Fabio Peres e Victor Melo[i]
No último post, falamos um pouco de como as representações sobre sedentarismo foram se constituindo no âmbito de práticas e saberes médicos no Rio de Janeiro do século XIX.
Como dissemos, uma das preocupações dos médicos brasileiros era a necessidade da ginástica ser implementada nas escolas. Era o indício de uma relação que se tornaria cada vez mais consistente e, por conseguinte, naturalizada entre ginástica, escola e medicina. Em 1840, o médico Emilio Joaquim da Silva Maia defendeu, no artigo Utilidade e necessidade da ginástica, publicado na Revista Medica Fluminense[ii], a generalização da prática corporal nos colégios brasileiros, em geral, e particularmente no Colégio Pedro II:
Si taes são os felizes resultados da applicação desta salutar arte, quanto não he para sentir, que ella entre nós se ache ainda em tanto atraso, e que nas nossas casas de educação este meio ainda se não ache em pratica? Pelo que seja-nos permittido ao terminar este artigo, fazer mil votos para vermos esta preciosa arte mais generalisada no nosso paiz, e principalmente para a vermos introduzida nos Collegios Brasileiros, em cujas instituições ella torna se de absoluta necessidade. Possa o nosso illustrado Governo convencer-se desta verdade, e estabelecel-a no util instituto – Collegio de Pedro II. – que com isto fará hum importante serviço ao Brasil e à Sciencia (1840, p.481).
Nesse sentido, se os benefícios da ginástica poderiam ser estendidos a todos, ela encontraria entre seus objetos e espaços sociais principais a infância e a escola.
Parece não ser por acaso, portanto, que a Academia Imperial de Medicina começará a ter como ponto de pauta das suas sessões a ginástica. Pelos jornais da época, conseguimos identificar que, ao menos, em três sessões de 1840 a prática foi discutida: no dia 2 de julho, debate sobre a ginástica que se deveria adotar nos colégios de educação[iii]; no dia 6 de agosto, a utilidade ginástica[iv]; e no dia 20 de agosto, sobre a ginástica[v]. Vale destacar que nessas sessões, o secretário geral, foi Luiz Vicente De Simoni, o mesmo médico que emitiu o parecer sobre o tratado do capitão Guilherme Taube, abordado em outro post.
No mesmo ano, a Academia realizará no dia 17 de setembro uma sessão quase exclusivamente dedicada ao tema, cuja ata foi publicada posteriormente em 1841 na Revista Médica Brasileira (1841-1843)[vi]. A questão da ordem do dia era relativa ao tipo de ginástica que convém ao país. Os embates entre os médicos demonstram que não havia consenso sobre o assunto[vii].
Grande parte das discussões girou em torno de qual ginástica seria a mais adequada ao clima e ao combate das principais moléstias que assolavam a Corte naquele momento; moléstias sobre as quais, vale assinalar, também não havia concordância entre os esculápios. Uma das propostas – dada as divergências de opinião – era a constituição de uma comissão para melhor tratar da matéria. Mas, além disso, o Dr. Maia, que escrevera o artigo Utilidade e necessidade da ginástica, se posiciona a favor de que foco principal da comissão fosse demonstrar a vantagem e a necessidade de introduzir a ginástica nos estabelecimentos de educação. Frente a isso, o presidente da Academia, Dr. Francisco Paula Candido, se encarrega de apresentar uma memória a respeito. Entretanto, não foi possível identificar se realmente tal memória foi apresentada.
De qualquer forma, ao contrário do que, em geral, se conhece sobre o tema, houve pelo menos nesse período um esforço dos médicos da Academia Imperial de Medicina (expresso também no texto Longevidade Brasileira, mencionado no post anterior) em desenvolver conhecimentos sobre a prática corporal que fossem adequados à realidade brasileira e não somente em importar ou reproduzir linearmente determinados métodos estrangeiros.
O que descobrimos é que em 1841, Paula Candido mencionou a ginástica em seu discurso anual, ocorrido por ocasião da comemoração do 12º aniversário da primeira associação médica brasileira[viii]. Mas essa história ficará para o próximo post.
[i] Parte do texto foi publicado originalmente em: PERES, Fabio de Faria e MELO, Victor Andrade de. O trato da gymnastica nas revistas médicas do Rio de Janeiro na primeira metade do século 19. História da Educação [online]. 2015, v. 19, n. 46, pp. 167-185. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/2236-3459/46494>. ISSN 2236-3459.
[ii] Revista Medica Fluminense, ed.10, Julho de 1840, p. 473-481.
[iii] O Despertador, ed.691, 02/07/1840, p.3.
[iv] Diário do Rio Janeiro, ed.173, 06/08/1840, p.2.
[v] Diário do Rio Janeiro, ed.184, 20/08/1840, p.3.
[vi] Revista Medica Brasileira, ed.1, 05/1841, p. 19-22.
[vii] Os médicos que se pronunciaram sobre o tema foram Francisco Paula Candido, Cuissart (possivelmente Augusto Renato Cuissart), Júlio (possivelmente Francisco Júlio Xavier), Torres (possivelmente Joaquim Vicente Torres Homem) e Emilio Joaquim da Silva Maia.
[viii] Revista Medica Brasileira, ed.3, 07/1841, p. 140-149.