A onipresença do general Jorge Rafael Videla na Copa da Argentina

A presença ou interferência de autoridades políticas em grandes eventos esportivos é um tema recorrente na História Política dos esportes com foco no debate da utilização do esporte como meio de propaganda dos diferentes regimes políticos.. Diversos exemplos específicos como Mussolini na Itália, Hitler na Alemanha, ou mais genéricos como a importância atribuída por autoridades norte-americanas e soviéticas as disputas por medalhas olímpicas ao longo da “Guerra Fria” são emblemáticos dessa situação que envolve o campo esportivo com o domínio político.

O General Jorge Rafael Videla, líder da junta militar que assumiu o Estado argentino em 24 de março de 1976, foi  um dos principais atores políticos e grande idealizador do golpe que derrubou o governo de Isabelita Perón.

Desde o início do regime autoritário, Videla teria se destacado pela sua presença nos veículos de comunicação e por defender perante a opinião pública um discurso legalista e de manutenção da ordem pública, que encobria a violência do regime e tinha paradoxalmente uma retórica pacificadora.

Durante o mundial de 1978 a “roupagem” de legalidade era somada com a retórica ufanista da realização do evento e da campanha da seleção, contribuindo para uma representação do general como personalidade unificadora da Nação em diversos meios de comunicação como ,por exemplo, o Jornal Clarín.

A participação do ditador é destacada pelo jornal Clarín desde a abertura do torneio quando o general exerceu seu papel de chefe de estado, participando diretamente da inauguração oficial. O fato foi muito repercutido tanto na capa quanto nas páginas iniciais do jornal, as letras garrafais estampavam: “Habló Videla en el acto inaugural del Mundial”:

Pidó a Dios, nuestro señor, que este evento sea realmente una contribuicíon para afirmar la paz, esta paz que todos deseamos para todo el mundo y para todos los hombres del mundo afirmó ayer el presidente de la Nacíon y titular de la Junta Militar, teniente-general Jorge Rafael Videla, al inaugurar oficialmente el undécimo Campeonato Mundial de Fútbol en el remodelado y brillante estádio de River Plate. Sus palabras fueran coronadas por estupendos aplausos surgidos espontaneamente entre los 73.000 asistentes – entre los que hallaban numerosos grupos de extranjeros.

El teniente general Videla estuvo presente en el estádio de River juntamente con los otros integrantes de la Junta Militar, almirante Emílio Eduardo Massero y el brigadier General Orlando Ramón Agosti.

Acompaño la Junta Militar en la ocasíon un nutrido contingente de autoridades nacionales y del área deportiva, así como también personalidades mundiales y funcionários de la esfera diplomática. (CLARÍN, n. 11.585, 02 jun. 1978, p.2).

É possível perceber que, além do “apelo divino”, pacificador, existe um discurso integrador, e segundo o jornal Videla teria sido recepcionado “espontaneamente” pelo público presente, inclusive os estrangeiros.

A presença de autoridades e personalidades nacionais e internacionais caracteriza a dimensão da importância atribuída àquela celebração inaugural, bem como o papel simbólico exercido pelo general na “tradição inventada” que é a festa de abertura de um campeonato mundial de futebol.

Porém, a participação do general não se restringiu a protocolar aparição na festa inaugural. Videla esteve presente fisicamente em todas as partidas do selecionado argentino, não apenas nas arquibancadas, mas frequentando também os próprios vestiários da equipe de Menotti e até mesmo o da seleção peruana na polêmica goleada que classificou a seleção anfitriã para a final.

Videla esteve presente também em outras partidas em diferentes sedes, sempre acompanhado de grande comitiva. Na última rodada da primeira fase os membros da junta militar se dividiram, visitando cidades diferentes. Videla foi para Mendoza assistir Holanda x Escócia, o almirante Eduardo Massera esteve presente em Córdoba na partida disputada entre Peru x Irã e o representante da Aeronáutica, o brigadeiro Orlando Ramón Agosti, foi testemunha da classificação brasileira na vitória diante da Áustria por 1×0.

