MEU PRIMEIRO TEXTO PARA UMA REVISTA DE SKATE

02/01/2023

Leonardo Brandão

@leobrandao77

Historiador e Professor Universitário

No início de 2004, período no qual estava terminando meu bacharelado em História na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), publiquei meu primeiro texto sobre skate numa mídia impressa de alcance nacional: a revista 100% Skate (Atualmente a grafia desta revista/mídia digital aparece como CemporcentoSK%TE).

Nesta época, estava escrevendo meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), requisito obrigatório para a obtenção do meu almejado título de historiador. Eu havia resolvido pesquisar (para espanto de alguns professores mais ortodoxos, mas também motivado pelos entusiastas da “Nova História”) a prática do skate; tema até então inédito nos estudos historiográficos no país (havia alguns trabalhos na área da Educação Física, mas nada em História).

Foi neste contexto que tive a coragem de enviar pelos Correios (pois eu não tinha computador e nem acesso fácil à Internet nesta época) um pequeno texto para essa revista da qual já era leitor desde a sua fundação no ano de 1995.

O texto foi enviado com mais dúvidas do que certezas: Será que ele chegaria a seu destinatário? Será que seria lido pelo editor? (na época, o skatista profissional Alexandre Vianna) Será que seria publicado? Algum tempo se passou e, para minha surpresa, recebi pelos Correios a edição impressa da revista em minha residência; nela, havia meu texto publicado! Foi uma festa, mas também o início de uma parceria que se mantém (com períodos de maior e menor intensidade) até os dias atuais.

Relendo esse texto após quase duas décadas de sua publicação, ainda hoje o considero interessante, pois ele nos incita a pensar sobre as possibilidades do corpo. A seguir, reproduzo-o na íntegra para que ele chegue a novos leitores (talvez alguns que nem eram nascidos na época de sua publicação original). Após isso, escrevo outro breve texto atualizando algumas informações nele contidas e finalizo sugerindo alguns links para quem quiser saber mais sobre o assunto aqui tratado.

CONVITE À QUESTÃO: O QUE PODE O CORPO?

Quando, no século XVII, o filósofo holandês Bento Espinosa (1632 – 1677) escreveu “Ética”, um dos livros mais importantes de toda a história da filosofia, ele observou: “Ninguém, na verdade, até o presente, determinou o que pode o corpo, isto é, a experiência não ensinou a ninguém, até o presente, o que, considerado apenas como corporal pelas Leis da Natureza, o corpo pode fazer e não fazer”. Séculos passaram e a questão continua inquietante. Afinal: que pode o corpo?

Transportando essa questão para o universo do skate, ela parece redobrar o seu valor. Pois foi com ele e por ele que o corpo pôde saltar gigantescas escadas, descer corrimãos, andar por transições, bordas, bancos, palcos etc. O skate descobriu novas possibilidades para o corpo e, a cada dia que passa, skatistas demonstram algo novo que ainda se pode fazer com ele: Bob Burnquist provou que o corpo pode dar um looping num tubo, Tony Hawk demonstrou que o 900º é possível numa rampa vertical, outros tantos já exploraram seus corpos de inúmeras maneiras, sempre tentando ultrapassar seus limites e provando que o corpo humano, com um skate sob os pés, pode se superar constantemente, encontrar novos desafios e lugares para andar.

A evolução permanente nas manobras de skate lança o desafio da superação infinita: criar novas manobras, executá-las em lugares inusitados, fazer diferente. O futuro no skate, ao contrário da grande maioria dos esportes, é uma caixa de surpresas a demonstrar que o novo pode ser inventado sempre.

(Texto publicado na edição impressa da revista 100% Skate, n. 74, maio de 2004, p. 96).

Atualizações: Realmente, Bob Burnquist foi o primeiro skatista a realizar um looping num tubo “natural”, isto é, não projetado para o skate. Ele realizou tal façanha no dia 23 de novembro de 2003 às 16h e 20 minutos, tal como consta no site da Transworld Skateboarding listado abaixo. Há relatos, todavia, de que o looping em rampas projetas para o skate havia sido concluído já em 1979 pelo skatista norte-americano Duane Peters. Importante registrar que no ano de 1998, Tony Hawk decidiu recuperar a ideia do looping e o realizou com perfeição, documentando o feito no filme “The End” da Birdhouse. Ainda sobre Bob, o skatista também teve os méritos de realizar o primeiro looping com gap, isto é, com uma abertura na parte superior do tubo. Acerca do giro de 900º, com o passar do tempo, mais rotações foram introduzidas. Em maio de 2020 o skatista curitibano Gui Khury foi o primeiro a realizar o 1080º (três giros completos) numa rampa vertical e entrou para o Guinness World Records (antes dele, em 2012, o skatista Tom Schaar havia conseguido os três giros, mas numa Mega rampa, o que permite maior velocidade e amplitude nas manobras).

