação nos EUA e em diversos países, inclusive o Brasil. A edição de 1988 do Campeonato Mundial de Surfe Amador recebeu um grande destaque. A matéria de Varnes ocupou nove páginas. Entre os possíveis motivos, penso na condição de Porto Rico (até certo ponto parte dos Estados Unidos), a proximidade (menor gasto com passagens) e a grandiosidade do evento, que contou com patrocínio de diversas empresas dos EUA.

No geral, as matérias com cobertura dos campeonatos de fato destacavam mais a disputa por equipes (fruto do total de pontos obtidos nas categorias disputadas por indivíduos). Isto também ocorreu com a reportagem em questão. Interessa-me, aqui, destacar a grandiosidade e o caráter festivo atribuídos ao evento. A começar pelo título: “O Maior Espetáculo da Terra”. A reportagem destacou que o campeonato foi realizado em três locais do “Havaí do Atlântico”, ocupou duas semanas do mês de fevereiro e atraiu um público porto-riquenho grande e entusiasmado. Vinte e seis países foram representados por quase 400 surfistas – dois recordes. Entre eles “inscrições supreendentes vieram de países como Israel, Itália, Noruega e Alemanha Ocidental”. Houve numerosos elogios aos esforços e competência dos porto-riquenhos na organização – um contraste nítido com as críticas ao campeonato de 1984, na Califórnia.

A ampla maioria dos participantes não tinha possibilidades de título (algo muito frequente em competições esportivas, mas raramente abordado na cobertura midiática), então importou-se mais em jogar sinuca e se divertir no “Ala Mar, um popular point noturno frequentado por competidores menos preocupados ou por aqueles já eliminados. Dançando noite afora no clima tropical, as multidões de surfistas formavam um arco-íris multicultural de sotaques e cores de pele”.

As festas parecem ter sido ótimas. Uma foto mostra jovens à noite num bar/casa noturna, com a legenda: “a equipe venezuelana experimenta um pouco da hospitalidade local”. Vários na imagem seguram latas de Budweiser, cerveja patrocinadora do campeonato. Os competidores ficaram hospedados numa base militar desativada dos EUA – em uma das noites, os Ramones fizeram um show exclusivo para os participantes.

Já o chefe da delegação dos Estados Unidos estabeleceu um toque de recolher para seus subordinados. Por ocasião do “show de talentos especial” das delegações, “a ausência” dos atletas daquele país foi “mais notável”. Para completar, o chefe da delegação apresentou uma reclamação formal à organização, argumentando, segundo a reportagem, que tal evento noturno “mantinha seus surfistas acordados até muito tarde, comprometendo desnecessariamente a seriedade da competição”. Em contraste, na referida noite,

“O resto do mundo se divertiu à beça. Sob a luz das estrelas e o conjunto de bandeiras nacionais esvoaçantes, os japoneses lutaram sumô; (…) os anfitriões porto-riquenhos e os visitantes taitianos compararam provocativos flamencos com vigorosas hulas. Foi uma noite rara e especial, e somente uma corajosa iniciativa de Bill McMillen, da Flórida, que subiu ao palco com sua solitária gaita e tocou algumas canções de blue-grass, salvou o tristemente desinteressado time dos Estados Unidos de um distanciamento cultural total.”

Após estes e outros parágrafos sobre o espírito de alegria e congraçamento que estes encontros de jovens proporcionam, a matéria se encerra citando o caso do representante da Noruega, praticante solitário nas águas geladas de seu país, mas “talvez o surfista mais satisfeito de todo o evento” por nele ter encontrado camaradagem e, durante “duas semanas loucas e ensolaradas (…), uma família” na comunidade do surfe.

Para saber mais

FORTES, Rafael. A cobertura do Campeonato Mundial Amador em Surfing (1978-1990). Contracampo, Niterói, v. 36, n. 2, p. 179-199, ago.-nov. 2017. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.22409/contracampo.v36i2.955>. (A version in English is available.)

Sobre o esporte em Porto Rico, ver os trabalhos do pesquisador Antonio Sotomayor, em especial o livro The Sovereign Colony: Olympic Sport, National Identity, and International Politics in Puerto Rico. Lincoln: University of Nebraska Press, 2016.


