“Um arco-íris multicultural de sotaques e cores de pele”: a diversão no Campeonato Mundial de Surfe Amador de 1988

19/01/2020

Por Rafael Fortes (rafael.soares@unirio.br)

O Campeonato Mundial de Surfe Amador realizado em 1988 em Porto Rico é frequentemente apontado por jornalistas, surfistas e memorialistas como um marco na trajetória brasileira no âmbito competitivo internacional. Isto porque o brasileiro Fabio Gouveia sagrou-se campeão da categoria Open, a de maior destaque (o mundial amador é uma competição por equipes e este aspecto costumava receber pouco destaque na imprensa brasileira, mas esta é outra história). Um título inédito, tanto entre os campeonatos da primeira era (1964 até 1972, sendo o de 68 também em Porto Rico) quanto aqueles realizados a partir de 1978, organizados pela International Surfing Association (ISA), fundada em 1976.

Enquanto nas revistas de surfe brasileiras a cobertura enfatizou a vitória do atleta conterrâneo, em publicações internacionais a ênfase foi – como era de se esperar – distinta (ainda que Surfing tenha mencionado mais de uma vez o título do brasileiro, inclusive dedicando a ele uma coluna de um terço de página assinada por Sam George). Neste texto, trato de uma reportagem específica, assinada por Mitch Varnes em Surfing, publicação com sede em San Clemente (Califórnia) e circulação nos EUA e em diversos países, inclusive o Brasil. A edição de 1988 do Campeonato Mundial de Surfe Amador recebeu um grande destaque. A matéria de Varnes ocupou nove páginas. Entre os possíveis motivos, penso na condição de Porto Rico (até certo ponto parte dos Estados Unidos), a proximidade (menor gasto com passagens) e a grandiosidade do evento, que contou com patrocínio de diversas empresas dos EUA.

No geral, as matérias com cobertura dos campeonatos de fato destacavam mais a disputa por equipes (fruto do total de pontos obtidos nas categorias disputadas por indivíduos). Isto também ocorreu com a reportagem em questão. Interessa-me, aqui, destacar a grandiosidade e o caráter festivo atribuídos ao evento. A começar pelo título: “O Maior Espetáculo da Terra”. A reportagem destacou que o campeonato foi realizado em três locais do “Havaí do Atlântico”, ocupou duas semanas do mês de fevereiro e atraiu um público porto-riquenho grande e entusiasmado. Vinte e seis países foram representados por quase 400 surfistas – dois recordes. Entre eles “inscrições supreendentes vieram de países como Israel, Itália, Noruega e Alemanha Ocidental”. Houve numerosos elogios aos esforços e competência dos porto-riquenhos na organização – um contraste nítido com as críticas ao campeonato de 1984, na Califórnia.

A ampla maioria dos participantes não tinha possibilidades de título (algo muito frequente em competições esportivas, mas raramente abordado na cobertura midiática), então importou-se mais em jogar sinuca e se divertir no “Ala Mar, um popular point noturno frequentado por competidores menos preocupados ou por aqueles já eliminados. Dançando noite afora no clima tropical, as multidões de surfistas formavam um arco-íris multicultural de sotaques e cores de pele”.

As festas parecem ter sido ótimas. Uma foto mostra jovens à noite num bar/casa noturna, com a legenda: “a equipe venezuelana experimenta um pouco da hospitalidade local”. Vários na imagem seguram latas de Budweiser, cerveja patrocinadora do campeonato. Os competidores ficaram hospedados numa base militar desativada dos EUA – em uma das noites, os Ramones fizeram um show exclusivo para os participantes.

Já o chefe da delegação dos Estados Unidos estabeleceu um toque de recolher para seus subordinados. Por ocasião do “show de talentos especial” das delegações, “a ausência” dos atletas daquele país foi “mais notável”. Para completar, o chefe da delegação apresentou uma reclamação formal à organização, argumentando, segundo a reportagem, que tal evento noturno “mantinha seus surfistas acordados até muito tarde, comprometendo desnecessariamente a seriedade da competição”. Em contraste, na referida noite,

“O resto do mundo se divertiu à beça. Sob a luz das estrelas e o conjunto de bandeiras nacionais esvoaçantes, os japoneses lutaram sumô; (…) os anfitriões porto-riquenhos e os visitantes taitianos compararam provocativos flamencos com vigorosas hulas. Foi uma noite rara e especial, e somente uma corajosa iniciativa de Bill McMillen, da Flórida, que subiu ao palco com sua solitária gaita e tocou algumas canções de blue-grass, salvou o tristemente desinteressado time dos Estados Unidos de um distanciamento cultural total.”

Após estes e outros parágrafos sobre o espírito de alegria e congraçamento que estes encontros de jovens proporcionam, a matéria se encerra citando o caso do representante da Noruega, praticante solitário nas águas geladas de seu país, mas “talvez o surfista mais satisfeito de todo o evento” por nele ter encontrado camaradagem e, durante “duas semanas loucas e ensolaradas (…), uma família” na comunidade do surfe.

Para saber mais

FORTES, Rafael. A cobertura do Campeonato Mundial Amador em Surfing (1978-1990). Contracampo, Niterói, v. 36, n. 2, p. 179-199, ago.-nov. 2017. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.22409/contracampo.v36i2.955>. (A version in English is available.)

Sobre o esporte em Porto Rico, ver os trabalhos do pesquisador Antonio Sotomayor, em especial o livro The Sovereign Colony: Olympic Sport, National Identity, and International Politics in Puerto Rico. Lincoln: University of Nebraska Press, 2016.


O surfe e a diplomacia cultural dos EUA

11/06/2018

Por Rafael Fortes (raffortes@hotmail.com)

The Endless Summer (no Brasil, Alegria de Verão), dirigido e produzido por Bruce Brown, é, provavelmente, o filme de surfe mais famoso já feito. A película narra a trajetória de surfistas dos EUA que viajam ao redor do mundo em busca de ondas desconhecidas e do verão sem fim do título. Segundo o historiador Scott Laderman (2014), “gravado em 1963, The Endless Summer percorreu o circuito tradicional dos filmes de surfe em centros culturais públicos e auditórios de escolas secundárias na Califórnia, Havaí, Austrália e África do Sul ao longo dos dois anos subsequentes” (p. 48). Laderman e outros pesquisadores da história do surfe afirmam que o documentário foi fundamental para disseminar a ideia de viajar como um valor positivo dentro da subcultura do surfe. O autor afirma ainda que o filme foi “um dos documentários de maior sucesso em todos os tempos” e que “seu impacto cultural foi profundo”, tendo sido decisivo para dar visibilidade ao surfe ao redor do mundo (p. 49).

Contudo, este texto não é uma resenha de Alegria de Verão ou do livro de Laderman (o que já fiz). Meu objetivo é apresentar a descrição e análise de Lazerman a respeito do seguinte: “(…) de formas que ainda não foram exploradas pelos pesquisadores, The Endless Summer também ilustra como, durante o auge da Guerra Fria, os Estados Unidos vieram a enxergar o surfe como uma arma ideológica em sua cruzada anticomunista, pois, em maio de 1967, anunciou-se que o documentário apareceria, sob patrocínio do Departamento de Estado, no bienal Festival de Cinema de Moscou” (p. 49).

De acordo com o autor, algumas características da trama motivaram a escolha. A elas se aliava a liberdade de viajar demonstrada pelos protagonistas – “diferentemente da maioria daqueles vivendo no bloco soviético” -, o que serviria para evidenciar a superioridade do capitalismo. Havia ainda as tentativas simpáticas de contato face-a-face com populações locais de diferentes continentes, “pintando um retrato dos Estados Unidos como uma potência benevolente e simpática” (p. 50). O filme acabaria sendo cortado do festival por iniciativa de uma entidade representativa dos estúdios de Hollywood (MPAA – Motion Picture Association of America). Após a organização decidir que um único documentário dos EUA seria exibido, a entidade escolheu o documentário indicado pelo estúdio Columbia Pictures, que o produzira, em detrimento do filme independente de Bruce Brown.

