Os “alemães” e os “outros”: os teuto-brasileiros e a exaltação dos valores germânicos no desenvolvimento esportivo de Porto Alegre no século XIX

Cleber Eduardo Karls
cleber_hist@yahoo.com.br

Não é novidade entre os historiadores do esporte que se debruçaram sobre o desenvolvimento esportivo do sul brasileiro no século XIX a relevante contribuição dos imigrantes germânicos, ou mesmo, dos teuto-brasileiros para a constituição de clubes e associações que tinham os esportes e as práticas corporais como finalidade . Naturalmente, existiram adventícios do velho continente por praticamente todo o território nacional que foram responsáveis por fundar uma série de agremiações. Com efeito, foi na capital mais meridional do Brasil que esta característica se apresentou de maneira marcante e determinante para a ampliação das atividades esportivas.

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Com este texto, buscamos tecer algumas considerações acerca de uma publicação realizada no jornal Gazeta da Tarde de Porto Alegre em 12 de agosto de 1895, assinado por G. H., que acreditamos ser Germano Hasslocher, redator do mesmo jornal e filho de imigrantes alemães. Hasslocher foi personagem de destaque na capital gaúcha. Advogado formado pela Faculdade de Recife (depois de ter passado por São Paulo), ele foi vereador, deputado federal e um dos líderes políticos mais ativos do Partido Republicano Rio-Grandense, tendo atuação marcada por suas posições liberais, abolicionistas, federalistas, anticlericais e pela defesa da liberdade de expressão, além, é claro, de figura destacada no cenário esportivo da capital do Rio Grande do Sul.

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Inicialmente, a publicação noticiou o ato do lançamento da pedra fundamental de construção do prédio da Sociedade Ginástica (Deutscher Turnverein), atual SOGIPA, fundada em 1867 por teuto-brasileiros, que ocorreu no dia anterior. Com efeito, não demorou para que as suas convicções acerca da importância dos princípios germânicos aflorassem e o seu texto se tornasse uma exaltação dos valores d´além-mar, como o próprio descreveu: “A educação física do homem é objeto de grande cuidado entre os alemães e isto tem sido uma das grandes causas da superioridade daquele povo, forte, robusto, sadio”. G.H. destacou a existência de uma grande quantidade de associações congêneres naquela capital que serviam, ao mesmo tempo, de “divertimento e com um fim útil”, todas elas “quase que puramente alemãs”.

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Imediatamente as comparações foram traçadas. Os “nossos” colegiais, de acordo com G.H., se referindo aos brasileiros, não fazem ginástica, mas em compensação “fundam jornais nos quais exibem-se ridiculamente, abordando assuntos mui distantes de sua competência”. É importante mencionar que “brasileiro” poderia ser uma referência genérica aos não teuto-brasileiros. “Alemães”, por sua vez, identificavam aqueles com descendência germânica, nascidos ou não na Europa.

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O jornalista ainda expõe que em Porto Alegre lhes faltava clubes de ginástica e esgrima, ao passo que “as sociedades dramáticas pululam e em cada canto da cidade temos uma associação bailante”. Uma formação física e moral de destaque dos jovens sulistas brasileiros passaria pela adoção dos padrões germânicos, como foi o demonstrado no evento retratado no periódico. Jovens “alegres, com as faces rosadas atestando saúde” que se satisfaziam mediante o progresso da sociedade que cultivava o princípio mens sana in corpore sano.

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Ao mesmo tempo em que criticava o “tipo nacional” e o rotulava como “raquítico, atrofiado, nada se fazendo para desenvolver o homem, educar-lhe o músculo”, também questionava: “Em que se entretém a nossa mocidade?” Na sua visão aqueles “não alemães” gastavam seu tempo circulando pelas ruas, enchendo as mesas dos cafés, discorrendo pedantescamente sobre artes, literatura e política e, nos finais de semana, frequentando os prados da cidade. Para G.H., a juventude tiraria mais proveito se passasse o domingo “em uma sala de ginástica ou esgrima, caminhando uma légua fora da cidade ou exercitando-se em esportes náuticos”.

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Por fim, numa franca declaração das suas predileções, Hasslocher questiona: “Por que não havemos de imitar os alemães e fundar associações como eles, úteis, práticas, destinadas a formar o homem e dar-lhe robustez física, perseverando nos nossos intentos como eles, progredindo sempre?”

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Esta publicação aqui trabalhada, se não traz uma massa de informações substanciais, aponta aspectos latentes do cenário esportivo porto-alegrense do século XIX que podem ser pensados como especiais na formação do campo esportivo. Este não é um caso isolado acerca das relações étnicas pulsantes na Porto Alegre oitocentista. Todavia, se apresenta enquanto um caso relevante, exposto em um periódico de considerável circulação e assinado por um importante personagem do ambiente esportivo, político e cultural do Rio Grande do Sul. Os jornais são espaços de legitimação de ideias e a cidade de Porto Alegre um rico ambiente de embates que são construídos através da suas especificidades.

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