PROFESSOR GIANCARLO MACHADO LANÇA NOVO LIVRO SOBRE SKATE

16/04/2023

Entrevista por Leonardo Brandão

 @leobrandao77

  Foto: Divulgação

Os estudos acadêmicos sobre o skate receberam, recentemente, uma importante contribuição. Trata-se do livro: “A cidade do skate: sobre os desafios da citadinidade”, de autoria do antropólogo e professor universitário Giancarlo Machado. O livro, que contou com apoio da Capes, foi publicado pela Editora Hucitec no âmbito da coleção “Antropologia Hoje”.

Para saber mais sobre este livro, eu fiz uma rápida entrevista com o autor. Foram apenas 3 perguntas, mas que ajudam a lançar luz sobre a obra, inclusive citando os locais onde ela pode ser adquirida.

1 – Gian, conte como surgiu a ideia do livro? Ele é fruto de uma pesquisa universitária?

R: O livro incorpora reflexões realizadas para fins de minha tese de doutorado, intitulada “A cidade dos picos: a prática do skate e os desafios da citadinidade”, defendida em 2017 no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da USP, e também traz questões recentes a partir das disciplinas e investigações que venho desenvolvendo no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Unimontes-MG, onde estou vinculado como professor permanente. A obra é, portanto, derivada de pesquisas universitárias. Para dar visibilidade aos resultados, bem como para propagar temáticas ligadas ao skate acadêmico e aos estudos urbanos, mobilizei esforços para que o livro fosse publicado. Submeti o manuscrito para apreciação do comitê da coleção “Antropologia Hoje” – sendo esta responsável por publicar livros de referência nacional na área da Antropologia – e, após a aprovação, iniciei a negociação com a HUCITEC, editora que atualmente abriga a coleção e que fora responsável pelo lançamento do livro. Cabe destacar que tal livro contou com apoio da Coordenação de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES), código de Financiamento 001, através do Programa de Apoio à Pós-Graduação (PROAP), auxílio 0928/2020, processo 88881.593009/2020-01. Sou grato, assim, ao PPGDS/Unimontes, Editora HUCITEC e CAPES por tornarem possível a publicação de “A cidade do skate: sobre os desafios da citadinidade”. E também, mas não menos importante, à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que garantiu minha bolsa de doutorado a partir da qual viabilizei boa parte da pesquisa, aos skatistas que tive contato no curso do trabalho de campo, e aos professores e pesquisadores que contribuíram com críticas e direcionamentos.

2 – Do que trata o livro? Como ele está estruturado?

R: O skate de rua é o foco de uma investigação antropológica que o trata não apenas como uma prática multifacetada que transcorre no urbano, mas, igualmente, como uma própria prática do urbano transposta por subversões, conflitos e negociações, enfim, por posicionamentos díspares frente às governanças que são feitas dos espaços urbanos. Evidencia-se como os skatistas embaralham ordenamentos e põem em suspensão embelezamentos estratégicos de uma cidade gerenciada como mercadoria e voltada para práticas de cidadania que são englobadas sobretudo por lógicas de consumo. A publicação está divida em duas partes, sendo que, cada uma, traz dois capítulos. O primeiro deles, intitulado “Manobras na Praça Roosevelt: embates em torno da prática do skate”, traz uma abordagem etnográfica que analisa as sociabilidades e os conflitos que emergem a partir das apropriações que os skatistas fazem da Praça Roosevelt, um dos principais picos de skate de São Paulo. Evidencia, portanto, embates e negociações entre perspectivas citadinas e normatizações institucionais por meio das quais são colocadas em tela as estratégias esperadas, bem como as subversões que delas são feitas, para a apropriação de certos espaços públicos paulistanos. O segundo capítulo, por sua vez nomeado “Entre a destruição e a criação: quando os skatistas fazem a cidade”, aborda os múltiplos sentidos que permeiam o universo da prática do skate de rua em São Paulo. Por meio de uma investigação detida em várias situações são reveladas as experiências citadinas mais valorizadas pelos skatistas, como os rolês e a busca por picos em espaços não definidos de antemão. As análises revelam as relações de poder, assimetrias, desigualdades e segregações que calham em São Paulo e como os skatistas resistem e se impõem em toda sorte de espaços a partir de suas manobras e táticas astuciosas. O terceiro capítulo, “Skate, esporte e política: governanças da citadinidade”, demonstra como uma série de agenciamentos político-urbanísticos vem tentando enquadrar a prática do skate de rua conforme suas próprias rubricas com vistas a amenizar — ou até mesmo coibir — os impactos de sua realização em determinados espaços e equipamentos urbanos não planejados para as ações dos skatistas. “A espetacularização da citadinidade: sobre a cooptação do skate de rua” é o título do quarto e último capítulo. Ao contrário do anterior, onde são priorizados os enquadramentos institucionais que visam combater a citadinidade inerente a prática do skate de rua, este capítulo revela o distanciamento de certos skatistas em relação às estratégicas pretensões que fomentam apenas a sua dimensão esportivizada. O capítulo exprime, com efeito, como as experiências urbanas dos skatistas, malgrado os combates que a elas são destinados, também são cooptadas a ponto de provocar uma reconfiguração e espetacularização de certos espaços da cidade. Enfim, é um livro que aborda as contradições da citadinidade a partir de resistências e capturas.

3 – Onde é possível adquiri-lo? Ele está a venda pela Internet?

R: O livro pode ser adquirido através de vários canais. A editora HUCITEC está responsável pela venda direta em seu próprio site (https://lojahucitec.com.br/). Também é possível encontrá-lo em demais livrarias online, como Amazon e Estante Virtual. Ou, ainda, com o skatista Murilo Romão, do coletivo Flanantes (@flanantes_), e pelo projeto “Skate Acadêmico” (@skateacademico ou skateacademico@gmail.com). No final do mês de maio de 2023 acontecerá o lançamento em São Paulo, na livraria Tapera Tapéra.


MEU PRIMEIRO TEXTO PARA UMA REVISTA DE SKATE

02/01/2023

Leonardo Brandão

@leobrandao77

Historiador e Professor Universitário

No início de 2004, período no qual estava terminando meu bacharelado em História na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), publiquei meu primeiro texto sobre skate numa mídia impressa de alcance nacional: a revista 100% Skate (Atualmente a grafia desta revista/mídia digital aparece como CemporcentoSK%TE).

Nesta época, estava escrevendo meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), requisito obrigatório para a obtenção do meu almejado título de historiador. Eu havia resolvido pesquisar (para espanto de alguns professores mais ortodoxos, mas também motivado pelos entusiastas da “Nova História”) a prática do skate; tema até então inédito nos estudos historiográficos no país (havia alguns trabalhos na área da Educação Física, mas nada em História).

Foi neste contexto que tive a coragem de enviar pelos Correios (pois eu não tinha computador e nem acesso fácil à Internet nesta época) um pequeno texto para essa revista da qual já era leitor desde a sua fundação no ano de 1995.

O texto foi enviado com mais dúvidas do que certezas: Será que ele chegaria a seu destinatário? Será que seria lido pelo editor? (na época, o skatista profissional Alexandre Vianna) Será que seria publicado? Algum tempo se passou e, para minha surpresa, recebi pelos Correios a edição impressa da revista em minha residência; nela, havia meu texto publicado! Foi uma festa, mas também o início de uma parceria que se mantém (com períodos de maior e menor intensidade) até os dias atuais.

Relendo esse texto após quase duas décadas de sua publicação, ainda hoje o considero interessante, pois ele nos incita a pensar sobre as possibilidades do corpo. A seguir, reproduzo-o na íntegra para que ele chegue a novos leitores (talvez alguns que nem eram nascidos na época de sua publicação original). Após isso, escrevo outro breve texto atualizando algumas informações nele contidas e finalizo sugerindo alguns links para quem quiser saber mais sobre o assunto aqui tratado.

CONVITE À QUESTÃO: O QUE PODE O CORPO?

Quando, no século XVII, o filósofo holandês Bento Espinosa (1632 – 1677) escreveu “Ética”, um dos livros mais importantes de toda a história da filosofia, ele observou: “Ninguém, na verdade, até o presente, determinou o que pode o corpo, isto é, a experiência não ensinou a ninguém, até o presente, o que, considerado apenas como corporal pelas Leis da Natureza, o corpo pode fazer e não fazer”. Séculos passaram e a questão continua inquietante. Afinal: que pode o corpo?

