
Apesar do reconhecido sucesso e relativa atenção dada aos Jogos Paralímpicos a cada quatro anos, o estudo e dos desportos adaptados ainda apresentam muitas lacunas, apesar de uma rica história. Os primeiros relatos sobre o Desporto Adaptado praticado por pessoas com deficiência auditiva, mencionam a introdução da modalidade de beisebol em 1870 (Araújo, 1998). Em 1885, na Escola Estadual de Illinois, Estados Unidos, teve início a prática do futebol americano, e em Berlim, Alemanha, em 1888, surgem os primeiros clubes destinados às pessoas com deficiência auditiva (IPC, 2012; Marques & Gutierrez, 2014).
Em 1924, foi assim possível a criação da Organização Mundial de Desportos para Surdos, com a realização de uma competição internacional, em Paris, nomeada “Jogos Internacionais para Surdos”, onde participaram 148 atletas (147 atletas masculinos e 1 atleta feminina), provenientes de nove países europeus. Originalmente, de 1924 a 1965, os jogos foram chamados de “Jogos Internacionais para Surdos”. Posteriormente, de 1966 a 1999, foram chamados de “Jogos Mundiais para Surdos” e, por vezes, referidos como os “Jogos Mundiais Silenciosos “. A partir de 2000, os jogos passaram a ser conhecidos pela designação atual “Deaflympics” ou Surdolímpicos. Realizam-se de 4 em 4 anos, constituindo o segundo evento multidesportivo mais antigo, e o primeiro evento desportivo internacional para atletas com deficiência auditiva (CPP, 2015).
O grande marco para a evolução do desporto adaptado surge com as Grandes Guerras Mundiais e as suas consequências nos soldados, no número muito elevado de feridos, cujo tratamento e reabilitação se fez através do desporto. O desporto como acelerador de reabilitação, aumentou a possibilidade de interação e motivação para os soldados que regressavam aos seus países com distúrbios motores, visuais e auditivos, e que consequentemente tinham dificuldades no seu restabelecimento social e emocional. Na Europa e nos Estados Unidos, a preocupação com a qualidade de vida e a reabilitação de um grande número de soldados e civis com deficiência, fez com que os seus governos tomassem medidas, e com isso muitos começassem a ter acesso a práticas desportivas e atividades físicas adaptadas como forma de minimizar as adversidades causadas pela guerra.
Em 1948, foram fundados os Jogos Stoke Mandeville e as primeiras competições para atletas com lesões da medula espinhal que ocorreram no Hospital de Stoke Mandeville, onde duas equipas britânicas com 16 participantes em cadeira de rodas competiram em tiro com arco. O primeiro regulamento formalizado dos Jogos de Stoke Mandeville data de 1949, ano em que Guttmann, seu criador, anunciou sua intenção em transformá-los nos Jogos Olímpicos para pessoas com deficiência. A celebração dos primeiros Jogos Paralímpicos coincidiu, no mesmo ano, país e cidade com a realização dos Jogos Olímpicos de Roma, Itália, em 1960. Este evento contou com 400 atletas de 23 países e desde então, os Jogos Paralímpicos têm-se realizado de quatro em quatro anos. Assim, mais de meio século após o relançamento dos Jogos da Era Moderna, estrearam-se os Jogos Paralímpicos, criados pelo neurocirurgião Sir Ludwig Guttmann que procurou sempre a convergência com os Jogos Olímpicos, primeiro fazendo coincidir as competições em 1948 com a 14ª Olimpíada de Londres, em 1952 com a de Helsínquia, e em 1960 com a de Roma. “Guttmann, à semelhança de Coubertin foi um Homem, de Sonho, de um Ideal, veiculado através do Desporto, materializado, num acontecimento universal que são os Jogos e sustentados por uma Organização” (Carvalho, 2004, p. 193).
Desde os anos 70, do século XX, foram criadas várias organizações desportivas a nível internacional para pessoas com deficiência, como por exemplo: 1977 a Internacional Committee of Sport for the Deaf (CISS); 1978 a Associação Internacional de Desporto e Recreação para a Paralisia Cerebral (CP-ISRA – Cerebral Palsy International Sports and Recreation Association); 1981 a Internacional Blind Sports Association (IBSA); 1986 a Internacional Association Sport for Person With Intellectual Handicap (INAS-FID); em 1989, o Comité Paralímpico Internacional (IPC), entidade sem fins lucrativos, com sede na Alemanha (Bona), reconhecido como o responsável máximo do desporto paralímpico mundial; e em 1997, o Comité Paralímpico Europeu (EPC). Haverá ainda a assinalar, que em 1976, surgiu outra vertente do movimento paralímpico, os primeiros Jogos Paraolímpicos de Inverno, realizados na Suécia e, como acontece com os Jogos de Verão, ocorrem de quatro em quatro anos no mesmo lugar que as Olimpíadas de Inverno.
