Atualmente, é de conhecimento geral que a Copa do Mundo de futebol masculino no ano de 1986 ocorreu no México. Foi, naquela ocasião, a segunda vez em que os mexicanos organizaram o principal torneio de futebol organizado historicamente pela FIFA.
O que muitos atualmente não sabem, é que tal torneio não estava destinado para, a priori, ocorrer em terras mexicanas. Pelo contrário: desde 1974, a Colômbia já tinha sido escolhida para ser o país sede da Copa de 1986. Com isso, surge a pergunta: por que então os colombianos não foram os organizadores desse referido certame?
É válido relembrar que a década 1980 é marcante na Colômbia, quando se trata de entender os efeitos do narcotráfico no país. Foi nessa década que se materializou o auge dos principais cartéis, como os de Medellín (liderado por Pablo Escobar) e Cali (sob liderança dos irmãos Rodríguez Orejuela), tendo ambos influenciados em diferentes questões políticas, sociais, econômicas e culturais.
Em 1982, ocorreu a Copa do Mundo na Espanha. E foi nessa competição que os colombianos, paulatinamente, desistiram de sediar o torneio seguinte. Apesar de não ter disputado esse mundial (até então o país só havia jogado uma Copa, em 1962 no Chile), os debates acerca da Colômbia se fizeram presentes em 1982, já que seriam os próximos a sediarem o principal torneio da FIFA.
É verdade que os dirigentes envolvidos com a consolidação da Colômbia enquanto sede da competição, estavam até os “45 do segundo tempo” esperançosos em efetivar o torneio mundial no país. Nas páginas de El Tiempo, aproximadamente dois meses antes da Copa na Espanha, foi destacado parte do otimismo colombiano acerca da organização do mundial em 1986:
A realização do Campeonato Mundial de futebol de 1986 na Colômbia foi assegurada ontem com o aceite do Presidente Julio Cesar Turbay Ayala que seja a empresa privada que o financia. Contando que o governo garantirá a segurança do certame.
Turbay Ayala se reuniu com dirigentes empresários ao meio-dia em Palacio, aos quais lhe explicaram os diferentes sistemas de autofinanciamento que poderiam estabelecer para efetivar um Mundial a baixo custo e que utilizaria o máximo de recursos existentes. […]
Nos diferentes círculos desportivos do país, a notícia despertou grande interesse, pois se antes alguns haviam se mostrado contrários a celebração do Mundial, agora com o concurso da empresa privada as coisas estão em outro preço.
Alfonso Senior, presidente da Federação de Futebol e o “pai do Mundial” declarou que “hoje é o dia mais feliz da minha vida. Eu sabia que a Colômbia não podia se colocar mal perante o mundo inteiro”.
Ao concluir a reunião o presidente do grupo Grancolombiano assinalou que se apresentará durante o tempo que dure o Mundial da Espanha uma campanha de tipo publicitário, que releve o nome da Colômbia, especialmente no campo turístico.[1]
Em 30 de maio de 1982, todavia, Turbay não conseguiu levantar o apoio necessário para que um sucessor de seu partido vencesse as eleições, tendo o conservador Belisário Betencur sido eleito, o que efetivou o retorno de seu partido ao poder executivo nacional depois de oito anos afastado.
Meses depois, em outubro de 1982, Betencur proferiu um discurso onde oficializou a desistência da Colômbia no objetivo de sediar a Copa de 1986. Ainda no decorrer da edição de 1982, já era ventilado dentre os dirigentes das federações, a imprensa e a própria FIFA, que a Colômbia tomaria tal decisão. O periódico brasileiro, Folha de São Paulo, repercutiu a decisão do presidente do país vizinho em suas páginas:
O presidente da Colômbia informou que o país não organizará a Copa ‘devido ao desrespeito à regra de outro pela qual o Mundial deveria servir à Colômbia e não a Colômbia à multinacional do futebol’ (no caso a Fifa). A decisão foi adotada por razões econômicas, depois de uma consulta democrática sobre a realidade do país, que permitiu concluir que ‘o esbanjamento é imperdoável’. Afirmou Betancur que ‘temos muitas coisas a fazer e não temos sequer tempo de nos ocupar com as extravagâncias da Fifa e de seus membros.’[2]
Betancur, no referido contexto, destacou a relevância da Colômbia em outras esferas culturais, como na literatura, tendo o país no contexto em voga acabado de vencer um prêmio Nobel de Literatura com Gabriel Garcia Márquez. Também foi destacado na imprensa o quanto a decisão de sediar a Copa não era algo tão aceito pelos colombianos, tal como o quanto as exigências da FIFA eram já visualizadas como absurdas:
Belisário Betancur concluiu seu breve discurso afirmando que Gabriel Garcia Márquez, escritor colombiano recém-premiado com o Prêmio Nobel de Literatura, ‘compensa totalmente o que, eventualmente, possamos perder em prestígio com a renúncia à sede do Mundial de Futebol’. […] A distância entre as exigências da Fifa e as propostas da Colômbia permitiu prever que a próxima Copa não seria na Colômbia. […] vale lembrar que pesquisas de opinião revelaram que cerca de 70 porcento dos colombianos não concordavam com a Copa em seu país por questões econômicas. A Colômbia, no entanto, sente-se “traída” pela Fifa por causa das exigências, que foram consideradas absurdas e até mesmo como “ingerências em assuntos internos da Colômbia”.[3]
A verdade é que, dentro de um parâmetro mais amplo da organização da Copa do Mundo, a FIFA exigiu da Colômbia um maior investimento público, para além daquele que a priori foi destinado por empresas privadas. Como entrou no poder já destinado a questionar alguns dos caminhos outrora estabelecidos pelo governo Turbay, Betancur se negou a ceder aos interesses da entidade maior do futebol internacional, desistindo de sediar a Copa de 1986.
De imediato, os periódicos colombianos e brasileiros, no calor do ano de 1982 quando ocorreu a Copa na Espanha, destacaram a possibilidade do Brasil se tornar a sede da próxima copa. Senior reivindicou até o final que seria uma vergonha a Colômbia não conseguir se manter como sede da Copa de 1986, destacando ser uma oportunidade única para o país sediar o torneio.
Parte da imprensa colombiana, inclusive, destacou a proposta de Senior de estabelecer uma ‘troca’ com a Colômbia, deixando a Copa de 1994 para os colombianos sediarem, enquanto os brasileiros organizariam a de 1986. A questão é que a definição da sede de 1994, que depois seria confirmada para os Estados Unidos, nunca havia sido destinada ao Brasil.
Mesmo assim, os rumores de uma possível sede brasileira no evento ficaram marcados, inclusive na imprensa brasileira:
O Brasil começa a receber apoio como candidato a promover a Copa do Mundo de 1986, depois que o presidente Belisário Betancur anunciou oficialmente a desistência da Colômbia, anteontem à noite, através de uma cadeia de rádio e televisão. A Federação Colombiana de Futebol estará reunida nos próximos dias para elaborar um documento a ser entregue à Fifa, o que poderá acontecer dia 5, em Acapulco (México), quando o presidente da entidade internacional, João Havelange, lá estiver para assistir à inauguração de um campeonato de seleção de juniores em sua homenagem, com a participação de vários países.
As principais manifestações a favor do Brasil partiram do peruano Teófilo Salinas, presidente da Confederação Sul-americana de Futebol; do alemão Hermann Neuberger, vice-presidente da Fifa e presidente da Federação de Futebol da Alemanha Ocidental e do argentino Júlio Grondona, presidente da Associação de Futebol da Argentina. A afirmação de Salinas é categórica: “O Brasil sediará o Mundial de 86, pois já conta com oito votos da América Latina e quase igual número de votos de um total de 21 que integram o Comitê Executivo da Fifa.[4]
Portanto, se torna possível identificar que muitos dos problemas sociais, políticos e econômicos pelos quais vivenciava a Colômbia, influenciaram diretamente no fato do país não realizar da Copa de 1986. Em um cenário marcado pelo narcotráfico, inclusive no futebol como já aqui demonstrado, tal situação se fez mais ainda marcante, tendo em vista que o país reconhecia com essa recusa, dentre outros fatores, as questões internas que tinha para resolver.
A verdade é que a organização da Copa do Mundo de 1986 na Colômbia, definida ainda em 1974, tinha tudo para ser uma virada no futebol do país dentro do cenário nacional e internacional. Tal virada até ocorreu, notadamente pela visibilidade que os clubes do país passaram a ter nos anos 1980 e 1990. Mas, obviamente, não se deu pela Copa que o país não realizou, mas sim pelo investimento do narcotráfico em alguns clubes, como foi aqui demonstrado em alguns casos.
Desde 1982, no calor da copa da Espanha, a temática já se aflorava, sendo a violência e o envolvimento político marcas que caracterizaram a realidade do país. No fim, a Colômbia ganhou o direito de realizar um mundial, mas acabou por não efetivá-lo por questões que iam muito além das quatro linhas, como aqui foi demonstrado, deixando explícito para os leigos o quanto o futebol é “muito mais que um jogo”.
Ana Moser assumiu o Ministério do Esporte no atual governo Lula. Foto: Agência Brasil
Nesse início de 2023, com o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência do Brasil depois de 12 anos desde sua saída do cargo, muito tem se debatido sobre as escolhas dos nomes que irão representar os diferentes ministérios em seu governo.
Uma das pastas que retornaram com o atual mandato, foi a do Ministério do Esporte, que durante o período de Jair Bolsonaro no poder ficou vinculado à Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania.
Para comandar tal ministério, Lula escolheu o nome de Ana Moser, ex-atleta de vôlei e muito ligada às causas progressistas relacionadas com o esporte, notadamente por sua atuação no Instituto Esporte e Educação (IEE). A escolha de Moser foi muito festejada por aliados do governo, que no geral entenderam ser a nova ministra, de fato, um bom nome para comandar a “velha nova” pasta.
Todavia, uma fala da agora ministra no último dia 10/01/2023, gerou grande debate. Segundo Moser,
A meu ver, o esporte eletrônico é uma indústria de entretenimento, não é esporte. Então, você se diverte jogando videogame, você se divertiu. “Ah, mas o pessoal treina para fazer”. Treina, assim como o artista. Eu falei esses dias, assim como a Ivete Sangalo também treina para dar show e ela não é atleta da música. Ela é simplesmente uma artista que trabalha com entretenimento. O jogo eletrônico não é imprevisível. Ele é desenhado por uma programação digital, cibernética. É uma programação, ela é fechada, ela não é aberta, como o esporte.
Essa perspectiva conceitual do que deve ou não ser entendido como esporte, gera grandes debates e, ao mesmo tempo, divergências no âmbito do campo esportivo. No senso comum, olhares como o da ministra podem ser reproduzidos e, também, utilizados como forma de demarcação daquilo que buscam passar como sendo um “modelo ideal” do que se deve considerar como esporte.
Moser destacou ainda que o objetivo central da pasta será o de olhar para o “esporte social”, ponto importante e que deve ser encarado como um verdadeiro caminho no que se diz respeito ao entendimento do esporte enquanto uma ferramenta de mobilização e mudança na sociedade. Passada a “era dos megaeventos”, focar nos aspectos sociais do esporte são, sem dúvidas, os melhores caminhos para se pensar a importância dessa pasta para o país. A partir dessa perspectiva, Moser ainda enfatizou o porquê de não estabelecer um olhar mais profundo para, por exemplo, os esports.
Não tenho por objetivo aprofundar neste pequeno texto um olhar necessariamente crítico ao posicionamento da ministra, mas sim de problematizar a própria ideia do que conceitualmente entendemos como esporte, tendo como parâmetro alguns dos avanços e debates oriundos das Ciências Humanas e Sociais (o que, obviamente, não inviabiliza um debate acerca do tema com as perspectivas conceituais de outras áreas/campos). Afinal, os esports são ou não modalidades esportivas?
Tratando-se de forma mais específica das pesquisas acadêmicas sobre o objeto, deve-se ter em conta alguns fatores importantes. Pierre Bourdieu, em seu ensaio intitulado “Como é possível ser esportivo?”, destacou algumas características daquilo que entende como “esporte moderno”. O autor referendou, em um pequeno ensaio mas que foi de grande valia para o campo de Estudos do Esporte, as diferenças existentes entre o esporte moderno e as práticas corporais e de divertimento anteriores à modernidade.
Caracterizando a importância de conceitualmente definir tal objeto, Bourdieu escreveu sobre o que hoje é conhecido como campo esportivo. Para o autor, a história do esporte é
[…] uma história relativamente autônoma que, ainda quando é escondida pelos grandes acontecimentos da história econômica e política, tem o seu próprio ritmo, as suas próprias leis de evolução, as suas próprias crises, em suma a sua cronologia especifica.
Dentro dessas características, é válido enfatizar que para entender uma determinada manifestação como um esporte, no olhar do campo esportivo, se faz necessário que a mesma possua determinadas características, que são:
. Entidades representativas (como os clubes);
. Um calendário próprio e autônomo;
. Um corpo técnico especializado;
. Um mercado ao seu redor.
A verdade é que o conceito de esporte na modernidade não é fechado e nem deve ser entendido como algo não mutável, pelo contrário. O fato é que os esports conglomeram todas as características do campo esportivo, dentro do contexto do século XXI, sendo por si só esses alguns fatores que referendam essa perspectiva conceitual de inclusão de tais modalidades também como “esportivas”.
Obviamente, dentro do mundo acadêmico, a própria concepção daquilo que devemos entender conceitualmente como esporte, pode ser mudada. Os olhares introdutórios de Bourdieu acerca do objeto serviram como pontapé inicial de um campo investigativo e não como linha de chegada. Desde então, inclusive no Brasil, muitos autores já se debruçaram sobre as perspectivas do campo esportivo, aprofundando, criticando, dando novas sugestões ou apontando distintos caminhos acerca do conceito.