Transportando essa questão para o universo do skate, ela parece redobrar o seu valor. Pois foi com ele e por ele que o corpo pôde saltar gigantescas escadas, descer corrimãos, andar por transições, bordas, bancos, palcos etc. O skate descobriu novas possibilidades para o corpo e, a cada dia que passa, skatistas demonstram algo novo que ainda se pode fazer com ele: Bob Burnquist provou que o corpo pode dar um looping num tubo, Tony Hawk demonstrou que o 900º é possível numa rampa vertical, outros tantos já exploraram seus corpos de inúmeras maneiras, sempre tentando ultrapassar seus limites e provando que o corpo humano, com um skate sob os pés, pode se superar constantemente, encontrar novos desafios e lugares para andar.

A evolução permanente nas manobras de skate lança o desafio da superação infinita: criar novas manobras, executá-las em lugares inusitados, fazer diferente. O futuro no skate, ao contrário da grande maioria dos esportes, é uma caixa de surpresas a demonstrar que o novo pode ser inventado sempre.

(Texto publicado na edição impressa da revista 100% Skate, n. 74, maio de 2004, p. 96).

Atualizações: Realmente, Bob Burnquist foi o primeiro skatista a realizar um looping num tubo “natural”, isto é, não projetado para o skate. Ele realizou tal façanha no dia 23 de novembro de 2003 às 16h e 20 minutos, tal como consta no site da Transworld Skateboarding listado abaixo. Há relatos, todavia, de que o looping em rampas projetas para o skate havia sido concluído já em 1979 pelo skatista norte-americano Duane Peters. Importante registrar que no ano de 1998, Tony Hawk decidiu recuperar a ideia do looping e o realizou com perfeição, documentando o feito no filme “The End” da Birdhouse. Ainda sobre Bob, o skatista também teve os méritos de realizar o primeiro looping com gap, isto é, com uma abertura na parte superior do tubo. Acerca do giro de 900º, com o passar do tempo, mais rotações foram introduzidas. Em maio de 2020 o skatista curitibano Gui Khury foi o primeiro a realizar o 1080º (três giros completos) numa rampa vertical e entrou para o Guinness World Records (antes dele, em 2012, o skatista Tom Schaar havia conseguido os três giros, mas numa Mega rampa, o que permite maior velocidade e amplitude nas manobras).

 

Para saber mais:

1 – Site da Transworld Skateboarding que afirma o pioneirismo de Bob Burnquist no looping num tubo “natural”.

https://skateboarding.transworld.net/news/bob-burnquist-makes-skateboarding-history/

2 – Veja o próprio Bob Burnquist, em entrevista no Programa Podpah flow cast, recuperando a história dos skatistas que fizeram o looping e citando o nome de Duane Peters e Tony Hawk.

https://www.youtube.com/watch?v=1tTs9iGdThM

3 – Tony Hawk realizando o looping no ano de 1998 em imagens do filme “The End” da Birdhouse:

https://www.youtube.com/watch?v=gO07tMtmByg&t=5s

4 – Vídeo do skatista Gui Khury realizando o primeiro 1080º numa rampa vertical (half-pipe) no canal do youtube do Guinness World Records:

https://www.youtube.com/watch?v=TnwT7rBLKY0


O AVANÇO DO SKATE FEMININO*

23/05/2022

Leonardo Brandão

Historiador e Professor Universitário

@leobrandao77

“Não se nasce mulher; torna-se mulher”. Esta frase pertence a escritora Simone de Beauvoir (1908 – 1986), a qual, através do livro intitulado “O Segundo Sexo”, lançado em 1949, contribuiu para questionar os lugares de sujeito que a sociedade patriarcal reservava para as mulheres, uma vez que a posição das mulheres na sociedade era (ainda é?) determinada por fatores culturais e sociais. A reflexão de Beauvoir exerceu forte influência no movimento feminista e, desde então, muitas conquistas foram obtidas.

Embora, nos últimos anos, estejamos vivendo no país uma espécie de retrocesso civilizatório, ainda assim, quando observamos o skate feminino, há motivos de sobra para nos orgulharmos. Rayssa Leal, Gabriela Mazetto, Yndiara Asp, Virgina Fortes, Pipa Souza, Priscila Morais, Esther Solano, Giovana Dias, Vitória Mendonça, Atali Mendes, Kemily Suiara, Pamela Rosa, Marina Gabriela, Vitória Bortolo, Karen Feitosa, Agatha Pinheiro, entre muitas outras, estão ora elevando o nível das manobras nas competições, ora manobrando em pistas e/ou filmando pelas ruas. Num Brasil que insiste em caminhar para trás, essa maior presença das mulheres no skate é um sinal de progresso.

E o que falar da História do Skate Feminino? Embora saibamos que, desde o início elas sempre estiveram sobre o carrinho, os estudos sobre este tema ainda são escassos. No Brasil, quem ajudou a preencher um pouco dessa lacuna foi a pesquisadora Márcia Luiza Figueira, estudiosa que produziu a primeira tese de doutorado específico sobre skate feminino, intitulado “Skate para meninas: modos de se fazer ver em um esporte em construção”, defendida em 2008 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Num capítulo publicado no livro “Skate & Skatistas: questões contemporâneas”, Márcia Figueira evidenciou algumas conquistas do skate feminino a partir da virada do milênio. Ela lembra que um passo importante no aumento de sua visibilidade foi dado pela revista CemporcentoSKATE em 2001, quando foi inaugurado o encarte 100%SkateGirl, no qual a skatista Giuliana Ricomini estreou a seção “ponto de vista”. No ano seguinte, em 2002, na segunda edição desse encarte, seu editorial explicava:

“Há muito que as meninas ambicionavam um espaço só seu na revista. Pediram, clamaram, reclamaram (e mais uma infinidade de outros verbos). Sobretudo elas ANDARAM de skate. Por isso CONSEGUIRAM […] insistiram em andar de skate, em acertar manobras, em correr campeonatos, em evoluir”.

As meninas (eu prefiro o termo mulheres) foram conquistando seus espaços nos veículos de mídia especializado. No ano de 2004, a extinta revista Tribo também passou a dedicar uma seção para elas, intitulado Lilith. Neste mesmo ano, segundo os estudos de Marcia Figueira, Alexandre Vianna, que na época presidia a Confederação Brasileira de Skate (CBSk), afirmou ser “legal ver as meninas se unindo na construção de um espaço e de uma identidade dentro do skate nacional”.

Um marco importante nessa batalha por visibilidade ocorreu em julho de 2006, época da simbólica publicação da centésima edição da revista CemporcentoSKATE. Nela, pela primeira vez, uma skatista aparecia na capa dessa revista. Tratava-se da skatista Eliana Sosco, com uma manobra (noseslide) descendo um corrimão de escadaria, fotografada por Renato Custódio.

Daí em diante muitas outras conquistas ocorreram, como a capa da Ligiane Xuxinha na edição de setembro de 2011 ou o sucesso internacional da skatista Letícia Bufoni, por exemplo. Mesmo no universo acadêmico, surgiram mais mulheres pesquisando a prática do skate. Em 2014, Allana Joyce Scopel defendeu na UFMG a dissertação de Mestrado “A apropriação do Parque da Juventude pelos Skatistas”; e em 2016, na FURG, Juliana Cotting Teixeira defendeu a dissertação “Cenas Urbanas: skatistas, ocupação da cidade e produção de subjetividades”.

Além disso, muitas crews de skate feminino surgiram, como as Pantaneiras Skate Girls na cidade de Campo Grande/MS (encabeçado pela skatista Edduarda Grego) ou as Batateiras, em São Paulo, que surgiram com o intuito de incentivar e fomentar o skate feminino. As Batateiras, inclusive, figuraram no documentário Skate Le Monde, produzido para a televisão francesa TV5 Monde[1].

A história do skate feminino é rica e merece muito mais investigação e registro. As primeiras praticantes, a luta por visibilidade, o preconceito, a corporalidade, questões de gênero, etnia e tantos outros enfoques são possíveis. O trabalho de Marcia Figueira foi pioneiro ao desbravar o assunto, mas outros estudos podem ser feitos. E aí, você skatista que está fazendo ou pretende fazer uma faculdade? Que tal este tema para um Trabalho de Conclusão de Curso? Pois, afinal, vamos combinar que o universo do skate ficou muito mais interessante com a presença das mulheres!

* Este post é uma versão levemente modificada do texto “Sim, elas podem!”, publicado na edição impressa da revista CemporcentoSKATE, edição n. 220, de out/nov de 2021.