Em Portugal, foi a partir dos anos 1950, com o surgimento de médicos especializados em medicina física e reabilitação, que originou uma nova era na recuperação e treino de incapacidades. Simultaneamente, afirmaram-se profissões como a educação física, a terapia ocupacional e a ortoprotesia (Rodrigues et al., 2013). Ângelo Vieira Araújo foi um dos impulsionadores do desporto adaptado em Portugal. Crente de que estas ideias sobre jogos e desportos não eram vazias de sentido, e incentivado pelas palavras de Guttmann de que isso seria “a tremendous inspiration, not only to them concerned but to all your other patients”, liderou a participação portuguesa nos jogos de Stoke Mandeville no Nacional Spinal Injuris Centre, em Inglaterra, atletas nacionais. Assim, em 1957, Araújo acompanhou uma equipa do sexo masculino enviada pelo Hospital Ortopédico de Acidentes onde era diretor do serviço de Medicina Física e Recuperação na altura, e em 1962 voltou aos jogos com uma nova equipa, desta vez feminina, constituída por três atletas em cadeira de rodas do Hospital Ortopédico de Sant’Ana. Esta equipa competiu nas modalidades de tiro com arco e no lançamento de peso, tendo neste último conseguido o 2.º lugar.
A primeira participação portuguesa nos Jogos Paralímpicos verificou-se na quarta edição dos Jogos, em 1972, em Heidelberg na Alemanha, com a presença de uma equipa de Basquetebol em cadeira de rodas constituída por atletas com lesões vertebro-medulares e amputados do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão. Na época não existia nenhuma estrutura de enquadramento orgânico do desporto para deficientes, muito menos se verificava uma prática desportiva regular que estivesse dotada de um quadro competitivo próprio, e nem o desporto regular oferecia essa possibilidade aos atletas deficientes.
Em 1984, após uma interrupção de duas edições (1976, no Japão e 1980, na Holanda), efeito do pós-25 de Abril, Portugal retomou a participação nos Jogos Paralímpicos de Nova Iorque, nos Estados Unidos, seguindo-se-lhe Seul em 1988, na Coreia do Sul. Estas duas participações foram da responsabilidade da Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral (APPC).
O desporto adaptado tem vindo a crescer a nível nacional, surgindo em 1988, a Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes, como uma Federação Multidesportiva que promove e desenvolve a prática de diversas modalidades desportivas, tendo como associados cinco Associações Nacionais de Desporto por Deficiência: a Associação Nacional de Desporto para Deficientes Visuais (ANDDVIS), a Associação Nacional de Desporto para a Deficiência Intelectual (ANDDI-Portugal), a Liga Portuguesa de Desporto para Surdos (LPDS), a Paralisia Cerebral Associação Nacional de Desporto (PC-AND), e a Associação Nacional de Desporto para a Deficiência Motora (ANDDEMOT). Assim, nas edições de Barcelona 92’ (Espanha), Atlanta 96’ (Estados Unidos da América), Sydney 00’ (Austrália), Atenas 04’ (Grécia) e Pequim 08’ (China), a participação portuguesa passou para a responsabilidade da Federação Portuguesa de Desporto para Pessoas com Deficiência (FPDD).
Só em 2008, nasceu o Comité Paralímpico de Portugal (CPP), organização tutelada pelo International Paralympic Comitee (IPC) e International Committee for Sport for Deaf (ICSD), tendo por objetivo promover o desporto adaptado de competição e alto rendimento, e representar o Movimento Paralímpico Português dentro e fora do território nacional. Desde os Jogos Paralímpicos de Londres 2012, a equipa portuguesa é tutelada pelo CPP.
A nível nacional, o movimento associativo desportivo encontra-se estruturado através do Comité Olímpico de Portugal, do Comité Paralímpico de Portugal, da Confederação do Desporto de Portugal, das Federações de Modalidade e da Federação Portuguesa de Desporto para Pessoas com Deficiência. A nível local, com os clubes e as associações/agrupamentos de clubes, e estruturas intermédias nos distritos e/ou regiões.
A falta de uma organização unificada em conjunto com o estigma social levou a uma quase invisibilidade dos meios de comunicação aos atletas e aos jogos paralímpicos. Como resultado, é um desafio constante ter acesso a fontes de pesquisa, sendo necessário uma reflexão a partir da própria construção do objeto de estudo. Se por um lado é uma dificuldade suplementar, é ao mesmo tempo um desafio interessante e uma oportunidade rica para o desenvolvimento de mais estudos.
*Este texto foi escrito em parceria com Luísa Paula Anacleto, estudante de doutorado em Educação Física pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.
Referências
Araújo, P. F. (1998). Desporto adaptado no Brasil: origem institucionalização e atualidade. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, Indesp.
International Paralympic Committee (2012). History of the Paralympic Movement. Disponível em https://www.paralympic.org/sites/default/files/document/120209103536284_2012_02_History%2Bof%2BParalympic%2BMovement.pdf
Marques, R. F. R. & Gutierrez, G. L. (2014). O Esporte Paralímpico no Brasil: profissionalismo, administração e classificação de atletas. São Paulo: Phorte.
Comité Paralímpico de Portugal (2015). Disponível em https://www.paralimpicos.eu/Documentos/Plano%20e%20Relat%C3%B3rios/PAO_2016_Versao_Aprovada_AP%2024%2011%2015.pdf
Carvalho, J. V. (2004). A Missão Paralímpica Atenas 2004. Revista Cultura e Desporto, 9.
Rodrigues, M. A., Pita, J. R. & Pereira, A. L. (2013). O Deficiente e o Desporto: A primeira participação feminina portuguesa nos Jogos Anuais de Stoke Mandeville (1962). Livro de Resumos do Congresso Desporto no Feminino: As Mulheres e o Desporto nos séculos XIX e XX (pp.46-48). Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
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