 

Para saber mais:

1 – Site da Transworld Skateboarding que afirma o pioneirismo de Bob Burnquist no looping num tubo “natural”.

https://skateboarding.transworld.net/news/bob-burnquist-makes-skateboarding-history/

2 – Veja o próprio Bob Burnquist, em entrevista no Programa Podpah flow cast, recuperando a história dos skatistas que fizeram o looping e citando o nome de Duane Peters e Tony Hawk.

https://www.youtube.com/watch?v=1tTs9iGdThM

3 – Tony Hawk realizando o looping no ano de 1998 em imagens do filme “The End” da Birdhouse:

https://www.youtube.com/watch?v=gO07tMtmByg&t=5s

4 – Vídeo do skatista Gui Khury realizando o primeiro 1080º numa rampa vertical (half-pipe) no canal do youtube do Guinness World Records:

https://www.youtube.com/watch?v=TnwT7rBLKY0


O QUE É SKATE ACADÊMICO?

31/01/2022

Por: Leonardo Brandão (historiador)

Imagem: logotipo do @skateacademico criado por Rafael F (@rafaeleffe)

 

Estudos realizados por analistas de mídias sociais virtuais vêm apontando um vertiginoso aumento da utilização do Instagram, que inclusive ampliou sua liderança sobre o Facebook durante a pandemia (interminável?) de Covid-19. Segundo nota do Socialbakers, em termos de audiência global, o Instagram “ampliou para 31,2% a vantagem que já era de 28% no primeiro trimestre de 2020”[1].

De fato, o aplicativo tem se tornado uma excelente plataforma para interações e variadas formas de engajamento. Por este motivo, ele vem sendo considerado uma vitrine e um canal de comunicação importante tanto para instituições quanto por setores diversos da sociedade civil.

Com base nisto, eu (Leonardo Brandão) em conjunto com o professor Giancarlo Machado (Unimontes/MG) resolvemos criar recentemente um perfil nesta plataforma para a divulgação das pesquisas acadêmicas sobre skate (que são inúmeras, mas muitas vezes desconhecidas do grande público). Queremos dar visibilidade a essas pesquisas para um número maior de pessoas e também incentivar a produção de novas investigações na área.

Deste modo, o Skate Acadêmico (@skateacademico) é uma iniciativa que visa propagar o conhecimento sobre skate a partir da divulgação de pesquisas científicas. Ao considerar o caráter multifacetado do skate, almeja-se divulgar investigações realizadas por pesquisadores(as) vinculados a todas as áreas do conhecimento e que se encontram em qualquer nível de formação acadêmica, de graduandos(as) a doutores(as).

Objetiva-se, ainda, criar uma rede de pesquisadores(as) e demais interessados(as) a fim de proporcionar trocas que potencializem a visibilidade do skate nos mais diversos âmbitos. Temos, como meta, a produção de publicações, eventos e demais iniciativas que estimulem a prática científica e o debate público sobre questões pertinentes ao universo do skate.

Divulgaremos as seguintes modalidades de trabalhos acadêmicos: teses; dissertações, TCCs; livros, capítulos; artigos e textos em anais de eventos. O perfil também contemplará curiosidades sobre a história do skate; entrevistas com pesquisadores(as); divulgação de eventos; divulgação de textos jornalísticos e reflexões diversas.

Faça parte desta rede você também. Curta, compartilhe, apoie.

Siga o perfil @skateacademico no Instagram e ajude fomentar esta ideia.

[1] https://www.b9.com.br/131883/pesquisa-mostra-que-uso-do-instagram-cresceu-durante-a-pandemia-e-e-31-maior-que-o-facebook/, acesso em 15/01/2022.


Skate, atitude e política

25/06/2021

Por: Leonardo Brandão (@leobrandao77)

Universidade Regional de Blumenau – FURB

IMAGEM: Murilo Romão, do coletivo Flanantes, praticando skate de rua no centro de São Paulo/SP. Fotografia: André Calvão. Clique sobre a imagem para ampliá-la.

NOTA INTRODUTÓRIA:

No dia 21 de junho comemora-se o Dia Mundial do Skate. Neste ano, fui convidado para realizar um depoimento num evento organizado na Unibes Cultural, em São Paulo/SP. O organizador deste evento solicitou um depoimento sobre a relação entre skate, atitude e política. O depoimento que proferi tomou por base este texto que segue abaixo para leitura.

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A relação entre a prática do skate e a noção de atitude é antiga. Podemos retornar no tempo e nos lembrar dos Z-Boys, grupo de skatistas que, nos Estados Unidos, revolucionou essa atividade durante a década de 1970 ao invadir piscinas em propriedades particulares e praticar skate em suas transições, fato este que está no documentário “Dog Town and Z-Boys”, dirigido por Stacy Peralta e que, inclusive, pode ser conferido no You Tube para quem tiver curiosidade[1].

