Andarahy Athletico Club: um clube de fábrica ou um clube da fábrica?

Por Nei Jorge dos Santos Junior

 Fundado em 09 de novembro de 1909, com o objetivo de “promover e facilitar o desenvolvimento physico de seus associados por meio dos sports athleticos em geral, e em particular, pela pratica do foot-ball”, o Andarahy Athletico Club buscava entre os administradores da Fábrica Cruzeiro, assim como os outros clubes fabris, recursos necessários para a estruturação do clube.

A construção de um campo tornou-se prioridade entre os fundadores[1]. Logo, os Srs. Domingos Alves Bebianno e Alfredo Coelho da Rocha, representantes da Fábrica Cruzeiro, providenciaram um terreno, localizado na Rua Prefeito Serzedello n.198, esquina com a Rua Theodoro da Silva, para construção de um campo e uma sede social. Como acontecera em outras agremiações fabris, os sócios garantiram, com o auxílio da companhia, instalações requintadas, dignas do luxo mantido pelas agremiações esportivas de maior destaque.  Como expos o redator d’ O Imparcial, após uma visita orientada pelo Secretário do clube Antonio Miranda: “uma visita ao ground do Andarahy”.

O redator destacava as obras radicais feitas na pitoresca Praça de Sport do clube alviverde, “com as quais a diretoria do valoroso clube tem gasto soma regular” (O Imparcial, 12 de maio de 1917, p.10). O campo foi ampliado e elegantemente circunscrito por um gradil pintado de verde, com grama em ótimas condições; e o terreno, que defronta o gol dos fundos, estava sendo convenientemente preparado para receber a elegante arquibancada, toda refundida e decorada com pinturas claras, a qual se destinaria exclusivamente aos sócios e as distintas famílias da região. As tribunas tinham cinco graus de elevação, cobertura leve e, pela sua ótima localização, proporcionava ao espectador “desfrutar de todas as fases dos emocionantes jogos que se ferirem no campo” (O Imparcial, 12 de maio de 1917, p.10).

O campo do Andarahy Athletic Club após a reforma de 1917.

O campo do Andarahy Athletic Club após a reforma de 1917.

O que mais impressionava nas obras “conduzidas febrilmente pela ativa diretoria do clube” eram sua “solidez e beleza”, além da velocidade em que ela avançava (O Imparcial, 12 de maio de 1917, p.10).

No entanto, os custos das obras não poderiam ser financiados somente pelo clube, pois sua arrecadação, como aponta os dados levantados pelo historiador João Manuel Malaia (2010), era modesta comparada aos grandes clubes da cidade, o que demonstrava a participação ativa da Fábrica.

Tabela I

Média de arrecadação por jogos em casa

Média de arrecadação por jogo em casa do:

1917

1918

Fluminense 3:400$000 3:788$312
America 2:595$375 2:555$666
Botafogo 2:286$444 2:665$250
Flamengo 1:342$000 3:726$500
São Cristovão 2:194$714 1:757$428
Andarahy 1:079$333 1:151$888
Bangu 629$666 332$625
Carioca 401$900 607$111
Villa Izabel 251$061 611$000

Fonte: Elaborado pelo próprio autor

Mesmo com a mensalidade paga pelos sócios no valor de 10$000, dificilmente a agremiação conseguiria dar conta de todos os gastos proporcionados pela grandiosa reforma. Contudo, comparado à arrecadação entre os clubes fabris, o Andarahy apresentava uma autonomia financeira considerável. Além dessa importância arrecadada, o clube contaria com o valor pago pelos trabalhadores da fábrica, que pagavam uma joia de 5$000 e uma mensalidade de 3$000[2], um pequeno desconto, mesmo assim três vezes mais que o valor pago, por exemplo, pelos sócios do Bangu[3].

Aliás, esse era o único benefício formalmente exposto em seus estatutos[4]. Como apontou Mario filho: “a fábrica não deixando de estar perto. Gostando, naturalmente, de ter um clube, uma espécie de parque de diversões para os seus operários. Mas sem aquele cuidado paternal da Companhia Progresso Industrial do Brasil pelo Bangu” (RODRIGUES FILHO, 2003, p. 91).

Outra fonte de arrecadação estava no aluguel dos campos. Com poucos estádios disponíveis na cidade do Rio de Janeiro, principalmente nos subúrbios, as agremiações que possuíam um campo próprio, utilizavam esse espaço para complementar a renda do clube. No entanto, no caso específico do Andarahy, ter um campo financiado pela companhia tornava-se alvo de discussões.