Victor Andrade de Melo, por exemplo, aprofundou esse debate em várias ocasiões. Em uma de suas obras, intitulada “Esporte e Lazer: conceitos – uma introdução histórica”, o autor destacou a importância de se estudar o conceito de esporte dentro de uma perspectiva histórica, abarcando vários pontos que podem ser considerados como caminhos para estabelecer um diálogo entre o esporte e as práticas corporais anteriores à modernidade. Assim, problematizou o conceito de “prática corporais institucionalizadas”, entendendo que
A História das Práticas Corporais Institucionalizadas “abarcaria, em um mesmo campo de investigação, sem excluir outras possibilidades de diálogos, práticas sociais como o esporte, a capoeira, a dança, a ginástica, as relativamente recentes práticas físicas ‘alternativas’ (antiginásticas, eutonia etc.), a educação física (entendida enquanto uma disciplina escolar e como uma área do conhecimento), as práticas específicas de períodos anteriores à Era Moderna (da Antiguidade e da Idade Média), entre outras. A despeito dessa conceituação, para facilitar o entendimento e/ou em função de questões operacionais, em muitas oportunidades usamos “história do esporte” como metonímia”.
Com isso, surge-se mais uma questão: modalidades que se referendam menos pela utilização do corpo e mais pelo uso da mente, como é o caso do xadrex e dos próprios esports, devem ser chamados de “esporte”? Manoel Tubino, Fábio Tubino e Fernando Guarrido destacam, na obra “Dicionário Enciclopédico Tubino do Eporte”, que esses seriam os chamados “esportes intelectivos”:
Os esportes intelectivos são aquelas práticas ou modalidades esportivas nas quais há uma dominância de solicitações intelectivas nas disputas. […] Há alguns anos muitos dos atuais Esportes Intelectivos não eram reconhecidos como Modalidades Esportivas pela falta de movimentos convincentes. Entretanto, a partir da Carta Internacional de Educação Física e Esporte da Unesco (1978), que estabeleceu o direito de todas as pessoas ao Esporte, em todas as idades e em qualquer circunstância física, o conceito de Esporte ficou mais abrangente, passando a compreender muitas modalidades que antes não eram percebidas como Práticas Esportivas. Os Esportes Intelectivos, que muitas vezes são tradicionais pelo longo período de existência – e em outras também são ligados a culturas e identidades nacionais -, na verdade enriqueceram bastante o contexto esportivo internacional.
Tendo em vista essas colocações, é válido relembrar um ponto já aqui abordado: a questão da possibilidade de mutação do conceito. No mesmo livro já aqui citado, Victor Melo apontou em 2010 sobre a necessidade de estarmos sempre atentos às mudanças que o fenômeno esportivo nos proporciona, destacando assim que um olhar não apurado poderia se materializar em uma equivocada estagnação do conceito. Já citando inclusive os esports, o autor destacou que
[…] desde o tempo do Telejogo, primeira geração de games, são muitos os jogos eletrônicos que fazem da prática esportiva o motivo central. Aliás, com o Wii, vemos a junção entre o movimento corporal e o que ocorre no monitor, uma nova forma de interação. Alguns mais desconfiados podem afirmar que isso não é esporte. Quero lembrar que nem sempre a movimentação corporal foi parte essencial do fenômeno esportivo […]. Além disso, enquanto prática social que deve ser historicizada, não podemos nos prender a apreensões essenciais: o esporte é aquilo que em cada momento se defina como tal, conceitos relacionados a experiências históricas específicas. […] A questão fundamental é: se mudou a forma de relação com o outro, de relação com o corpo, de representação do corpo, por que não mudaria a concepção do que significa fazer esporte?
A verdade é que, de fato, a perspectiva conceitual acerca daquilo que devemos ou não considerar como esporte, sempre gerará divisão de opiniões. Reconheço esse ponto, tal como reconheço que, para além de um olhar que pode ou não estar equivocado, as colocações da ministra Ana Moser dizem mais respeito ao foco e tratamento que idealiza para a pasta que agora lidera, do que uma opinião em que seja necessariamente contrária aos esports.
Porém, como pesquisador que se debruça sobre o objeto há mais de uma década e que entende que o fazer ciência se constrói com embasamento teórico e conceitual, reitero a importância de se trazer esse debate hoje. Assim, fica nítido que, para além das visões difundidas no senso comum, no âmbito acadêmico não podemos cair em tais armadilhas. Deve-se sempre se fortalecer os olhares e embasamentos acerca dos fenômenos sociais existentes, entendendo que o esporte (tal como qualquer outra manifestação cultural) necessita de um entendimento com base em um conjunto de características que definam o que é o objeto a partir de uma perspectiva científica e social, ignorando assim os achismos, opiniões e visões que fujam dos olhares mais amarrados e consolidados sobre o tema.
Referências
BOURDIEU, Pierre. Como se pode ser desportista? In: _______. Questões de sociologia. Lisboa: Fim do século, 2003, p. 181-204.
MELO, Victor Andrade de. Esporte e lazer: conceitos – uma introdução histórica. Rio de Janeiro: Apicuri, 2010.
TUBINO, Manoel; GARRIDO, Fernando; TUBINO, Fábio. Dicionário enciclopédico Tubino do esporte. Rio de Janeiro: Editora Senac Rio, 2007.
Comentários desativados em O debate acerca dos esports no campo esportivo: uma pequena reflexão | História do Esporte | Link permanente Escrito por Eduardo Gomes
A Exposição Internacional de 1893, em Chicago, influenciou os caminhos da Colômbia nas décadas seguintes. Foto: Reprodução
No século XIX, os parâmetros da modernidade se espalharam mundo a fora, notadamente a partir da expansão cultural, econômica e política oriundas da Inglaterra e demais nações europeias, até então entendidas como “modelos” globais. Uma das formas de explicitar tal parâmetro, por parte de tais países, foram as realizações de Exposições Internacionais, que visavam consolidar perante o mundo um modelo a ser seguido enquanto padrão de civilidade. Destaca Elias, que
Na verdade, nossos termos “civilizado” e “incivil” não constituem uma antítese do tipo existente entre o “bem” e o “mal”, mas representam, sim, fases em um desenvolvimento que, além do mais, ainda continua. É bem possível que nosso estágio de civilização, nosso comportamento, venham despertar em nossos descendentes um embaraço semelhante ao que, às vezes, sentimos ante o comportamento de nossos ancestrais. O comportamento social e a expressão de emoções passaram de uma forma e padrão que não eram um começo, que não podiam em sentido absoluto e indiferenciado ser designados de “incivil”, para o nosso, que denotamos para a palavra “civilizado”. […] A “civilização” que estamos acostumados a considerar como uma posse que aparentemente nos chega pronta e acabada, sem que perguntemos como viemos a possui-la, é um processo ou parte de um processo em que nós mesmos estamos envolvidos. (ELIAS, 1994, p. 73).
Com base nas referências acima, é possível inferir que aquilo que buscava-se impor ou se colocar como civilizado, está normalmente relacionado a um conjunto de valores ou culturas que passam a ser entendidos como padrões a serem seguidos, dentro de um recorte espacial e temporal específico da história e das relações humanas. O processo do século XIX exacerba tais relações, pois nos faz pensar a partir de uma perspectiva de civilização em proporções globais, exposta pelas classes então dominantes.
Essa tentativa de difundir um ideário universal de civilidade, pôde ser identificada nas exposições internacionais, já que as tinham como parâmetro e princípio. Trata-se da expansão de uma “cultura universal”, ligada aos modelos da modernidade oriunda da industrialização. Cultura essa que, obviamente, não pertencia a todos os povos, mas que moldados pelos parâmetros civilizatórios expostos acima, se incluíam dentro de um conjunto de fatores que determinadas nações buscam para efetivar um caminho homogêneo globalmente. Era a tentativa de povos entendidos como “civilizados” definirem, também, a cultura a ser seguida pelos povos “não-civilizados” (GÁLVEZ, 2012, capítulo 2).
A nomenclatura das exposições variava, de acordo com o ano, local e forma de divulgação. “Exposição Universal”, “Feira Mundial” e “Exposição Internacional”, foram alguns dos nomes mais utilizados. Debater qual seria a forma correta de se referir aos eventos, não é o nosso objetivo, por considerar que mais importante que a nomenclatura, é saber o que esses momentos representavam no cenário social de então. Destaca Nelson Sanjad, como os estudiosos do campo não devem perder de vista:
(a) o termo “exposição”, a partir do século XIX, sofreu um alargamento semântico à medida que novos museus foram surgindo e os megaeventos foram sendo organizados, sob diversos pretextos e roupagens; (b) é importante atentar para a maneira como cada evento é apresentado pelos seus próprios organizadores, sobretudo em estudos comparativos que buscam semelhanças e diferenças entre as mostras; (c) somente em 1928 foi assinada a primeira convenção internacional destinada a normatizar e definir regras, prazos e a periodicidade de exposições internacionais, pois se tornou inviável a participação dos países em todos os eventos (SANJAD, 2017, p. 788).
A primeira exposição, ocorrida em 1851 em Londres, reuniu 25 nações e mais 15 países que ainda eram colônias naquele contexto, dando a conotação mundial ao evento. Na França, a primeira exposição ocorrida nessas características se deu em 1855. Em alguns anos, como em 1888, chegou-se a ocorrer cinco mostras simultâneas: Barcelona, Espanha (Exposição Universal); Bruxelas, Bélgica (Exposição Universal e Internacional e Grande Concurso Internacional de Ciência e Indústria), Copenhague, Dinamarca (Exposição Nórdica da Indústria, Agricultura e Arte), Glasgow, Escócia (Exposição Internacional de Ciência, Arte e Indústria) e Melbourne, Suécia (Exposição do Centenário) (SANJAD, 2017).
O cenário latino-americano não ficou de fora das relações que ocorriam globalmente na Europa ou nos Estados Unidos. Tais eventos se fizeram importantes para a construção cultural da América Latina na transição do século XIX para o XX. O período da Bélle Époque, inclusive, estimulou disputas e questões, onde cidades como Rio de Janeiro e Buenos Aires, por exemplo, lançavam discursos como aqueles que as idealizavam como a “Paris dos trópicos”.
Portanto, é notório que a recepção da cultura europeia que se expandia, fez parte de um processo de consolidação imperialista de tais países, mas também de inserção no sistema-mundo por parte de algumas das nações independentes da América Latina. Nesse espaço, que desde então já rivalizavam com a hegemonia dos Estados Unidos (porém não com tanta força como atualmente), países da Europa viram seus padrões culturais e econômicos se disseminarem. Todavia, tal disseminação se deu dentro de um processo de ressignificação cultural, marcado por um caminho singular em cada país.
Desde seus primórdios, as exposições já contavam com a participação de nações latino-americanas nos eventos, inseridas de diferentes formas. Era comum países da América Latina, alguns ainda com fortes vínculos coloniais com as antigas metrópoles, participarem como expositores de “hábitos e natureza exóticas” (GÁLVEZ, 2012).
No século XX, entretanto, em um cenário de redefinição das ideias de nação latino-americanas, os países da região passavam a não só participar dos eventos europeus, como também organizar suas próprias exposições internacionais, tendo destaque o caso do Brasil em seu centenário da independência no ano de 1922. Em um cenário inicial, buscaram copiar o que era produzido no “velho mundo” para, em um segundo momento, estabelecerem eventos com uma caracterização mais autoral e nacionalista. Sanjad destaca que
Apesar de situadas em contexto periférico, no qual os efeitos da industrialização e massificação só começaram a ser sentidos em prática no século XX, as elites das sociedades latino-americanas portaram-se como eco das discussões e debates teóricos desenvolvidos nesses principais centros culturais em torno do tema da representação. Sua “tarefa principal” era aprender, imitar e divulgar as concepções “civilizadas” do progresso, artes, ciências e indústria apreendidas através das Exposições. […] Cosmopolitismo e nacionalismo eram conceitos tanto desejosos como conflitivos pelas representações latino-americanas. […] As nações latino-americanas, desejosas por valorizar seus países através de reações nacionalistas, desejavam também fazer parte do cosmopolitismo, isto é, serem parte do grande grupo civilizado, enquanto tinham necessidade de gerar, para esta afirmação, uma cultura e ciência de caráter único (GÁLVEZ, 2012, p. 34).
No cenário latino-americano, o campo de investigação que se dedica a essas questões e, por que não, tensões, é bem vasto. Analisam, assim, as relações entre o nacional e o regional, tal como “a forma como as elites locais ou regionais representavam seus estados/províncias, muitas vezes em oposição ao poder central ou em competição com outros estados/províncias” (SANJAD, 2017, p. 809).
Mesmo nesse caminho, não devemos desprezar as variações locais que cada processo gera nesse cenário híbrido que se colocava. A construção nacionalista dos países latino-americanos, em contato ou não com seus vizinhos da região, passa necessariamente por um cenário histórico das relações internacionais em que a influência (tal como as tensões) dos países europeus se faz presente. Como explicita Sanjad,
Pensar nas mostras latino-americanas como partes de um sistema descentralizado que se ampliou e transformou ao longo do tempo e do espaço permitiria incluí-las em um panorama mundial, complexo e diverso. Exigiria, contudo, um esforço de investigação que considerasse a constituição das comunidades intelectuais que conceberam, apoiaram e materializaram as exposições latino-americanas, e como essas comunidades interagiram com as de outros países, que conceitos e práticas adotaram, por onde circularam, que ideias fizeram circular sobre nação, progresso, raça, classe, gênero, cultura e natureza, entre outras. Exigiria, ainda, a análise da produção do “nacional” como uma via de mão dupla, isto é, observando tanto as negociações políticas internas quanto os intercâmbios transculturais, nos quais textos, objetos, imagens, edificações, espetáculos, alimentos etc. ganham uma dimensão simbólica capaz de influenciar processos identitários de diversos grupos sociais no próprio país e em outros países (SANJAD, 2017, p. 815).
Ainda com uma ideia de nação bem incipiente e com particularidades bem peculiares em cada caso, foi entre as décadas de 1910 e 1950 que boa parte dos países da região passaram por uma reconfiguração de seus padrões identitários e nacionalistas. Inclui-se entre esses o caso da Colômbia, notadamente a partir das décadas de 1920 e 1930.
Desde o século XIX e indo até os dias atuais, a Colômbia participou de distintas exposições internacionais espalhadas mundo a fora, apesar de não ter tido, em nenhum momento, um evento dessa natureza organizado em seu território.
Entretanto, os colombianos estão presentes nas exposições internacionais desde os seus primórdios, em 1851, quando o país ainda atendia pela nomenclatura de “República de Nova Granada”. Mesmo tendo tido poucos objetos ou materiais para expor, diplomaticamente já marcava sua presença e consolidava um pouco de sua posição enquanto nação na modernidade que se expandia.