[1] O episódio pode ser visto em: https://www.tv5unis.ca/videos/skate-le-monde/saisons/1/episodes/9

 


O QUE É SKATE ACADÊMICO?

31/01/2022

Por: Leonardo Brandão (historiador)

Imagem: logotipo do @skateacademico criado por Rafael F (@rafaeleffe)

 

Estudos realizados por analistas de mídias sociais virtuais vêm apontando um vertiginoso aumento da utilização do Instagram, que inclusive ampliou sua liderança sobre o Facebook durante a pandemia (interminável?) de Covid-19. Segundo nota do Socialbakers, em termos de audiência global, o Instagram “ampliou para 31,2% a vantagem que já era de 28% no primeiro trimestre de 2020”[1].

De fato, o aplicativo tem se tornado uma excelente plataforma para interações e variadas formas de engajamento. Por este motivo, ele vem sendo considerado uma vitrine e um canal de comunicação importante tanto para instituições quanto por setores diversos da sociedade civil.

Com base nisto, eu (Leonardo Brandão) em conjunto com o professor Giancarlo Machado (Unimontes/MG) resolvemos criar recentemente um perfil nesta plataforma para a divulgação das pesquisas acadêmicas sobre skate (que são inúmeras, mas muitas vezes desconhecidas do grande público). Queremos dar visibilidade a essas pesquisas para um número maior de pessoas e também incentivar a produção de novas investigações na área.

Deste modo, o Skate Acadêmico (@skateacademico) é uma iniciativa que visa propagar o conhecimento sobre skate a partir da divulgação de pesquisas científicas. Ao considerar o caráter multifacetado do skate, almeja-se divulgar investigações realizadas por pesquisadores(as) vinculados a todas as áreas do conhecimento e que se encontram em qualquer nível de formação acadêmica, de graduandos(as) a doutores(as).

Objetiva-se, ainda, criar uma rede de pesquisadores(as) e demais interessados(as) a fim de proporcionar trocas que potencializem a visibilidade do skate nos mais diversos âmbitos. Temos, como meta, a produção de publicações, eventos e demais iniciativas que estimulem a prática científica e o debate público sobre questões pertinentes ao universo do skate.

Divulgaremos as seguintes modalidades de trabalhos acadêmicos: teses; dissertações, TCCs; livros, capítulos; artigos e textos em anais de eventos. O perfil também contemplará curiosidades sobre a história do skate; entrevistas com pesquisadores(as); divulgação de eventos; divulgação de textos jornalísticos e reflexões diversas.

Faça parte desta rede você também. Curta, compartilhe, apoie.

Siga o perfil @skateacademico no Instagram e ajude fomentar esta ideia.

[1] https://www.b9.com.br/131883/pesquisa-mostra-que-uso-do-instagram-cresceu-durante-a-pandemia-e-e-31-maior-que-o-facebook/, acesso em 15/01/2022.


PESQUISA DE MESTRADO NA UFRJ IRÁ COMPARAR PICOS CLÁSSICOS EM SÃO PAULO/SP E RIO DE JANEIRO/RJ[1]

10/05/2021

Entrevista realizada por: Prof. Dr. Leonardo Brandão (FURB)

Instagram: leobrandao77


As pesquisas universitárias sobre skate no Brasil vem crescendo tanto em quantidade quanto em qualidade. Já são vários os Trabalhos de Conclusão de Curso (os famosos TCC’s) que abordam, sob diferentes ângulos, a prática e a cultura do skateboard. Algumas pesquisas avançam também na Pós-Graduação, com dissertações de Mestrado   e Teses de Doutorado. Neste âmbito, a mais recente pesquisa aprovada para se tornar uma dissertação de Mestrado vem do Rio de Janeiro/RJ, na pessoa do geógrafo e skatista Luciano Hermes (43 anos), que recentemente foi aprovado no Mestrado em História Comparada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e com um projeto que visa comparar os processos de reivindicação da prática do skate em dois picos clássicos, o Vale do Anhangabaú em São Paulo (que agora é o Memorial) e a famosa Praça XV no Rio de Janeiro/RJ

Conversei um pouco com Luciano para conhecê-lo melhor e saber um pouco mais de seu projeto de pesquisa, seus objetivos e como ele pretende realizá-lo. A seguir, nosso bate-papo:

1 – Olá Luciano! Gostaria que você se apresentasse, contando um pouco sobre você, em especial sua trajetória na cena do skate e acadêmica.

Olá! Meu nome é Luciano Hermes da Silva. Tenho 43 anos e sou skatista desde 1989. Comecei a andar de skate no breve período de existência da Associação de Skate de São Gonçalo (ASSG). A primeira coisa que se reparava era que os próprios skatistas, em regime de mutirão, montavam rampas e trilhos para andarem de skate em uma rua de asfalto liso. A família de um dos skatistas não se incomodava com a sessão em frente de casa, como também deixava guardar na garagem os obstáculos. A ASSG organizou alguns campeonatos de skate entre 1988 e 1989 que foram muito importantes para a História do skate no RJ.

Bom que se diga, que na virada da década de 1980 até meados da década de 1990, muita coisa mudou no skate e na sua própria prática. Daí que a cada nova fase, um certo tipo de pico se tornava mais frequentado por nós. De início as rampas de madeira da ASSG, e depois, o ringue de patinação do Campo de São Bento, as mini-ramps (Lauro Müller, Urca, Piratininga e Mutuá), a pista de São Francisco, além dos precários picos de rua.

A prática de skate intensa até 1997 foi interrompida por causa de trabalho e estudos, até que só foi ‘resgatada’ junto com a liberação do skate na Praça XV, em 2011.

Atuo como professor de Geografia desde 2001 e, de 2012 até os dias de hoje, trabalho como professor de Geografia na rede municipal do Rio de Janeiro.

A partir de 2013, juntamente com Nelson Diniz, que é também skatista, professor e pesquisador em Planejamento Urbano e Regional, iniciou-se um esforço analítico sobre a prática do skate. Em coautoria, publicamos e apresentamos ao debate acadêmico algumas elaborações nossas a respeito dos conflitos relativos à prática do skate em espaços públicos no Rio de Janeiro.

Fui recentemente aprovado no mestrado no Programa de Pós-graduação em História Comparada da UFRJ (PPGHC-UFRJ), na turma de 2021, com o projeto cujo título é: “O skate conquista o centro da cidade: Praça XV-RJ e Vale do Anhangabaú-SP em perspectiva comparada”.

2 – Explique como você teve a ideia de escrever este projeto de mestrado que foi aprovado na UFRJ e qual o seu objetivo?

A pesquisa sobre a prática do skate em espaços públicos nos permitiu identificar padrões de ação dos skatistas e dos gestores urbanos no caso da Praça XV, no Rio de Janeiro. De modo que, ao observar o que se passou no Vale do Anhangabaú, já se dispunha de alguns conceitos.

A ideia decorreu do interesse em identificar semelhanças e diferenças nos dois casos. O objetivo central do projeto é estabelecer uma perspectiva comparada dos padrões de ação dos skatistas organizados no Coletivo XV e no Salve o Vale nos processos de reivindicação de uso dos espaços públicos da Praça XV e do Vale do Anhangabaú.

Entre os objetivos específicos da pesquisa, um merece destaque: a discussão sobre a centralidade da categoria espaço público nos discursos dos dois casos considerados.

3 – Como você fará esta pesquisa? Fale um pouco sobre a questão do método.

O projeto está sob orientação do Professor Dr. Fernando Luiz Vale Castro e sob co-orientação da Professora Drª Andréa Casa Nova Maia, o que significa algumas mudanças de estratégia no decorrer do curso. De toda forma, o plano inclui os seguintes procedimentos: revisão da literatura, realização de entrevistas, trabalhos de campo de observação participante, pesquisa iconográfica e audiovisual.

A análise dos Decretos e dos Planos Diretores subsidiará o estabelecimento dos marcos temporais, bem como a elaboração dos questionários das entrevistas.

Como se trata de um processo recente e de pouca sistematização a respeito, o recurso das entrevistas é de grande relevância. Pretende-se realizar entrevistas com os skatistas responsáveis pela organização do Coletivo XV e do Salve o Vale, com representantes das instituições da administração públicas envolvidas nos processos de negociação (Secretaria de Parques e Jardins e Instituo Nacional do Patrimônio Histórico, no Rio de Janeiro e Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras, em São Paulo), bem como com representantes das empresas responsáveis pela construção dos mobiliários urbanos adicionados à Praça XV.

