Associação Atlética Vila Isabel: 70 anos de história. Adeus ou até logo?

por João Azevedo

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“Quem nasce lá na Vila
Nem sequer vacila
Ao abraçar o samba
Que faz dançar os galhos
Do arvoredo e faz a lua
Nascer mais cedo”

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O bairro de Vila Isabel, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, é famoso pela boemia, um ar brejeiro, “sem vela e sem vintém, que nos faz bem”. As calçadas musicais, são uma marca registrada do bairro. Elas foram inauguradas em 1965, nas comemorações do quarto centenário da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. A canção citada acima, é de autoria de um dos maiores compositores da música popular brasileira. Em parceria com Vadico, Noel Rosa compôs o Feitiço de Vila em 1934 e a gravação saiu pela Odeon (11.175A) em outubro daquele ano.[i] Esta música, faz parte das dezenove partituras espalhadas, entre a praça Maracanã e a praça Barão de Drummond. Iniciando com a marcha Cidade Maravilhosa, de André Filho e separando nove canções para cada lado, ao longo do Boulevard 28 de setembro.

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Fonte: Acervo pessoal do autor

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Na imagem acima, observamos o portão de entrada da Associação Atlética Vila Isabel (AAVI). Localizada no Boulevard 28 de setembro, 60. Quis o destino que a única música do poeta da Vila, exposta nas calçadas musicais, ficasse no muro daquele grêmio. O Vilinha, como foi chamado por anos carinhosamente a AAVI, foi por mais de setenta anos, um espaço de encontro importante para o bairro, para a zona norte e também para cidade do Rio de Janeiro. Entretanto, neste momento o clube já foi completamente fechado e seu interior desconfigurado, sendo lhe destruído toda a estrutura.

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Este post não pretende esmiuçar com rigor, toda a trajetória da Associação Atlética Vila Isabel. Mas sim, fazer um pequeno resgate de acontecimentos esportivos e sociais que envolveram seus sócios, praticantes de atividades esportivas do grêmio e frequentadores do local. Deixa também uma contribuição para que no futuro se possa estuda-lo com mais atenção em um artigo, resenha e até mesmo trabalho acadêmico. Infelizmente, não é só a AAVI que passa por essa situação e que poderá ser objeto de análise neste sentido, de clubes que fecharam as portas em nossa cidade.

Curiosamente, na contramão da trajetória destes clubes, está a escola de samba do bairro. O Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos de Vila Isabel, fundado em 4 de abril de 1946, também é outra joia do bairro. A branco e azul de Vila Isabel, levanta a moral e a identidade local, a cada ensaio no Boulevard e a cada vez que entra na Avenida da Sapucaí. A escola que sofreu anos e anos sem quadra, hoje não passa mais por esse problema. Na época em que não tinha um endereço fixo, chegou a ensaiar e fazer eventos na sede do AAVI.

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Fonte: Acervo pessoal do autor

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A Vila Isabel, também já teve seu clube de football, no início do século passado. O Villa Izabel F.C., mandava seus jogos em um campo que ficava dentro do que hoje se chama, recanto do trovador. Na altura, o espaço tinha sido recentemente desocupado pelo Zoológico da cidade. E por muitos anos, moradores e transeuntes, chamavam e por vezes ainda chamam a localidade, de antigo Zoo. O Parque Recanto do Trovador fica no fim da rua Visconde de Santa Isabel com a esquina da rua Barão de Bom Retiro.

O clube dos Raios de sol, como era apelidado o Villa Izabel Football Club, devido ao escudo, foi fundado em 2 de maio de 1912 e figurou entre os clubes mais proeminente da cidade, durante o fim da década de 1910 até meados dos anos de 1930. A partir de então, entrou em declínio, até fechar as portas e desaparecer de vez do cenário esportivo carioca.

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Vida Sportiva, Anno IV, n. 169, 20 de novembro de 1920. p. 1.

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Alguns anos mais tarde, em 1950, reuniam-se cerca de duzentos moradores locais de Vila Isabel, na residência de Nelton Xavier, a fim de comemorar os feitos obtidos pelas forças armadas brasileiras na Itália e em seguida fundar uma associação atlética com o nome do bairro. Este encontro se deu, no dia 8 de maio, o “dia da vitória”. Data que ficou marcada pelos aliados em 1945 no fim da segunda guerra. Entre os presentes, naturalmente haviam muitos militares. E depois de realizada uma breve oração em memória aos soldados que foram aos campos de batalha na Europa, foi declarada a fundação da Associação Atlética Vila Isabel, pelo então presidente de honra da mesma, General Zenóbio da Costa. Posto isto, foi implementada a diretoria que contou com: Presidente, Tenente Coronel Jaime Graça, 1º vice-presidente, o anfitrião Nelton Xavier e 2º vice-presidente, Tenente Coronel Drumond Franklin e para o cargo de secretário, Major Tomé da Silva.[ii]

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Emblemas disponíveis em: Camisas do Futebol Carioca / Auriel de Almeida – 1º ed- Rio de Janeiro: Máquina, 2014. e https://aavilaisabel.blogspot.com/

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O emblema da Associação Atlética Vila Isabel, faz efetivamente alusão ao antigo clube de futebol do bairro. Entretanto, não há nenhuma evidência de relação direta entre diretores ou sócios do Villa Izabell F. C., com os novos fundadores da Associação Atlética. A questão aí, parece mesmo de resgate de memória local.