No auge das exposições do século XIX, a Colômbia marcou presença nos seguintes anos, além de Londres em 1851: Paris, em 1855, 1867, 1878 e 1889; Madri em 1892; e Chicago em 1893, tendo essa última se relacionado com o cenário latino-americano, pois teve como temática central os festejos do IV centenário da chegada de Cristóvão Colombo na América (BONILLA PARDO, 2016).
A experiência política dos anos 1930 na Colômbia gerou diferentes efeitos e mudanças no país. Após um período de domínio do Partido Conservador no poder, indo de 1886 até 1930 (conhecido como “Hegemonia Conservadora”), se iniciou nesse mesmo ano o período conhecido como “República Liberal”, onde até 1946 apenas presidentes do Partido Liberal se mantiveram no poder. Entre esses, reforço a importância de López Pumarejo, que governou o país durante dois mandatos nesse período (1934-1938 e 1942-1945), na construção de símbolos e padrões identitários para se pensar a nação colombiana.
Dentro do longo período da “hegemonia conservadora”, o país ficou sem participar de eventos com natureza global como eram tais exposições, tendo retornado a esse circuito apenas em 1929, em Sevilha na Espanha, com a mostra de produtos agrícolas (BONILLA PARDO, 2016).
Nos primórdios de sua participação nas exposições internacionais, no decorrer do século XIX, a Colômbia teve uma área de 500 “pés quadrados” para realizar suas mostras, o que representa pouco mais de 45 metros quadrados. Teve assim, de acordo com os diários oficiais, sido esse espaço entendido como “justo” para o país na época (BONILLA PARDO, 2016). É destacado que
Sobre los productos presentados, estos fueron principalmente cacao, tapioca, nuez moscada y algunas esmeraldas de Muzo”80 las cuales estaban en estado en bruto y vienen en diferentes estados de pureza. Las de mayor tamaño tienen un color suave y con pocos defectos. Además de ser clasificadas dentro de la Clase 1 del Reino Unido y al ser comparadas con otros ejemplares, mostraron una gran ventaja y superioridad81. Este tipo de reconocimiento también lo obtuvo el tabaco, el cacao y los metales. Para la Exposición de 1878 se muestra evidencia del progreso de Colombia en los campos de la botánica y la pedagogía, los cuales se traducen en una premiación en ambas categorías. El área de pedagogía gana una medalla de bronce y en el área de la botánica gana una medalla de oro gracias a los trabajos realizados a partir de la Comisión Corográfica, especialmente por el estudio de la quina85, además de un reconocimiento por las autoridades gubernamentales de Colombia86. No obstante este reconocimiento, Colombia llegó a último momento, sin mayor presupuesto ni “riquezas” y su comitiva fue alojada en un pequeno espacio dentro del pabellón de Guatemala (BONILLA PARDO, 2016).
Mesmo com essa inserção, a participação colombiana na agenda das exposições, continuava a ser secundária. O que não quer dizer que não tenha gerado influências na formação identitária do país. Porém, que ideia de nação seria essa? Como teve participações mais específicas e entendidas como secundárias, se comparadas com as de outros países, será que pode-se definir que tal cenário influenciou na construção simbólica do nacionalismo colombiano? Destaca-se ser provável que toda essa cena favoreceu para se pensar a Colômbia como um
País pequeño, sin industria y atrasado más no un país bárbaro; los reconocimientos obtenidos por sus avances en las ciencias, la lingüística y la botánica y zoología, daban cuenta de un país en progreso y relativamente comprometido con ello, pero definitivamente no de uno industrializado y moderno, motivo por el cual Colombia no pudo obtener la tan anelada inmigración que se necesitaba para industrializar el país […] (BONILLA PARDO, 2016, p. 32).
No decorrer do início do século XX, houve a tentativa de se repensar o país. Mesmo com vários incentivadores tratando da importância de se continuar participando dos eventos, como já explicitado, o país só voltou a se inserir em 1929. Nacionalmente teve uma exceção, que foi a organização da exposição do centenário de independência da Colômbia em 1910, organizada apenas em seu âmbito e sem outras nações enquanto participantes.
Quando retornou ao circuito das exposições internacionais em 1929, mesmo com percalços, a Colômbia deixou sua marca com a explicitação de produtos de qualidade, tal como referendou diplomaticamente sua posição política e cultural. Mesmo sem ainda se encontrar em um estado de centralidade, se colocar à mostra, tendo em vista a transição política no país entre conservadores e liberais que já se anunciava, fazia parte dos planos relacionados aqueles que estariam no poder a partir de 1930.
Nesse evento em questão, os responsáveis pela apresentação da Colômbia foram o então cônsul colombiano em Sevilha, Sr. Ernesto Restrepo Tirado, e o comissário geral do país na Exposição, Sr. Roberto Pinto Valderrama (BONILLA PARDO, 2016). A posição colombiana, em um evento organizado no território de seus antigos colonizadores, foi de buscar enfatizar uma identidade para além da Espanha, pois
los delegados de Colombia reconsideraron la evidente hispanidad del edificio y decidieron que lo más conveniente para Colombia, era exaltar nuevamente su passado milenario, pues a pesar de ser hijos de España, había algo mucho más antiguo y digno de presentar como propio, “constituyéndose como el mejor símbolo de indigenismo en la Iberoamericana y la mejor síntesis de manifestaciones artísticas que reflejan el relato cosmológico y el origen del hombre como expresión de la identidad nacional” (BONILLA PARDO, 2016, p. 34).
Ao analisar o cenário de construção dos Jogos Bolivarianos de 1938 na Colômbia, identifica-se que tal evento se inclui em um conglomerado de festejos inerentes ao IV Centenário de Bogotá.
Cerimônia nos Jogos Bolivarianos de 1938. Foto: Reprodução
No caso do esporte no país, essa relação com a modernidade se iniciou no ano de 1936, quando no âmbito da Olimpíada de Berlim ocorrida nesse ano, se definiu a realização dos primeiros Jogos Bolivarianos em 1938, como parte dos festejos do IV centenário de Bogotá. Isso era também, de certa forma, uma maneira de se inserir nos parâmetros (mesmo que tardios) de modernidade que o país buscava se enquadrar durante o período de governos liberais, com moldes exemplificados pelas experiências das outrora importantes exposições internacionais.
A escolha de uma agenda esportiva como forma de se comemorar os quatrocentos anos da maior e mais importante cidade do país, explicita o quanto o esporte passava a ser entendido como um modelo a ser difundido no país moderno que se pensava para a Colômbia.
Assim, pode-se perceber o quanto a idealização dos Jogos Bolivarianos fez também parte de um projeto político de internacionalização da nova ideia de nação pensada na Colômbia de López Pumarejo, sendo assim uma forma de enquadrar o país dentro de discursos de modernidade e de difusão política no contexto em questão.
Referências
BENNETT, Tony. The birth of the museum: history, theory, politics. London: Routledge. 1995.
BONILLA PARDO, David. Espectáculo de Identidades Nacionales: presentación de Colombia em las Exposiciones Internacionales de 1992, 1998, 2010. Monografia (Graduação em História) – Escola de Ciencias Humanas, Universidad Colegio Mayor de Nuestra Señora del Rosario.
CANCLINI, Néstor Gárcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 2015.
ELIAS, Nobert. O processo civilizador – Volume 1: uma História dos Costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.
GÁLVEZ, Marcia Furriel Ramos. Dois pavilhões em Exposições Internacionais do século XX – ideias de uma arquitetura brasileira. Dissertação (Mestrado em História Social da Cultura). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). 2012. 164 f.
GONZÁLEZ STEPHAN, Beatriz; ANDERMANN, Jens (Ed.). Galerías del progreso: museos, exposiciones y cultura visual en América Latina. Rosario: Beatriz Viterbo. 2006.
RASMUSSEN, Anne. Les classifications d’exposition universelle. In: Schroeder-Gudehus, Brigitte; Rasmussen, Anne. Les fastes du progrès: le guide des expositions universelles, 1851-1992. Paris: Flammarion. p.21- 38. 1992.
SANJAD, Nelson. Exposições Internacionais: uma abordagem historiográfica a partir da América Latina. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.24, n.3, jul.-set. 2017, p.785-826.
SCHUSTER, Sven. (Ed.). La nación expuesta: cultura visual y procesos de formación de la nación en América Latina. Bogotá: Editorial Universidad del Rosario. 2014a.
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Em 02 de junho de 2021, escrevi um pequeno texto onde tentei representar um pouco daqueles que são considerados os “maiores clubes do futebol colombiano”. No total, são oito equipes que por mim foram destacadas: Independiente Santa Fé e Millonarios, de Bogotá; América de Cali e Deportivo Cali, ambos da cidade de Cali; Atlético Nacional e Independiente Medellín, de Medellín; Junior Barranquilla e Once Caldas. Essas oito equipes historicamente se destacam como sendo aquelas que ganharam o patamar de “maiores” times do país, envolvendo parâmetros como títulos, torcida, continuidade e disputa nas principais competições do país, dentre outros pontos.
Longe de entender que tais escolhas são definitivas ou mesmo devem ser consideradas como as mais corretas acerca do tema, uma pergunta surge ao se definir tal lista: existe a possibilidade de outras equipes serem também entendidas como grandes e pleitearem um lugar em tal seleto e privilegiado grupo de agremiações? Desde já, destaco que minha resposta é sim!
Como historiador, não posso me privar dos cuidados que devemos ter ao realizar seleções como essas, que muitas das vezes podem desvalorizar questões locais e representativas. Em outros países, por exemplo, a questão daqueles que são considerados “grandes” sempre foi marcada por muitos debates.
Na Argentina, por exemplo, se popularizou a ideia de que o país possui “cinco grandes clubes”, que seriam Boca Juniors, Independiente, Racing, River Plate e San Lorenzo. Até aí tudo bem, já que de fato estamos falando de cinco grandes agremiações que merecem ocupar tal espaço, cada uma com sua história, representação, torcida, títulos e ídolos. E tal escolha possui também referenciais históricos, que remetem às décadas iniciais do século XX, em que estiveram como principais equipes no processo surgimento, expansão e profissionalização do futebol argentino.
Mas daí surgem outras questões: como deixar, por exemplo, o Estudiantes de La Plata, tetracampeão da Libertadores da América, fora de uma lista dos grandes do país? Ou clubes como Huracán, Neweell’s Old Boys, Rosario Central, Vélez Sarsfield e Argentinos Juniors, todos com conquistas, ídolos e muita história? Tais equipes possuem histórias singulares, tendo em diferentes momentos todas pleiteado o título de “sexto grande” do futebol argentino.
No Brasil, se popularizou chamar 12 clubes como grandes, que seriam Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco da Gama no Rio de Janeiro; Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo em São Paulo; Atlético Mineiro e Cruzeiro de Minas Gerais; e Grêmio e Internacional no Rio Grande do Sul. Lista merecida, mas também injusta, pois ignora as variações culturais e regionais do Brasil, que possui outras grandes equipes espalhadas por todo seu território. Como deixar de fora o Bahia, primeiro campeão nacional e que fez parte do Clube dos 13; ou o Athletico Paranaense, um dos clubes mais vitoriosos e organizados do país no século XXI; ou mesmo Sport, Coritiba, Fortaleza, Vitória, Ceará….
Enfim, a lista é grande, assim como são todos esses e muitos outros clubes espalhados por todo o Brasil. E esse fator só aflora o debate que destaca a importância da descentralização dos olhares sobre o futebol nacional, ainda muito marcados por narrativas e construções oriundas do eixo Rio-São Paulo.
Destaquei aqui tais exemplos de Argentina e Brasil, países que assim como a Colômbia estão no cenário sul-americano, apenas para demonstrar que uma lista que se propõe a definir os “clubes grandes” de um país, além de não se estática, nunca será considerado uma ciência exata, pelo contrário: leituras e releituras devem ser feitas a todo o momento, se utilizando da história das agremiações nas suas mais variadas facetas como forma de se encontrar um caminho plausível e que possua critério na análise e escolhas realizadas.
No caso da Colômbia, como também destaquei em outra oportunidade, esse olhar cíclico se fez importante na escolha daqueles que poderiam ser considerados “os grandes do país”. Antes fora dessa lista, o Once Caldas passou a ser considerado a “oitava força” colombiana, principalmente pelos desempenhos dos últimos vinte anos e pela conquista da Copa Libertadores da América em 2004 (até hoje, apenas o Once Caldas e o Atlético Nacional conseguiram conquistar a principal competição sul-americana, dentre os clubes colombianos). Somando esses fatores ao desempenho histórico do clube, que é muito tradicional no país desde seus primórdios, se fez valer sua chancela como um dos grandes times da Colômbia.
Com isso, surge uma nova pergunta: o Deportes Tolima, que atualmente é o único clube colombiano que está nas oitavas de final da Copa Libertadores da América 2022 de futebol masculino, deve ser considerado o “nono grande” do país? Minha resposta para essa pergunta é positiva e irei apresentar abaixo um pouco da história do clube como forma de defender tal hipótese.
Equipe do Deportes Tolima. Foto: reprodução.
Fundado em 18 de dezembro de 1954 na cidade de Ibagué, que é a capital do departamento colombiano de Tolima, o Deportes Tolima é um dos clubes mais consistentes da história do futebol colombiano. Desde sua fundação, ocorrida na reta final do período El Dorado do futebol no país (caso queira saber mais sobre esse momento do futebol colombiano, veja aqui), o Tolima só não disputou a primeira divisão (Primera A) do campeonato nacional organizado pela Dimayor – División Mayor no ano de 1994. E venceu a competição em seu único ano disputando a Primeira B, tendo em 1995 retornado à primeira divisão, de onde nunca mais saiu.
Esse desempenho que representa uma histórica consistência, entretanto, não havia se materializado em conquistas maiores até o século XXI. Mas isso tem se modificado. Desde 2003, o clube já foi três vezes campeão colombiano (2003-II, 2018-I e 2021-I), uma vez campeão da Copa Colômbia (2014) e uma vez vencedor da Superliga da Colômbia (2022).
Time do Tolima comemora o título colombiano em 2018. Foto: Reprodução.