Mas “aqueles que estavam a cargo da diplomacia cultural americana deram outra chance ao surfe algum tempo depois. O ano era 1970, o local era o Japão, e o cenário era a primeira exposição universal realizada na Ásia: a Exposição Universal do Japão, ou Expo’70, em Osaka” (p. 51). Documentos oficiais do governo dos EUA consultados pelo autor atestam que a participação na exposição converteu-se em mais um campo de disputas com a União Soviética. A organização ficou a cargo da United States Information Agency (USIA). A exposição do Pavilhão dos EUA foi dividida em sete temas – um deles, “esportes”. “Foi lá, no interior da exibição de esportes, que, até onde tenho conhecimento, o surfe tornou-se, pela primeira vez, assunto oficial da diplomacia cultural dos EUA” (p. 52).

Segundo Laderman, “os organizadores deram ao surfe papel de destaque na exibição” de esportes (p. 53). Havia uma instalação com 13 pranchas produzidas por shapers dos EUA (Dewey Weber, Rick Stoner e Bob White), reprodução de imagens cinematográficas de surfe feitas por Bruce Brown e fotografias de surfistas no Havaí. Segundo Laderman, o surfe moderno fora introduzido no Japão após a Segunda Grande Guerra, a partir da presença de militares estadunidenses. Ressalto que isto não ocorreu apenas no arquipélago japonês. Tal foi o caso, por exemplo, da Andaluzia, na Espanha (Esparza, 2015).

Naquele momento (1970), o surfe já era bastante conhecido no Japão e tinha praticantes em diversas partes do litoral. Tamio Katori, um surfista japonês, visitou mais de uma vez a exposição e “escreveu para as autoridades dos EUA perguntando se ele poderia adquirir as pranchas para seu clube de surfe após o término da exposição” (p. 54). Segundo ele, as pranchas poderiam contribuir para a “amizade entre ambos os países”. Eis como termina o episódio: “Três das 13 pranchas haviam sido emprestadas por Bob White e tinham que ser devolvidas ao shaper de Virginia Beach, mas as outras dez tinham sido adquiridas pela USIA. Para os Estados Unidos, atender à solicitação de Katori seria uma maneira eficiente de descartar objetos volumosos e, ao mesmo tempo, contribuir para a globalização daquele que era, agora, o mais americano dos passatempos prazerosos, além de estimular a amizade transpacífica. Não havia o que pensar. As pranchas foram vendidas” (p. 55).

Laderman destaca dois aspectos neste episódio. Primeiro, as ligações cada vez mais comuns entre o surfe e o “poder norte-americano global” (p. 55), como ficaria evidenciado na circulação de surfistas estadunidenses ao redor do globo, na presença de surfistas militares (ou militares surfistas) em praias de dezenas de países (aproveitando a existência de bases militares, especialmente as numerosas unidades da Marinha no Oceano Pacífico), na circulação de produtos de mídia (surf music, cinema, revistas) e no estabelecimento do inglês como língua-padrão da modalidade. Segundo, a exposição de 70 “ilumina o quanto o surfe, tal qual o Havaí, haviam se tornado naturalizados como, de alguma forma, americanos” (p. 55).

Acrescento um terceiro: a questão da nacionalidade, da identidade nacional e das distintas apropriações (culturais e de outras naturezas) do surfe ao redor do mundo são um tema bastante atual. Em março último, foram divulgados os critérios para classificação dos 40 atletas que disputarão, pela primeira vez, medalhas olímpicas na modalidade. Este ano, os atletas que disputam a divisão principal do Circuito Mundial passaram a competir com bandeiras dos países desenhadas no ombro de seus uniformes (acentuando-se a construção, no âmbito da principal liga de surfe profissional, da associação entre competição individual e nacionalidade) – e pelo menos dois deles (Kanoa Igarashi e Tatiana Weston-Webb) trocaram de nacionalidade, de olho em maiores probabilidades de se qualificarem para competir em Tóquio. Ambos criados e residentes em território estadunidense (ele, na Califórnia; ela, no Havaí) e filhos de pais estrangeiros. Ele passou a competir pelo Japão; ela, pelo Brasil. Com isso, ambos evitam participar da dificílima briga por vaga entre americanos e havaianos.

Bibliografia

ESPARZA, Daniel. Hacia una historia del surf en Andalucía: génesis y consolidación del surf en Cádiz y Málaga. Materiales para la Historia del Deporte, n. 13, p. 47-62, 2015. Disponível em: <http://upo.es/revistas/index.php/materiales_historia_deporte/article/view/1327/1210>. Acesso em 10 jul. 2015.

FORTES, Rafael. Surfe, política e relações internacionais. [Resenha de Empire in Waves]. Topoi, v. 18, n. 35, p. 453-456, abr.-ago. 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/topoi/v18n35/2237-101X-topoi-18-35-00453.pdf . Acesso em 10/6/2018.

LADERMAN, Scott. Empire In Waves: A Political History of Surfing. Berkeley: University of California Press, 2014.


Relações entre esporte e guerra: algumas publicações

21/05/2018

por Karina Cancella

Desde a década de 1980, estudos sobre as relações estabelecidas entre militares e as práticas esportivas têm sido realizados em diferentes partes do mundo. Ao longo dos últimos anos, o número de publicações específicas sobre essa temática tem aumentado, especialmente aquelas envolvendo as relações entre esporte e guerra. Esse movimento, de acordo com Arnaud Waquet (2010), teria relação com o período de comemorações do centenário da Primeira Grande Guerra, que trouxe ao centro do debate outras facetas da guerra e das Forças Armadas deixando de lado o enfoque exclusivo em narrativas de “História Batalha” ou de estudos sobre tática e estratégia.[1] Nesta postagem, tenho como objetivo compartilhar breves informações sobre alguns trabalhos com os quais tomei contato durante pesquisas realizadas nos últimos anos e que podem ser de interesse para aqueles que buscam iniciar ou aprofundar estudos sobre esse tema.

Robert Baumann, no ano de 1988, publicou o artigo “The Central Army Sports Club (TsSKA) Forging a Military Tradition in Soviet Ice Hockey” no Journal of Sport History em que debate o processo de inserção dos esportes no Exército Soviético, culminando com as análises sobre o desempenho superior dos militares no ice hockey. No artigo, Baumann aborda o processo de introdução do esporte e da ginástica no cotidiano do Exército Soviético ainda no século XIX, quando passaram a integrar o Programa Oficial de formação dos Cadetes, e estende suas análises debatendo o processo de ampliação do movimento esportivo naquela instituição ao longo do XIX e anos iniciais do século XX. (BAUMANN, 1988).

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A obra “Sport and the Military: the British Armed Forces 1880-1960”, de autoria de Tony Mason e Eliza Riedi publicada em 2010, dedica-se a analisar o processo de estabelecimento das práticas esportivas entre os militares britânicos. Os autores iniciam a obra afirmando que, ainda nos dias de hoje, o esporte não é tema central de estudos de História Militar, sendo citado (quando citado) como parte de um pacote de reformas destinadas a melhorar a preparação do soldado comum, de estímulo para recrutamento nas últimas décadas do século XIX ou como um elemento de diversão que poderia ser desfrutado pelos soldados do serviço ativo nas pequenas guerras do período imperial. As análises dos autores apresentam a inserção do esporte entre os militares britânicos como um dos itens de um movimento que buscava o desenvolvimento de recreações racionais entre os soldados e marinheiros e aprofundam os debates abordando os diferentes usos do esporte em serviço ao longo da primeira metade do século XX. (MASON; RIEDI, 2010).

