Ah! A Copa no Brasil!

Resenha de The World Cup Chronicles: 31 Days That Rocked Brazil [i]

(Por Jorge Knijnik, Balgowlah Heights, Australia, Fair Play Publishing, 2018, 164 pp. (paperback), ISBN: 978-0-6481333-1-5)

por Tiago Fernandes Maranhão [ii]

Jorge Knijnik escreveu uma compilação interessante de crônicas analíticas sobre a Copa do Mundo de 2014 sediada no Brasil. A capa de The World Cup Chronicles mostra uma jovem negra controlando uma bola de futebol no ombro e tendo uma favela brasileira ao fundo. Prepara o público leitor para as contradições enfrentadas pelo país-sede daquele megaevento esportivo. O livro tem 28 crônicas e é dividido em três partes, oferecendo uma perspectiva histórica importante sobre as confluências de ‘imaginar, viver’ e compreender o ‘legado’ da Copa do Mundo de 2014. As crônicas de Knijnik percorrem um território familiar, mas trazem intencionalmente o que os estudiosos da história e das ciências sociais apontam como aspectos interdisciplinares de segregação, preconceito e participação cidadã. O livro é particularmente bom em cruzar os aspectos políticos da abordagem branqueadora e elitista do mais famoso campeonato internacional masculino quadrienal com a exclusão social e racial que permeia a sociedade brasileira.

O interesse provocador na análise das crônicas é notável. Não só na forma, mas também no conteúdo, reafirmando a qualidade indiscutível do livro. Knijnik faz um trabalho admirável ao analisar o quadro geral. O compromisso do autor com a coragem de não ser monótono não perde de vista nossas preocupações diárias com os grupos sub-representados, vulneráveis ​​e marginalizados. Um bom exemplo é a forma como Knijnik nos aproxima do caminho da realidade sem negar suas muitas contradições e complexidades. Por isso, a palavra trilha é apropriada, pois nos lembra dos perigos e incertezas ao analisar os fatos sociais. The World Cup Chronicles vislumbram um megaevento que segue esse caminho mais amplo de polêmicas que costuma ser uma realidade no esporte, analisando os aspectos que transformaram figuras como Pelé e Ronaldo ‘de orgulho nacional em anti-heróis’ (p. 28); bem como o tratamento conflituoso e oposto em favor da superestrela do futebol Marta, ou canalizado contra a presidente Dilma em uma sociedade ainda machista (p. 113; p. 142).

Outro ponto positivo deste livro é a análise de Knijnik – que permeia a primeira e a segunda partes do livro – de como o governo brasileiro vendeu a ideia de que os grandes eventos, especificamente a Copa do Mundo, seriam uma forma de reafirmar o desenvolvimento nacional e mostrar à comunidade internacional que O Brasil estava preparado para ser a próxima superpotência mundial. The World Cup Chronicles mostram que a proposta megalomaníaca de construir ou reformar 12 estádios de futebol para a Copa do Mundo de 2014 foi justificada pelo interesse da FIFA, de políticos brasileiros e de empreiteiros que buscavam lucrar com a corrupção de projetos de construção caros. Knijnik descreve como os interesses políticos e financeiros ditaram os termos diante das reivindicações da população brasileira por melhores condições de vida e justiça social. Os manifestantes se tornaram, nas palavras de Knijnik, ‘uma consciência coletiva’ inundando as ruas brasileiras como uma demonstração pública de desaprovação aos bilhões de dólares gastos em um torneio que forçou milhares de ‘brasileiros vulneráveis ​​a se mudarem de suas casas em nome dessa festa gigantesca’. p. 72)

Apesar do desastroso 7 x 1 na semifinal da competição, Knijnik destaca que houve “consequências muito piores” que os brasileiros tiveram de enfrentar após a Copa (p. 61). O Brasil está agora em uma situação econômica pior, experimentando o caos político e ainda está pagando pelos ‘elefantes brancos’ que o país construiu, como resultado do desperdício de dinheiro público e da ineficiência dos projetos de infraestrutura (p. 138). Knijnik fornece na terceira parte de seu livro um manancial de informações sobre como o Brasil convive com ‘o legado’ da Copa de 2014, ainda investigando a corrupção que favoreceu quem soube manipular o futebol como paixão nacional e capitalizar os laços sentimentais que uniam  a população brasileira a sua seleção. O grande destaque que The World Cup Chronicles traz é a reação popular contra a ilusão de que grandes eventos esportivos tentam vender e contra a manipulação do mito do ‘país do futebol’.

Knijnik nos guia pelas trilhas da complexa realidade social brasileira e sua intrincada relação com o futebol. A riqueza temática e a distribuição dos temas abordados no livro acompanham o prazer de comunicar o conhecimento. É evidente a preocupação do autor em aprofundar as mudanças e permanências da relação política e social que os brasileiros historicamente têm com o futebol. The World Cup Chronicles mostram a complexidade efetiva de um evento esportivo histórico e suas múltiplas possibilidades investigativas. A relação completamente entrelaçada entre o mundo dos negócios esportivos, a política, cultura e relações de poder – políticas ou simbólicas – está no cerne da narrativa de The World Cup Chronicles. As trilhas traçadas no livro explicam claramente a complexidade das lutas, das disputas e da vida lúdica dos torcedores durante a Copa, coexistindo com a morte de certos mitos fundadores do futebol brasileiro. A narrativa de Knijnik também traz, para um público mais amplo, o submundo frequentemente negligenciado da vida cotidiana brasileira, nos lembrando que os tempos históricos não são separados.

A extensa variedade de temas propostos por The World Cup Chronicles pode servir de ponto de partida para quem deseja desenvolver outras análises sobre os aspectos políticos, sociais e culturais do futebol no Brasil. Acessível, pesquisado e perspicaz, The World Cup Chronicles: 31 Days That Rocked Brazil mostra claramente a existência de diferentes formas de pensar e sentir sobre a Copa do Mundo de 2014, que negam a visão romântica de uma sociedade brasileira homogênea na forma de viver o evento. As Crônicas da Copa finalmente dão voz, com equilíbrio, à multiplicidade de visões e formas pelas quais esporte, política e cidadania se cruzam em um período de turbulência no Brasil. Apesar de olhar para o presente da Copa do Mundo de 2014, Knijnik mostra, de forma elegante, as dificuldades e conexões do passado político e social do futebol.


[i] Este texto foi publicado originalmente por Tiago Fernandes Maranhão (2021) no The International Journal of the History of Sport, DOI: 10.1080/09523367.2020.1867988

[ii] Tougaloo College, Jackson, MS maranhaotj@hotmail.com

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