Além das conquistas nacionais, o Deportes Tolima tem se mantido constante também nas disputas de competições internacionais.
Na Copa Libertadores da América, onde irá enfrentar o Flamengo nas oitavas de final da atual edição, está disputando o certame pela nona vez. A equipe já participou do torneio nas seguintes edições: 1982, 1983 2004, 2007, 2011, 2013, 2019 e 2022. Em 1982, logo em seu primeiro ano, chegou no triangular semifinal. Já em 2011, ficou marcado por eliminar o Corinthians na fase eliminatória da competição, o que marcou o último jogo da carreira do atacante Ronaldo, então atleta do clube paulista.
A equipe é ainda a segunda agremiação que mais vezes disputou a Copa Sul-Americana na história, tendo por nove vezes competido no segundo principal torneio de clubes sul-americanos (o Deportivo Cali lidera o ranking com dez participações, que também tem o Atlético Nacional com nove, empatado com o Tolima).
Última partida da carreira de Ronaldo “fenômeno” foi contra o Tolima, representando o Corinthians na Libertadores de 2011.
Além de todos os dados, histórias e conquistas aqui apresentadas, o Tolima está entre os nove primeiros colocados dos rankings que medem o desempenho histórico dos clubes colombianos no principal torneio nacional do país, tal como na Copa Libertadores da América, o que representa que a equipe tem cada vez mais fazendo por merecer esse lugar entre os grandes, não só pelos títulos e disputas recentes, mas principalmente pela consistência histórica que se faz ainda mais importante.
Portanto, mais uma vez, gostaria de reiterar que esse texto não possui a intenção de definir quem são, de fatos os “grandes clubes” da Colômbia ou de qualquer outro país. Porém, se com critérios críticos estabelecidos for realizada uma lista dessa natureza em terras colombianas, o Deportes Tolima, pelos pontos já aqui assinalados, cada vez mais pede passagem para, também, ser considerado um dos gigantes do futebol em seu país.
RUIZ BONILLA, Guillermo. La gran historia del fútbol profesional colombiano: 60 años de logros, hazañas y grandes hombres. Bogotá: Ed. DAYSCRIPT, 2008.
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Na última semana, uma triste notícia chamou a atenção na Colômbia: um deslizamento de terra ocorrido na cidade de Pereira, segundo informou o periódico “El Tiempo”, deixou 17 mortos e mais dezenas de feridos.
A cidade de Pereira é a capital do departamento de Risaralda que, junto com os departamentos vizinhos de Caldas e Quindío, compõem a região conhecida como “Eje cafetero”, marcada historicamente pela grande produção de café realizada nesses espaços.
Dentre outras, uma das consequências desse ocorrido foi o adiamento da partida entre Deportivo Pereira e Once Caldas, também conhecida como “El Clásico Cafetero”, pela 5ª rodada do Campeonato Colombiano de futebol. O clássico da região não foi realizado em respeito às vítimas dessa tragédia ocorrida no último dia 8 de fevereiro. Mas daí, fica uma pergunta: você conhecia essa rivalidade do mundo futebolístico colombiano?
Quando falamos dos grandes clássicos do país, alguns jogos já logo surgem em nossas mentes: América x Deportivo Cali, “El Clásico Vallecaucano” de Cali; Atlético Nacional x Independiente Medellín, “El Clásico Paisa” de Medellín; Millonarios x Independiente Santa Fe, “El Clásico Bogotano” da capital Bogotá; ou mesmo Junior Barranquilla x Unión Magdalena, “El Clásico Costeño” da região do caribe colombiano.
Porém, diferente dos citados acima, “El Clásico Cafetero” possui uma particularidade: é composto pelos confrontos de três equipes: Once Caldas, de Manizales, capital de Caldas; Deportivo Pereira, de Pereira, capital de Risaralda; e Deportes Quindío, de Armenia, capital de Quindío. Assim, os jogos que marcam o encontro de duas dessas três agremiações, como foi no caso da partida adiada entre Deportivo Pereira x Once Caldas, levam o nome de “Clásico Cafetero”, pois representam as principais equipes de cada um dos departamentos que fazem parte da região do “Eje cafetero”.
Das três agremiações, inegavelmente, o Once Caldas é aquela que alcançou o maior sucesso. Com quatro títulos colombianos em sua história, sendo um nos primórdios do profissionalismo em 1950, quando venceu com o nome de Deportivo Caldas (que, em fusão com o Once Deportivo em 1961, se tornaria a partir de então o “Once Caldas”), a equipe alcançou sua glória máxima ao vencer a Copa Libertadores da América em 2004, batendo o poderoso Boca Juniors na final de forma surpreendente. Se tornou naquele ano o segundo clube colombiano campeão da maior competição de clubes de futebol da América do Sul (o outro é o Atlético Nacional, campeão em 1989 e 2016).
Essa conquista elevou o patamar do Once Caldas, que passou a figurar na lista de “grandes clubes do país”, antes marcada pelos sete maiores dos clássicos já aqui sinalizados (América e Deportivo em Cali; Medellín e Nacional em Medellín; Millonarios e Santa Fe de Bogotá; e Junior de Barranquilla). As principais conquistas da história do Once Caldas são os quatro títulos colombianos (1950, como Deportivo Caldas, 2003-I, 2009-I e 2010-II), tal como a Copa Libertadores de 2004. Por pouco a equipe não se tornou campeã mundial, tendo na final da Taça Intercontinental de 2004 empatado em 0x0 com o Porto, de Portugal, sendo derrotada apenas nos pênaltis por 8×7. Em 2005, foi também vice-campeã da Recopa Sul-Americana, ao perder por 3×1 para o próprio Boca Juniors que havia derrotado no ano anterior. Desde então, o Once Caldas vive altos e baixos no futebol colombiano, mas se mantém na primeira divisão do país, tendo conseguido escrever definitivamente seu nome na história como um dos clubes mais vitoriosos da Colômbia.
Se não conseguiu alcançar o mesmo patamar de títulos e grandes disputas que o rival Once Caldas, o Deportivo Pereira, porém, também tem muita história pra conta. Clube histórico, fundado em 1944, esteve desde os primeiros anos marcando presença no campeonato profissional de futebol masculino na Colômbia, iniciado em 1948. A equipe disputa a competição desde 1949 e, apenas por onze oportunidades (entre 1998 e 2000, tal como entre 2012 e 2019), esteve na segunda divisão. Já soma mais de 70 participações na Primera A colombiana. Apesar de nunca ter alcançado um título nacional de maior expressão, o Deportivo Pereira acumula boas participações em importantes competições no país. Em três oportunidades foi 3º colocado no Campeonato Colombiano (1952, 1962 e 1966) e, mais recentemente, foi vice-campeão da Copa Colombia, em 2021, perdendo a final para o Atlético Nacional. Além disso, em três ocasiões venceu a Primera B, a segunda divisão do país (2000, 2019-I e 2019-II).
Para fechar o trio de clubes que representam “El clásico cafetero”, temos a também histórica equipe do Deportes Quindío. Fundada em 1951, atualmente joga a Primera B, após ser rebaixada em 2021. Mas no geral, sempre marcou uma maior presença na primeira divisão: esteve por 75 vezes disputando o principal campeonato nacional do país, enquanto em apenas nove oportunidades jogou a Primera B (em 2000, entre 2014-2021-I, tal como agora em 2022). Além disso, foi campeão colombiano no longínquo ano de 1956, glória que muito orgulha seus torcedores. Foi também vice em outras duas oportunidades em 1953 e 1954, o fim do período El Dorado. Na segunda divisão, venceu o torneio no ano de 2001, tendo sido vice em 2014 e 2021-I.
Ainda não há uma nova data para a realização da partida entre Deportivo Pereira e Once Caldas. O luto na região cafeteira ainda é grande. E partidas contra o Deportes Quindío serão ainda mais raras por hora, já que a equipe está disputando a segunda divisão no momento. Todavia, o histórico que tais equipes alcançaram em décadas de existência, valorizam suas respectivas trajetórias, assim como a rivalidade construída e a própria região do “Eje cafetero”, que sem dúvidas vai necessitar mais do que nunca da união de todos para se recuperar da tragédia que abalou toda a Colômbia na semana passada.
REFERÊNCIAS
RUIZ BONILLA, Guillermo. La gran historia del fútbol profesional colombiano: 60 años de logros, hazañas y grandes hombres. Bogotá: Ed. DAYSCRIPT, 2008.
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No texto de hoje, irei problematizar alguns dos olhares lançados por Maria Montessori na obra “Da Infância à Adolescência”, acerca de uma ideia de inclusão das atividades físicas e da educação do corpo no processo de desenvolvimento das crianças e adolescentes. De forma mais específica e tendo como base os olhares da autora, abordarei a importância do escotismo como modelo de inclusão na educação escolar, para uma proposta que se relacione com o desenvolvimento autônomo, livre e plural de crianças, adolescentes e jovens, fatores fundamentais na metodologia montessoriana.
Maria Montessori. Foto: Lara Montessori.
Esse pequeno artigo está inserido no projeto maior de pós-doutorado intitulado “Educação do corpo em Maria Montessori: uma análise histórica, prática e metodológica (1909-1950)”, que estou desenvolvendo no âmbito da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FE/UFRJ). Trata-se de uma investigação que tem por objetivo analisar historicamente, entendendo as obras de Maria Montessori enquanto fontes, as possíveis contribuições da autora para a construção de um caminho que se relacione com o ensino da educação física e da cultura corporal.
Antes de destacar os olhares com base nas questões aqui propostas, é válido realizar uma pequena introdução acerca de pontos importantes que se relacionam com o método montessori. Assim, destacar quem foi a autora e a base de sua pedagogia científica, se faz importante, notadamente para o leitor que ainda não se deparou com a temática até esse presente momento.
Maria Tecla Artemisia Montessori nasceu em 31 de agosto de 1870 (Chiaravella, Itália), tendo falecido em 06 de maio de 1952 (Noodwijk aan Zee, Holanda). Nascida na Itália recém unificada, Montessori viveu sua infância e adolescência em um país ainda jovem, no que se diz respeito a formação de seu Estado-nação. Antes de adentrar profissionalmente no campo da Educação, fez cursos técnicos na área de Engenharia e se graduou em Medicina, tendo se especializado no campo da Psiquiatria médica.
Após começar a estudar a rotina de crianças em suas atuações médicas, cursou Pedagogia e iniciou o processo investigativo que posteriormente culminaria na construção de sua metodologia científica difundida mundialmente e que se tornaria um contraponto à educação tradicional. Atuando na área de psiquiatria, começou a reconhecer o poder da educação enquanto ferramenta de modificação do ser social, observando o tratamento inadequado que era dado a crianças em asilos e orfanatos.
No aprofundamento de sua pedagogia, separou o desenvolvimento dos seres humanos, a partir de suas observações criteriosas, em quatro planos de desenvolvimento:
. 1º plano: 0 a 6 anos
. 2º plano: 6 a 12 anos
. 3º plano: 12 a 18 anos
. 4º plano: 18 a 24 anos
Na base de sua metodologia no âmbito escolar, Montessori definiu a separação das crianças e adolescentes em classes agrupadas, normalmente por três anos. Nesses agrupamentos, os conhecimentos seriam distribuídos pelos campos da “Educação Cósmica”, “Educação como ciência” e “Autoeducação”, sendo o encontro com a vida autônoma, a coletividade e as atividades físicas, alguns dos pilares a serem no método analisados.
A passagem do segundo para o terceiro plano, se torna importante para pensarmos o desenvolvimento social dos indivíduos, para além de seus avanços cognitivos. Por isso, fatores como a construção da autonomia, do caráter e de preceitos morais, aparecem na obra “Da Infância à Adolescência”, onde a autora destaca exatamente alguns dos processos inerentes a esses dois planos.
Entendendo o livro aqui problematizado como uma fonte histórica, é válido destacar que ele explicita olhares e pensamentos da autora, de acordo com seu contexto de publicação original (foi lançado em 1948). Portanto, mesmo se tratando de uma obra que propõe difundir parte da metodologia desenvolvida por Montessori, sendo aplicada até os dias atuais, é importante fazer tais ressalvas, para assim evitarmos possíveis anacronismos ou análises rasas.
A perspectiva da pedagogia montessoriana, ao contrário de determinar um caminho pré-definido a ser seguido, tem como base a construção de um cenário de desenvolvimento autônomo do indivíduo, prezando pelo respeito, a pluralidade e o relativismo cultural.
Por isso, estabelecer uma relação que extrapole os muros da escola, possibilita a consolidação de contatos sociais necessários para o desenvolvimento das crianças, adolescentes ou jovens. Assim, se concretiza um espaço a ser ocupado de forma consciente pelos indivíduos em desenvolvimento. Esse contato colabora diretamente para o pleno avanço de suas respectivas personalidades, onde um espaço fechado ou já determinado, seria um grande limitador (MONTESSORI, 2006, p. 18). A autora compara o espaço social a ser ocupado pelos jovens com uma teia de aranha:
Igualmente, a teia da aranha ocupa um espaço bem maior que o próprio animal. E é essa teia que representa seu campo de ação, prendendo os insetos que a encontram. […] Da mesma forma que essa teia, o espírito da criança se constrói de acordo com um plano exato; e essa construção abstrata lhe permite alcançar o que se passa em seu campo, fora de seu limite inicial.
[…]
De acordo com a criança viva, numa civilização simples ou num mundo complicado, sua teia será mais ou menos vasta e lhe permitirá atingir mais ou menos objetivos (MONTESSORI, 2006, p. 19 e 20).
Portanto, estabelecer um processo educacional que valorize a interação social, o contato com o mundo e o conhecimento autônomo do mesmo, é aquilo que defende a autora, pois “uma educação que consiste em corrigir a criança, ou a fazê-la aceitar a supressão do que constitui verdadeiramente sua existência, é uma educação que leva a criança a uma anomalia”(MONTESSORI, 2006, p. 20).
Montessori destaca a importância do escotismo como alternativa complementar ao que é produzido na vida escolar, ou como possibilidade de inclusão parcial de suas atividades no âmbito das escolas montessorianas (como, por exemplo, na realização de acampamentos ou trabalhos de campo). Para a autora, trata-se de um exemplo interessante por promover na extensão da escola uma vida pautada na organização, autonomia e respeito, com base nas atividades físicas, na coletividade e na interação social (MONTESSORI, 2006, p. 20 e 21).