Para o caso francês, a tese de doutorado defendida na Universidade de Lion em 2010, de autoria de Arnaud Waquet intitulada “Football en guerre: l’acculturation sportive de la population française pendant La Grande Guerre (1914-1919)” dedica-se a discutir o processo de aculturação esportiva ocorrido durante a Primeira Guerra, identificando uma significativa redução na prática da ginástica e ampliação do que chama de “desporto inglês”, com especial atenção para o futebol. Partindo dessa premissa, analisa as relações entre o futebol e a guerra e seus impactos sobre a população da França (WAQUET, 2010).

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Também trabalhando com a realidade francesa, Thierry Terret, no livro “Les Jeux interalliés de 1919: sport, guerre et relations internationales”, discute o processo de organização dos Jogos Interaliados de 1919, primeiro evento esportivo internacional no pós-guerra[2] realizados em junho daquele ano, em Paris. O autor analisa todo o processo de planejamento do evento, as relações estabelecidas entre os países participantes e os impactos de sua realização para a sociedade francesa naquele momento de reestruturação após o conflito. (TERRET, 2003).

 

Recentemente, foram publicadas duas obras tratando especificamente das relações entre o esporte e a guerra. O livro “Sport, Militarism and the Great War: Martial Manliness and Armageddon”, publicado em 2012 e organizado pelos professores Thierry Terret e J. A. Mangan, dedica-se a discutir os aspectos da prática do esporte entre os militares e suas relações com o conflito armado no contexto da Primeira Grande Guerra. A obra é estruturada em duas partes: a primeira, composta por 7 artigos, destina-se a debater a realidade francesa; e a segunda parte do livro aborda a realidade inglesa naquele contexto em 8 artigos, sendo 6 deles de autoria individual ou em parceria com J. A. Mangan. Apesar de discutir exclusivamente os casos de França e Inglaterra, a obra aborda também questões mais gerais sobre o contexto de atuação em conflito e as relações com as práticas esportivas. (TERRET; MANGAN, 2012).

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51LBniVSENL._SX341_BO1,204,203,200_-1Já a obra “Le Sport et La guerre: XIXe et XXe siècles” foi publicada em 2013 e organizada pelo professor Luc Robène. Os textos que compõem o livro foram apresentados no “Colóquio Internacional O esporte e a guerra nos séculos XIX e XX” que ocorreu na Universidade de Rennes 2 entre 28 e 30 de outubro de 2010. A obra possui quase 600 páginas, dividida em 6 partes, com artigos de 52 autores sobre os mais diversos temas da relação entre esporte e guerra. Há artigos específicos, por exemplo, sobre Portugal, Estados Unidos da América, um item exclusivo sobre as guerras coloniais africanas e outro sobre os desdobramentos na área do esporte e da Educação Física no interior das Forças Armadas em diferentes países. (ROBÈNE, 2013).

Sobre o contexto estadunidense, destaco o livro “Playing to Win: sports and the American Military, 1898-1945”, de autoria de Wanda Wakefield e publicado em 1997. A obra analisa as relações estabelecidas pelas Forças Armadas dos Estados Unidos da América com as práticas esportivas desde fins do século XIX. As discussões analisam o processo de introdução e sistematização dessas atividades e a implementação de suas ligas e competições, sempre relacionando-as com os diversos conflitos com participação do país ao longo do século XX, seguindo até a Segunda Guerra. (WAKEFIELD, 1997).

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Por fim, desejo boas leituras e pesquisas para os interessados nessa temática e até a próxima postagem!

 

[1] Para mais informações sobre as abordagens da chamada Nova História Militar, ver: Parente, 2009.

[2] Por ocorrência dos conflitos, os Jogos Olímpicos de 1916, previstos para ocorrerem em Berlim, não foram realizados, interrompendo a sequência de edições a cada quatro anos desde os primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna, promovidos em 1896.

Referências:

BAUMANN, R. The Central Army Sports Club (TsSKA) Forging a Military Tradition in Soviet Ice Hockey. Journal of Sport History, v. 1.5, n. 2, p. 151-166, 1988.

MASON, T.; RIEDI, E. Sport and the military: the British Armed Forces 1880-1960. Cambridge: University Press, 2010.

PARENTE, P. A construção de uma nova História Militar. Revista Brasileira de História Militar. Edição especial de lançamento, p. 1-13, dez. 2009.

ROBÈNE, L. Le sport et la guerre: XIXe et XXe siècles. Rennes: PUR, 2013.

TERRET, T. Les Jeux Interalliés de 1919: sport, guerre et relations internationales. Paris: L’Harmattan, 2003.

TERRET, T.; MANGAN, J.A. Sport, Militarism and the Great War: Martial Manliness and Armageddon. New York: Routledge, 2012.

WAKEFIELD, W. Playing to win: sports and the American Military, 1898-1945. Albany: State University of New York Press, 1997.

WAQUET, A. Football en guerre: l’acculturation sportive de la population française pendant la Grande Guerre (1914-1919). 2010. 487 f. Thèse (Doctorat) – Ecole Doctorale Interdisciplinaire Sciences-Sante, Mention Sciences Et Techniques Des Activites Physiques Et Sportives, Université Claude Bernard – Lyon 1, Lyon, 2010.


Esporte, Política e humor: as eleições no Rio de Janeiro do século XIX

20/09/2015

As eleições sempre despertaram a atenção de importantes literatos e intelectuais. O que parece inusitado é o uso irônico do esporte para apontar os limites da cidadania e da participação política nos pleitos do século XIX.

por Fabio Peres[i]

Há quase dois anos, publiquei um post no qual comentava a presença de determinadas práticas corporais na obra de dois literatos. Naquela ocasião, um dos argumentos era que, mesmo distantes por um pouco mais de um século, Carlos Drummod de Andrade e Joaquim Manuel de Macedo estabeleceram analogias entre aspectos da performance atlética e os cenários políticos em que estavam inseridos[ii].  Os usos dessas práticas, por assim dizer, “fora de lugar” (na política, no caso) funcionavam como recurso de humor; que pelo contraste ou incongruência jogava uma nova luz sobre a vida social.

No século XIX, na verdade, esse tipo de “apropriação” do esporte ou de outras práticas corporais era mais comum do que a princípio poderíamos imaginar.

Em 1894, por exemplo, Machado de Assis demonstrava certa preocupação com as eleições à presidência do estado do Rio de Janeiro[iii]. A abstenção, no olhar do cronista, era talvez o maior inimigo do pleito. No entanto, não bastaria apenas a exortação para convencer o eleitorado a comparecer às urnas, a se interessar pelo direito de eleger seus representantes. Seria necessário um estímulo a fim de reverter a indiferença. A ideia era simples: dar às eleições um aspecto acentuadamente esportivo (Gazeta de Notícias, 15 de julho de 1894, p.1).

A reforma eleitoral proposta por Machado – sem dúvida com tom irônico – partira de um comentário publicado no Jornal do Comércio sobre a “população esportiva” no munícipio. O literato reagiu com surpresa e autocrítica burlesca:

A princípio não pude raciocinar. A certeza de que dois terços da nossa população é esportiva, deixou-me assombrado e estúpido. Voltando a mim, fiquei humilhado. Pois quê! dois terços da população é esportiva, e eu não sou esportivo! Mas que sou então neste mundo? (op. cit.)

