Vida ao ar livre no Rio de Janeiro

Cleber Dias

cleberdiasufmg@gmail.com

No Rio de Janeiro, desde os fins do século 18 realizavam-se passeios pelas montanhas e outros recantos naturais. Atividades desse tipo acabaram consagrando alguns lugares da cidade como instâncias privilegiadas para o descanso e o recreio em meio à natureza, como é o caso do Corcovado, da Tijuca ou da Urca. Esses hábitos se disseminaram ao longo da primeira metade do século 19. Meu livro Epopeias em dias de prazer apresenta mais detalhes sobre o assunto, entre os anos de 1779 e 1838, num período em que tais costumes estavam ainda em formação. Depois disso, algumas evidências sugerem uma ligeira popularização desses hábitos.

rio de janeiro e seus arredores (do corcovado) - sem data - martinet

Fonte: Alfred Martinet, Rio de Janeiro e seus arredores (do Corcovado)
n. 1, Gravura, 54 x 82,5 cm. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro (s/d). 

Por volta dos anos 1870, associações civis tão distintas como grupos carnavalescos, bandas de música, sociedades beneficentes ou clubes sociais diversos promoviam passeios para Santa Tereza, para a Tijuca, para o Corcovado, para o Jardim Zoológico, para o Jardim Botânico ou para o que era identificado na época como “arrabaldes”, isto é, bairros rurais dentro ainda do perímetro da cidade, mas fora já do seu centro urbano, como eram Vila Isabel, Engenho da Rainha, Andaraí ou Jacarepaguá. Nesse momento, já se registrava também grupos ou clubes especialmente dedicados à organização de passeios na natureza, como o Grupo Excursionista dos Canecas. Basicamente, atividades desses grupos eram constituídos por excursões ao som das fanfarras, destinadas à folgança e ao esquecimento de todas as cousas que causavam tormentos, como dizia a propaganda de um desses passeios, promovido pelo Congresso Ginástico Português em 1879, publicada no Jornal do Commercio.

Jornal do Commercio, 1891, n. 32, p. 4

Propaganda de passeio campestre do “Club Gymnastico Portuguez”. Fonte: Jornal do Commercio, 1891, n. 32, p. 4.

Em outra dessas ocasiões, dessa vez em 1890 e sob a iniciativa da Euterpe Comercial Tenentes do Diabo (que ao menos desde 1876 realizava atividades desse tipo), um relato vinculado no jornal Gazeta de Notícias deixa ver o ambiente que cercava um passeio desse tipo na época: alegria e expansividade já nos bondes especiais que levavam o extenso grupo, com quase 200 pessoas, para um dia de muita comida, música e contemplação de paisagens no Corcovado, tidas por belas e encantadoras.

Jornal do Commercio, 1890, n. 238, p. 3

Propaganda de passeio campestre da “Euterpe Comercial Tenentes do Diabo”. Fonte: Jornal do Commercio, 1890, n. 238, p. 3.

Em princípios da década de 1890, a frequência aos domingos na região do Silvestre, nas imediações do Corcovado, poderia ser classificada já como “muito notável”, conforme registrou uma notícia do jornal O Paiz. De fato, além de setores mais elitizados, grupos de extratos médios ou mesmo de camadas populares também poderiam frequentar e frequentaram o local como parte de suas atividades de lazer. Em 1895, o Clube União Comercial, espécie de “sindicato” dos trabalhadores do comércio, realizou um passeio campestre para o Silvestre, como parte das comemorações pelo quinto aniversário da medida que determinou o fechamento do comércio do Rio de Janeiro aos domingos.

Jornal do Commercio, 1895, n. 333, p. 6

Propaganda de passeio campestre do “Club União Commercial”. Fonte: Jornal do Commercio, 1895, n. 333, p. 6.

Pouco antes, a notícia de um acidente fatal na Cascata Grande da Tijuca revelava a presença de “três raparigas da vida alegre”, que foram até o local de trem, para descansar e “em ruidosa patuscada”, conforme informara o jornal O Tempo. Involuntariamente, a notícia permite perceber a heterogeneidade social que já marcava os espaços usualmente utilizados para atividades de lazer na natureza naquela época.

Atentos às oportunidades comerciais que a demanda por diversões ao ar livre já representava naquele período, empresários tentavam claramente se aproveitar da ocasião. O presidente da Companhia Ferro Carril Carioca, por exemplo, empenhava-se, às vezes pessoalmente, em tratar “de maneira atenciosa e delicada” determinados grupos e instituições durante seus passeios, frequentemente disponibilizando bondes especialmente destinados a tais atividades. Ao longo da década de 1890, propagandas do Jardim Zoológico, publicadas no Jornal do Brasil, destacavam as vantagens e virtudes do lugar para os interessados em passear na natureza. Segundo uma dessas propagandas: “A temperatura elevada destes últimos dias convida a um passeio campestre, onde se possa respirar ar puro à sombra de frondosos arvoredos. Para isso, nenhum local melhor se presta do que o aprazível jardim de Vila Isabel, na qual também não faltam divertimentos para todos os gostos e classes sociais”.

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Excursão do Clube Excursionista Light, s/d (c. 1957). Fonte: http://celight.org.br/ocel.php

Até hoje, o Rio de Janeiro é apontado como uma cidade onde atividades ao ar livre são bastante  desenvolvidas. De fato, entre vários indicadores nesse sentido, conta-se ali ao menos cinco clubes de montanhismo ativos e sob diversos aspectos muito bem estruturados, além de muitos praticantes deste esporte que optam por não manter vínculos associativos com nenhuma instituição do tipo.

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Parte do post é um fragmento resumido do artigo “Conhecendo o Rio de Janeiro a pé: ‘excursionismo’, ‘pedestrianismo’ e ‘montanhismo’ entre os séculos XIX e XX”, com a co-autoria de Tauan Nunes Maia, que será publicado brevemente na Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (http://wpro.rio.rj.gov.br/revistaagcrj/)

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