Como definido na página Escoteiros do Brasil, “O Escotismo é um movimento de educação não formal, que complementa os esforços da família, escola e outras instituições e se propõe a oferecer atividades progressivas, atraentes e variadas, respeitando as diferentes fases de desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens, considerando as particularidades do seu desenvolvimento” (https://escoteiros.org.br/beneficios-do-escotismo/).
Foto: Portal Escoteiros do Brasil.
Montessori destacava o quanto, dentro de uma perspectiva social, o escotismo poderia ser um modelo extracurricular a ser, de alguma forma, inserido no âmbito das escolas. Assim, o desenvolvimento moral dos jovens ocorreria de forma plena, plural e coesa. Destaca a autora que:
Se o escotismo obteve sucesso, é porque ele trouxe princípios morais na reunião de crianças. Ele valoriza o que se deve e o que não se deve fazer. E as crianças que aderem a esses grupos não fazem, geralmente, o que lhes é proibido no escotismo. Há aí uma atração que se torna ponto de partida: nascimento da dignidade (MONTESSORI, 2006, p. 25).
Esse caminho faz com que se desenvolva diferentes formas de interação e separa o simples “passeio escolar” de um projeto que se relacione com um trabalho de campo ativo. O “sair apenas por sair” se torna algo passivo, não necessariamente garantindo o capital cultural esperado aos alunos. Enquanto isso, a saída com participação, tarefas e afazeres, se faz diferente, caracterizando assim um passeio ativo (MONTESSORI, 2006, p. 25).
É nesse olhar que o diálogo com o escotismo aparece como um possível processo de desenvolvimento das crianças socialmente. Como destaca a autora, o escotismo promove uma ampla reunião de crianças, onde essas solicitam suas adesões socialmente, sendo a mesma sociedade onde se propõe um possível caminho moral. Assim, “a criança pode passear ou recusar; nenhum professor a obriga a entrar nessa sociedade; mas é de espontânea vontade que ela deve obedecer aos princípios se deseja fazer parte dela” (MONTESSORI, 2006, p. 26).Percebe-se aí, um verdadeiro processo de desenvolvimento da autonomia, fator fundamental na cultura dos escoteiros e que, na metodologia montessoriana, se faz essencial desde os primórdios do primeiro plano da vida humana. Explicita a autora que
Os escoteiros se impõem, então, uma regra de vida cuja dificuldade e dureza ultrapassam o que se creria de ser suportado por crianças dessa idade. Assim, as longas caminhadas, as noites ao ar livre, a responsabilidade de seus próprios atos, o fogo, os campos… representam um conjunto de esforços coletivos. O princípio moral que se encontra na base precisa de uma adesão do indivíduo: é a adesão do indivíduo à sociedade. E isso é essencial (MONTESSORI, 2006, p. 27).
A partir disso, admita-se relacionar essa proposta montessoriana com a construção de uma autonomia que se fortalece a partir do contato com a natureza, as atividades físicas, o trabalho coletivo e na terra. É a explicitação plena daquilo que Montessori classificou como um dos pilares de seu método pedagógico, a Educação Cósmica, que conglomera diferentes conhecimentos que vão desde as Ciências da Natureza até às humanidades, passando por uma ideia de vida prática. Assim sendo, como destaca, “falar da vida do homem na superfície do globo é ensinar História” (MONTESSORI, 2006, p. 51).
Esse contato com a natureza fortalece, também, o lado social dos indivíduos. “Trabalhar na terra” é para Montessori, antes de tudo, esse encontro entre natureza, seres humanos e cultura, indispensável para a consolidação de uma sociedade mais justa e progressista. Sem ser anacrônico, já que como destacado a obra original foi escrita em 1948, é plenamente possível afirmar que tais inquietações e propostas se aplicam de forma possível na atualidade. Infere Montessori que,
Reforcemos sobre os trabalhos práticos (com a terra, os gases etc.). Façamos a criança participar de algum trabalho social; ajudemo-la, intelectualmente, através dos estudos, a penetrar o trabalho do homem na sociedade, a fim de desenvolver nela essa compreensão humanitária e essa solidariedade que faltam tanto hoje em dia.
[…]
Nessa batalha feroz em que a vida social se transformou, o homem tem necessidade, além de sua coragem, de um caráter forte e de uma percepção rápida. Torna-se indispensável ao mesmo tempo reforçar seus princípios por um roteiro moral, e desfrutar de capacidades práticas, para fazer face às dificuldades da vida (MONTESSORI, 2006, p. 111 e 113).
Nessa perspectiva, Montessori destaca também o quanto o processo da educação do corpo, notadamente a partir de atividades físicas e/ou esportivas, fazem parte dessa caminhada. A autora, ao analisar o tema no contexto em questão, marcado ainda por ser um período em que os debates acerca do ensino da Educação Física passavam muitas das vezes por um olhar militarista ou eugênico, destaca que
Há pouco tempo, introduziam-se os esportes ao ar livre na educação, para serem oferecidos exercícios físicos aos jovens que viviam fechados e sedentários; hoje o que se sente é a necessidade de uma educação mais dinâmica do caráter e de uma consciência clara da realidade social.
[…]
uma existência ao ar livre, cuidados individuais, uma alimentação saudável, devem ser as primeiras condições para a organização de um centro de estudos e de trabalho (MONTESSORI, 2006, p. 115 e 126).
Assim, percebe-se que as discussões inseridas em uma proposta de “vida saudável”, relacionadas diretamente com o trabalho na terra, a socialização, o contato com a natureza, a boa alimentação, o olhar coletivo e, também, as atividades físicas, são pontos que Montessori destacou como imprescindíveis no desenvolver do ser humano, sendo o escotismo uma exemplificação de proposta que pode ser ampliada para os espaços escolares, notadamente no período em que a autora classifica como sendo o segundo plano de desenvolvimento (que vai aproximadamente dos 6 os 12 anos).
Referências:
MONTESSORI, Maria [1948]. Da Infância à Adolescência. Tradução: Sonia Maria Alvarenga Braga. Rio de Janeiro: Zig Editora, 2006.
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Nos últimos tempos, muito tenho sido perguntado sobre algumas curiosidades acerca do futebol colombiano, tema que pesquiso dentro de uma perspectiva histórica há mais de uma década. Uma das perguntas que mais realizam é: quais são os maiores clubes de futebol na Colômbia? Aqueles que são considerados “grandes”?
Desde já destaco que a definição daquilo que vamos entender como grandes ou não, pode variar bastante de acordo com os critérios adotados. Vários são os fatores e argumentos que consolidam um determinado padrão de grandeza para um determinado clube. Conquistas, torcida, grandes jogadores, ídolos marcantes, tradição histórica, consistência em competições importantes, entre outros, são alguns desses parâmetros que podem ser utilizados para uma possível reflexão.
Na Argentina, por exemplo, costumou-se chamar de “os cinco grandes” as equipes do Boca Juniors, River Plate, Independiente, Racing e San Lorenzo. Mas a seleção de apenas cinco equipes como “grandes”, desconsidera outras gigantes agremiações do país, como os outros clubes campeões da Copa Libertadores da América, que são Estudiantes (que venceu a competição por quatro vezes!), Vélez Sarsfield e Argentinos Juniors. Newell’s Old Boys, Rosário Central e Huracán são outras equipes que, historicamente, reivindicam um lugar entre os “grandes” na terra de los porteños.
No Brasil, a nomenclatura de “clube grande” passou a ser definida, historicamente, para 12 equipes: quatro do Rio de Janeiro (Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco da Gama), quatro de São Paulo (Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo), dois de Minas Gerais (Atlético Mineiro e Cruzeiro) e dois do Rio Grande do Sul (Grêmio e Internacional). Mas ao mesmo tempo, outras equipes passaram a demandar um lugar simbólico e de direito entre os “grandes” do país, como o Atlético Paranaense (que nas últimas duas décadas alcançou conquistas importantes a nível nacional e internacional, fora o fortalecimento de sua marca extracampo), Bahia (fundador do Clube dos 13 e primeiro campeão nacional em 1959), Coritiba, Sport, entre outros.
Como vemos, os critérios e reivindicações para o alcance dessa alcunha de “clube grande”, além de muito diverso, varia de local para local. Daí, retornamos à nossa pergunta inicial: quais seriam as equipes que podemos chamar de grandes na Colômbia? Tendo como parâmetro os critérios “títulos”, “tradição histórica”, “torcida”, “ídolos” e “consistência”, entendo que podemos falar em oito grandes equipes colombianas: Millonarios e Independiente Santa Fe, da capital Bogotá; Atlético Nacional e Independiente Medellín, de Medellín; América e Deportivo Cali, de Cali; Atlético Junior, de Barranquilla; e Once Caldas, de Manizales, são as equipes que irei abaixo explicitar com mais detalhes.
Destaco, novamente, que a escolha dessas equipes não exclui a possibilidade de outros clubes também serem considerados “grandes”, em outras análises e por outros critérios. Todavia, me deterei a essas equipes para abaixo, em ordem alfabética e tendo como foco uma perspectiva mais factual e menos acadêmica, explicitar um pouco sobre a história de cada um dos referidos clubes.
O América, mais conhecido como América de Cali, é um clube fundado em 13 de fevereiro de 1927. Uma das maiores equipes do futebol da Colômbia, ganhou destaque principalmente na década de 1980, quando foi pentacampeão nacional seguida (1982-1986) e por três vezes, também seguidas, vice-campeão da Copa Libertadores da América (1985 a 1987, tendo tido um quarto vice da competição em 1995). No total, o clube de Cali conquistou o campeonato colombiano em quinze oportunidades, sendo o último em 2020. Empatado com o Millonarios, é o segundo clube com mais conquistas na história do campeonato nacional. Também foi por sete vezes vice-campeão colombiano.
Além disso, conquistou um título internacional, que foi a Copa Merconorte em 1999. Briga pelo posto de segunda maior torcida do país com o Millonarios de Bogotá, de acordo com a maior parte das pesquisas sobre o tema.
O auge da equipe nos anos 1980, se relacionou diretamente com um contexto que foi marcante naquela ocasião no futebol colombiano: a relação com o narcotráfico. Em outra oportunidade, na série de artigos que escrevi sobre “Futebol e narcotráfico na Colômbia”, problematizei as influências do Cartel de Cali no futebol do América. Mais diretamente, a participação dos irmãos Rodríguez Orejuela, Miguel e Gilberto, que investiram de diferentes maneiras, direta ou indiretamente, no futebol do clube em seu período mais vitorioso da história. Miguel, inclusive, foi um importante dirigente da agremiação.
É válido destacar, todavia, que a equipe do América permaneceu com grande centralidade no futebol do país mesmo depois das influências dos narcotraficantes. Dos seus quinze títulos nacionais, nove foram conquistados a partir de 1990, quando o investimento dos narcotraficantes já era menor e/ou inexistente. A equipe ainda passou por um difícil processo na última década, quando caiu para a segunda divisão do Campeonato Colombiano e por lá ficou entre 2011 e 2016, quando foi campeão da divisão inferior e retornou para a elite do futebol no país. Voltou a ser campeão nacional por duas oportunidades seguidas em 2019 e 2020, tendo disputado a fase de grupos da Copa Libertadores da América em 2021.
O Atlético Junior, também conhecido como Junior Barranquilla, é o clube de maior sucesso da região do caribe colombiano. Até hoje, já foi por nove vezes campeão do Campeonato Colombiano, tendo sido vice-campeão em outras dez ocasiões. É o quarto maior campeão da principal competição nacional (empatado com Deportivo Cali e Santa Fe). Também venceu a Copa Colômbia em duas ocasiões (2015 e 2017), assim como a Superliga da Colômbia (em 2019 e 2020). Em competições internacionais, apesar de até hoje não possuir títulos oficiais, já foi semifinalista da Copa Libertadores da América na edição de 1994, quando perdeu para o Vélez Sarsfield, da Argentina, que acabaria sendo o campeão naquela ocasião.
O clube foi fundado em 7 de agosto de 1924 e ficou famoso logo nos primórdios do Campeonato Colombiano, no período El Dorado (1948-1954), por ter sido nesse contexto que contou com grandes nomes do futebol brasileiro. Dentre eles, destaca-se a figura de Heleno de Freitas, ídolo do Botafogo, da seleção brasileira e que na ocasião jogava pelo Vasco. O período do El Dorado do futebol colombiano foi recentemente por mim problematizado em texto publicado no Ludopédio.Outros nomes do futebol brasileiro, como Mané Garrincha, também atuaram pelo Junior posteriormente, o que explicita a boa entrada de atletas brasileiros no clube de Barranquilla.
Na década atual, o Junior tem sido um dos clubes colombianos de maior sucesso a nível nacional e continental, tendo disputado edições seguidas de competições sul-americanas, seja a Copa Libertadores da América e/ou a Copa Sul-Americana.
Clube de futebol com maior torcida do país, e também o mais vitorioso da Colômbia, o Atlético Nacional, sem dúvidas, já se consolidou como um dos grandes de toda a América do Sul. Fundado em 7 de março de 1947 com o nome de Atlético Municipal, a equipe já alcançou feitos grandes, como o bicampeonato da Copa Libertadores da América (1989 e 2016), da Copa Interamericana (1989 e 2016) e da Copa Merconorte (1998 e 2000), além da conquista da Recopa Sul-Americana de 2017, que fecha seu currículo atual de títulos internacionais.
Nacionalmente, é o maior campeão colombiano da história com dezesseis conquistas, além de ter levantado também o caneco da Copa Colômbia por quatro oportunidades e da Superliga da Colômbia em outras duas ocasiões. Um verdadeiro gigante e papa títulos, que já alcançou também destaque sendo vice-campeão da Libertadores em 1995, da Copa Sul-Americana em 2002, 2004 e 2016, do antigo Mundial de Clubes em 1989, além do Campeonato Colombiano em outras onze ocasiões.
