Origens dos clássicos III – O primeiro FLA-FLU.

Semana de Fla-Flu. A maior rivalidade, o mais charmoso, o jogo do século, os Irmãos Karamazóv do futebol nacional na expressão cunhada por Nelson Rodrigues se enfrentam domingo no “Engenão”. Infelizmente o maior templo do futebol mundial, a Meca Maracanã estará fechada devido à incompetência e avidez dos nossos mesquinhos dirigentes.
A situação das equipes é completamente distinta. O tricolor das Laranjeiras está na liderança do campeonato brasileiro, tem um elenco forte, um treinador conceituado, a torcida empolgada. E o Flamengo, atual campeão nacional: a equipe desfigurada, sem liderança, um treinador jovem e inexperiente, a torcida ressabiada e tensa, apesar de um bom elenco, porém envelhecido, e visivelmente com péssima preparação física.
Neste contexto, o que esperar? A máquina tricolor avassaladora, impondo seu ritmo ou o inesperado, o inefável manto rubro-negro se afirmando em mais uma surpresa nos 98 anos de confronto como foi na primeira partida?
7 de julho de 1912, no campo das Laranjeiras inicia a eterna epopéia Fla-Flu em partida pelo primeiro turno do Campeonato Estadual. No ano anterior a maior parte da equipe campeã carioca pelo Fluminense abandonaria o tricolor e organizaria no Clube de Regatas do Flamengo que existia desde 1895, porém não tinha seção de futebol, uma nova equipe do esporte bretão.
Segundo o jornalista Roberto Assaf , oito dos nove migrantes disputariam a partida e o Flamengo, por contar com esses jogadores era considerado o grande favorito para a peleja nos órgãos de imprensa na época que davam muito mais atenção para o popular remo e os páreos de turfe.
Os “sportsman” rubro-negros vestiam a camisa conhecida como papagaio vintém, estampando quadrados vermelhos e pretos. A torcida do Flamengo era bem menor entre os cerca de 800 espectadores presentes e a equipe tricolor teria sido bastante aplaudida pelos distintos senhores de chapéu de palha e as elegantes moças vestidas à francesa e com suas características sombrinhas.
O “kick-off” ocorreu as 15:55 e com apenas 1 minuto o atacante Edward Calvert fez o primeiro gol em Fla-Flus. Apenas três minutos depois Arnaldo empataria a partida e o resultado permaneceria igual até o intervalo apesar da permanência do favoritismo rubro-negro. A segunda etapa seria descrita por Mario Filho da seguinte forma:
“ O segundo tempo reservou uma surpresa, porém. Aos quinze minutos de jogo Cintra fez hands. Calvert bate com um chute forte, Baena, agarra e larga. A bola alcança o fundo das redes. Era o primeiro “frango” do Fla-Flu. Ouviu-se um barulho danado, as torcedoras davam gritinhos. E a multidão fez aleguá! Três vezes consecutivas. O Flamengo viu a derrota. E aí todo ele foi para o ataque, porque o time partia do princípio que tanto fazia perder por um como por dois. E Píndaro transformado em forward, empata a partida vinte e três minutos depois. Estava para a acabar o jogo. O Fluminense dá a saída. Calvert pega a bola, corre e centra. A bola atravessa o campo, cai nos pés de Bartolomeu, que manda às redes. Parecia que as arquibancadas do Fluminense vinham abaixo. Os torcedores batiam com os pés em cima dos degraus.”
A vitória tricolor, apesar da maior tradição da equipe de futebol do Fluminense até então, teria sido a primeira de muitas surpresas ocorridas ao longo da história dos Fla-Flus, fato que fortalece a mística do clássico e da paixão por um esporte que tem como uma das principais características justamente a imprevisibilidade.
Nem mesmo a goleada imposta por 4×0 no returno do Carioca de 1912 foi suficiente para abrandar o sentimento heróico da vitória tricolor no primeiro clássico e segundo o profético Nelson Rodrigues este resultado seria fundamental para a eterna rivalidade: “ Vejam como, histórica e psicologicamente, esse primeiro resultado seria decisivo. Se o Flamengo tivesse ganho, a rivalidade morreria ali de estalo. Mas a vitória tricolor gravou-se na carne e na alma flamengas. E sempre que os dois se encontram é como se o fizessem pela primeira vez”.

Foto clássica do primeiro FLA-FLU

FICHA TÉCNICA
FLUMINENSE 3 X 2 FLAMENGO (1-1)
Competição: Campeonato Carioca – (primeiro turno)
Local: Laranjeiras
Juiz: Frank Robinson
Público: 800
Fluminense: Laport, Maia, Belo, Leal, Mutzembecker, Pernambuco, Osvaldo, Bartô, Behrmann, Edward Calvert e James Calvert.
Flamengo: Baena, Píndaro, Nery, Cintra, Gilberto, Galo, Orlando, Arnaldo, Borghert, Gustavo, Amarante.
Gols: Edward Calvert (1), Arnaldo (4), James Calvert (57), Píndaro (70), Barthô (72).

Referências consultadas:
ASSAF, Roberto e MARTINS, Clóvis. FLA X FLU: o jogo do século – Rio de Janeiro: Letras e Expressões, 1999.
RODRIGUES, Nelson e FILHO Mario. FLA-FLU… e as multidões despertaram. (org. Oscar Maron Filho e Renato Ferreira. Rio de Janeiro: Ed. Europa, 1987.

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