No dia 17 de junho de 1922, o periódico O Exemplo, órgão que tratava especificamente de assuntos da associação dos operários da Companhia America Fabril, publicou um impasse entre duas agremiações financiadas pela mesma empresa. De acordo com o cronista, “para desfazer dúvidas, tendo em vistas vários boatos, a Directoria do America Fabril officiou a do Andarahy Athletico Club, pedindo consentimento para continuarem a realizar os seus matches do campeonato decorrente no campo deste; o que a Directoria antecessora havia cedido gratuitamente, por tratar-se de um team somente composto de socios do Club” (O Exemplo, 17 de junho 1922, p. 05). Em reposta, o America Fabril F. C. recebeu um ofício enviado pela diretoria do Andarahy:

Em resposta ao officio de V.S. Cumpre-me informar que a Directoria deste Club resolveu cobrar a importância de Rs. 50$000 (cinqüenta mil réis) por cada jogo no presente campeonato desse grêmio.
Aproveito a opportunidade para fazer sentir a V.S., que motivos financeiros, exclusivamente, foram a razão que determinamos a Directoria a estipular a taxa supra.
Sem mais, sou com estima e subida consideração.
(Ass.) Mario C. Bacellar1° secretario (O Exemplo, 17 de junho 1922, p. 05).

O ofício enviado pelo secretário, confirmando a necessidade do pagamento, revelava uma nova relação com a companhia que custeava seus gastos. Surpreso, o redator do periódico não concordava com a atitude tomada “que bem demonstra o espírito de pouco cavalheirismo que existe no seio do Andarahy”, já que a “America Fabril é composta exclusivamente de associados do Andarahy e todos empregados da Companhia America Fabril; razão pela qual não é de justiça este Club pedir tal remuneração” (O Exemplo, 17 de junho 1922, p. 05). Ainda de acordo com o autor, “sabe-se que todos os rapazes do America Fabril, immensamente pesarosos por aquelle hediondo gesto, solicitaram incontinenti, assim como vários sócios operários da Fábrica, sua exclusão do quadro social do Andarahy, sendo, de todos, resolução inabalável”. Por fim, “lamentamos que tal facto tenha succedido, pois só serviu para vir perturbar o bom andamento do America Fabril, tendo como único culpado o Andarahy Athletico Club” (O Exemplo, 17 de junho 1922, p. 05).

Campo do Andarahy Athletic Club (1917). Careta, 9 de julho de 1917.

Campo do Andarahy Athletic Club (1917). Careta, 9 de julho de 1917.

Com a relação abalada, o clube perdia alguns sócios que tinha em comum com o America Fabril F. C. No entanto, como já havia mencionado no estudo, em nenhum momento a empresa interferiu no caso. De maneira geral, o Andarahy não tinha laços explicitamente estreitos como, por exemplo, o Bangu Athletic Club[5]. Embora seu quadro de sócios fosse formado pelo administrador e dirigentes da Fábrica, seus estatutos não expressavam formalmente qualquer ação em que a empresa fizesse valer, dentro do grêmio, os seus próprios interesses. Outro ponto importante estava na figura do Presidente Honorário. Este tinha um cunho meramente ornamental, não apresentando qualquer relação com o clube, como informava o artigo dois dos seus estatutos: “serão honorários os que, não pertencendo ao Club, fizerem jus a esse título, a juízo da assembléia”.

O Andarahy mantinha o elo que facilitava o alcance de recursos necessários para estruturação do clube. Necessitava do prestígio gozado pelos administradores da fábrica, mas, por opção da própria companhia, não interferia diretamente nas ações do grêmio esportivo. Por essa razão, a Fábrica Cruzeiro procurava não se confundir com o Andarahy Athletico Club. A escolha da presidência, assim como do corpo de dirigentes, ficava por conta dos sócios, ainda que de um corpo específico, o que indicava certa interferência indireta dos dirigentes da fábrica. Em termos genéricos, como aponta o próprio Mario Filho (2003), numa comparação entre as duas principais agremiações fabris, o Bangu seria um “clube da fábrica” e o Andarahy um “clube de fábrica”.


[1] Libanio da Rocha Vaz (presidente), Dr. Carlos da Rocha Braga (vice-presidente), Antonio Miranda (1° secretario), Dr. José Pinkus (2° secretario), José de Souza Ávila (1° tesoureiro), João Martins da Gloria (2° tesoureiro), Dr. Silvio e Silva, Cassiano Diniz Gonçalvez, João Marianno Ribeiro (Comissão fiscal), Alvaro Trindade, Carlos Moreira, Benjamin Martins (Suplentes).

[2] Estatutos do Andarahy Athletico Club aprovados em 29 de dezembro de 1918.

[3] Ata de fundação do Bangu Athletic Club.

[4] Artigo vinte dos Estatutos do Andarahy Athletico Club aprovados em 29 de dezembro de 1918: “os sócios empregados na Fabrica Cruzeiro continuarão a pagar a jóia de 5$000 da mensalidade de 3$000”.

[5] Ver SANTOS JUNIOR, N. J. A construção do sentimento local: o futebol nos arrabaldes de Andaraí e Bangu (1914-1923). 2012. 126f.  Dissertação (Mestrado em História Comparada) – Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

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