 

Não era a primeira vez que Machado expressava tal preocupação. Na verdade, a inquietação do autor/personagem sobre a participação eleitoral, que “não se deixa persuadir com palavras nem raciocínios”, era um assunto recorrente. Ainda que o escritor apontasse distintas causas e soluções ao longo do tempo para tal “moléstia”[iv], o estilo jocoso estava sempre presente. Em 1892, por exemplo, chamava atenção:

Toda esta semana foi empregada em comentar a eleição de domingo. É sabido que o eleitorado ficou em casa. Uma pequena minoria é que se deu ao trabalho de enfiar as calças, pegar do título e da cédula e caminhar para as urnas. Muitas seções não viram mesários, nem eleitores, outras, esperando cem, duzentos, trezentos eleitores, contentaram-se com sete, dez, até quinze. Uma delas, uma escola pública, fez melhor, tirou a urna que a autoridade lhe mandara, e pôs este letreiro na porta: “A urna da 8ª seção está na padaria dos Srs. Alves Lopes & Teixeira, à rua de S. Salvador n…”. Alguns eleitores ainda foram à padaria; acharam a urna, mas não viram mesários. Melhor que isso sucedeu na eleição anterior, em que a urna da mesma escola nem chegou a ser transferida à padaria, foi simplesmente posta na rua, com o papel, tinta e penas. Como pequeno sintoma de anarquia, é valioso GN, 07/08/1892, p.1).

 

Já em 1894, as cores esportivas da reforma consistiam basicamente em trazer a emoção das competições para a disputa eleitoral. Para isso, parâmetros esportivos (em especial, do turfe) deveriam ser adicionados ao pleito a fim de atrair a população, o que incluiria dar alcunhas aos candidatos (assim como no caso dos cavalos), além de institucionalizar as apostas no certame eleitoral:

Em vez de esperar que o desejo de escolher representantes leve o eleitor às urnas, devemos suprir a ausência ou a frouxidão desse impulso pela atração das próprias urnas eleitorais. A lei deve ordenar que os candidatos sejam objeto de apostas, ou com os próprios nomes, ou (para ajudar a inércia dos espíritos) com outros nomes convencionais, um por pessoa, e curto. Não entro no modo prático da ideia; cabe ao legislador, achá-lo e decretá-lo. A abstenção ficará vencida […] (GN, 15/07/1894, p.1).

Em certo sentido, parte da crítica de Machado se dirige à própria população e aos cidadãos que se envolvem com os eventos esportivos, mas que se interessam pouco com as eleições (uma hipótese que merece ser melhor investigada). Contudo, tal crítica é matizada por uma conjuntura que afastava o eleitor das urnas. A participação política, não apenas era minada por um conjunto de instituições sociais frágeis (que deveriam favorecer e zelar por ela), como a própria concepção dominante de cidadania na época, ajudava a institucionalizar a exclusão e a reprodução de relações desiguais de poder.

De fato, a “esportividade” das eleições naquele cenário poderia ter vários desdobramentos para combater as abstenções. Um deles relacionado à própria ambiência política, que era marcada por violência, corrupção, intimidação, desorganização etc. Não por acaso, o literato chama a atenção para certos constrangimentos que cercavam a participação eleitoral: “Não sei quem seja aqui César nem Pompeu. Contento-me em que não haja morte de homem, nem outra arma além da cédula” (GN, 15/07/1894, p.1). De certa maneira, a reforma eleitoral poderia ajudar na construção de uma paisagem política em que “O vencido perde o lugar, mas não perde as costelas” (op. cit.).

Outro benefício seria o aumento de naturalizações, impulsionado pelo clima competitivo das eleições: “A lei deve até facilitar a operação [de se naturalizar], ordenando que o simples talão da aposta sirva de título de nacionalidade” (p.1). Mas caso a reforma eleitoral, por si só, não tivesse êxito em combater a abstenção, as mulheres não poderiam deixar de ter acesso ao sufrágio:

Se a ideia não der o que espero, recorramos então ao exemplo da Nova Zelândia, onde por uma lei recente as mulheres são eleitoras. […] Elevemos a mulher ao eleitorado; é mais discreta que o homem, mais zelosa, mais desinteressada. Em vez de a conservarmos nessa injusta minoridade, convidemo-la a colaborar com o homem na oficina da política. Que perigo pode vir daí? Que as mulheres, uma vez empossadas das urnas, conquistem as câmaras e elejam-se entre si, com exclusão dos homens? Melhor. Elas farão leis brandas e amáveis. As discussões serão pacíficas. Certos usos de mau gosto desaparecerão dos debates (op. cit.).

Ainda que a ironia torne um pouco mais complexa a interpretação sobre as questões de gênero,  devemos ter em vista a preocupação central do autor: fazer com que toda a população participe mais da vida política, ou melhor, que a “população inteira fique esportiva” (op. cit.).

A despeito disso e embora a proposta não passasse de uma brincadeira – uma forma espirituosa de abordar os dilemas de uma cidadania ainda incerta na república recém-formada – a narrativa permite entrever, já naquele momento, a forte presença social do fenômeno esportivo na cidade.

De fato, no final do século XIX uma série de práticas esportivas faziam parte da paisagem fluminense. Não se tratava apenas do turfe – modalidade citada na crônica -, mas também das corridas à pé, de bicicletas, dos jogos de pelota, entre outras, como lutas, tiro, regatas e natação (várias delas, vale destacar, também objeto dos escritos de Machado). Como previra Machado, “o contágio far-nos-ia a todos esportivos” –  talvez não exatamente com a conotação política desejada pelo literato.

Em todo caso, as práticas corporais (o futebol para Drummond, a ginástica para Manuel de Macedo e o tufe para Machado de Assis) eram “boas para pensar” a sociedade política. Isso, sem deixar de articular várias vertentes do humor – como a ironia, espirituosidade, a sátira etc. – à crítica da conjuntura de cada época.

Talvez não seja fortuito que mais de uma década antes da crônica de Machado tivesse sido publicado, em 1881, um anúncio sobre as Grandes Corridas Eleitorais no Prado do Munícipio Neutro, a primeira eleição direta após a reforma eleitoral implementada naquele ano (a conhecida e polêmica Lei Saraiva[v]). A estrutura e a lógica do campo esportivo não apenas tinham comicamente invadido o pleito, como eram usadas – para empregar um termo utilizado por Machado – como “armas” contra o sistema político:

Grandes Corridas Eleitorais no Prado do Munícipio Neutro (Gazeta da Tarde, 31/10/1881, ed. 254, p.4)

 

Mas essa história vai ficar para o próximo post.

 

[i] Esse post é fruto das conversas e pesquisas realizadas no âmbito do projeto “O corpo da nação: educando o físico, disciplinando o espírito, forjando o país: as práticas corporais institucionalizadas na sociedade da Corte (1831-1889)”, que conta com o apoio da FAPERJ e do CNPq e é coordenado por Victor Andrade de Melo.

[ii] No caso de Carlos Drummond de Andrade, o inverso também é verdadeiro: o uso do cenário político para falar dos atributos esportivos dos atletas. A crônica de Drummond (“Imagens da Vitória. Seleção de Ouro”, publicada em 20/06/1962 no Correio da Manhã, p.6) não apenas abordava o contexto político, mas talvez mais do que isso celebrava a seleção bicampeã do mundo. Contudo, o sentido crítico, ainda que possa ser considerado mais tênue, não deixa de existir na crônica.

[iii] Gazeta de Notícias, 15 de julho de 1894, n.195 (coluna A Semana), p.1. Também disponível em: http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=28393

[iv] Na crônica de 7 de agosto de 1894, por exemplo, Machado aponta a inércia (e não a indiferença, a abtenção e a descrença) para a pouca participação na eleição: “Variam os comentários. Uns querem ver nisto indiferença pública, outros descrença, outros abstenção. No que todos estão de acordo, é que é um mal, e grande mal. Não digo que não; mas há um abismo entre mim e os comentadores; é que eles dizem o mal, sem acrescentar o remédio, e eu trago um remédio, que há de curar o doente. Tudo está em acertar com a causa da moléstia”. (Gazeta de Notícias, 07 de agosto de 1892, n.219, p.1 (coluna A Semana)). Também disponível em: http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=28393

[v] Decreto nº 3.029, de 9 de janeiro de 1881.


