Por Flávia da Cruz Santos
A presença feminina se faz sentir, nos momentos iniciais do esporte na capital paulista, pela ausência, pelos silêncios das fontes. O corpo feminino era algo quase que proibido, em que não se podia tocar e cujas formas não era permitido conhecer. As vestimentas não apenas adornavam, mas escondiam e deformavam o corpo feminino. Elegância era a palavra de ordem, era o que orientava a participação das mulheres na cena pública. Ao menos era esse, o desejo das elites paulistanas, que estruturavam a sociedade partir da ideologia patriarcal.
A participação das mulheres, apesar de ser desejada e incentivada, se restringia às arquibancadas. O embelezamento do espetáculo, por vezes, se limitava à sua presença, às suas vestes e adornos. Depois de afirmar, que as corridas do Grande Prêmio, no Hipódromo da Mooca, haviam sido “uma verdadeira decepção”, o colunista, que assina como “Jack, Entraineur” avalia:
Apesar de tudo isso porém, Jack está satisfeito, porque as senhoras apresentaram-se como deviam, vestidas com luxo e esmero. Ocuparam as arquibancadas, enquanto nós outros vínhamos para o encilhamento ou para as imediações da pista.
Lá em cima, viam-se os reflexos das sedas, ao lado das cores embasadas dos vestidos de lã ou de linho, flutuavam rendas, e agitavam-se leques de infinitas formas, uns de plumas, outros de gaze e entre eles um muito chique formado de folhas de begônias. (O Estado de S. Paulo, 21 out. 1890, p. 1)
Todos se sentiam autorizados a avaliar as mulheres, até mesmo alguém cuja especialidade era o treinamento. Tentava-se reduzi-las a isso, à aparência, às vestimentas, penteados e adereços. Essa é a representação das mulheres, dominante nos periódicos. Contudo, tanto as mulheres das classes dominantes, quanto as mulheres das camadas populares, estavam longe de restringir seu papel social ao embelezamento.
As mulheres pobres (brancas, forras, escravas) desempenhavam diferentes funções (costureiras, bordadeiras, quitandeiras, lavadeiras), e também, quando necessário, ocupavam papéis tipicamente masculinos (tropeiras, roceiras) (DIAS, 1995). As mulheres das camadas dominantes, eram empresárias ativas, formadoras dos filhos, socializadoras e treinadoras dos escravizados, administradoras de suas propriedades e lavouras (CANDIDO, 1951).
Mas, se a elegância, entendida nos termos de nosso interlocutor, era uma exigência, não é difícil concluir que as mulheres que estiveram presentes nesses momentos iniciais da conformação do esporte em São Paulo, pertenciam exclusivamente às elites. Pois, a impossibilidade da exibição de luxos pelas camadas populares nos momentos de diversão, era apontada pelos próprios paulistanos daquele tempo:
Ora, todos nós sabemos quanto custa frequentar sociedades hoje em S. Paulo, principalmente quem tem mulher e filhos. Como porém me asseveraram que na Concórdia Familiar eram expressamente proibidas as sedas, as joias e as luvas, verbas todas estas elevadíssimas para os pais de família, acedi a entrar para esta nova sociedade.
Qual não foi, porém, Sr. redator, o meu desapontamento quando entrando noite de sábado na casa onde se dava a partida da Concórdia, vi algumas senhoras cobertas de seda e brilhantes, com finíssimas luvas Jouvin! Fiquei furioso assim como minha Eva, e mais prole, que todas tinham ido com seus vestidinhos de 6$rs., sem luvas nem adereços. Ora, uma sociedade familiar não é lugar para se ostentar riqueza, porque ofende e faz pouco nos outros, que não tem a felicidade de agarrarem boas empresas, que não tem lucros fabulosos, podendo por essa razão gastarem a grande. (Correio Paulistano, 22 out. 1872, p. 2)
O investimento nas roupas e adornos era um imperativo para aqueles que frequentavam espaços de sociabilidade, o que acabava por deles excluir uma parcela nada pequena da população da capital. Pois, a sociedade paulistana era “muito desigual, hierarquizada ao extremo e com elevado índice de concentração de riqueza” (DIAS, 1995, p. 192).
Referências
DIAS, Maria Odila Leite da Sila. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1995.
CANDIDO, A. The Brazilian family. In: LYNN SMITH, T. e MARCHANT, A. Brazil: portrait of half a continent. New York: Dryden, 1951, p. 291-312.
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