Logo nos primeiros anos vida da Associação Atlética, o grêmio se destacou em inúmeras atividades esportivas e socias, tais como os concursos de Miss. O clube sediou por várias vezes, concursos de beleza, que recebiam candidatas de variados clubes da cidade. Como no caso do desfile das “Dez mais” dos clubes cariocas.[iii]  O “Miss Luzes da Cidade’’ em 1957.[iv] E outros eventos. Todavia, o ápice veio com os títulos de Miss Distrito Federal e posteriormente Miss Brasil, da sócia da AAVI, Vera Ribeiro. Vera, faturou o prêmio local, no ginásio da Maracanãzinho em junho de 1959.[v] Dias depois da vitória de Vera Ribeiro, o presidente da Associação Atlética da Vila, proclamou “A Vila não quer abafar ninguém, só quer mostrar que tem meninas também”.[vi] Assim, parafraseando o poeta Noel Rosa, na canção Palpite Infeliz.

Depois de conquistar o troféu de Miss Brasil, também no palco do Maracanãzinho, a candidata brasileira ganhou passagem para o concurso de Miss Universo em Long Beach, nos Estados Unidos da América. No evento internacional, Vera Ribeiro, terminou com o quinto lugar.[vii] Depois dela, outras sócias, viriam a triunfar nos desfiles de beleza, como o caso de Jane Macambira, Miss Guanabara de 1972 e Senhorita do Rio em 1970. A obra de Noel Rosa, continuaria presente nas frases que associavam as coisas do bairro. Na reportagem da revista Manchete de 1972, que publica a vitória de Jane, lê-se, o Feitiço da Vila, em referência a beleza da moça. [viii]

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Manchete, n.733, 7 de maio de 1966. p. 239

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O Vilinha, também organizou muitos eventos ligados a prática do vôlei, além de obter equipes que disputavam o campeonato citadino. Serviu a Federação Metropolitana de Vôlei e teve reconhecimento local por isso, como aponta o Jornal dos Sports em 27 de fevereiro de 1953. A matéria publica que na quadra da AAVI, será disputado um quadrangular, sob aprovação do diretor técnico da federação, Ary de Oliveira.[ix] Este torneio, ficou conhecido como “Copa FMV” e permaneceu sendo disputado na quadra da Associação da Vila Isabel. Na imagem abaixo, vamos observar uma fotografia da equipe juvenil da Associação Atlética Vila Isabel de 1953, em disputado do campeonato carioca da categoria.

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Jornal dos Sports, Anno XXIII, n.7.251, 19 de abril de 1953. p. 13.

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A quadra do clube “aviano’’ (outra alcunha da AAVI), também deu lugar a muitas atividades sociais, tais como bailes de carnaval, jantares dançantes com apresentações de cantores e cantoras de rádio, famosos à época, como Ângela Maria, nos anos de 1950.[x] Chegou a receber em 1980 em um festival, o Rei do Baião.  Luiz Gonzaga se apresentou no mesmo dia que, Emílio Santiago, Dicró, Nelson Cavaquinho e outros da música popular brasileira.[xi]

No futebol de salão, o clube conquistou o tricampeonato da Federação Metropolitana de Futebol de Salão em 1965 [xii] , revelou alguns jogadores para o futebol de campo, como no caso de Carlos Pedro do América Football Club, que havia sido campeão juvenil de futebol de salão pela AAVI em 1959.[xiii] Além de consagrar outros esportistas da cidade, como nas disputas de halterofilismo, chegando a ser naquele espaço conquistado o recorde brasileiro na posição horizontal, por Miguel Fustagno. O atleta alcançou a marca de 150 quilos na posição, superando a si mesmo com a anterior marca de 110 quilos.

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Manchete Esportiva, n.145, 30 de agosto de 1958, p. 13.

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Nos últimos anos, o clube vinha passando por inúmeras dificuldades financeiras, baixo numero de sócios e pouca adesão aos eventos esportivos e sociais realizados em sua sede. A história da Associação Atlética Vila Isabel, conta um pouco a história da nossa cidade. As novas formas de lazer, implementadas pelos prédios com estrutura de clube, shopping center, brinquedos eletrônicos etc. Demonstra também, sobretudo, o esvaziamento das elites locais, do poder de compra dos moradores de zonas mais afastadas da praia e do centro da cidade. Hoje, associar-se a um clube, é uma prática que poucos podem e se importam em fazer. Assim vão se fechando inúmeros clubes da zona norte carioca e de outras regiões menos abastadas. Fica a memória de quem viveu e a reflexão do que está por vir. Será que voltaremos a sentir a necessidade de associativismo local, ou o divertimento será só privilégio de algumas zonas da cidade?

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[i] Omar Jubran, Noel Pela Primeira Vez, 2000.

[ii] Diario de Noticias, Anno XX, n.8460, 23 de maio de 1950. p. 2.

[iii] O Cruzeiro, Ano XXXIII, n.13, 7 de janeiro de 1961. p. 18.

[iv] Manchete, n. 281, 7 de setembro de 1957. p. 18.

[v] Manchete, n. 375, 27 de junho de 1959. p. 8.

[vi] Manchete, n. 377, 11 de julho de 1959. p. 9.

[vii] Manchete, n. 733, 7 de maio de 1966. p. 241.

[viii] Manchete, n. 1.054, 1 de julho de 1972. p. 5.

[ix] Jornal dos Sports, Ano XXIII, n.7.208, 27 de fevereiro de 1953. p. 8.

[x] Revista do Rádio, n.516. p. 44.

[xi] O Pasquim, Ano XII, n.598, 12 a 18 de dezembro de 1980. p. 28.

[xii] Revista do Esporte, n. 368. p. 19.

[xiii] Revista do Esporte, n.239. p. 18.

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