A grandeza dos pequenos

29/07/2012

Por Edônio Alves

O espaço que ocupo neste blog tem a função de apresentar ao nosso internauta-leitor o produto dos meus estudos e reflexões sobre a intersecção do futebol com a literatura. Ambos, paixões minhas, tanto o futebol como a literatura são, na minha modesta compreensão das coisas, campos de expressão e atuação humanos em que a surpresa, o aleatório, a singularidade de tudo que vemos ou podemos fazer reponta como uma marca particular da nossa ação no mundo. Sendo assim, cabe ao escritor, ao poeta, no caso da literatura, por exemplo, agir na sua escrita a partir de um olhar inaugurador de realidades novas; a partir de uma mirada descortinadora de possibilidades inéditas para a prática da existência humana. Mesmo que tais possibilidades inovadoras – eis o segredo de tudo isso – sejam passíveis de concretização apenas no universo da linguagem, uma vez que a vida em si mesmo é limitada. Fazemos arte, já dizia o poeta, porque viver não basta. Ou no dizer de outro bardo: “Simplesmente viver, meu cão faz isso e muito bem!”.

Pois bem. Quanto ao futebol, ele nos encanta precisamente pelo mesmo motivo, penso eu. Por ser um jogo que envolve e emociona seus praticantes e admiradores não apenas pelos efeitos e resultados práticos que produz (a vitória da equipe que conseguir marcar mais gols no adversário), mas sim, e talvez principalmente, pelo conjunto de sentidos e significados que comunica para além de sua visualidade objetiva e imediata. Ou seja: o futebol, paradoxalmente, talvez encante muito mais pelo que não se vê dentro do campo quando se assiste ao seu espetáculo diretamente, mesmo que esta experiência seja por si só gratificante e prazerosa. Quiçá, repita-se, o futebol encante mesmo é pelo que se sente e se experimenta ao vivenciá-lo como fenômeno pleno de cultura dentro e fora dos gramados.

Sim, porque, curiosamente, o futebol é um jogo que extrapola as suas próprias regras.  Entendido em sentido amplo, ele começa antes dos 90 minutos regulamentares de uma partida e vai além deles; é um jogo que não se resume aos poucos personagens que o praticam diretamente nos gramados ou campos de várzea, e – mais significativo ainda – é um jogo que não se encerra no mero espaço delimitado para a sua prática, tornando-se, assim, portanto, ao menos para nós, brasileiros, bem mais do que uma prática esportiva: “é a síntese complexa da cultura brasileira, é a sua metalinguagem”, no dizer do sociólogo Maurício Murad.

Portanto, penso eu, entendido assim dá para ver a clara e visceral ligação do futebol com a prática da literatura. Ambos são uma espécie de jogo humano (um mediado por uma bola; outro mediado pela linguagem) em que os jogadores realizam em campo mais ou menos a mesma coisa: a revelação da surpresa; do inesperado; do ainda não visto como potencialidade realizadora latente e prenhe de significados. É só “ver” a sensação que sentimos ao lermos um poema verdadeiramente original e bem realizado esteticamente; ou um romance, um conto, uma crônica, no caso da literatura. Ou uma bela e inesperada jogada de efeito (um drible desconcertante ou um golaço) no caso do futebol.

 Digo isso porque há pouco mais de duas semanas essa certeza foi reforçada em mim quando recebi um singelo presente de um amigo meu e fiquei intrigado com uma coisa que tal gesto de amizade me realçou: a noção que devemos ter da pequenez e da grandeza de todas as coisas. Louco por futebol como eu, meu amigo me presenteou com um desses souvenirs de clubes brasileiros feitos para serem colados na geladeira e, portanto, para ficarem à nossa vista sempre que entramos na cozinha para fazermos algo do cotidiano doméstico. Conhecendo-me como me conhece, o amigo sabia que aquele não era o clube da minha predileção, mas também sabia que nutro por aquela agremiação esportiva uma admiração ímpar. O tal clube, já dá para dizer, era o Íbis, de Pernambuco, considerado e conhecido no mundo futebolístico como o pior clube do mundo. Talvez justamente por isso, o tal presente tenha me inquietado tanto.

Pois digo que a inquietação foi tamanha que resolvi, a partir dela, como já anunciei aqui, utilizá-la para digredir sobre a relação do futebol com a literatura a partir de um tema que esta relação me sugeriu: a noção que temos da grandeza e pequenez de todas as coisas.

A ideia de fundo, enraizada em todas as culturas, é a de que sempre nos orientamos sob os dados da realidade baseados num providencial senso de horizontalidade e, principalmente, de verticalidade, por assim dizer. Isto é, consideramos sempre que há coisas superiores – os gestos nobres, as ações heroicas, por exemplo –, mas também coisas pequenas, inferiores, tais como os gestos mesquinhos, as ações pusilânimes, enfim, as atitudes menores ou covardias inclassificáveis.

Trazendo essa discussão para o mundo do futebol, nos debatemos sempre com o hábito de colocarmos num patamar superior de nossa consideração e estima os chamados clubes grandes do futebol brasileiro, a exemplo do Flamengo, Fluminense, Corinthians, Grêmio, Palmeiras, Vasco, entre outros; e, por oposição de valores, empurramos para a prateleira dos cacarecos insignificantes os ditos clubes pequenos, a exemplo do Brasil de Pelotas, Baré de Roraima, Fast Clube do Amazonas, Dom Pedro do Distrito Federal, Gurany de Sobral, Sinop do Mato Grosso, e, principalmente, a estrela maior dessa constelação de times menores: o Íbis, de Pernambuco, que tem esta posição de destaque entre os pequenos por ser considerado unanimemente como “o pior clube do mundo”, com inscrição no livro dos recordes e tudo.

Trouxe o Íbis para esta nossa conversa de agora porque entendo ser ele (o glorioso Íbis, o pior de todos os times do planeta) um exemplo palpitante do quanto é arbitrária a nossa maneira hierárquica de olharmos para a realidade. Para atestar essa arbitrariedade em julgarmos as coisas do mundo, podemos dizer, por exemplo, que algo pode ser grande justamente por comportar-se como algo pequeno; humilde na sua maneira de ser, nem soberbo nem ostentatório das virtudes que lhes é constituinte, enfim, singelo na sua grandeza de ser pequeno.

O contrário pode também ser verdadeiro, conjecturo eu, ampliando o exemplo: algo pode ser pequeno justamente por insistentemente querer ser grande, pretender assentar a sua existência num patamar além dos limites do seu próprio tamanho, ostentar uma grandeza que nada mais é do que a face oculta da sua própria pequenez.  

É aqui, meus caros leitores, que reponta a grandeza do Íbis no cenário do futebol brasileiro. Não se preocupando em querer ser o melhor, o maior, contenta-se o Íbis na modéstia de ser o pior, e por isso é grande. E a sua grandeza, com efeito, é invejável. Alguém já viu o Íbis perdendo o sono por estar metido em dívidas impagáveis? Pois este não é o atual caso do Flamengo, do Corinthians, do Vasco e de muitas outras figurinhas carimbadas do futebol brasileiro, que só sobrevivem empurrando os débitos (e alguns dirigentes) com a barriga? Não, ninguém nunca viu tal problema com o Ìbis. Ninguém nunca viu o Íbis chorando ou lamentando as perdas constantes que lhe caem nos ombros. Fundando um paradoxo genial, são as derrotas as maiores conquistas do Íbis e isso é o exemplo maior de sua grandeza.