“Pintou o verão!”: surfe, skate e juventude na revista Pop (1972-1979)

23/09/2019

Por Leonardo Brandão (brandaoleonardo@uol.com.br)

No Brasil, durante a década de 1970, os esportes praticados à maneira californiana, principalmente o surfe e o skate, encontraram na revista Geração Pop – chamada somente como Pop a partir de sua edição de número 32 – um dos seus principais meios de comunicação. Colorida e publicada com periodicidade mensal pela editora Abril entre novembro de 1972 e agosto de 1979, essa revista chegou a contar com 82 edições em seus quase sete anos de existência e atingir um considerável público leitor para a época, pois, de acordo com a declaração de sua editora, ela “vendia pelo menos 100 mil exemplares mensais” (MIRA, 2000, p. 154).

A Pop não foi uma revista específica sobre esporte, mas sim uma publicação que aliava a divulgação da música Pop (sobretudo o rock) com diversos temas considerados por ela como de interesse juvenil. Focada em rapazes e moças entre 14 e 20 anos, ela utilizava-se de inúmeras gírias existentes na época para elaborar um clima de maior proximidade com seus leitores e, com isso, gerar certa intimidade no momento da leitura.

A revista Pop teve uma influência muito grande em determinados segmentos juvenis; pois por viverem numa época onde não havia Internet e, segundo entrevistas, num “clima de ditadura”, eles acabavam por ter pouco material disponível em termos de informação cultural. Além disso, foi através da Pop que muitos jovens, durante a metade da década de 1970, conheceram algumas das tendências esportivas da juventude norte-americana, como o surfe, o skate, o bodyboard, entre outros (BRANDÃO, 2014).

Segundo a historiadora Denise Bernuzzi de Sant’Anna, embora a revista Pop tivesse na música sua ancoragem central, ela também passou a “atrair milhares de jovens da classe média e aproximá-los do mercado especializado na venda de novos acessórios e roupas para as atividades esportivas em expansão” (2005, p. 8). Na década de 1970, dentre essas “atividades esportivas em expansão”, encontravam-se de forma reticente nas páginas da revista Pop os esportes praticados à maneira californiana, sobretudo o surfe e o skate. De acordo com o pesquisador Luís Fernando Borges, o propósito dessa revista foi justamente o de buscar um contato com o público jovem, e para isso ela veiculava as últimas novidades surgidas no acelerado mundo da cultura juvenil, recheando suas páginas de artistas como “Elton John, Secos & Molhados, os últimos campeonatos de surf e skate” (2003, p. 07).

Podemos observar um bom exemplo neste sentido ao analisarmos a capa da edição de novembro de 1977 da revista Pop, a qual comemorava, em letras garrafais, que “PINTOU O VERÃO!”, estampando um jogo de imagens fotográficas que, composta tal como um mosaico, objetivava tanto traçar um painel do que se encontrava em seu interior  quanto capturar os olhares de quem passasse por uma banca de revistas: garotas de biquíni, jovens surfistas “entubando” uma onda, astros do rock descontraídos e sem camisa, manobras “de arrepiar” de skatistas em grandes tubos de concreto.

Figura 1: Revista Pop, editora Abril, nº 61, 1977.

A revista Pop se valia dos corpos magros e bronzeados como espetáculo aos olhos e desejos dos leitores. Como nos lembrou o historiador Georges Vigarello (2006, p. 171), trata-se de uma época em que já é possível percebermos um maior ritmo dado às expressões e aos movimentos, com sorrisos mais expansivos e corpos mais desnudos, aspectos esses acentuados pelos espaços de férias, praias e divertimentos. Nesta mesma direção, Sant’Anna (2010, p. 190) sugere que essas manifestações reforçavam “a voga da alegria juvenil”, exaltando a “libertação” do corpo.