A observação participante é o recurso ao qual se recorrer para o registro da dinâmica da normalidade dos espaços públicos considerados. Pretende-se adotar a prática do registro em diário de campo para a tomada de notas a respeito, por exemplo, do convívio entre skatistas e demais frequentadores e transeuntes tanto da Praça XV, quanto do Vale do Anhangabaú.

Através dos registros fotográficos e audiovisuais, tanto das mídias especializadas, quanto dos acervos particulares, pretende-se reconstituir a trajetória da ocupação dos skatistas na Praça XV e no Vale do Anhangabaú.

4 – O espaço final é seu. Deixe algum recado para quem está lendo essa entrevista e pretende pesquisar skate na Universidade.

Muito obrigado pela recepção e pela consideração à pesquisa.

Diria que o mais importante é definir qual aspecto do skate se vai investigar. Com o objeto bem definido é que se elabora uma questão para ser pesquisada. Um exemplo banal, no caso da História do skate: “Quais manobras já mandaram subindo o corrimão tal?” Nenhuma das manobras descendo o corrimão responde à questão.

No mais, diria que a recepção é sempre muito boa quando se apresenta a ideia a outros pesquisadores.

O caminho está minimamente pavimentado, na medida em que há, tanto no Brasil quanto em outros países, uma produção considerada válida para se tomar por referência.

SAIBA MAIS

“O que o skate pode dizer sobre o ensino de geografia?”

Luciano Hermes da Silva e Nelson Diniz (2014)

https://www.cp2.g12.br/ojs/index.php/GIRAMUNDO/article/view/50

“Contra-uso skatista de espaços públicos no Rio de Janeiro”

Nelson Diniz e Luciano Hermes da Silva

http://emetropolis.net/artigo/202?name=contra-uso-skatista-de-espacos-publicos-no-rio-de-janeiro


[1] Publicado originalmente, com pequenas alterações, no site da revista CemporcentoSKATE.


SKATE POÉTICO: UM PROJETO SOCIAL NA PERIFERIA DE SÃO PAULO/SP

03/09/2020

Por Leonardo Brandão

(Historiador/FURB)

Skate e Poesia podem andar – ou deslizar – juntos! Esta é a ideia de um projeto social surgido de um skatista, professor de Educação Física e morador do Jardim Romano, na periferia da cidade de São Paulo. Seu nome é Nanderson Silveira dos Santos, mais conhecido como Nando. Segundo ele, o Projeto Skate Poético (PROSKAP) começou no ano de 2016, inicialmente com a ideia de oferecer aulas de skate e produção de poesias para crianças e adolescentes do Jardim Romano, bairro carente situado no extremo leste da periferia de São Paulo.

Nando explica que, para entendermos melhor a gênese deste projeto, é necessário retornar alguns anos no tempo, ou melhor, ao ano de 2004.  Pois foi neste ano que ocorreu as eleições para a prefeitura de São Paulo, sendo que a atual prefeita à época, Marta Suplicy, prometeu, caso fosse reeleita, a construção do Centro Educacional Unificado (CEU) Três Pontes, no bairro Jardim Romano. Entretanto, esse fato não se consolidou naquele momento em função da vitória do candidato da oposição, José Serra (PSDB). Mesmo assim, essa promessa, segundo ele, fez surgir o sonho de uma pista de skate no local, uma vez que todos CEUs construídos pelas administrações petistas contavam com pistas de skate em suas dependências.

Passados quatro anos, no dia 31 de agosto de 2008, fora inaugurado o CEU Três Pontes, sob a administração do vice de Serra, Gilberto Kassab (DEM), mas sem nenhuma pista de skate. A partir dessa conjuntura, surgiu um movimento dos skatistas locais com o objetivo de reivindicar um espaço qualquer para à prática do skate na região. Porém, somente em 2014, depois de muito diálogo e insistência, foi cedido pela diretoria do CEU Três Pontes uma quadra poliesportiva e um espaço para guardar os obstáculos de skate (rampas, “caixote”, corrimãos etc.) feitos de madeira.

Assim, foi nesse contexto de luta por espaço e reconhecimento que surgiu a ideia de dar aulas de skate e, por conseguinte, em 2016, foi desenvolvido o Projeto Skate Poético. Nesta época, Nando explica que estava escrevendo com frequência poesias e também frequentando Saraus de “poesias periféricas” em seu bairro; e em função disso, embora a ideia ainda estivesse pouco madura, surgiu o objetivo de unir skate com a prática da leitura de poesias, visto que esse gênero dá mais liberdade e é mais fácil de ser trabalhado com crianças e adolescentes, pois permite ir além da norma culta da língua portuguesa (recurso conhecido como licença poética).

Na época, o projeto já contava com oficinas de customização de skates, rodas de conversa, saraus e pequenos campeonatos de skate. Contudo, as atividades aconteciam de maneira muito esporádica. Foi somente em 2017 que o projeto começou a ter um calendário organizado. Isso ocorreu quando Kevin Nascimento da Silva (skatista e professor de História no município) passou a integrar o projeto Skate Poético e, com a sua ajuda, foi possível revisar o projeto original e incluir mais oficinas, como a de mercenária e de produção de “shapes sustentáveis”, essa última ainda em fase de experimentação. Neste mesmo ano, logo após a entrada de Kevin, Rafael Souza Alves Diniz (skatista e também professor de História do município) se voluntariou a participar, fechando a equipe atual. De lá para cá, o projeto amadureceu, expandiu e conseguiu se sustentar com periodicidade e um bom número de participantes fixos.

Atualmente, Nando conta que ainda utilizam a quadra poliesportiva do CEU Três Pontes para as aulas de skate, rodas de conversa, leitura e interpretação de textos, sendo que o projeto passou a contar também com oficinas de marcenaria (em que os alunos aprendem a construir seus próprios obstáculos de skate); oficinas de customização de lixas (na qual os alunos aprendem a criar estêncil com uso de ferramentas manuais e digitais); oficinas de fabricação de shapes sustentáveis, jogos e brincadeiras.

Sobre os desafios atuais para a continuidade deste projeto, Nando explica que como se trata de um projeto independente e que atua no extremo leste da periferia de São Paulo, eles não contam com nenhum apoio governamental, nenhuma política de fomento ao esporte, lazer e educação e nem com recursos privados. Evidentemente, em virtude disso, eles tem algumas dificuldades, sobretudo para a aquisição dos utensílios próprios de skate, como shapes, rodas e equipamentos de segurança, pois aos poucos, os skates montados com peças usadas já não são mais suficientes para atender a demanda crescente de novos alunos. Em razão disso, ele explica que separam os alunos em grupos, de acordo com a idade e nível de habilidade, e fazem um rodízio para o uso dos skates. Também faltam livros suficientes e significativos para atividades de leitura e escrita, bem como materiais para atividades lúdico-recreativas. A maior parte dos materiais que usamos, explica Nando, como poemas impressos em papel sulfite, cones esportivos, bambolês, skates e equipamentos de segurança, são comprados com dinheiro do próprio bolso e/ou com rifas que organizamos junto à comunidade.

A falta de apoio prejudica, por exemplo, quando eles se organizam para fazer passeios às pistas de skate de outros bairros ou em museus, pois nem todos alunos conseguem ir, devido à falta de dinheiro para a passagem de trem e/ou ônibus. Por isso, este ano começaram a buscar informações de como formalizar e regularizar o projeto com o intuito de conseguir recursos públicos e/ou privados para a aquisição de skates, equipamentos de segurança, livros de poemas/poesias e outros materiais para a realização das demais atividades. Por esse motivo, recentemente responderam a um formulário realizado pela Confederação Brasileira de Skate e a ONG Social Skate, o qual tinha como objetivo mapear, conhecer e colaborar com ações sociais em todo Brasil que utilizam skate como ferramenta de inclusão social.

A seguir, apresentamos algumas fotos do Projeto Skate Poético cedidas e legendadas pelo próprio Nando e que estão disponíveis no Instagram @projetoskatepoetico de modo público.

Imagem 1: Oficina experimental no recreio do CEU Três Pontes.

 

Imagem 2: Aula de “tail drop” na rampa reta.

 

Imagem 3: Aluna do Projeto trabalha equilíbrio numa gangorra proprioceptiva.

 

Imagem 4: Aula de ‘rolamento’ (quedas) com skate.