Porém mesmo sendo esse gigante no quesito conquistas, um dos maiores feitos e momentos da história do Atlético Nacional, ocorreu na verdade fora de campo. Em dezembro de 2016, a equipe decidia a Copa Sul-Americana com a Chapecoense, equipe brasileira que chegava em sua primeira final continental da história. Com o desastre aéreo que gerou a queda do avião da Chape e a morte de 71 pessoas, dentre essas a maior parte da delegação do clube brasileiro, os torcedores do Nacional (assim como de toda a Colômbia) realizaram um grande movimento de acolhimento à agremiação brasileira, tal como a todas as vítimas naquela ocasião.
Essa ação estreitou os laços entre o Brasil e a Colômbia, principalmente a partir das torcidas do Nacional e da Chapecoense, que se tornaram clubes irmãos desde então. Mesmo favorito para o confronto (o Nacional tinha sido campeão da Libertadores naquele ano e viria a vencer a Recopa, contra a própria Chapecoense, em 2017), o time colombiano foi gigante ao abrir mão da disputa em detrimento do time brasileiro, que honrosamente e merecidamente se tornou o campeão da Copa Sul-Americana naquela ocasião. E o posicionamento do Atlético Nacional, maior que qualquer título, valeu também o prêmio de Fair Play do ano concedido pela FIFA naquela ocasião, dentre outras honrarias. Um momento histórico e emocionante!
Histórico também foi a conquista da Copa Libertadores da América em 1989, quando o clube venceu seu primeiro título internacional. Muito dessa conquista é questionada até hoje, pelo possível envolvimento econômico do narcotráfico na formação daquela equipe, notadamente sob liderança de Pablo Escobar. Esse tema já foi por mim debatido em outro texto da série “Futebol e narcotráfico na Colômbia”.
O Deportivo Cali divide com o América a posição de grande clube na cidade de Cali, tendo sido fundado 23 de novembro de 1912. É a mais antiga de todas as equipes aqui retratadas, tendo atualmente 108 anos de existência. Foi campeão colombiano em nove oportunidades, sendo a última em 2015, o que deixa a equipe hoje com o quarto lugar de conquistas da competição (empatada com Junior e Santa Fe). Além disso, foi vice-campeão da principal competição nacional em outras quatorze edições. É também campeão da Copa Colômbia (2010) e da Superliga da Colômbia (2014).
Em nível internacional, apesar de não possuir conquistas oficiais, o Deportivo Cali já alcançou considerável destaque, tendo sido por duas vezes vice-campeão da Copa Libertadores da América. Em 1978 perdeu a decisão para o argentino Boca Juniors, enquanto em 1999 foi vice decidindo com o Palmeiras. Foi, na ocasião da decisão com o Boca, o primeiro clube colombiano a chegar em uma final da Copa Libertadores. Também foi vice da extinta Copa Merconorte, em 1998, quando perdeu para o Atlético Nacional em uma final colombiana.
Historicamente o Deportivo Cali ficou marcado pela constância, já que venceu campeonatos nacionais em quase todas as décadas desde os anos 1960. A exceção foi a década de 1980, que curiosamente foi o período de auge do seu maior rival América, na época marcada pela presença do narcotráfico. É válido destacar que, antes de investirem no futebol do América, os irmãos Rodríguez Orejuela tentaram adentrar no Deportivo, mas foram barrados, principalmente, por Álex Gorayeb, como também retratei em texto anteriormente citado.
Atualmente a equipe se mantém entre as principais do país, disputando os grandes campeonatos e buscando retornar as conquistas para, assim, disputar com mais regularidade as competições internacionais. Nos últimos anos, tem sido presença marcante na Copa Sul-Americana, mas não disputa uma edição da Copa Libertadores da América desde 2016.
Fundado em 14 de novembro de 1913, o Independiente Medellín, também conhecido somente como “Medellín” no âmbito local, é a segunda agremiação mais antiga das oito aqui pesquisadas, com 107 anos. Maior rival do Atlético Nacional na cidade de Medellín, já conseguiu até hoje vencer o campeonato nacional em seis ocasiões, sendo a última no ano de 2016. É o sétimo clube colombiano com mais conquistas do campeonato nacional. Em outras dez oportunidades, ficou com o vice-campeonato. Foi campeão da Copa Colômbia em duas ocasiões, 1981 e, mais recentemente, 2019.
Internacionalmente, até hoje, a equipe do Independiente de Medellín não conseguiu nenhuma conquista oficial. Todavia, já conglomera algumas boas participações em Copas Libertadores da América e Sul-Americana. Na libertadores, por exemplo, foi semifinalista em 2003, tendo sido eliminado para o Santos naquela ocasião.
A equipe ficou marcada, no período do investimento do narcotráfico no futebol, por ser o clube que assumidamente torcia Pablo Escobar, chefe maior do cartel de Medellín. Além disso, foi após um confronto entre América de Cali e Independiente Medellín, em 1989, que o árbitro Álvaro Ortega foi assassinado, fato que problematizei em outra ocasião anteriormente.
Pelo bom desempenho e constância em competições nacionais nos últimos anos, o Independiente Medellín tem sido presença marcante nos torneios internacionais da América do Sul na atualidade, tendo nos últimos cinco anos participado da Copa Libertadores da América em três ocasiões (2017, 2019 e 2020) e da Copa Sul-Americana em outras três (2016, 2017 e 2018).
O Independiente Santa Fe é, junto com o Millonarios, um dos representantes de Bogotá, capital do país, nessa lista dos maiores clubes colombianos. A equipe, que foi fundada em 10 de agosto de 1938, foi a primeira agremiação a se sagrar campeã colombiana, na edição de estreia do campeonato nacional organizado pela Dimayor, em 1948.
Naquela ocasião fez frente com outras grandes equipes e, principalmente, com o grande esquadrão montado por seu rival Millonarios, que se consolidaria como o maior campeão do período El Dorado (1948-1954), quando nos primórdios do futebol no país vários craques estrangeiros foram atuar na Colômbia.
Além da conquista nacional no campeonato pioneiro, o Santa Fe foi também campeão em outras oito oportunidades do Campeonato Colombiano, somando no total nove títulos. Empatado com Junior e Deportivo Cali, ocupa o quarto lugar no ranking de maiores campeões da competição. Ficou com o vice-campeonato em outras seis oportunidades. Nacionalmente, venceu também duas edições da Copa Colômbia (1989 e 2009) e três da Superliga da Colômbia (2013, 2015 e 2017). Internacionalmente, já conseguiu alcançar a semifinal da Copa Libertadores da América em duas oportunidades (1961 e 2013).
Foi campeão da Copa Sul-Americana em 2015 e da Copa Suruga Bank em 2016, além de vice da Recopa Sul-Americana em 2016 (final contra o River Plate), da Copa Merconorte em 1999 (final colombiana contra o América de Cali) e da Copa Conmebol em 1996 (final contra o Lanús).
Atualmente a equipe se mantém consistente nas competições nacionais, tendo sempre chegado a decisões e/ou alcançados títulos (a última conquista do Campeonato Colombiano foi em 2016), o que a credencia para disputar as diferentes competições internacionais, como a Copa Libertadores da América, onde marcou presença na fase de grupos da atual edição de 2021.
O Millonarios, de Bogotá, é para muitos o primeiro grande clube do futebol colombiano, já que nos primórdios do campeonato, na fase do El Dorado, marcou época com uma equipe recheada de grandes craques, como Di Stéfano, Pedernera e Néstor Rossi, o que fez com que conquistasse quatro dos seis primeiros campeonatos disputados naquela ocasião (1949, 1951, 1952 e 1953).
No total, a equipe já venceu quinze campeonatos colombianos, sendo o segundo maior campeão junto do América de Cali. Também foi vice-campeão da competição em outras nove oportunidades. Venceu a Copa Colômbia em três ocasiões (1953, 1963 e 2011) e a Superliga da Colômbia uma vez (2018).
No cenário internacional, foi campeão da Copa Merconorte em 2001, sendo até hoje essa a única conquista internacional do clube oficialmente. Em compensação, coleciona diversas participações na Copa Libertadores da América e demais competições sul-americanas. Na principal competição de clubes do continente, foi semifinalista em 1960, 1973 e 1974. Também foi vice-campeão da Copa Merconorte em 2000, perdendo a final para o rival Atlético Nacional. Em competições não oficiais, é muito valorizado dentro do clube o título da “Pequena Copa do Mundo” em 1953, competição de caráter intercontinental realizada na Venezuela e que possuía gigantesca relevância naquele cenário, assim como outros torneios que envolviam clubes de diferentes países, como a Copa Rio, o Torneio de Paris, o Troféu Triangular de Caracas, entre outros. Também foram campeões da Pequena Copa do Mundo, clubes como Real Madrid, Barcelona, Corinthians e São Paulo.
O auge do Millonarios foi, exatamente, no período El Dorado, que pode ser melhor compreendido a partir do texto que escrevi recentemente no Ludopédio. A equipe comandada por Pedernera e Di Stéfano, liderou o período da liga pirata colombiana na fase em questão. Foi em uma partida do Millonarios contra o Real Madrid em 1952, vencida pelos colombianos por 4×2 em pleno Santiago Bernabeu e com dois gols do craque argentino, que os madrilenhos se interessaram pela contratação do atleta. Iniciou-se ali uma disputa entre Real Madrid e Barcelona pela aquisição dos direitos do jogador. A priori, Di Stéfano jogaria um período em cada clube. Porém, no fim, e muito pelas influências do então ditador Franco no poder (muito ligado ao Real Madrid e contrário à Catalunha, onde o Barcelona exercia papel de resistência ao seu governo), o jogador fez carreira apenas no clube da capital espanhola. O resto, é história!
Depois de passar longos anos sem conquistas do campeonato nacional, de 1988 a 2012, o Millonarios voltou aos trilhos na atual década. Muitos torcedores questionaram, inclusive, alguns de seus títulos, como os de 1987 e 1988, devido a influência possível do narcotráfico na injeção de dinheiro na equipe, tema que também problematizei em outra ocasião. Desde então, a equipe venceu dois campeonatos colombianos (um em 2012 e outro em 2017) e tem marcado presença frequente nas competições internacionais.
Última equipe aqui retratada, mas não menos importante, o Once Caldas é o único clube colombiano que conseguiu a façanha de ser campeão da Copa Libertadores da América, além do Atlético Nacional. Em 2004, a equipe eliminou a partir das oitavas, os favoritos Barcelona de Guayaquil, Santos e São Paulo, para assim chegar na decisão e ser campeão batendo o gigante e então atual campeão, Boca Juniors. Se tratou de uma conquista inédita e inesperada, porém muito valorizada e festejada.
Além do título da Copa Libertadores da América, internacionalmente a equipe foi vice-campeã da Recopa Sul-Americana e da Copa Intercontinental (antigo Mundial de Clubes), ambos em 2004, perdendo as decisões respectivamente para Boca Juniors e Porto. A decisão do mundial foi, inclusive, a última antes da competição passar a ser organizada definitivamente pela FIFA a partir de 2005 (antes, a federação havia organizado apenas uma edição esporádica, em 2000 no Brasil).
No âmbito nacional, o Once Caldas possui quatro títulos do Campeonato Colombiano, alcançado nos anos de 1950, 2003, 2009 e 2010. Foi também vice-campeão em 1998 e 2011, assim como vice da Copa Colômbia em duas ocasiões: 2008 e 2018. É o oitavo clube com mais conquistas na história do Campeonato Colombiano.
Uma curiosidade é que o título de 1950 foi conquistado por outra agremiação, na verdade: o Deportes Caldas, fundado em 16 de abril de 1947, foi o terceiro campeão da história da competição, ainda no período El Dorado. Naquela ocasião, a cidade de Manizales possuía dois clubes que a representava desde o surgimento da liga profissional da Dimayor, em 1948. Além do Deportes Caldas, o Once Deportivo também era da região de Caldas, departamento onde ambas as agremiações estavam inseridas. Os dois clubes também foram descontinuados nos anos 1950. Todavia, no final dessa década, ocorreu um movimento que idealizou o retorno do clube Deportes Caldas. Considerando a trajetória das duas agremiações de Manizales, ocorreu ali uma fusão: Deportes Caldas e Once Deportivo viraram, a partir de 16 de janeiro de 1961, o Once Caldas, que passou a representar a cidade desde então como sua principal equipe. O resultado alcançado pelo Deporte Caldas, campeão em 1950, passou também a ser reconhecido como título oficial do Once Caldas.
Atualmente o Once Caldas não vive seu melhor momento no que se refere a conquista de títulos, estando desde 2011 sem ganhar um troféu. Esporadicamente, ainda sim consegue vagas para a disputa de competições internacionais, como a Libertadores de 2015 e a Sul-Americana de 2019, últimas edições em que esteve presente, buscando assim alcançar novamente os feitos dos dias de glória de 2004.
Portanto, busquei aqui sintetizar com uma espécie de “pequeno almanaque”, um pouco da história dos principais clubes de futebol da Colômbia. Todas as oito equipes (se considerarmos o Deportes Caldas, no caso do Once Caldas), estiveram presentes na liga fundadora do futebol colombiano, em sua primeira edição da competição em 1948. Todavia, nada impede que essa lista dos “grandes”, pelos critérios já apresentados no início deste texto, possa ser aumentada ou modificada, já que outras relevantes equipes que alcançaram saltos expressivos nas últimas décadas duas décadas, como por exemplo Deportes Tolima, La Equidad, Cúcuta, Deportivo Pasto, entre outras, podem vir a reivindicar um espaço nesse seleto grupo.
Comentários desativados em Os grandes clubes do futebol colombiano: um pequeno almanaque | História do Esporte | Link permanente Escrito por Eduardo Gomes
No último dia 25 de novembro de 2020, o mundo do futebol foi surpreendido pela notícia da morte de Diego Armando Maradona, o maior ídolo do esporte na Argentina. Apesar de já ter passado por diferentes problemas de saúde outrora, a visão quase mitológica acerca do craque argentino era a de que, apesar de tudo, no final ele sempre resistiria e prosseguiria. Dessa vez, no entanto, foi diferente.
Maradona passava por complicações de saúde diversas nos últimos anos, tendo ido a óbito devido um “edema agudo de pulmão secundário a insuficiência cardíaca crônica exacerbada”, segundo a autópsia.