O pesquisador ou a pesquisadora que se interessa pela história dos esportes praticados à maneira californiana, sobretudo a história do surfe e a do skate, encontrará nessa revista uma série de elementos convidativos à reflexão. Pelo fato de Pop ter sido a primeira publicação impressa no Brasil dedicada exclusivamente à juventude e pela quantidade considerável de edições publicadas durante a década de 1970, ela é, sem dúvida, uma fonte imprescindível para a compreensão dos esportes californianos e da condição juvenil na história recente.

Referências Bibliográficas

BRANDÃO, Leonardo. Para além do esporte: uma história do skate no Brasil. Blumenau: Edifurb, 2014.

BORGES, Luís Fernando Rabello. Mídia impressa brasileira e cultura juvenil: relações temporais entre presente, passado e futuro nas páginas da revista Pop. In: Anais do XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Minas Gerais, 2003, p. 1 – 14.

MIRA, Maria Celeste. O leitor e a banca de revistas: a segmentação da cultura no século XX. São Paulo: Olho d’Água/Fapesp, 2000.

SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Uma história da construção do direito à felicidade no Brasil. In: FREIRE FILHO, João (org.). Ser feliz hoje: reflexões sobre o imperativo da felicidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010, p. 181 – 193.

SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Representações sociais da liberdade e do controle de si. In Revista Histórica, São Paulo, v. 5, 2005, p. 1 – 17.

VIGARELLO, Georges. História da beleza: o corpo e a arte de se embelezar, do Renascimento aos dias de hoje. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.


Esporte e industrialização

08/03/2018

Por Rafael Fortes (raffortes@hotmail.com)

Esta semana, discutimos no Laboratório Sport o capítulo “Industrialization and Sport”, de Wray Vamplew, professor emérito de Estudos do Esporte na University of Stirling. O texto integra o volume The Oxford Handbook of Sports History, organizado por Robert Edelman (University of California, San Diego) e Wayne Wilson (LA84 Foundation) e publicado em 2017. Trata-se de um ensaio que realiza um balanço bibliográfico da produção acadêmica em inglês sobre os temas mencionados no título, com ênfase nos EUA e na Grã-Bretanha.

Como destacou Luiz Carlos Sant’ana, o texto relativiza algumas relações que costumam ser tomadas como dadas nos estudos (históricos) do esporte. Por exemplo, as imbricações entre: a) esporte moderno e industrialização; b) disseminação do esporte e o espraiamento do império britânico no mundo. O fato de o autor ser um historiador econômico lhe permite lançar um olhar muito interessante e ainda pouco presente na maioria dos trabalhos de história do esporte – que, no Brasil, tem muito mais influência das histórias cultural e social (mais da primeira do que da segunda), conforme ressaltou Victor Melo.

A julgar por este capítulo, seria muito bom que o volume fosse logo traduzido e publicado no Brasil.

De minha parte, o que motivou estas breves notas foi considerar que o ensaio de Vamplew traz ao menos cinco contribuições para questionar/problematizar certos discursos e pressupostos sobre o esporte que persistem em alguns trabalhos sobre o tema na área de Comunicação – mas não só nela. O olhar de historiador econômico lhe dá elementos (e dados/conhecimento) para trabalhar por fora de categorias que são tomadas como dadas/estruturais quando, como alguns na Comunicação, se observa o plano das representações midiáticas como algo autônomo ou descolado em relação à vida concreta dos indivíduos, grupos, classes sociais e sociedades.

Eis as cinco contribuições:

1) As diferenças que existem entre um time, clube e/ou empresa esportiva e uma empresa comum.

2) A relação simbiótica de natureza diversificada – inclusive comercial – entre mídia e esporte desde, pelo menos, o finzinho do século XVIII (o texto fala de uma revista especializada publicada desde 1792!). Naquele momento, isto se restringia aos impressos (não custa lembrar: rádio, televisão e outros são invenções posteriores).

3) A fabricação de equipamentos para algumas modalidades atingiu graus de industrialização e comercialização em massa já no século XIX.

4) Dos pontos de vista comercial, econômico e profissional, há diferenças entre o modelo de organização em torno de clubes (Grã-Bretanha) e de franquias com proprietários (Estados Unidos).