Imagem 5: Roda de conversa sobre diversidade e respeito às diferenças

Para ajudar esse projeto com doação de livros, peças de skate, equipamentos de proteção e/ou ver mais fotos das atividades realizadas, siga e entre em contato com seus idealizadores através do Instagram @projetoskatepoetico


Skate e Antropologia: uma conversa com o Prof. Dr. Giancarlo Machado

22/06/2020

Entrevista realizada por Leonardo Brandão

Giancarlo Machado. Fonte: Acervo pessoal.

Meu primeiro contato com Giancarlo Machado foi pela Internet em 2007, e isso através de um blog que ele editava chamado “Skate é Cultura” (o qual chegou a receber a premiação de melhor blog neste mesmo ano durante as festividades do Troféu Street/Beach). Eu enviei um e-mail e ele respondeu; e assim começou uma relação que se consolidou em 2009, ano em que eu começava meu doutorado em História e fui visitá-lo em sua casa, à época, na cidade de São Paulo.

Mineiro, Giancarlo é um sujeito muito agradável e de bom papo. Começou a pesquisar skate ainda na graduação, fazendo carreira na pós-graduação (mestrado e doutorado, ambos na USP), depois passou num concurso público e se tornou professor universitário, atuando tanto na graduação quanto na pós-graduação. Além disso, em função de suas pesquisas e publicações acadêmicas sobre skate, Giancarlo se tornou uma das vozes mais importantes sobre o assunto, principalmente na relação entre a prática do skate, os espaços urbanos e a questão da citadinidade – relação essa que vem explorando através do método etnográfico.

Em isolamento social em função da pandemia do novo Coronavírus, esta entrevista ocorreu por e-mail e não por intermédio de um gravador, como geralmente são realizadas entrevistas. Ao todo, foram quatro questões sobre sua relação acadêmica com o skate, incluindo também sugestões bibliográficas e dicas de possíveis temas que ainda necessitam ser pesquisados.

 

1 – Como o skate se tornou, para você, um objeto de estudo?

R: Durante a minha graduação em Ciências Sociais, ainda no segundo período do curso, o professor responsável pela disciplina Antropologia II, Prof. Dr. João Batista de Almeida Costa, solicitou que cada aluno escolhesse algum tema a fim de realizar uma etnografia. Fiquei muito indeciso quanto a escolha. Sempre tive curiosidade por questões urbanas, sobretudo pela relação entre juventudes e cidades. Eu tinha notável interesse em compreender as particularidades de várias práticas e experiências citadinas – punk, rap, street art e principalmente skate de rua –, e, em decorrência disso, passei a cogitar a possibilidade de analisar, etnograficamente, um destes universos. Contudo, fiquei com receio de apresentar a proposta ao professor, pois não sabia, até então, da chance de estudar, sob uma perspectiva antropológica, aquilo que me era tão familiar. Um pouco tímido, resolvi compartilhar a intenção de fazer uma etnografia sobre a prática do skate, tendo como foco a sociabilidade entre os praticantes. O professor acolheu a minha proposta e me tranquilizou ao revelar algumas das diversas subáreas da Antropologia – como Antropologia Urbana, Antropologia do Esporte, Antropologia da Juventude – que se dedicam a analisar temas e situações parecidas. Fiquei muito empolgado e, desde então, passei a ler diversos autores ligados sobretudo a Antropologia Urbana brasileira – como José Guilherme Magnani, Eunice Durham, Teresa Caldeira, Heitor Frúgoli Jr., Gilberto Velho, Roberto DaMatta, Alba Zaluar, Janice Caiafa, dentre outros. O trabalho de campo iniciou-se em 2005. Fiz duas viagens para Belo Horizonte, e lá, na capital mineira, comecei a ter contato com skatistas amadores e profissionais a fim de descrever algumas de suas dinâmicas relacionais. No ano seguinte resolvi ampliar o recorte e, para tanto, elaborei um projeto de iniciação científica – sob a orientação do Prof. Dr. João Batista de Almeida Costa, e com financiamento da FAPEMIG – que objetivava analisar as redes de relações entre skatistas através de suas participações em campeonatos de skate. Acompanhei tais eventos em diferentes níveis: local, regional e nacional. Tive a oportunidade, em 2006, de fazer trabalho de campo no Circuito Drop Dead Am, realizado em Curitiba, a principal competição amadora do país. Importantes destaques do skate mundial contemporâneo, como Luan de Oliveira, Milton Martinez, Felipe Gustavo, Filipe Ortiz, Yuri Facchini, Letícia Bufoni etc., eram crianças na época e, mesmo assim, já se destacavam enquanto competidores. A iniciação científica durou dois anos e posteriormente foi transformada num trabalho de conclusão de curso intitulado “Todos juntos e misturados: um estudo sobre a formação das redes de relações entre skatistas em campeonatos de skate”, defendido em 2008. Os resultados da pesquisa foram publicados, anos após, em um capítulo da primeira coletânea acadêmica sobre skate do país, “Skate & Skatistas: questões contemporâneas” (EdUEL, 2012), organizada por Leonardo Brandão e Tony Honorato.

 

2 – Você estudou o skate tanto no mestrado quanto no doutorado. Trata-se de pesquisas complementares ou independentes? Você poderia explicá-las brevemente?

R: São pesquisas complementares. Inspirado pelo trabalho de conclusão da graduação, resolvi escolher um outro recorte para produzir uma nova pesquisa sobre skate. Fui aprovado no mestrado em Antropologia Social da USP, sob a orientação do Prof. Dr. Heitor Frúgoli Jr., especialista em Antropologia da Cidade, com bolsa FAPESP. Entre 2009 e 2011 desenvolvi, então, a dissertação intitulada “De carrinho pela cidade: a prática do street skate em São Paulo”. Meu foco foi a cidade de São Paulo, para onde me mudei a fim de aproveitar certas possibilidades profissionais e acadêmicas. A dissertação analisou como os skatistas relacionam suas práticas citadinas às práticas de cidadania a que estão sujeitos na capital paulista. Por meio da etnografia realizada, demonstrei que devido à valorização das ruas e dos equipamentos que nelas se encontram – os picos –, o fomento institucional a práticas de cidadania permeado por vieses esportivos (tal como tentado por meio de algumas iniciativas promovidas pelo poder público municipal) nem sempre logra êxito, visto que, se para alguns agentes políticos a noção de cidadania se aproxima, de certo modo, de uma civilidade, já para muitos skatistas – sobretudo para os praticantes da modalidade street skate – a condição de cidadão está mais relacionada a uma “sociabilidade alargada” (Agier, 1999) e ao direito de se apropriarem da cidade a partir de suas próprias lógicas. Nesse sentido a investigação evidenciou não só aspectos em torno do exercício de uma prática esportiva (como os múltiplos sentidos de um circuito de campeonatos), mas, sobretudo, as implicações em virtude dos usos e das apropriações dos espaços urbanos por parte dos praticantes. Não obstante apresentei como a cidade pode ser lida e ordenada simbolicamente por meio daquilo que muitos interlocutores chamavam de olhar skatista, e, ao me aproximar das perspectivas de Joseph (1993), concluí que a cidadania, na perspectiva dos interlocutores, pode ser vista como uma questão de urbanidade. Enfim, a construção de pistas e o estímulo ao skate esportivizado parecem não arrefecer os sentidos citadinos da sua prática. A dissertação foi defendida em 2011 e, posteriormente, foi transformada em livro, intitulado “De carrinho pela cidade: a prática do skate em São Paulo”, publicado em 2014 pela Editora Intermeios com financiamento da FAPESP.