Não, o caso do Íbis é outro, meus amigos, outro porque o Íbis é grande. Grande até na sua infinita generosidade. Assim são as coisas desse mundo se as observarmos bem. O grande pode ser justamente o pequeno e o pequeno pode ser precisamente o grande. Tudo depende da maneira como olhamos o mundo e o mundo, todos nós sabemos, não passa de uma bola: esse objeto distinto de todos os outros – sem quinas, pontas, dorso ou face, igual a si mesmo em todas as direções de superfícies – que rola e quica como se animado por uma força interna, projetável e abraçável como nenhum outro, no dizer do poeta. E os poetas têm sempre razão!

 


1949: pílulas sobre o esporte em Belo Horizonte

12/12/2011
por André Schetino
O ano vai terminando, e com ele meu último post da temporada 2011 aqui do História(s) do Sport. Recebi por email a indicação do vídeo abaixo, que divido com vocês. Trata-se de Belo Horizonte em 1949, em um filme produzido pelo Escritório de Serviços Estratégicos Americanos em colaboração com o Escritório de Coordenação dos Negócios Inter-americanos dos E.U.A.
Vale lembrar que que o período em questão é de grande desenvolvimento para a cidade, marcado pela industrialização, os investimentos do Prefeito Juscelino Kubitschek e a busca por parceiros comerciais para a capital mineira, naquele momento a 7ª do país e com pouco mais de 200mil habitantes.
O vídeo é longo, são 17 minutos ao todo (divididos em 2 partes), e aborda diversos aspectos do desenvolvimento de Belo Horizonte. Na primeira parte o destaque é a indústria da mineração, que alavancava a economia do Estado. Destaco a segunda parte do vídeo, especialmente a partir dos 5’22” onde o lazer e o esporte entram em cena.
Primeiro ao mostrar o Parque Municipal, que podemos considerar como o berço do esporte na cidade. Lá ocorreram competições de ciclismo, jogos de futebol, patinação, tenis e muitos outros. O Parque até hoje é um dos espaços privilegiados para o lazer na cidade, famoso por estar sempre lotado aos domingos para os passeios em família ou de casais de namorados.
Além disso, o Minas Tennis Clube, que já foi tema do meu segundo post aqui no blog sobre os clubes esportivos da cidade. As imagens são belíssimas, com destaque para as exibições de ginástica. No Iate Clube, na recém construída Pampulha, os esportes náuticos faziam sucesso àquela época. Além, é claro, do Cassino (onde hoje se localiza o Museu de Arte).
Desejo a  todos os leitores ótimas festas de fim de ano, e um 2012 com muitas alegrias. Um abraço!

Sonhos de gol, sonhos de…

18/04/2011

Gravado em 2004 e 2005, Goal Dreams (2006) narra a saga para a formação de uma seleção palestina para disputar uma partida preliminar das Eliminatórias da Copa de 2006.

Do ponto de vista narrativo, o filme não é nada demais. Mas, cá do meu canto, achei-o rico: conteúdo, imagens, bela (e triste; e melancólica) história que conta. O espectador se depara com uma lista impressionante – em quantidade e qualidade – de problemas enfrentados pelos palestinos.

A iniciativa de reunir uma seleção nacional é fruto do sonho e de muita força de vontade de dirigentes, empresários (não empresários de jogadores; trata-se de donos de empresas que atuam como mecenas e bancam os custos da empreitada), jogadores e um técnico austríaco que se revela personagem interessante durante a trama, à medida que os absurdos da ocupação israelense atrapalham seu trabalho e descortinam um universo novo e inacreditável para o europeu.

Goal Dreams acrescenta items à lista de  ilegalidades, crimes e violações de leis internacionais cometidos por consecutivos governos de Israel. Assistindo à película, percebe-se que parte do processo de negação da condição de ser humano imposto pelo colonizador aos dominados inclui, vejam só, não ter uma uma seleção nacional para torcer.

Enquanto sua equipe nacional e seus clubes disputam Eliminatórias da Copa e demais competições na Europa, contando com cumplicidade e apoio da UEFA (à qual passou a pertencer em 1994) e da FIFA, Israel viola sistematicamente leis internacionais, mantendo a ocupação ilegal, criminosa e imoral (a partir de leis e parâmetros estabelecidos por organizações internacionais, a começar pela ONU) sobre a Palestina. Como fosse pouco, dificulta, de todas as formas possíveis, a formação de uma seleção e a prática do futebol palestinos.

Dentre os numerosos problemas causados pela ocupação, alguns são retratados no filme:

a) os campos de refugiados – apátridas, na verdade – miseráveis no Líbano, quase 60 anos após a Nakba de 1948.

b) a diáspora pelo mundo (Líbano, Chile, EUA, Egito, Inglaterra etc.).

A diáspora palestina (com exceção de Faixa de Gaza, Cisjordânia, Líbano, Síria e Jordânia). Fonte: http://mondediplo.com/local/cache-vignettes/L580xH343/arton2071-6f79e.jpg

c) os conflitos de identidade de filhos, netos, bisnetos nascidos ou criados no exterior (caso típico do jogador que vive nos Estados Unidos).

d) a dependência do Egito para os habitantes da Faixa de Gaza.

Intervenção artística no Muro da Vergonha (Cisjordânia ocupada).

e) a humilhação da submissão a Israel, materializada em práticas como o Muro da Vergonha (condenado pela Corte Internacional de Justiça de Haia, Holanda); os postos de controle (os quais, de acordo com agências de ajuda,”limitam o acesso de palestinos a escolas e assistência médica – em alguns casos, desde a Intifada de 2000“); e os cercos à Faixa de Gaza (incluindo o realizado no verão brasileiro de 2008/2009).

f) a importância do futebol (com destaque para o Deportivo Palestino, time da primeira divisão chilena), e das peladas disputada pela molecada na Faixa de Gaza, na Cisjordânia e em becos dos campos de refugiados pela região (Líbano, Síria, Jordânia etc.).

g) a necessidade de mecenas (e os problemas que esta dependência traz), em função da fragilidade financeira e institucional.

h) a violência: implícita ou explícita; física; psicológica; e simbólica inerente à vida sob ocupação (ou no exílio, para fugir da ocupação).

i) a posição ambígua da FIFA – aparentemente progressista ao reconhecer a Associação Palestina de Futebol, em 1988, ajudando a dar legitimidade a uma nação sem Estado. Mas, na prática, recusando-se a aceitar como “motivo de força maior” o pleito palestino de adiamento de uma partida decisiva devido à impossibilidade (causada pela ocupação israelense) de formar e treinar uma seleção. A desfaçatez do dirigente da Fifa entrevistado no filme é impressionante. Ali está um burocrata do big business como outro qualquer: não admite que uma medida estatal possa atrapalhar o lucro e o andamento dos negócios.

*  *  *

Na cópia que consegui (graças a uma conhecida sul-coreana que trabalha na indústria cinematográfica californiana), fazem falta legendas em inglês – mesmo para acompanhar algumas das falas no idioma.

Ficha técnica

Goal Dreams

USA (EUA), 2006, 86′

Produzido e dirigido por Maya Sanbar e Jeffrey Saunders

http://www.goaldreams.com

http://www.arabfilm.com


Esporte dá samba

06/03/2011

Por Valéria Guimarães

Estimados leitores, a minha estréia neste blog não poderia ter sido em ocasião melhor: é carnaval, é verão, a cidade está cheia de turistas (falarei deles em outros posts), chegamos ao final da Taça Guanabara bem do jeito que boa parte dos cariocas queria, e estamos na Semana em que são comemoradas as conquistas da mulher em nossa sociedade, dentro e fora de casa. Nesse clima, começo meu primeiro post agradecendo o presentão de escrever na semana mais animada do ano. Convoco toda a mulherada e os marmanjos – que se vestem de mulher ou não no carnaval – para cair na folia literária e, como não poderia deixar de ser, falar da mistura de duas das paixões nacionais: esporte e carnaval.