5) Houve atletas recebendo para competir e obtendo recursos oriundos de fontes diversas antes mesmo da industrialização. A dicotomia amadorismo versus profissionalismo, muito presente nas primeiras décadas do século XX, dá conta de apenas uma parte das múltiplas e complexas relações entre esporte, mercado de entretenimento, lucro, trabalho e circulação de dinheiro.


El Dorado: un bocado internacional con sabor rioplatense

07/03/2016

Por:
Texto: David Quitián
Diseño gráfico: Omar Franco

Antes que las ligas italiana, inglesa y española internacionalizan sus nóminas -con futbolistas de diferentes países y continentes- hubo un torneo nacional que reunió jugadores y entrenadores de 18 naciones distintas y tuvo árbitros oriundos de seis patrias diferentes. Ese fue el campeonato de balompié colombiano, uno de los últimos en profesionalizarse en Sudamérica (año 1948), que tuvo otras singularidades como el sorprendente número de ciudades que integró desde sus inicios (seis en su primera edición) y su desarrollo en medio de la violencia política que asolaba a Colombia.

Otra particularidad fue el contexto en el que se generó: en medio de la agitación popular por causa del magnicidio de la principal figura del populismo colombiano, Jorge Eliécer Gaitán, asesinado en Bogotá en 1948. “El 9 de abril” –como sería conocido por el pueblo- o “El bogotazo” como lo bautizaron las élites atizó, a escala de todo el país, la contienda entre liberales y conservadores. Cuatro meses después, se inaugura el torneo nacional con algunas contrataciones de extranjeros que ya rondaban por las canchas y equipos semi-profesionales de Bogotá, Cali, Medellín, Manizales, Barranquilla y Pereira, que fueron las villas anfitrionas del puntapié inaugural.

Pero sería desde junio de 1949, aprovechando la huelga de jugadores de Argentina (que afectaba a jugadores uruguayos, paraguayos y peruanos), la informalidad tributaria de Colombia -sumada a su desconocimiento de la normatividad internacional de transferencias clubísticas- y la relativa fortaleza del peso de entonces (2,25 por dólar), cuando empezaron a desembarcar en el país las figuras del exterior, emblematizadas en los argentinos Adolfo Pedernera y Alfredo Di Stéfano que lucieron el uniforme albiazul de Millonarios.

Sin embargo, esas características no duraron más de cinco años: 10 de junio de 1949 a octubre de 1954. Ese fue el periodo delimitado por varios agentes: los jerarcas del fútbol (Conmebol, Fifa, afuera; Adefutbol, Dimayor, adentro) en el Pacto de Lima de 1951 (1), el periodismo nacional y los estudiosos del fútbol que acogieron, para denominar ese lapso, el potente título que circulaba desde entonces para describir el prodigio que estaba aconteciendo: El Dorado.

Una firma consultora, contratada en la dictadura de Rojas Pinilla (1953-1957), confirmó que la marca nacional más conocida en el exterior, para distinguir a Colombia, era “El Dorado”. Por ello el golpista bautizó con ese nombre al aeropuerto internacional que construyó por la misma época. Surge el interrogante ¿quién inventó ese nombre para el torneo de entonces? El locutor Carlos Arturo Rueda (1918-1995) aparece como el principal sospechoso: él es considerado el padre del periodismo deportivo colombiano y el creador del estilo pletórico, desgarrado y agónico del relato radial (Quitián, 2015). Su ingenio para bautizar con apodos a los futbolistas y con motes a las ciudades, en la Vuelta a Colombia, son legendarios.

Una de las hipótesis levantadas en la investigación doctoral “Seleção colombiana de futebol, rádio e nação: os discursos da mídia oral na invenção da pátria no período do Frente Nacional (1958-1974)” (2) es que ese caso –el del nombre de El Dorado- cumple el proceso de “máscara y espejo” al que aludía el antropólogo argentino Eduardo Archetti (2003): en la que se recibe del espejo la proyección artificiosa que se ha emanado. La prensa argentina de la época usaba expresiones como “Pedernera… Di Stéfano al Dorado del fútbol colombiano” (3) en claro eco de lo originado en Colombia. La máscara creada por Carlos Arturo Rueda se nos devolvía con acento tanguero.