Sua morte, sem dúvida alguma, marcou negativamente o mundo do futebol, em um ano já extremamente complicado e tomado por incertezas, como foi 2020. E mais do que a repercussão global, a morte de Dieguito deixou principalmente órfãos todos os seus fãs em sua terra natal, onde é idolatrado, literalmente, como um Dios.
Maradona alcançou o status de maior ídolo argentino no esporte, tal como um dos maiores símbolos da história do país. Sua história de percalços, problemas com drogas e indisciplinas, só caracterizam ainda mais essa idolatria, típica da trajetória dos grandes heróis. É o “mais humano dos deuses”, como outrora disse o também gigante Eduardo Galeano.
Não há discussão no país acerca de quem é o maior ídolo argentino na história do futebol. O debate acerca do melhor jogador, ainda continuará por anos. Entre os mais antigos, muitos apontam Alfredo Di Stéfano como o melhor argentino na história do futebol. Para muitos outros, no contexto presente, é indiscutível que Lionel Messi teria superado Diego como o melhor hermano na história do esporte bretão. Porém, para além de fatores do campo (onde Maradona é o único dos três que, até hoje, venceu uma Copa do Mundo pela seleção argentina), o fato de tanto Di Stéfano quanto Messi terem consolidado suas respectivas carreiras na Espanha, atuando respectivamente por Real Madrid e Barcelona, fez com que se afastassem da posição de idolatria e grandeza alcançada por El Pibe em terras argentinas.
Diego Maradona beijando a taça da Copa do Mundo, após conquistá-la em 1986 no México. Foto: Reprodução.
Tudo bem, Maradona também rodou. Passou anos na Europa, entre Espanha e Itália, onde atuou por Barcelona, Sevilla e Napoli, esse último onde teve seu auge na carreira em clubes. Mas foi seu desempenho pela seleção nacional, mais especificamente na Copa do Mundo de 1986, que o fez passar da prateleira de grandes ídolos para se tornar um verdadeiro “Dios” para o povo argentino.
O cenário exposto naquele contexto, valoriza tal conquista e justifica tal adoração. Anos antes do mundial, em 1982, a Argentina havia sido derrotada na Guerra das Malvinas para o Reino Unido, o que resultou na morte de mais de 600 soldados argentinos e na perda do território e da soberania nas Ilhas Malvinas. Esse conflito deixou grandes complicações na Argentina daquele contexto, tendo baixado a moral de seu povo ao verem a derrota bélica se consolidando para os britânicos.
Com tudo isso exposto, a vitória da Copa de 1986 teve um sabor especial. Tudo porque nas quartas de final, a Argentina eliminou a Inglaterra ao vencer pelo placar de 2×1, tendo Maradona anotado os dois gols. Mas não foram quaisquer gols. Em um dos tentos, Maradona usou a mão para marcar. Em tempos que não existia o VAR, o gol foi validado e batizado como “La mano de Dios” pelos torcedores. Depois, o craque ainda fez aquele que para muitos é considerado o gol mais bonito da história das copas, driblando meio time da Inglaterra e anotando a vitória para os argentinos.
Mesmo sabendo que o sucesso em campo não recuperaria o que outrora havia sido perdido na guerra, a vitória, pelo menos, lavou a alma dos argentinos. A partir dali, Diego saia do patamar de humano para o povo de seu país, entrando no panteão dos deuses. Na mesma edição do torneio realizado no México, ainda lideraria a equipe nas vitórias contra a Bélgica, na semifinal, e Alemanha Ocidental, na decisão, para assim garantir o segundo título mundial da Argentina na história, após a primeira conquista em 1978.
“La mano de Dios“, foi como ficou batizado o primeiro gol de Maradona nas quartas de final contra a Inglaterra em 1986. Foto: Reprodução
Anos se passaram e o cenário pós-1986 foi marcado por altos e baixos na vida pessoal e profissional de Maradona. Grandes feitos pelo Napoli e uma nova decisão de Copa em 1990 (dessa vez sendo derrotado na Itália pela mesma Alemanha Ocidental) caracterizaram seu ápice, enquanto problemas extracampo com o uso de drogas e suspensões por questões de doping, como a ocorrida no calor da Copa do Mundo de 1994 nos Estados Unidos, após confronto dos argentinos contra a Nigéria, marcaram a trajetória do craque, que transitava para seus fiéis torcedores entre a posição de divindade e humano, até o fim de sua carreira.
Maradona foi pego no exame antidoping após o jogo contra a Nigéria pela fase de grupos da Copa do Mundo de 1994. Foto: Reprodução.
E foi inspirado nessa concepção divina do humano Maradona, que em 1998 um grupo de torcedores na cidade de Rosário, liderado por Hernán Amez, fundou a Igreja Maradoniana. A concepção de Diego Maradona como o profeta de uma religião é tão grande que seus seguidores afirmam ter um calendário próprio, contado a partir do nascimento do craque em 30 de outubro de 1960. Hoje, por exemplo, estamos no ano 60 DD, ou seja, “Depois de Diego”. Já os anos anteriores ao seu nascimento são classificados como “AD” (Antes de Diego). Além do calendário, Drumond e Pinto destacam, acerca da religião maradoniana, que:
Seus adeptos […] celebram duas datas festivas anuais. A primeira é no dia 22 de junho, celebrando o dia em que o jogador fez o gol contra a Inglaterra na Copa de 1986. A segunda seria o natal da Igreja (chamado de Natividad por seus membros), no dia 30 de outubro – dia do nascimento do jogador. Em uma reportagem para a Reuters, Alejandro Verón, co-fundador da Igreja, faz questão de dessacralizar a cerimônia do “natal maradoniano” do ano de 43 d.D, dizendo: “somos todos católicos romanos, nosotros tenemos un Dios de razón, el cual es Cristo, y un Dios del corazón, que es Diego”. Verón ainda afirma que a Igreja possui por volta de 20 mil pessoas “convertidas” através do sítio da Internet, possuindo “fiéis” por todo o mundo. […] Don Diego, como é conhecido, é uma fronteira viva entre o divino e pagão, entre o bem o mau. Jogador que foi personagem de diversos escândalos relacionados ao universo das drogas, conseguiu mobilizar e encantar milhões de pessoas com a sua genialidade dentro das quatro linhas. Notadamente na Argentina conseguiu muito mais, conseguiu transcender as fronteiras do futebol e atingir em cheio os corações e mentes argentinas (DRUMOND; PINTO, 2007).
A organização da Igreja se tornou cada vez maior no decorrer do tempo, tendo conglomerado fiéis por todas as partes do país e do mundo, com foco nos argentinos e amantes do futebol. Em tempos atuais, Amez, um dos fundadores da igreja, teria dado declarações afirmando que o número de fiéis hoje em dia ultrapassa os 250 mil. Mesmo sem a confirmação desses dados para a escrita deste texto, é inegável que o patamar alcançado pela religião já se faz maior do que o esperado quando foi iniciada em 1998.
Como toda crença, a Igreja Maradoniana segue a risca datas “sagradas”, tal como mandamentos específicos, como os dez estabelecidos e citados abaixo:
Os 10 mandamentos da Igreja Maradoniana:
A bola não mancha, como disse o D10S em sua despedida do Futebol, em 2001.
Amar o futebol acima de todas as coisas.
Declare seu amor incondicional por Diego e pelo bom futebol.
Defender a camisa argentina, respeitando o povo.
Espalhar os milagres de Diego por todo o universo.
Honrar os templos onde ele pregava e seus mantos sagrados.
Não proclame Diego em nome de um único clube.
Pregar os princípios da Igreja Maradoniana.
Tome Diego como segundo nome e dê-o a seu filho.
Não seja uma cabeça de garrafa térmica e não deixe a tartaruga escapar. (Em referência à uma das frases mais icônicas de Diego.
O advento da morte de Diego Maradona, em 25 de novembro de 2020, gerou uma comoção não antes vista entre os argentinos e, de forma mais específica, entre os seguidores da religião maradoniana. Os fiéis cantaram canções e fizeram orações públicas em nome do ídolo, como a que podemos ler abaixo:
“Eu acredito em Diego Futebolista Todo Poderoso, Criador de magia e paixão. Eu acredito em penugem, nosso D10s, nosso Senhor. Que foi concebido por obra e graça de Tota e Don Diego. Nascido em Villa Fiorito. Ele sofreu sob o poder de Havelange. Foi crucificado, morto e mal tratado. Suspenso das quadras. Cortaram-lhe as pernas. Mas ele voltou e ressuscitou seu feitiço. Estará dentro de nossos corações. para sempre e na eternidade. Eu acredito em espírito de futebol. A Santa Igreja Maradoniana, O golo para os ingleses, A canhota mágica, A eterna gambetta diablada, E em um Diego eterno. Diego.”
Como divulgado pelos fiéis, os seguidores da crença se reuniram ao redor do Obelisco, em Buenos Aires, para “agradecer que (Maradona) tenha baixado do céu há 60 anos e para desejar um bom regresso ao local a que pertence”, tendo na sequência seguido até o velório público, ocorrido na Casa Rosada. Veremos nos próximos meses como sobreviverá a crença maradoniana sem seu “Deus maior”, não mais vivo enquanto homem mas eternamente presente no coração e mente de todos os devotos que o seguem.
Multidão ignora a pandemia e se aglomera no dia de velório de Maradona. Foto: Ricardo Moraes/Reuters
Referências:
DRUMOND, Maurício; PINTO, Ricardo. A deificação de um ídolo: Maradona, entre o divino e o pagão. Lecturas Educación Física y Deportes, v. 113, p. n. 113, 2007.
Comentários desativados em O adeus ao profeta: Diego Maradona e o simbolismo da Igreja Maradoniana | História do Esporte | Link permanente Escrito por Eduardo Gomes
Entre 2016 e 2017, publiquei dois textos neste espaço tratando sobre as relações possíveis existentes entre o futebol e o narcotráfico na Colômbia dos anos 1980. Em uma primeira iniciativa, problematizei algumas questões relacionadas a participação (ou não) de Pablo Escobar no futebol em Medellín. Já em uma segunda oportunidade, avancei para destacar algumas das questões que se relacionaram à inserção do cartel de Cali, liderado pelos irmãos Rodríguez Orejuela, no futebol da cidade.
Ambos os textos são iniciativas introdutórias de um projeto maior que aos poucos estou desenvolvendo, buscando assim problematizar historicamente e com maior profundidade as relações existentes entre o futebol e o narcotráfico na Colômbia, notadamente nos anos 1980.
Por ocasião da realização de minha tese de doutorado, defendida em junho deste ano em meio à pandemia e onde desenvolvi uma pesquisa com outra temática relacionada à História do Esporte (um estudo comparativo dos Jogos do Centenário de 1922 no Rio de Janeiro e dos Jogos Bolivarianos de 1938 em Bogotá), as investigações sobre o objeto de estudo proposto aqui hoje tinham sido temporariamente interrompidas. Porém, tal projeto está aos poucos sendo retomado. Depois de passar por Medellín e Cali, abordarei neste texto um pouco das possíveis relações existentes entre o futebol e o narcotráfico na cidade de Bogotá, capital da Colômbia e sede de dois dos principais clubes de futebol do país, o Millonarios e o Independiente Santa Fe.
De forma mais específica, serão problematizadas as influências de José Gonzálo Rodríguez Gacha, conhecido como “El Mexicano”, no âmbito do Millonarios. Como materialização do auge dessa influência, podemos destacar os títulos colombianos vencidos pela equipe do Millonarios em 1987 e 1988, destacado por boa parte da imprensa do país como resultado do grande investimento financeiro clandestino que o clube recebeu por parte do narcotraficante.
Time do Millonarios que conquistou o bicampeão colombiano seguido em 1988. Foto: RUIZ BONILLA, 2008, p. 219.
Para chegarmos nesse encontro entre o narcotráfico e o clube, é válido destacar um pouco da biografia de El Mexicano, tal como sua inserção no mundo da venda de drogas na Colômbia entre as décadas de 1970 e 80.
Gonzalo Rodríguez Gacha nasceu no departamento colombiano de Cundinamarca, em 1947. Oriundo de uma família humilde de camponeses, desde cedo se envolveu em pequenos casos de crimes e furtos. Ficou caracterizado pela imprensa do país por ser considerado “violento e sanguinário”, tendo sido o provável autor e/ou mandante de vários homicídios. Por ser um apreciador assumido da cultura e vida mexicana, ficou conhecido como El Mexicano.
Gonzalo Rodríguez Gacha, El Mexicano. Foto: Wikipedia
Gacha iniciou seus negócios no ramo de vendas de esmeraldas. Desde seus primórdios, já se envolveu em transações ilegais, camufladas por distintas formas de lavagem de dinheiro. Logo que seus negócios foram se ampliando, se inseriu também no âmbito do narcotráfico.
Foi um dos braços principais do cartel de Medellín, se estabelecendo como um dos maiores aliados de Pablo Escobar em Bogotá. Inclusive, no âmbito da defesa armamentista do cartel, exerceu papel de grande liderança e destaque no confronto contra inimigos do mercado do narcotráfico, como nos conflitos armados contra o cartel de Cali dos irmãos Rodríguez Orejuela, nos anos 1980.
No fim de sua vida, acabou se vendo em uma encruzilhada, tendo adentrado em quatro frentes de conflito no país: contra o Estado, o cartel de Cali, as FARC e algumas lideranças do mercado de esmeraldas. Acabou morto em 1989, em uma operação do Estado colombiano de enfrentamento ao cartel de Medellín.
Durante sua trajetória, acabou se utilizando de vários espaços para a realização de investimentos e/ou lavagem de dinheiro. Um deles foi o futebol. Gacha acabou se tornando um dos sócios majoritários de um dos maiores clubes do país, o Millonarios de Bogotá. Chegou ao clube em 1982, junto de Edmer Tamayo Marín, que chegou a ser presidente do clube e era muito próximo do famoso narcotraficante. Alberto Galviz Ramírez destaca que
Tamoyo […] morreu em 1986 depois que se vinculará ‘como proprietário de uma carga de 2.000 quilos de cocaína confiscados em setembro de 1982 e outra de 65 quilos confiscada em Barranquilla’. Por sua parte, Rodríguez Gacha, El Mexicano, importante patrão do narcotráfico e líder de “Los Extraditables” (em referência ao grupo de narcotraficantes colombianos que, juntos de Pablo Escobar, lutou contra a extradição para os Estados Unidos nos anos 1980) assumiu o comando do Millonarios em meados dos anos 80 e sua influência foi determinante para o destino do quadro azul. Destacadas figuras chegaram à formação da capital graças à inegável fonte de dinheiro que respaldava El Mexicano, o que permitiu que o Millonarios se coroasse campeão em 1987 e 1988 (GALVIS RAMÍREZ, 2008, p. 97-98, tradução nossa).