O mandatário argentino teria explicado a sua “onipresença” em partidas do torneio, principalmente nos jogos disputados pelo selecionado argentino, como uma necessidade de estar próximo do povo. A retórica nacionalista transcende o interesse pelo futebol que, segundo o próprio Videla, não era um assunto personalíssimo, mas elemento de interesse popular:

El teniente general Jorge Rafael Videla hizo un breve comentário acerca de su presencia en el estádio. Yo no soy hincha, no hey seguido el fútbol, no lo he vivido. Lo que me interesa de lo fútbol és lo que motiva la tribuna; todo lo que este deporte significa en el reverdecimiento que experimenta e país.  Lo importante de todo esto és lo que la prática del fútbol significa por por la transcendência que tiene para el pueblo, dije el jefe de Estado. (CLARÍN, n.11.599, 16 jun. 1978, p. 2).

Na partida disputada contra o Brasil na cidade de Rosário, novamente Videla esteve presente, acompanhado dos demais chefes da junta militar. Compartilhando a tribuna e os comentários com o brasileiro João Havelange, presidente da FIFA:

O fato de a junta militar assistir a partida disputada contra o Brasil ao lado de João Havelange pode ser interpretado como importante aliança política e espelha a importância de outra personalidade legitimadora do evento que apoiou incondicionalmente a realização da Copa na Argentina

Ademais, o fato de Videla não ser um apaixonado pelo futebol em si, considerando-se um neófito, novato, aprendiz nesse assunto, é significativo, pois corrobora com o valor simbólico atribuído tanto à realização do evento, quanto à participação da seleção nacional.

A “odisseia” do tenente-general e demais integrantes da junta militar pelas cidades e estádios argentinos demonstra a clarividência que o ditador tinha da possibilidade política de buscar associar a imagem do “Processo” ao campeonato mundial, à seleção nacional e, em última instância, ao povo.

E no esforço populista Videla estava quase sempre acompanhado de figuras simbólicas importantes para o torneio. Além do brasileiro João Havelange, Pelé, o diplomata norte-americano Henry Kissinger, o ditador boliviano Hugo Banzer entre outros estiveram presentes nas tribunas junto com o ditador argentino.

A vitória do selecionado argentino sobre os holandeses na final possibilitou o êxtase popular em um momento culminante na trajetória de Videla durante o torneio. Ao mandatário da nação coube a honra de entregar o troféu da Copa do Mundo para o capitão Daniel Passarela, fato devidamente registrado pelos articulistas do Clarín em entusiasmada reportagem intitulada “Cuando la Copa se sentió feliz”:

Cuando Daniel Alberto Passarela volvió a aparecer en cena enbcabezando la fila de compañeros, el estádio volvió a temblar. Lentamente, los jugadores, que ya vestían nuevas camisetas, avanzaron hacia el palco de honor. Subiron al estrado y se colocaron de frente a las autoridades. Cuando fué invitado a ascender el técnico César Luis Menotti, la ovacíon tomó, todavia mayor dimensíon.

El teniente General Videla con emocíon contenida, entregó la Copa de la Fifa a Daniel Passarela. Después de estrechar largamente la mano del capitán del equipo argentino hizo el gesto de la victoria y los saludó uno por uno. Tornandose hacía la enfervorizada muchedumbre que colmaba al estádio de River, Passarela levanto el preciado trofeo en señal de triunfo. (CLARÍN, SUPLEMENTO MUNDIAL, n.11.609, 26 jul. 1978, p. 6).

O momento especial da entrega da Copa foi o ápice da “onipresença” do tenente-general Jorge Rafael Videla nos estádios, o símbolo do triunfo e da integração nacional repesentada nas páginas do Clarín. A presença dos jogadores perfilados diante das autoridades políticas na tribuna de honra também pode ser interpretada como uma construção de uma imagem de união entre a seleção, o povo e o governante.

A tentativa de utilizar o campeonato mundial de futebol como símbolo maior da grandeza do povo e da nação argentina pode não ter se desdobrado em transformações estruturais na sociedade argentina, que ainda vivia à sombra da violência do regime, da crise econômica, e dos conflitos diplomáticos, relativos principalmente aos direitos humanos no país.

Porém, é possível perceber que seu mandatário se aproveitou do clima festivo, do apoio institucional e das representações geradas em veículos de comunicação, como o jornal Clarín, para se comportar como grande anfitrião e ícone de uma suposta união do país.

NUEVO HINCHA VIDELA comemorando o terceiro gol na final contra os holandeses

“NUEVO HINCHA VIDELA” comemorando o terceiro gol na final contra os holandeses. (EL GRÁFICO: 27/06/1978. N.3064)

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