Ilustración tomada de la tesis del autor, Programa PPGA, Universidade Federal Fluminense

Registros documentales, consultados como parte de la tesis doctoral, revelan la existencia de equipos completos integrados por deportistas extranjeros; es más, varios de ellos con futbolistas de la misma nacionalidad (como el Cúcuta de 1950 y 1951) o por grupos de jugadores que fueron sonsacados de otros clubes para conformar uno nuevo en Colombia, como el Quindío de 1951, hecho con toda la plantilla del Wanderes argentino (un club aficionado que visitaba el país por entonces), más el Samarios y el Junior del 51 y 52 que se repartieron por mitad al Hungarian que vino de gira desde la patria de los magiares.

La estadística levantada dentro de la investigación revela que 8 de cada 10 futbolistas que participaron en los torneos comprendidos entre 1949 y 1954 fueron foráneos; dándose además un hecho único: la construcción de tradiciones futbolísticas por nacionalidades, según las ciudades; así en Pereira jugaban sólo paraguayos, en Cúcuta solamente uruguayos, los peruanos se dividían entre Cali y Medellín, los argentinos se establecieron en Armenia y Bogotá y los brasileros; quizá porque sólo llegaban futbolistas de Rio de Janeiro, preferían Barranquilla.

Esas tradiciones también fueron cultivadas por algunos clubes: en la capital, el equipo de la Universidad Nacional se especializó en contratar costarricenses y Santa Fe se la jugó por los ingleses; en Cali el Boca Juniors también prefirió a los paraguayos, el Deportivo Cali a los peruanos y el Atlético Nacional (inicialmente llamado Atlético Municipal) fue el único de ese periodo que le apostó a los “puros criollos”.

Eso produjo la mención constante, en la esfera pública, de marcas identitarias nacionales tales como “gauchos”, “guaraníes”, “charrúas”, “La danza del sol”, “magiares” y “cariocas” para referirse, respectivamente, a los argentinos, paraguayo, uruguayos, peruanos, húngaros y brasileros. Otros grupos nacionales que destacaron en ese lustro futbolístico fueron los yugoeslavos, italianos, españoles, ingleses, bolivianos, chilenos y ecuatorianos. Como dato anecdótico se cuenta la presencia de un austriaco y un lituano.

Sin embargo, la mayor presencia forastera se concentra en los tres países que conforman la principal escuela futbolística del cono sur americano: la nación del Rio de la Plata, integrada por Argentina, Paraguay y Uruguay que, en ese orden, abastecieron de artistas del balón y entrenadores al balompié de entonces y desde ahí nunca se fueron de Colombia (4). En la ilustración gráfica que acompaña este texto se puede ver cómo un poco más de la mitad del total de jugadores son albicelestes y una cuarta parte es compuesta por albirrojos y celestes.

Una prueba más de la demografía rioplatense fue ese inédito torneo de selecciones del año 1951, no avalado por Conmebol que calificaba de pirata a la liga colombiana, en el que se enfrentaron cuatro selecciones en un remedo de Copa América. Los cuatro equipos fueron integrados por los futbolistas de Argentina, Paraguay, Uruguay y Colombia que actuaban en el campeonato local.

En cierta medida, ese cuadrangular fue una respuesta criolla a los años de sanción (9 en total) que pagó la Selección Colombia por sanciones de El Dorado y de sus líos internos entre la corriente defensora del amateurismo (descentrada de la capital) y la centralista del profesionalismo. Tensión en la que la lucha por el control local, que era un correlato de la violencia política que caracterizó al país en tres cuartas partes del siglo pasado, retardó el reconocimiento de la jerarquía internacional y la asunción de su normatividad.

Así, la plata abasteció el oro: el Rio de la Plata tributó al Dorado cuyos destellos alcanzaron para que un equipo del torneo nacional, pero en el que sólo alineaba un colombiano, Millonarios de Bogotá, fuese declarado “el mejor club del mundo” al vencer –en España- al Real Madrid en sus bodas de oro (en 1952) y al año siguiente se coronase soberano de la Pequeña Copa del Mundo de clubes celebrada en Caracas. Ahí tenemos dos mitos de cuño colonizador (el de la ciudad de oro sumergida y el de la nación bañada en plata), conjugado con el más contemporáneo –de mayor participación popular- de la riqueza de los pies de obra y de la filigrana de la gambeta.