Após a finalização do mestrado, resolvi aproveitar as suas lacunas e os seus desdobramentos com vistas a ampliar as análises. Fui aprovado no doutorado, novamente pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da USP, porém agora sob a orientação do Prof. Dr. José Guilherme Magnani, coordenador do Núcleo de Antropologia Urbana (NAU). A pesquisa contou, durante certo tempo, com financiamento da FAPESP. Mantive o foco na prática do skate de rua a fim de problematizar, por vias etnográficas, o exercício de uma forma de citadinidade (entendida como uma maneira astuciosa, transgressiva e tática de se fazer a cidade). Deste modo procurei evidenciar como a citadinidade é permeada por múltiplas configurações, enquadramentos, agenciamentos e contradições, além do jogo relacional entre estratégias e táticas que ocorre numa São Paulo considerada a partir de uma perspectiva citadina. As investigações trataram o skate de rua não apenas como uma prática multifacetada que transcorre no urbano, mas, igualmente, como sendo uma própria prática do urbano transposta por resistências, transgressões, conflitos e negociações, enfim, por posicionamentos díspares frente às governanças que são feitas dos espaços da cidade. Assim, objetivei analisar como os skatistas embaralham certos ordenamentos urbanos e põem em suspensão “embelezamentos estratégicos” de uma cidade gerenciada como mercadoria e voltada para práticas de cidadania que são englobadas sobretudo por lógicas de consumo. Identifiquei que muitas das estratégias institucionais que engendram certos sentidos do skate conforme suas próprias rubricas (como a criação de frentes parlamentarem em sua defesa, o incentivo ao seu lado esportivizado etc.) nada mais são do que uma regulação dos usos dos espaços urbanos por meio de uma constante tentativa de esportivização da citadinidade. Todavia, em tempos recentes, vêm ocorrendo situações inéditas que revelam que a citadinidade que permeia a prática do skate de rua, embora muito combatida, também tem sido alvo de determinadas pretensões econômicas e político-urbanísticas. Nessas circunstâncias, ao mesmo tempo em que os skatistas se apropriam da cidade, o mercado bem como as governanças urbanas vêm tentando se apropriar de suas experiências urbanas de acordo com variados interesses. Por fim, para além das contradições, foi possível concluir que ao ampliarem as possibilidades de usos da cidade, os skatistas potencializam a produção de uma cidade vivida, sentida e em processo (Agier, 2011), tornando-a mais porosa ao se esquivarem de eventuais pragmatismos e dispositivos gestionários que tentam condicionar a vida urbana.

 

3 – Atualmente você é professor do curso de Ciências Sociais e da Pós-graduação em Desenvolvimento Social na Unimontes/MG. Enquanto docente, a temática do skate aparece em suas aulas? Como? Pode relatar alguma experiência nesse sentido?

R: Sim, certamente. Sempre faço questão de partilhar as experiências em torno das minhas pesquisas sobre skate. Além disso, quando oferto disciplinas focadas em temáticas urbanas (como “Antropologia Urbana” em nível de graduação, e “Direito à cidade: perspectivas interdisciplinares”, na pós-graduação), destino uma das aulas para focar, detidamente, as questões urbanas que permeiam o universo do skate de rua (conflitos em torno dos usos e apropriações dos espaços urbanos, formas de sociabilidade, posicionamento das governanças urbanas, implicações da produção capitalista da cidade, etc.). E, claro, faço as devidas contextualizações teóricas e metodológicas e também produzo pontes com universos de outras práticas citadinas a fim de evidenciar as tantas contradições que se projetam sobre o cotidiano das cidades. A aula onde faço uma abordagem através das minhas pesquisas sobre skate geralmente ocorre ao final da disciplina, sobretudo após o estudo de autores como Michel Agier e Michel de Certeau. A pretensão é mostrar, por vias etnográficas, as implicações sobre o fazer-cidade, e, ainda, o jogo relacional entre estratégia e tática quando se trata das apropriações citadinas dos espaços urbanos – o que envolve astúcias, resistências, transgressões, mas também diálogos e mediações – e dos controles que delas são feitas. Os vídeos produzidos pelo Murilo Romão, skatista profissional e produtor do Flanantes (coletivo focado em retratar os usos criativos da cidade) ajudam, e muito, nas discussões.

 

4 – Por fim, no campo das Ciências Sociais – mais especificamente na Antropologia – há possibilidades temáticas promissoras nos estudos sobre skate. Em quais aspectos a antropologia ainda poderia contribuir com o avanço nos estudos sobre o universo do skate?

R: Ainda há muitas lacunas no universo do skate que precisam ser preenchidas. A maior parte dos estudos na Antropologia diz respeito aos usos e apropriações urbanas a partir da prática do skate de rua. Entretanto, outras questões urgentes carecem de análises aprofundadas. Destaco algumas delas: o universo do skate problematizado a partir dos marcadores sociais das diferenças (gênero, raça, classe, geração etc.); os impactos da institucionalização do skate olímpico na prática cotidiana; as experiências periféricas do skate; crítica a certos rótulos rasos que permeiam o seu universo, como a ideia de “tribo urbana” e de “esporte radical”; a relação com políticas públicas em nível local, regional e nacional; a mobilidade para cidades estrangeiras, sobretudo Barcelona; dentre tantas outras. Também considero importante o surgimento de estudos sobre os impactos da prática do skate em cidades pequenas e médias, além de etnografias realizadas fora dos grandes centros. De todo modo, é importante reconhecer que os estudos se intensificaram nesta década. E tudo indica que o interessa pelo skate como objeto de estudo aumentará ainda mais. Considero que cabe, ainda, uma maior articulação entre os pesquisadores sobre skate a fim de produzir eventos e publicações conjuntas. E, por fim, uma maior articulação com agentes deste universo, sobretudo com os da mídia e federações, para pensar nos rumos do skate nacional considerando não apenas a agenda esportiva, mas também o seu impacto social.

 

Referências indicadas:

AGIER, Michel. L’invention de la ville. Paris: Ed. des Archives Contemporaines, 1999.

_____. Antropologia da cidade: lugares, situações, movimentos. São Paulo: Terceiro Nome, 2011.

BRANDÃO, Leonardo; HONORATO, Tony (Orgs.). Skate & Skatistas: questões contemporâneas. Londrina: Eduel, 2012, pp. 63-86.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 16. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2009.

JOSEPH, Isaac. “L’espace public comme lieu de l’action”. Annales de la recherche urbaine, v. 57, n. 1, pp. 211-217, 1993.

MACHADO, Giancarlo Marques Carraro. Todos juntos e misturados: um estudo sobre a formação das redes de relações entre skatistas em campeonatos de skate. Monografia (graduação em Ciências Sociais), Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros – MG, 2008.

_____. De “carrinho” pela cidade: a prática do street skate em São Paulo. Dissertação (mestrado em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

_____. De “carrinho” pela cidade: a prática do skate em São Paulo. São Paulo: Editora Intermeios/FAPESP, 2014.

_____. A cidade dos picos: a prática do skate e os desafios da citadinidade. Tese (doutorado em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.

 

Dados biográficos: Giancarlo Machado é doutor e mestre em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP). Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros (PPGDS/Unimontes-MG). Professor adjunto vinculado ao departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes-MG). É pesquisador do Núcleo de Antropologia Urbana (NAU/USP) e do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa sobre Futebol e Modalidades Lúdicas (LUDENS/USP). É autor do livro De carrinho pela cidade: a prática do skate em São Paulo (Ed. Intermeios/FAPESP) e organizador da coletânea Entre Jogos e Copas: reflexões de uma década esportiva (Ed. Intermeios/FAPESP). É coordenador da coleção Entre Jogos no âmbito da Editora Intermeios. Possui experiência na área da Antropologia, com ênfase em Antropologia Urbana, Antropologia da Juventude e Antropologia dos Esportes. É membro da Rede de Estudos e Pesquisas sobre Ações e Experiências Juvenis (REAJ) e associado efetivo da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) desde 2010.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/5199223373148812


“Pintou o verão!”: surfe, skate e juventude na revista Pop (1972-1979)

23/09/2019

Por Leonardo Brandão (brandaoleonardo@uol.com.br)

No Brasil, durante a década de 1970, os esportes praticados à maneira californiana, principalmente o surfe e o skate, encontraram na revista Geração Pop – chamada somente como Pop a partir de sua edição de número 32 – um dos seus principais meios de comunicação. Colorida e publicada com periodicidade mensal pela editora Abril entre novembro de 1972 e agosto de 1979, essa revista chegou a contar com 82 edições em seus quase sete anos de existência e atingir um considerável público leitor para a época, pois, de acordo com a declaração de sua editora, ela “vendia pelo menos 100 mil exemplares mensais” (MIRA, 2000, p. 154).

A Pop não foi uma revista específica sobre esporte, mas sim uma publicação que aliava a divulgação da música Pop (sobretudo o rock) com diversos temas considerados por ela como de interesse juvenil. Focada em rapazes e moças entre 14 e 20 anos, ela utilizava-se de inúmeras gírias existentes na época para elaborar um clima de maior proximidade com seus leitores e, com isso, gerar certa intimidade no momento da leitura.