Entretanto, no decorrer dos anos 1990 e 2000, a temática do narcotráfico e o quanto essas figuras influenciaram em diversos setores sociais, dentre esses os clubes de futebol, passou a ser cada vez mais problematizada e negada por boa parte da sociedade colombiana. No caso do Millonarios, esse debate se tornou tão grande que, inclusive, surgiram movimentos que buscaram anular os títulos nacionais conquistados pela equipe em 1987 e 1988.
É válido destacar que tais conquistas foram muito importantes naquele contexto para os torcedores, já que o clube passava por um jejum de nove anos sem conquistas (o último título nacional havia ocorrido em 1978), tal como permaneceu mais vinte e quatro anos sem títulos do Campeonato Colombiano depois do bicampeonato nos anos 1980, encerrando o jejum somente em 2012. Ou seja, em um intervalo de trinta e quatro anos (1978 a 2012), as únicas conquistas do Millonarios, então maior campeão nacional, foram os títulos conquistados no período de influência de Gacha e companhia.
Felipe Gaitán, então presidente do Millonarios em 2012, admitiu na época que poderia “devolver” os títulos de 1987 e 1988, se assim determinasse a justiça em caso de confirmação do envolvimento financeiro do narcotráfico no âmbito do clube durante esse período. A decisão acabou não se materializando, mas dividiu parte da torcida. Fato é que, depois dessa iniciativa, mesmo no cenário recente da atual década e com vários debates acerca da importância de se combater e negar os horrores cometidos outrora pelo narcotráfico, bandeiras estampando o rosto de Gacha foram levantadas em algumas ocasiões por parte dos torcedores do Millonarios nos estádios, como podemos ver abaixo.
Em 2012 residi alguns meses em Medellín, durante um período de graduação sanduíche que realizei no âmbito da Universidad de Antioquia. Na ocasião, tive como principal objetivo a investigação de fontes para o trabalho que, posteriormente, resultaria em meu primeiro livro lançado em 2014, intitulado “El Dorado: efeitos do profissionalismo no futebol colombiano (1948-1951)”. A grande coincidência ficou por parte do título do Millonarios no torneio finalización do Campeonato Colombiano de 2012, considerando que era também el Ballet Azul a principal equipe do período em que pesquisei nos anos El Dorado do futebol colombiano, quando o clube contava em seu elenco com craques do quilate dos argentinos Alfredo Di Stéfano, Adolfo Pedernera e Néstor Rossi.
Pude vivenciar de perto a conquista de um título colombiano da equipe depois de vinte e quatro anos. E além da ansiedade pela conquista, notória em grande parte de seus torcedores no decorrer do percurso, uma questão me chamou a atenção: a possibilidade de anulação das taças de 1987 e 1988, dividiu muito os próprios torcedores do Millonarios. Uma boa parte da hinchada azul se colocou como favorável a essa anulação, para assim se desvincularem dessa “mancha” na história do clube. Por outro lado, também tiveram muitos torcedores que se posicionaram como contrários à anulação, pois entendiam que o Millonarios foi, assim como outros clubes colombianos do período, fruto de uma influência muito mais ampla do narcotráfico no âmbito social, político e econômico daquele contexto, presente em toda a Colômbia.
É válido destacar, como demonstrado nos textos anteriores aqui já citados (Parte I e Parte II), que de fato a influência do narcotráfico foi muito além da equipe do Millonarios e, de forma mais geral, do futebol colombiano. Esteve presente na maior parte dos setores da sociedade colombiana entre os anos 1970 e 1990, com foco maior na década de 1980.
Porém, clube gigante que é e que já possuía uma grande história anterior a esse período, como nos tempos do El Dorado do futebol colombiano (tema que já abordei em vários outros trabalhos, tendo resultado em dois livros: o já citado “El Dorado” e “A invenção do profissionalismo no futebol”), o Millonarios sobreviveu ao período de influência do narcotráfico e foi muito além do título de 2012. Desde então, a equipe já conquistou o maior título nacional do país em outra oportunidade, no ano de 2017, além de ter ganho a Copa Colombia em 2011, a Superliga da Colombia em 2018 e títulos internacionais, como a Copa Merconorte, em 2001. O narcotráfico deixou marcas, mas o futebol colombiano seguiu e continuará seguindo em frente.
RAMÍREZ, Alberto Galvis. 100 años de fútbol en Colombia. Bogotá: Planeta, 2008.
RUIZ BONILLA, Guillermo. La gran historia del fútbol profesional colombiano: 60 años de logros, hazañas y grandes hombres. Bogotá: Ed. DAYSCRIPT, 2008.
Comentários desativados em Futebol e narcotráfico III: as influências de Gonzalo Rodríguez Gacha, “El Mexicano”, no futebol do Millonarios | História do Esporte | Link permanente Escrito por Eduardo Gomes
Os últimos dias estão sendo difíceis no Brasil e no mundo, devido as ameaças globais da pandemia gerada pelo Coronavírus (Covid-19). Nesse cenário, peço licença para hoje escrever sobre um acontecimento que marcou os primórdios do campo esportivo fluminense no início do século XX, naquela que foi considerada a primeira corrida automobilística ocorrida no estado do Rio de Janeiro. Se hoje diversos eventos esportivos mundo a fora, estão sendo cancelados devido as ameaças do vírus, em 1909 a corrida aqui retratada foi um marco na região. Historicamente, tal fenômeno ficou conhecido como a “Corrida de São Gonçalo”, por ter ocorrido no munícipio homônimo que fica na região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro que, naquela época, se tratava do Distrito Federal do Brasil.
Os automóveis chegaram ao Brasil na transição do século XIX para o XX. Mas quando o automobilismo se consolidou enquanto uma prática esportiva? Quando e onde ocorreu a primeira corrida do país? Quais cidades foram percussoras no desenvolvimento dessa prática esportiva em terras brasileiras?
É normal, ao realizar tais questionamentos, que os nomes das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, apareçam no imaginário relacionado aos primórdios de tal prática. Afinal, foram nessas duas cidades que o uso de automóveis começou a se disseminar com maior força pelo país. A chegada do Peugeot do “pai da aviação” Santos Dumont, que chegou no Porto de Santos em 1891; e do Serpolet de José do Patrocínio, desembarcado no Rio de Janeiro em 1895, explicitam o pioneirismo das duas localidades (MELO; PERES, 2016, p. 102).
No geral, o automobilismo enquanto esporte se desenvolveu com mais força no decorrer do século XX, apesar de já ter uma considerável importância na parte final do século XIX. As competições pioneiras da modalidade foram realizadas na Europa, ainda na década de 1890. E querendo inserir o Brasil nesse cenário de modernidade, essa “moda da velocidade” também chegou em terras tupiniquins.
Em 1908, ocorreu a primeira grande aventura com automóveis no país, com um percurso longo que ia do Rio de Janeiro até São Paulo. O francês Conde Lesdain o percorreu por completo pilotando um Brasier, modelo muito requisitado na época. Depois de 35 dias, conseguiu completar o trajeto. Para os espectadores daquele contexto, esse foi um grande marco para o desenvolvimento de corridas e para o avanço do uso de automóveis no país.
A primeira corrida organizada no Brasil, teve também São Paulo como espaço pioneiro. Trata-se do Circuito de Itapecerica, que ocorreu com a tutela do Automóvel Clube de São Paulo, criado em 1908. Itapecerica da Serra é um município da região metropolitana de São Paulo. Em mais de 70 quilômetros de percurso, seus competidores foram da cidade de São Paulo, de onde partiram do Parque Antártica, até Itapecerica da Serra, para então regressarem ao ponto inicial. Essa organização fez com que esse circuito ganhasse destaque como sendo a primeira grande prova “oficial” do automobilismo na história brasileira.
Na cidade do Rio de Janeiro, desde 1907, já havia sido criado o Automóvel Clube do Brasil, onde se iniciaram debates para, também, realizarem um circuito de corrida similar ao que ocorreu em São Paulo. Inicialmente, a proposta era de realizar o percurso dentro da própria cidade do Rio de Janeiro. Porém, uma série de fatos fizeram com que essa ideia fosse inviabilizada e o percurso da primeira corrida pensada na capital federal, foi transferido para uma cidade vizinha, a “novata” São Gonçalo, que em 22 de setembro de 1890 havia se emancipado de Niterói, então capital da província do Rio de Janeiro.
A imagem em questão foi publicada no periódico Careta, na edição de 25 de novembro de 1909, representando parte do circuito da “Corrida de São Gonçalo”. Também pode ser encontrada na obra “Primórdios do esporte no Brasil: Rio de Janeiro” (2016, p. 107), escrita por Victor Andrade de Melo e Fabio de Faria Peres.
O interesse dos organizadores era, inicialmente, o de realizar a corrida no Alto da Boa Vista. Porém, tal hipótese foi logo descartada. Após as autoridades municipais, durante o governo do então prefeito Souza Aguiar no Rio de Janeiro, proibirem as corridas na localidade, os idealizadores da prova enxergaram na cidade de São Gonçalo uma fértil opção para realizarem o grande evento (MELO; PERES, 2016, p. 106).
A escolha de São Gonçalo como sede da primeira corrida em terras fluminenses, se deu por distintos motivos. Além da geografia favorável, ainda marcada por características bem mais rurais do que as vizinhas Rio de Janeiro e Niterói, o desenvolvimento industrial ocorrido na virada do século XIX para o XX, fez com que a cidade pudesse ser entendida como um espaço propício para a simbólica corrida, considerando o cenário de modernidade em que buscavam enquadrar tal evento.
A região de Neves, por exemplo, formava com outras adjacentes, como o bairro do Barreto em Niterói, o espaço que ficou conhecido no imaginário social como “Manchester Fluminense”. Notadamente, esse termo foi utilizado para representar a grande estrutura industrial e fabril desenvolvida naquele território, fazendo referência a cidade britânica famosa mundialmente por seu polo industrial. É óbvio que tais discursos possuem um teor ufanista e que, muitas das vezes, exacerbam a própria realidade local (REZNIK, 2002, p. 2). Todavia, foi esse imaginário construído, a partir do avanço industrial ocorrido em Neves, que fez com que a região fosse cogitada como um espaço propício para a realização da corrida.
Sendo ou não a “Manchester Fluminense”, a relação que a região tinha naquele período com um determinado padrão de modernidade e tecnologia, ligados a questão das industriais, fez com que São Gonçalo pudesse se tornar o centro daquela que ficou conhecida como a “primeira corrida de automóveis em terras fluminenses”. De forma equivocada, alguns periódicos e escritores memorialistas da época, inclusive, diziam ser essa a “primeira corrida de automóveis do Brasil”, ignorando o já aqui citado Circuito de Itapecerica, ocorrido no ano anterior em São Paulo. O fato é que, sendo a primeira ou segunda corrida em âmbito nacional, o circuito gonçalense mexeu com o imaginário e referendou fortes identidades na cidade e regiões adjacentes, em um cenário ainda fértil e propício para a construção de diferentes símbolos locais que, em muitas situações, se tornavam nacionais.
Imagem publicada no periódico Careta, Ed. 69, p. 13. Rio de Janeiro, 25 de setembro de 1909. Fonte: “Primórdios do esporte no Brasil: Rio de Janeiro” (2016, p. 105), livro escrito por Victor Andrade de Melo e Fabio de Faria Peres.
O percurso da corrida foi ousado. Totalizando 72 km, o trajeto vencido por Gastão de Almeida se iniciou no bairro industrial de Neves, mas percorreu quase toda a cidade, tendo seus competidores passado pelas regiões do Alcântara, Pacheco, Sacramento, Monjolos, Laranjal, entre outras. Percorreram, inclusive, a Estrado do Engenho Novo, passando pela famosa “Fazenda do Engenho Novo”. (1)
“Mesmo sendo realizada em local distante, a corrida contou com bom público e teve grande repercussão, graças à ampla cobertura da imprensa. (2) Foi uma expressão de como o automóvel vivia um primeiro momento de popularidade na cidade, já assumindo uma função simbólica notável. As competições exponenciavam essa representação, deixando ainda mais claras as noções de desafio, aventura e velocidade” (MELO; PERES, 2016, p. 107).
O imaginário identitário acerca da memória dessa corrida, permanece no município até os dias atuais. Uma constatação do mantimento de tal memória, foi a inauguração de um monumento em 2009, no próprio bairro de Neves, que faz menção ao centenário da referida corrida, tendo sido essa a principal forma de reviver esse evento tão marcante na história da cidade, que ficou conhecida como o “berço do automobilismo fluminense”.
(1) “O antigo Engenho do Novo Retiro pertenceu a diversos donos até 1830, quando foi adquirido por Belarmino Ricardo de Siqueira – Barão de São Gonçalo.
A Fazenda possui um conjunto arquitetônico em estilo neoclássico. Foi um dos principais trajetos da 2ª corrida automobilística do Brasil em 1909 e também serviu de cenário para as gravações da minissérie “Memorial de Maria Moura”, produzida pela Rede Globo.
Há lendas de que a fazenda foi palco de uma visita da Família Imperial, por volta de 1870, devido à amizade do Barão com o Imperador D. Pedro II. O conjunto abandonado à própria sorte, não resistiu ao descaso e ruiu no início dos anos 2000.”
(2) É interessante perceber a mobilização social que a corrida provocou, tendo aglomerado grande público, inclusive de mulheres, que nesse contexto ainda não se inseriam nas práticas esportivas como participantes, mas faziam parte dos eventos e das formas de sociabilidade provocadas por esses, na posição de espectadoras.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MELO, Victor Andrade de; PERES, Fabio de Faria. Primórdios do esporte no Brasil: Rio de Janeiro. Manaus: Reggo Edições, 2016.
REZNIK, Luís. Qual o lugar da História Local? In: V Taller Internacinal de Historia Regional y Local. Havana – Cuba, 2002.
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