Después vendrían años difíciles en virtud de la desbandada de extranjeros que estimuló el abandono de los hinchas de los estadios. La liga pasó de tener 18 equipos en 1951 a 10 en 1954 y como estrategia para retener a los futbolistas del exterior se apeló a la nacionalización; sin embargo no alcanzó y el balompié colombiano entraría en un periodo de languidez del que despertó en un segundo Dorado: el del auge del narcotráfico de mediados de los 80’s hasta la mitad de los 90’s, que robusteció su economía con tácticas y consecuencias parecidas: mucho dinero, informalidad tributaria, decenas de estrellas foráneas y al final el escape por la ruptura del modelo.

Y así aterrizamos en la actualidad, con una Selección Colombia que volvió a revivir la euforia popular de los años noventa (el equipo de Maturana, Higuita, Valderrama, Rincón, Asprilla); después de su notable participación en la Copa Brasil 2014 (cuadro de Pékerman, Ospina, Yepes, Cuadrado, James y Falcao) y con el entusiasmo de la afición especializada por el regreso de clubes nacionales a disputar (con Atlético Nacional) copas internacionales y a ganarlas como sucedió con Santa Fe el año pasado en la Copa Sudamericana.

¿Cómo leer la actualidad desde El Dorado? Ese será tema de otros post.

Notas:
1. Acuerdo pactado en un congreso extraordinario de la Conmebol, en 1951, en la ciudad de Lima, en el que los directivos del fútbol colombiano se comprometían a devolver a los jugadores foráneos a sus clubes de origen, sin pagar indemnización, a más tardar en octubre de 1954. Durante ese tiempo Colombia sería desafiliada e impedida de participar en torneos Conmebol y Fifa.
2. Tesis del autor de este post, candidato a doctor en antropología por la Universidad Federal Fluminense, elaborada gracias al apoyo del “Programa Estudiantes- Convênio de Pós -Graduação – PEC-PG, da CAPES/CNPq – Brasil”.
3. Testimonio recogido de la entrevista al periodista radial colombiano, Antonio Pardo García, en la ciudad de Bogotá el día 23/01/2016.
4. De hecho, en un país bajamente integrado con el vecindario, como fue Colombia en el siglo pasado, hubo pocas inmigraciones extranjeras al territorio nacional; destacándose por su poder simbólico la de futbolistas que se radicaron y tuvieron descendencia (Gallo, 2011).

Bibliografía
Quitián, David (2015) “Selección colombiana de fútbol, radio y nación. Apuntes antropológicos”, ponencia presentada en el IV Congreso Latinoamericano de Antropología. Simposio: “Antropología de los deportes en Latinoamérica”, celebrado en Ciudad de México del 07 al 10 de octubre de 2015. Disponible en:

Clique para acessar o 8.%20Selecci%C3%B3n%20colombiana%20de%20futbol.%20David%20Leonardo%20Quiti%C3%A1n%20R..pdf

Archetti, Eduardo (2003). Fútbol, Polo y Tango en Argentina. Buenos Aires: Antropofagia.
Gallo, Álvaro (2011). Inmigrantes a Colombia. Personajes extranjeros llegados a Colombia. Bogotá: impresor Álvaro Gallo.


Nas páginas dos jornais, nas ondas do rádio

27/06/2015

Durante alguns meses tive um blog chamado “Rio, Cidade Sportiva”. Gostava muito de alimentá-lo, mas o excesso de tarefas me impediu de dar sequência à iniciativa. Lamentavelmente, alguns posts que gosto muito ficaram por lá meio perdidos. Hoje tomo a iniciativa de republicar um deles, dedicado à relação entre imprensa e esporte. Espero que o leitor mais rigoroso perdoe-me por essa opção (bem como que possa ser de gosto de todos que comumente acompanham nosso História(s) do Sport).