A revista Pop teve uma influência muito grande em determinados segmentos juvenis; pois por viverem numa época onde não havia Internet e, segundo entrevistas, num “clima de ditadura”, eles acabavam por ter pouco material disponível em termos de informação cultural. Além disso, foi através da Pop que muitos jovens, durante a metade da década de 1970, conheceram algumas das tendências esportivas da juventude norte-americana, como o surfe, o skate, o bodyboard, entre outros (BRANDÃO, 2014).

Segundo a historiadora Denise Bernuzzi de Sant’Anna, embora a revista Pop tivesse na música sua ancoragem central, ela também passou a “atrair milhares de jovens da classe média e aproximá-los do mercado especializado na venda de novos acessórios e roupas para as atividades esportivas em expansão” (2005, p. 8). Na década de 1970, dentre essas “atividades esportivas em expansão”, encontravam-se de forma reticente nas páginas da revista Pop os esportes praticados à maneira californiana, sobretudo o surfe e o skate. De acordo com o pesquisador Luís Fernando Borges, o propósito dessa revista foi justamente o de buscar um contato com o público jovem, e para isso ela veiculava as últimas novidades surgidas no acelerado mundo da cultura juvenil, recheando suas páginas de artistas como “Elton John, Secos & Molhados, os últimos campeonatos de surf e skate” (2003, p. 07).

Podemos observar um bom exemplo neste sentido ao analisarmos a capa da edição de novembro de 1977 da revista Pop, a qual comemorava, em letras garrafais, que “PINTOU O VERÃO!”, estampando um jogo de imagens fotográficas que, composta tal como um mosaico, objetivava tanto traçar um painel do que se encontrava em seu interior  quanto capturar os olhares de quem passasse por uma banca de revistas: garotas de biquíni, jovens surfistas “entubando” uma onda, astros do rock descontraídos e sem camisa, manobras “de arrepiar” de skatistas em grandes tubos de concreto.

Figura 1: Revista Pop, editora Abril, nº 61, 1977.

A revista Pop se valia dos corpos magros e bronzeados como espetáculo aos olhos e desejos dos leitores. Como nos lembrou o historiador Georges Vigarello (2006, p. 171), trata-se de uma época em que já é possível percebermos um maior ritmo dado às expressões e aos movimentos, com sorrisos mais expansivos e corpos mais desnudos, aspectos esses acentuados pelos espaços de férias, praias e divertimentos. Nesta mesma direção, Sant’Anna (2010, p. 190) sugere que essas manifestações reforçavam “a voga da alegria juvenil”, exaltando a “libertação” do corpo.

O pesquisador ou a pesquisadora que se interessa pela história dos esportes praticados à maneira californiana, sobretudo a história do surfe e a do skate, encontrará nessa revista uma série de elementos convidativos à reflexão. Pelo fato de Pop ter sido a primeira publicação impressa no Brasil dedicada exclusivamente à juventude e pela quantidade considerável de edições publicadas durante a década de 1970, ela é, sem dúvida, uma fonte imprescindível para a compreensão dos esportes californianos e da condição juvenil na história recente.

Referências Bibliográficas

BRANDÃO, Leonardo. Para além do esporte: uma história do skate no Brasil. Blumenau: Edifurb, 2014.

BORGES, Luís Fernando Rabello. Mídia impressa brasileira e cultura juvenil: relações temporais entre presente, passado e futuro nas páginas da revista Pop. In: Anais do XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Minas Gerais, 2003, p. 1 – 14.

MIRA, Maria Celeste. O leitor e a banca de revistas: a segmentação da cultura no século XX. São Paulo: Olho d’Água/Fapesp, 2000.

SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Uma história da construção do direito à felicidade no Brasil. In: FREIRE FILHO, João (org.). Ser feliz hoje: reflexões sobre o imperativo da felicidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010, p. 181 – 193.

SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Representações sociais da liberdade e do controle de si. In Revista Histórica, São Paulo, v. 5, 2005, p. 1 – 17.

VIGARELLO, Georges. História da beleza: o corpo e a arte de se embelezar, do Renascimento aos dias de hoje. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.


Sea Club Overall Skate Show: tecnologia e espetáculo no Projeto SP (1988)

18/11/2018

Por Leonardo Brandão

A prática do skate vertical (realizada em grandes rampas no formato de “U”) passou, durante a segunda metade da década de 1980, por um grande desenvolvimento no país. Um marco desse período foi o “Sea Club Overall Skate Show”, um grande campeonato ocorrido no dia 09 de abril de 1988 na cidade de São Paulo, dentro de uma casa de show chamada “Projeto SP”. Esse evento, que chegou a ser exibido no programa “Esporte Espetacular” da Rede Globo, foi produzido numa parceria entre a empresa Sea Club e uma revista especializada em skate, chamada Overall.

Esse evento foi, segundo o editor dessa revista, algo tão bem organizado que até mesmo o obrigou a mudar o tempo verbal de seus editoriais, os quais sempre projetavam o skate como um esporte do futuro e/ou em crescimento. Agora, segundo ele, o skate já era um esporte do presente, um jovem tornado adulto. No editorial reproduzido abaixo, a presença do termo “atleta” como sinônimo de “skatista” demonstra bem a pretendida transição:

Dessa vez é no presente!

O tempo verbal empregado na construção das frases da maioria dos editoriais da Overall, ao longo desses mais de dois anos de trabalho, foi o futuro. Hoje, a realidade nos permite mudar o tempo dos verbos […]. Esta edição especial da Overall, com 84 páginas, sela definitivamente o início da fase adulta deste esporte no Brasil. O SEA CLUB OVERALL SKATE SHOW foi a prova final. O campeão mundial de skate vertical, e outro que está entre os dez melhores skatistas do mundo, desceram do Olimpo e vieram conferir e aplaudir o estágio de desenvolvimento que o esporte atingiu no Brasil. Não só eles, mas toda a imprensa nacional (mais a revista norte-americana Transworld) voltaram objetivas e máquinas de escrever para o maior evento de skate que o Brasil já teve (Revista Overall, n. 9, 1988, p. 08).

A presença de dois dos maiores ídolos do skate estadunidense, Tony Hawk e Lance Mountain, ambos pela primeira vez no país, ajudou a atrair a presença da grande imprensa e atiçar o júbilo público. Oferecido como espetáculo para as massas, o skate reinventava-se para além de seus nichos, seduzindo uma plateia ávida por movimentos arriscados, pirotecnias do corpo e da ação.

Para além do campeonato em si, é preciso notarmos que essa condução do skate vertical em direção ao esporte e, neste caso, ao espetáculo, ocorreu articulada ao que os sociólogos Norbert Elias e Eric Dunning chamaram de “o aparecimento do profissionalismo no desporto”, isto é, de um grupo de pessoas que, ao se tornarem profissionais em determinadas práticas, acabam por desenvolver “um nível de perfeição que dificilmente poderá ser alcançado por pessoas que se dedicam às atividades desportivas no seu tempo de lazer e apenas por prazer” (1992, p. 99). O fato é que os skatistas profissionais passaram a criar um conjunto de técnicas corporais diferenciadas e muito mais especializadas que os demais skatistas amadores ou somente praticantes de fim de semana; e isso acabou por conferir a esse grupo restrito as condições necessárias para protagonizarem um verdadeiro “espetáculo” para os admiradores dessa atividade.

Outro aspecto que merece destaque foi a comercialização do vídeo deste campeonato, tido como a “fita VHS do mais radical show de skate já visto no Brasil”. A presença do público (nove mil pessoas), dos dois skatistas convidados dos Estados Unidos e dos “24 melhores skatistas verticais do Brasil” eram os ingredientes oferecidos. O show de imagens, sem dúvida, transformava o skate – e, por conseguinte, o corpo desses skatistas – num espetáculo televisivo; uma vez que, como afirmou o sociólogo Pierre Bourdieu, “a constituição progressiva de um campo relativamente autônomo reservado a profissionais é acompanhada de uma despossessão dos leigos, pouco a pouco, reduzidos ao papel de espectadores” (BOURDIEU, 1990, p. 217).

Assim, a exibição das manobras de skate evidenciava um uso dessa atividade que implicava tecnologia e espetáculo – que uma vez adquiridos, poderiam ser vistos repetidas e repetidas vezes através da união do videocassete com a televisão. A transformação das competições em experiências midiáticas passou a refabricar a emoção do espectador, isto é, a criar novas formas e maneiras de vê-las. Diferentemente dos 9 mil espectadores que estavam presentes no Sea Club Overall Skate Show, e que por isso podiam ver a exibição in loco dos skatistas apenas do ângulo que estavam posicionados na plateia, a experiência do vídeo (filmado por diversas câmeras, sob vários ângulos e depois editado) ampliava as possibilidades de quem os comprasse de poder admirar melhor a performance de cada competidor, visualizando as muitas manobras efetuadas nos dois lados das rampas (“U”).