Eles tem muito em comum: envolvem diversão, paixão, competitividade, são extremamente populares e irresistíveis. Nasceram um para o outro e, em muitos casos, um do outro. Bem antes das escolas de samba, os clubes recreativos e desportivos já se relacionavam com o carnaval, promovendo requintados bailes de salão. “Vert, Blanc & Rouge”, “Baile do Almirante”, “Baile do Diabo” e “Baile do Vermelho e Preto” são instituições tradicionais do carnaval carioca, conhecidas internacionalmente. Os tempos mudaram, os bailes foram se popularizando, ganharam versões infantis e continuam sendo promovidos pelas agremiações esportivas.

A cara do futebol e do carnaval: craque com a bola e com o samba no pé, o bamba Ronaldinho Gaúcho, que desfila por três escolas de samba e põe o seu próprio bloco na rua (“Samba, amor e Paixão”), é coroado o rei do Baile do Vermelho e Preto 2011.

O Independente FC, time amador da Zona Oeste, deu origem à Mocidade Independente de Padre Miguel, em 1955, e a Mangueira adotou o verde e o rosa (versão do grená ao alcance do tricolor Agenor de Oliveira, o Cartola), em homenagem ao clube das Laranjeiras. O GRES Nação Rubro-Negra, mal teve tempo de fazer o urubu voar também na avenida e encerrou suas atividades após o fiasco da estréia no grupo D, em 1997, quando foi rebaixada pelo seu 11º lugar no certame. As escolas surgidas de clubes de futebol são uma tendência bastante atual no carnaval paulistano, que conta com a Gaviões da Fiel (Corinthians), a Mancha Verde (Palmeiras), a Dragões da Real (São Paulo), a Camisa 12 (Corinthians), a Torcida Jovem (Santos) e a TUP (Palmeiras), todas bastante jovens e batizadas com os mesmos nomes das respectivas torcidas organizadas. Falou-se até, em 2006, na criação de um campeonato à parte, com a formação de um “Grupo Especial das Escolas de Samba Desportivas”, o que não foi adiante. A agressividade de alguns membros de torcidas organizadas paulistanas foi reproduzida também na avenida e chegou-se a cogitar o banimento definitivo das agora agremiações carnavalescas desportivas. Talvez a incidência de tantas escolas de samba desportivas explique a predileção dos “manos” pelos enredos ligados ao esporte, tema que está em evidência também entre as escolas não desportivas, como a Vai-Vai, que em 2010 festejou os seus 80 anos com o enredo “80 anos das Copas do Mundo”.

Dos estádios para o Anhembi, a Gaviões da Fiel é um dos mais expressivos traços de união entre a bola e o samba.

Nos enredos das escolas de samba que desfilam no carnaval carioca, habilmente manejado pelo marketing como “o maior espetáculo da Terra”, e que já era chamado de “Oitava Maravilha do Mundo” em pleno ano de 1934, conforme atestam os jornais da época, curiosamente, o esporte não é tão popular. Vasculhando os alfarrábios do carnaval, encontramos poucas referências ao esporte como tema principal das escolas de samba cariocas. Na maior parte dos casos, o futebol é citado como um dos elementos importantes da cultura carioca, com as tradicionais alas onde os componentes se vestem com a camisa estilizada dos clubes ou da seleção brasileira, de bandeira em punho. Como não poderia deixar de ser, é o futebol a modalidade esportiva mais representada no carnaval, mas não a mais bem sucedida. O melhor resultado do esporte nas passarelas – e aqui não interessam a hierarquia e a estrutura dos diferentes grupos – foi obtido com o primeiro lugar de “Bernard do vôlei, uma jornada de sucesso”, da Unidos de Lucas, em 2003, então no Grupo C. No rastro da ECO 92, “Pepê, esporte, ecologia e carnaval”, da Mocidade Unida de Jacarepaguá, conquistou o terceiro lugar e o direito de acesso ao Grupo 1 no ano seguinte; e a Balanço de Lucas, em 1993, saiu do Grupo de Acesso (o último) com o pé quente “Bebeto, a emoção do gol”, que lhe rendeu o quarto lugar e o direito de desfilar no Grupo 3 naquele que seria o ano da Copa e do tetracampeonato do Brasil.

Para o leitor não se perder: a organização do carnaval guarda semelhanças com a organização do futebol e regulamentos e nomes dos grupos são revistos com freqüência, ora sendo representados por letras, ora por números e ora por letras e números, assim como o Grupo de Acesso deixou de ser o último e agora é aquele imediatamente após o Grupo Especial, que, por sua vez, já foi Grupo 1 e Grupo 1-A. Ah, sim, antes que alguém me repreenda: o inesquecível “O Mundo é uma bola”, da Beija-Flor de Nilópolis, que contou a história da Copa do Mundo no ano do mundial do México (1986), consagrou o futebol como enredo carnavalesco e fez os deuses chorarem de emoção resultando numa enxurrada na hora do desfile. Ninguém entendeu o segundo lugar da escola… A Unidos de Lucas, no mesmo ano, também escolheu falar do maior evento esportivo do mundo e ficou em 7º lugar no Grupo 1-B, com o enredo “No ano da Copa, bota no meio”.

A história dos enredos das escolas de samba está diretamente ligada à história oficial, encarregada de perpetuar e mitificar a memória de heróis e instituições que configuraram a nacionalidade brasileira, habilmente manejada na escrita dos livros didáticos da rede escolar e no conteúdo exibido nos cinemas (àquela altura muito populares) através dos cinejornais, principalmente durante os regimes ditatoriais de Vargas e dos militares. Essas foram por muito tempo as principais fontes de informação dos autores dos enredos e dos compositores. A fórmula variava pouco: heróis nacionais, militares ou civis, “gênios” das artes brasileiras, destacados cientistas, governantes da nação e a própria “brasilidade” eram os temas recorrentes. A partir da década de 50, o negro cada vez mais vai se tornando o tema preferido dos enredos, ainda ao lado dos vultos e efemérides oficiais afinados à propaganda oficial.

Os primeiros enredos que traziam o esporte como tema principal foram levados para a avenida na década de 1970. Seria lógico pensarmos que o uso político do futebol pela ditadura militar, a conquista do tricampeonato mundial em 1970 e o alinhamento de muitas escolas de samba ao regime produziriam enredos referentes ao desenvolvimento do Brasil, embalado pela seleção canarinho. Em vez disso, a estréia dos esportes como enredos na avenida acontece em 1974, quando a Paraíso do Tuiuti contou a história das “Olimpíadas, festa de um povo”, no Grupo 2, ficando em 12º lugar no certame. A Arrastão de Cascadura, por sua vez, foi pioneira na homenagem a um clube de futebol, no mesmo ano. Com o enredo “Flamengo, glória de um povo”, obteve a 8ª colocação no Grupo 3.