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Em função de ter desempenhado o papel de mediação, os meios de comunicação foram de grande importância na configuração do esporte, obviamente não de forma independente e alheia, mas sim traduzindo de forma ativa (isso é, também interferindo) os diversos vetores de poder que compõem qualquer quadro social.

Nosso post de hoje é dedicado a apresentar algumas cenas curiosas da imprensa esportiva do Rio de Janeiro, que desde o século XIX se estruturava, seja no âmbito dos periódicos de grande circulação, seja com a criação de jornais integralmente dedicados ao tema.

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Fotos de regatas realizadas na Praia de Botafogo, publicadas em Careta, ano 1, número 2, junho de 1908

Fotos de regatas realizadas na Praia de Botafogo, publicadas em Careta, ano 1, número 2, junho de 1908

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Abaixo vemos uma guarnição do Clube de Regatas Boqueirão do Passeio, vencedora de um páreo denominado “Imprensa”, promovido em regatas realizadas em 1912, na Baía de Guanabara, na altura do Pavilhão de Regatas (Praia de Botafogo).

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Páreos em homenagem à imprensa são realizados desde o século XIX, em competições de turfe e de remo. Na verdade, havia uma relação ambígua entre clubes e jornalistas. De um lado, os segundos eram acarinhados e valorizados pelos primeiros, já que eram de importância para a difusão das atividades: a publicação nos periódicos trazia público e aumentava o prestígio. De outro, os conflitos eram frequentes, ocorrendo quando eram denunciados os problemas de organização dos certames esportivos.

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Jornalistas no varandim da imprensa, que dispunha de boa visibilidade e era cercado de conforto, do Hipódromo do Derby Club

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Outra cena curiosa é a da Gruta da Imprensa. A construção se deu na gestão do prefeito Alaor Prata e a denominação tem relação com os jornalistas que ali se posicionavam quando começaram a ser realizadas provas de automobilismo na região, o famoso Circuito da Gávea. Os jornalistas eram fundamentais na difusão das imagens heróicas construídas ao redor das disputas.

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Outra história incrível é narrada por André Decourt em seu magnífico “Foi um Rio que Passou”. Em 1931, a Rádio Clube do Brasil tentava transmitir os jogos realizados no Estádio São Januário. Como os dirigentes do Vasco da Gama queriam cobrar para tal, o que era inviável nos momentos iniciais da rádio no país, só restou aos radialistas transmitir as partidas de uma casa que se situava nas redondezas, usando binóculos para tal.

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Amador Santos e a equipe da Rádio Clube do Brasil. Disponível em http://www.rioquepassou.com.br/2007/07/23/a-imprensa-e-o-futebol/

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O rádio, muito antes da televisão, e talvez até os dias de hoje, se transformou no grande companheiro de quem acompanha o futebol. As vozes dos grandes locutores fazem parte da memória afetiva de muitos brasileiros e brasileiras. Mesmo para muitos que iam para os estádios assistir aos jogos, os aparelhos eram companhias fundamentais, como podemos ver na belíssima imagem abaixo.

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Disponível, com uma linda descrição, no fotolog Saudades do Rio, de Luiz D’: http://fotolog.terra.com.br/luizd:2487

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O rádio foi também um importante veículo para a difusão da ginástica. Um dos principais nomes ligados a tal iniciativa foi o do professor Oswaldo Diniz Magalhães, que marcou a vida de muita gente que acompanhava diariamente suas aulas. Foram incríveis mais de 50 anos no ar.

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Professor Oswaldo ministrando suas aulas na Rádio MEC. Disponível em http://lilianzaremba.blog.uol.com.br/arch2007-07-08_2007-07-14.html

Professor Oswaldo ministrando suas aulas na Rádio MEC. Disponível em http://lilianzaremba.blog.uol.com.br/arch2007-07-08_2007-07-14.html

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Não tem jeito. É falar de futebol e de rádio e imediatamente vem à cabeça a imagem do velho João, meu pai, “assistindo” angustiado o jogo do mengão, andando ao redor da vitrola de luz verde. O novo João, meu filho, certamente não adotará prática semelhante, mas não deixa de ser motivo de orgulho que mais uma geração da família seja rubro-negra.

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