Figura 1: Capa do VHS “Sea Club Overall Skate Show”

Fonte: Revista Overall, n.9, 1988, p. 81.

A grandiosidade deste campeonato chamou à atenção da revista Veja, que publicou uma reportagem sobre ele, destacando o fato dos 24 participantes inscritos competirem com patrocínios; citando, como exemplo, o skatista Reginaldo dos Santos Neto, apelidado de “Pankeka” e patrocinado pela fábrica de skates H-Prol. Segundo a Veja, Pankeka recebia um salário de 50.000 cruzados por mês, além de equipamentos para os treinos e apoio também nas demais competições que participava.

Interessante notarmos que, embora a Veja se valesse desse campeonato para noticiar o skate em sua página dedicada aos “esportes”, a competição em si fora algo pouco abordado pela mesma. A revista não se preocupou em publicar os resultados (o ranking) e nem deu destaque aos melhores competidores. O interesse da reportagem era outro, anunciado claramente na seguinte manchete: “O skate entra na era do profissionalismo” (Revista Veja, 20/04/1988, p. 67).

Esse campeonato incentivou o aparecimento de outros eventos do mesmo porte no universo do skate vertical, todos elaborados para atrair um grande público, com estrutura de organização, cobertura midiática e ampla divulgação. No ano seguinte, por exemplo, um evento da mesma magnitude voltou a ocorrer, mas desta vez na cidade do Rio de Janeiro. Era a Copa Itaú de Skate, patrocinada pelo banco Itaú e realizada numa grande estrutura montada na praia de Ipanema. Era, enfim, a consolidação do profissionalismo no skate, dos grandes campeonatos e da elevação dessa prática realizada em grandes rampas ao patamar de um esporte espetacular.

Para saber mais:

BRANDÃO, Leonardo. A década de 1980 e o desenvolvimento do skate vertical. In: Recorde, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 1 – 28, jul/dez de 2017.

Referências

BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1990.

ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: DIFEL, 1992.


Deslizar, escorregar, equilibrar: o corpo e o lúdico nos esportes californianos

17/06/2018

Por Leonardo Brandão

Segundo o historiador Roy Porter (1992) a fotografia pode ser uma grande fonte (embora ainda permaneça “estranhamente subexplorada”) de compreensão do corpo. O registro fotográfico já documenta quase um século e meio dos aspectos físicos e, embora ela não seja um instantâneo da realidade, é um registro da linguagem corporal e do espaço social tão ou mais informativo que o texto impresso. Acreditamos, nesse sentido, que o arquivo fotográfico pode nos revelar e confirmar variados aspectos das transformações físicas na contemporaneidade, apresentando também dados sobre a linguagem corporal, os gestos e seus modos de utilização e investimento.

Observemos a fotografia a seguir:

Figura 1: Jovem praticando o “surfe na rua” na cidade do Rio de Janeiro em 1975. Fonte: Revista Pop, nº 38, 1975, p. 61.

Vemos nessa imagem – originalmente publicada nas páginas de uma revista chamada Pop, existente entre 1972 e 1979 – um jovem praticando skate numa rua levemente em declive. Pela descrição da matéria, sabemos que se trata de um espaço localizado no Rio de Janeiro e que essa imagem data de 1975. Não há dúvidas que se trata de uma fotografia sobre o equilíbrio. Pois o que esse jovem faz é um jogo de equilíbrio corporal. A ausência dos calçados e equipamentos de proteção revela o uso do skate como um “surfinho”, isto é, apenas como divertimento espontâneo e sem vínculos com campeonatos, juízes, tabelas etc. Além disso, o próprio movimento corporal realizado era muito próximo daqueles utilizados pelos surfistas nas ondas do mar.

Essa imagem (figura 1) é ilustrativa de uma característica central dessas atividades oriundas da Califórnia e que estavam se introduzindo no cotidiano das práticas juvenis no Brasil, pois tais atividades investiam mais numa flexibilidade física atenta aos gestos de equilíbrio do que no acúmulo de forças para o levantamento de algum peso, o que fazia do corpo menos um suporte do gesto do que sua expressão.

Ao reduzirem o esforço muscular em prol de outros elementos para praticá-lo, o skate – assim como o surfe ou outras atividades praticadas à maneira californiana – abria novas possibilidades de euforia, êxtase e vertigem. Não tanto a força dos músculos, mas sim a flexibilidade e a busca pelo equilíbrio estariam no cerne performático em questão. De acordo com as palavras da historiadora Denise Bernuzzi de Sant’Anna,

Os esportes californianos, por exemplo, que se expandem em várias partes do mundo a partir dos anos 70, tem por objetivo menos o cansaço salutar – característica dos antigos esportes comprometidos com os ideais higienistas de salvação de uma raça – do que a vivência de sensações de prazer, físicas e mentais, imediatas e inovadoras. O surfe, a asa delta, o windsurf, por exemplo, conduzem o olhar do esportista menos em direção à força realizada por seus músculos do que às flexibilidades motoras que ele é capaz de manter sob controle. De onde se explica, nessas atividades, o emprego de verbos que evocam o prolongamento de sensações de prazer e de controle do conjunto dos movimentos, tais como voar, escorregar, equilibrar (2000, p. 3).

Iniciar-se em tais atividades, portanto, significava dar menos evidência às questões corporais que envolviam força muscular e uma maior atenção ao equilíbrio corporal, controlado sob tênues movimentos de braços e pernas.  Esse investimento lúdico do corpo, para além de suas possibilidades de força, potência muscular e virilidade – aspectos tão bem explorados pelos esportes tradicionais –, favoreceu sua interpretação como um possível objeto de comunicação através de uma série inusitada de gestos e movimentos (os quais passariam a ser chamados, posteriormente, como “manobras” ou “truques”). A construção dessa nova relação com o corpo, ou desta nova corporalidade, também passou a expressar um desejo por aventuras e deslizamentos os mais variados, sendo o aprendizado de tais técnicas uma questão de conquistar, através do corpo – ou “in-corporar” – essas novas possibilidades de movimento, equilíbrio e frenesi estético.

Ao observar o que chama de “práticas emergentes contemporâneas”, o professor Deibar René Herrera (2009) também afirmou ser possível percebermos nessas atividades outras formas de construção do corpo já diferentes daquelas apontadas pelo filósofo Michel Foucault através de seus estudos sobre as instituições disciplinares, as quais evidenciavam a formação de corpos dóceis. Para Herrera, faz-se importante admitirmos que o mundo contemporâneo também vem configurando outros usos do corpo que já não estão de acordo somente com a sociedade disciplinar e nem necessitam da obediência de outros tempos. Usos do corpo, em sua visão, que se formaram a partir dessas novas práticas culturais juvenis e que se constituíram enquanto práticas de subjetivação.

Assim, algumas das análises de Foucault propõem-se a descrever e analisar um mundo no qual estamos deixando de conhecer, um presente que está se transformando em passado, cujas marcas ainda moldam muitas experiências, mas não todas. As atividades do surfe e do skate, entre outras, se constituíram num momento histórico onde os poderes disciplinares já eram menores e menos expressivos.

Para muitos jovens, os chamados “esportes californianos” representaram, nesses anos iniciais, uma espécie de liberdade e fonte de criação para novos movimentos corporais. Além disso, essas atividades também incentivaram outras formas de sociabilidade, que se fizeram como agregações tribais pautadas na diversão, na ludicidade e na vivência festiva do cotidiano.

 

Referências

BRANDÃO, Leonardo. Para além do esporte: uma história do skate no Brasil. Blumenau: Edifurb, 2014.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 2009.

HERRERA, Deibar René Hurtado Herrera. “In-corporar en la sociedad moderna y en las prácticas emergentes contemporaneas” In Recorde: Revista de História do Esporte. Volume 2, número 2, dezembro de 2009, p. 1- 19.

PORTER, Roy. História do corpo. In: BURKE, Peter (org.). A Escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992, p. 291 – 326.

SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Entre o corpo e a técnica: antigas e novas concepções. In Motrivivência, ano XI, n. 15, agosto de 2000, p. 1 – 6.