O Flamengo ainda seria enredo em 1990, pela Difícil é o Nome, que levou para a avenida “Tua glória é lutar, Flamengo, Flamengo”, ficando em terceiro lugar no Grupo 3. Em 1995, ano do centenário do clube, “o mais querido do Brasil” desfilou no Sambódromo junto com a Estácio de Sá, que obteve a decepcionante sétima colocação com “Uma vez Flamengo”, alvo de chacota das torcidas adversárias que, mal sabiam, mais tarde também veriam chegar a sua vez com o rebaixamento da Unidos da Tijuca, em 1998, que obteve o penúltimo lugar no Grupo Especial (12º) com o enredo “De Gama a Vasco, a epopéia da Tijuca”, e o interminável “Nas asas da realização, entre glórias e tradições, a Rocinha faz a festa dos 100 anos de um clube campeão… Sou tricolor de coração” não passou do 10º lugar do grupo A, em 2003. O América, por sua vez, foi homenageado pela Unidos da Ponte, em 2004, no então grupo B, que ficou em quinto lugar com o “Hei de torcer, torcer, torcer… América 100 anos de paixão”. Os alvinegros, por pouco, não festejaram o acesso da Unidos de Vila Isabel ao Grupo Especial em 2002: “O Glorioso Nilton Santos… sua bola, sua vida, nossa Vila” perdeu o campeonato do Grupo A por um décimo. Bateu na trave…

Outras personalidades do esporte homenageadas na passarela do samba foram: Pelé, inúmeras vezes citado no carnaval carioca e tema principal de enredos das escolas paulistanas; Ronaldo, Fenômeno, além de estrela do camarote da Brahma há vários carnavais, queimou calorias em 2010 no desfile da Gaviões da Fiel em homenagem ao centenário do clube (quinto lugar na classificação final), ao lado de vários colegas de elenco e ex-jogadores do clube. Em 2003, deu bolo na Tradição, quando foi ele próprio o enredo, com “Brasil é penta: R é 9, o fenômeno iluminado”, por não ter sido liberado pelo Real Madrid (a escola por pouco escapou do rebaixamento, ficando em 13º lugar). Ayrton Senna, numa homenagem póstuma da Tradição, foi cantado em 1995: quem não se lembra do “Acelera aí, que eu quero ver, na Fórmula 1, o lema é vencer”? O enredo falava da velocidade sobre rodas, que também foi levado para a avenida pela Gaviões da Fiel em 2009, lembrando mais uma vez de Senna no carnaval; e Rildo Menezes, lateral do Botafogo, do Santos e da seleção brasileira nos tempos de Pelé, foi homenageado no Grupo E pela Unidos do Uraiti, em 2005.

O Fenômeno em dois tempos no carnaval: no início da carreira, desfilando misturado aos passistas numa ala da Beija-Flor...

... e na Gaviões da Fiel, em 2010, quando foi considerado “a cereja do bolo do desfile”.

O fanático tricolor Nelson Rodrigues, com o seu Sobrenatural de Almeida, o Maracanã, o radialismo esportivo, o engajamento nas campanhas pelo direito do Rio de Janeiro sediar os megaeventos esportivos (Rio 2004, Pan 2007 e Rio 2016) e até o surfe e o vôlei de alto nível como referências de Saquarema também foram carnavalizados.

As músicas das escolas de samba e as dos estádios de futebol transitam pelos dois universos. Exemplos de arrepiar são os “ecumênicos” “Peguei um Ita no Norte” (“Explode coração/ na maior felicidade/ é lindo o meu Mengão/ Vascão/ Fluzão/ Fogão/ contagiando e sacudindo essa cidade”), que o Salgueiro nos presenteou em 1993, e “O Campeão”, na voz consagrada de Neguinho da Beija-Flor, no “esquenta” da escola e no coro das torcidas (“Domingo/eu vou ao Maracanã…”), além é claro, das eternas marchinhas carnavalescas, animadas pelas charangas desde a década de 1940, onde a torcida adversária costuma ser o alvo em muitas paródias: “Se a canoa não virar, olê olê, olá…”, “Mamãe eu quero…”, “Mulata bossa nova…” e por aí vai.

Como é de bom tom, em blogs se escreve pouco, mas o meu bom leitor folião, amante de esportes e de carnaval, que teve paciência e chegou ao final do texto em pleno período momesco, certamente me perdoará pelos excessos de empolgação na estréia. Como carnaval é transgressão, me permitam o exagero. E olha que ficou faltando falar da transformação do carnaval e do futebol em negócios, deixando de serem vistos como objetos de alienação das massas, da preparação física dos corpos para o carnaval, fazendo dos destaques verdadeiros atletas, dos projetos esportivos das escolas de samba, das comemorações dos gols com “sambadinhas” que contagiaram até Rubens Barrichello nos pódios da Fórmula 1, das celebridades do esporte que freqüentam os camarotes, os ensaios técnicos, as quadras ou desfilam nas escolas e nos blocos carnavalescos (prato cheio para Júnior, Zico, Roberto, Romário, Edmundo, Pet, Maradona, Robinho, Adriano, Ronaldinho Gaúcho, Diego e Daniele Hipólito, Daiane dos Santos, Guga e tantos outros), e, finalmente não foi possível falar sobre quem do esporte diz no pé na avenida e quem é perna de pau no samba, nem das fantasias de carnaval e das máscaras inspiradas nos atletas…  com quantos Ronaldinhos Gaúchos você vai se esbarrar por aí?

 Boa folia!


Os clubes esportivos de Belo Horizonte – parte 2

14/12/2009

Por André Schetino

Diversão longe da praia

Finalizamos hoje nossa conversa sobre os clubes esportivos de Belo Horizonte, tratando de outras importantes agremiações. Se vimos o nascimento e domínio do Minas Tênis Clube no cenário esportivo da cidade, devemos também destacar um momento onde os clubes esportivos e de lazer experimentaram seus anos dourados. A partir dos anos iniciais da década de 1940 vimos surgir e multiplicar inúmeras associações esportivas e recreativas ligadas a diversas entidades. Grupos de empresários, empresas públicas e privadas inauguraram suas sedes sociais na capital.
Em 1940 surge o Olympico Club, o segundo clube social de Belo Horizonte, com a criação de sua primeira quadra na casa da família Magalhães Pinto, cujo governador do estado também deu nome ao estádio do Mineirão, em 1965. Dois anos mais tarde, o Iate Clube Belo Horizonte, obra que integrou o complexo da Pampulha, de Oscar Niemeyer. O clube se destaca pela cultura dos esportes náuticos na cidade, que se constituíam como símbolo da modernidade e do status da elite mineira.

Praticante de esqui aquático na Lagoa da Pampulha (ano desconhecido). Fonte: http://www.iatebh.com.br/

Pouco mais tarde, o Barroca Tenis Clube, de 1957, é mais um clube que participa da consolidação da cultura esportiva de Belo Horizonte. Esses clubes também participaram do cenário esportivo da cidade, especialmente através do esporte amador, como o  basquete, o voleibol, o tênis, a natação e o futsal. Mas destaco aqui outro aspecto. Os clubes foram um lugar privilegiado para vivência do lazer. Os clubes realizavam – e ainda realizam – bailes de carnaval, colônias de férias, gincanas, torneios, serestas, atividades que proporcionam o encontro e a convivência entre seus associados. Em Belo Horizonte, esses eventos e a vida nos clubes eram potencializados em uma cidade que não possui um grande espaço público de convívio como a praia. Durante o ano com frequência regular nas atividades promovidas, e especialmente no verão, os clubes da cidade ficam superlotados de pessoas buscando diversão.

Sede do Barroca Tênis Clube (ano desconhecido). Fonte: http://www.barrocanet.com/site/institucional-2/

Piscinas lotadas no Pampulha Iate Clube (ano desconhecido). Fonte: http://www.iatebh.com.br/

Predomina hoje em dia a percepção de que os clubes têm perdido frequentadores e passado por dificuldades em sua sobrevivência, devido as modificações noe stilo de vida nas cidades e dificuldades financeiras. A despeito disso, clubes como o Olympico, o Iate, o Barroca e muitos outros sobrevivem como espaços legítimos de lazer para os belo horizontinos.

Contato: andreschetino@pop.com.br