A atitude na prática do skate se revela de inúmeras maneiras, seja pelo visual (a indumentária), na sua relação com a música (geralmente com o punk-rock, ou o chamado skate-rock e também ao rap) e, sobretudo, nas manobras; isto é, na escolha das manobras e onde realiza-las. Na prática do skate de rua (street), há um elemento incontestável de atitude no flanar pelo urbano, quando os skatistas se apropriam de determinados elementos da cidade, os chamados aparelhos urbanos, tais como escadas, transições, bancos, guias etc.

Na história do Skate, tais atitudes ganham dimensões políticas. No caso do Brasil, é conhecida sua proibição na cidade de São Paulo no ano de 1988, pelo autoritarismo de seu prefeito à época, Jânio Quadros…O skate apenas voltou a legalidade na gestão de Luiza Erundina no início dos anos 90. Todo este episódio da proibição do skate em São Paulo encontra-se muito bem documentado, e isso tanto no Jornal “A Folha de S. Paulo” quanto na revista Yeah!, que tinha como editor-chefe Paulo Anshowinhas e que foi uma das principais mídias de skate da década de 1980 no país. Posteriormente, vale destacar que também tivemos políticas públicas que beneficiaram o skate ao construir espaços específicos para sua prática. Exemplos neste sentido podem ser observados na gestão da ex-prefeita Marta Suplicy, que viabilizou a entrega de inúmeras pistas no Projeto Centros de Bairro[2] ou na gestão do ex-prefeito Fernando Haddad, que além de incentivar a ideia de “cidade para pessoas”, também realizou a construção de pistas de skate, como o Centro de Esportes Radicais, localizado no Bom Retiro ou ainda a Pista de Skate da Chácara do Jóckey.

Mas há uma relação mais complexa que envolve skatistas e a temática do poder. Para além das políticas públicas aqui destacadas, podemos pensar que o poder se relaciona com a atitude do skate de inúmeras maneiras. Recentemente, tivemos a destruição de um pico clássico do skate paulistano, no Vale do Anhangabaú. Inconformados, os skatistas resistiram e conseguiram, através de um movimento urbano que ficou conhecido como “Salve o Vale”, viabilizar parte da reconstrução deste pico, sob supervisão e projeto do arquiteto Rafael Murolo. Este novo pico atualmente é conhecido como o Memorial. Esta história de luta e negociação com o poder público virou um livro, organizado pelo skatista profissional Murilo Romão e que conta toda a saga do skate no Vale do Anhangabaú, desde os primórdios, passando pela destruição e a posterior construção do memorial, que se tornou um aparelho urbano skatável.

Este acontecimento, portanto, nos mostra que o poder não tem apenas uma via, ele pode reprimir, mas também pode ser usado para a construção, para algo positivo. No caso do skate praticado na rua, os skatistas conhecem há muito tempo a temática do poder, que neste caso é quase sempre utilizado na forma disciplinar, sobretudo com guardas e policiais, que não autorizam o uso de determinados espaços urbanos. Mas existem maneiras de contornar esse poder disciplinar e realizar a apropriação da cidade, e o coletivo Flanantes, que vem produzindo uma série de filmes sobre o uso criativo do skate nos espaços públicos é uma prova disso (Todos os vídeos dos Flanantes podem ser conferidos também no Youtube).

Por fim, há também uma outra dimensão do poder, e na minha tese de doutorado, que deu origem ao livro “Para Além do Esporte: Uma História do Skate no Brasil”, que eu intitulei de Poder Esportivo. Esta modalidade do poder visa transformar o skate num esporte de competição, criando regras, categorias, rankings etc. Trata-se de um poder que visa moldar o skate no campo esportivo, sendo, uma de suas maiores conquistas, a entrada do Skate nas Olimpíadas.

Este breve panorama nos faz ver, portanto, que não podemos falar no skate no singular, mas sim no plural. Não existe o skate ou o skatista, mas sim determinadas formas de utilizar o skate, seu uso heterotópico nas ruas ou na forma de competição em espaços delimitados e organizados para tanto; como também não existe o skatista, mas skatistas, com identidades múltiplas, pois enquanto há aquele que se reconhece enquanto um atleta (houve num passado até quem já se intitulou “Atleta de Cristo”), existem outros que preferem interpretar o skate, na expressão do skatista Klaus Bohms, como uma “ferramenta de reinterpretar espaço”, o que associa o skate muito diretamente ao campo artístico.

Para saber mais:

BRANDÃO, Leonardo. Para além do Esporte: uma história do skate no Brasil. Blumeau: Edifurb, 2014.

ROMÃO, Murilo (Org.) Vale TXT. São Paulo: Flanantes, 2020.


[1] https://www.youtube.com/watch?v=7YKPEDayb_U, acesso em 15/06/2021.

[2] https://cemporcentoskate.com.br/fiksperto/marta-suplicy-oficializa-a-entrega-das-44-pistas-de-skate-em-sp/, acesso em 15/06/2021.