Meios de Comunicação e Esporte: Grandes Amigos

A relação entre as empresas de mídia e o esporte é longa e mutuamente proveitosa. Meios de comunicação oferecem visibilidade aos atores do mundo desportivo, permitindo mais fluxo de bilheterias e melhores contratos de publicidade, enquanto os meios de comunicação aumentam a sua circulação, devido à atratividade do conteúdo esportivo junto às audiências. A imprensa teve um papel fundamental para a independência do esporte e o seu processo de profissionalização. Mas as fronteiras entre ambos universos são fluídas e muito próxima foi a relação de empresas de mídia com o universo desportivo.

Em França, o caso mais relevante de empresas de mídia que passaram a exercer funções que seriam de organizações esportivas é o que envolve o jornal L’Équipe e o Tour de France. A prova ciclística mais famosa do mundo em sua origem foi criada e organizada pelo jornal L’Auto, em 1903. A rivalidade entre os jornais L’Auto e Le Vélo foi além da produção jornalística, chegando a organização de atividades esportivas. Limitadas a provas de dimensões menores, como Paris-Roubaix, Bordeaux-Paris, Paris-Brest, a criação do Tour de France – a primeira prova por etapas no território francês – foi pensada para assegurar um espetáculo esportivo único e aumentar a venda de jornais: desde o verão de 1903, durante o período da competição o L’Auto teve sucesso, triplicando a venda dos jornais e diminuindo os números da concorrência.

tour

Suspenso durante a segunda guerra mundial, o Tour de France passou a ser desejado pela imprensa de esquerda por conta do seu poder como vetor publicitário. Assim, três jornais (Sports, o semanário Miroir Sprint e diário generalista Ce Soir) criaram conjuntamente, a partir de um modelo semelhante, a « Ronde de France », em 1946. Contudo, em 1947, o Estado atribuiu ao Parisien Libéré e ao L’Équipe a responsabilidade de retomar o Tour de France. As condições da nomeação foram eminentemente políticas: Emilien Amaury, proprietário do Parisien Libéré, era muito próximo ao partido gaulista. Em 1965, ele aumenta o seu património comprando oficialmente o jornal L’Équipe, de modo que o grupo Amaury detém o quotidiano esportivo e o Tour de France.

A retomada da competição em 1947 foi fundamental para estruturação interna e a perenidade do jornal. Ela permitiu que fossem reestabelecidas e reforçadas as ligações com os setores da indústria ciclística e patrocinadores. Os retornos publicitários sobem, tal como as vendas que têm no mês de julho, quando se realiza a prova, o seu maior volume. O modelo económico de organização dos eventos tinha um objetivo claro: aumentar a venda dos jornais. O grupo Amaury também é hoje responsável pelo Rally Dakar.

A competição de clubes mais importante no universo do futebol também foi criada a partir do jornal L’Équipe. O primeiro congresso da UEFA só aconteceu em 2 de Março de 1955 e a maior parte dos membros fundadores estavam preocupados em criar um torneio continental de seleções, deixando espaço para a iniciativa do jornal francês. A competição idealizada pelo L’Équipe não obrigava a que os participantes fossem campeões nacionais, funcionava sim por convites aos clubes que geravam maior interesse junto dos adeptos. Representantes de 16 clubes foram convidados para uma reunião que teve lugar a 2 e 3 de Abril de 1955 e as regras do L’Équipe foram aprovadas por unanimidade. A UEFA reagiu ao contactar a FIFA, e o Comité Executivo desta, numa reunião em Londres a 8 de Maio de 1955, autorizou a realização da nova competição de clubes com a condição de ser organizada pela UEFA e que as federações nacionais dessem o consentimento à participação dos respectivos clubes. O Comité Executivo da UEFA aceitou estas premissas exigidas pela FIFA e concordou em levar a cabo a prova num encontro realizado a 21 de Junho de 1955.

A iniciativa do L’Équipe era primordialmente comercial. Tradicionalmente, o calendário esportivo concentra os seus eventos no final de semana, por isso as edições dos jornais desses dias, com as informações e prognósticos para os jogos apresentam sucesso, assim como a de segunda-feira, pois trás os resultados. Contudo, os jornais esportivos diários sofrem de um mal: a distorção de vendas – hipertrofia no final de semana e segundas, e um vazio no meio da semana. Assim, para combater esse desequilíbrio, em 1955, os responsáveis do jornal L’Équipe pensaram numa competição que preencheria a agenda esportiva no meio da semana, a Taça da Europa, que posteriormente se tornaria a Liga dos Campeões. Dois anos mais tarde, a mesma lógica foi aplicada para a criação da Taça da Europa de Basquete e, em 1967, lançaram a Copa do Mundo de Ski, para compensar a falta de informações esportivas no inverno.

Essas estratégias válidas para os impressos também é colocada em prática por canais de televisão. Ao longo dos anos, algumas empresas criaram competições esportivas, das quais se destacam os Good Will Games, lançados pela CNN, em 1986 e os X Games de verão e inverno, criados pela ESPN (ABC-Disney), em 1995. No Brasil também encontramos exemplos: a Rede Globo criou os Jogos de Verão para alavancar as audiências do domingo de manhã durante o verão, principalmente quando não havia torneios de futebol a serem disputados.

Contudo, hoje em dia, a criação de novas competições se dá mais facilmente em modalidades menos populares ou tradicionais, como os esportes radicais por exemplo. No caso do futebol, existem dois grandes obstáculos: a tutela e aprovação de organizações como a FIFA e a UEFA; e a necessidade de um investimento emocional e simbólico que tem ligação com a tradição e a história das competições que acabam por ser determinantes para a sua popularidade – haja vista o caso da Liga dos Campeões e a dificuldade em criar uma superliga europeia de futebol.

Isso não impediu que os conglomerados de mídia incluíssem organizações esportivas a sua lista de aquisições. Dentre as suas motivações estavam a tentativa de conhecer mais a fundo o espetáculo esportivo, conseguir melhores condições na hora de negociar os crescentes valores dos contratos de direitos de transmissão e tentar alguma forma de sinergia e verticalização da produção dado que o esporte foi se tornando mais próximo dos espetáculos televisivos.

As particularidades da economia do esporte acabaram por se mostrar um grande desafio para esses conglomerados, que aos poucos foram abandonando as suas participações na propriedade de organizações desportivas. Por um lado, a necessidade de conseguir vitórias – e, portanto, as receitas de equipes é revertida na aquisição de talentos – diminui a margem de lucro dessas organizações e, consequentemente, afasta o interesse de conglomerados; e por outro lado, a aquisição dos direitos de transmissão e o poder da televisão sobre a organização dos eventos desportivos já se mostraram suficiente para gerir o espetáculo da maneira que for mais conveniente para as empresas de mídia.

 

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