Qual o primeiro clube de montanhismo do Brasil?

Cleber Dias

cleberdiasufmg@gmail.com

Praticantes brasileiros de montanhismo, especialmente os do Rio de Janeiro, costumam se referir ao Centro Excursionista Brasileiro, fundado em 1919, como a primeira e mais antiga associação desse esporte não apenas no Brasil, se não em toda a América do Sul. A informação é repetida em vários blogs, sites, listas de e-mails, reportagens da imprensa e até em livros. Mas seria correta tal informação?

ceb

Emblema do Centro Excursionista Brasileiro. Fonte: http://www.ceb.org.br/site/sobre/

De fato, o Centro Excursionista Brasileiro é a associação esportiva dedicada ao montanhismo ainda em atividade mais antiga do Brasil. Nenhuma outra associação dedicada a esse esporte criada antes manteve-se em funcionamento. É realmente notável a capacidade do CEB, como é geralmente chamado, ter-se mantido ativo por um período tão longo de tempo – que completa um século ano que vem (2019). Hurrahs ao CEB!

Todavia, antes dele, outras associações dedicadas ao montanhismo estiveram em atividade no país. A rigor, portanto, o CEB não foi o primeiro clube de montanhismo fundado no Brasil – o que pode soar um pouco frustrante a alguns de seus sócios.

Em outro post deste blog, eu já havia comentado como grupos carnavalescos, bandas de música, sociedades beneficentes ou clubes sociais organizavam regularmente passeios a pé pelas montanhas do Rio de Janeiro desde a década de 1870. Apesar de terem sido arranjadas por instituições diversas, alheias mesmo ao universo dos esportes, essas iniciativas têm a relevância histórica de terem inaugurado um modelo de organização de atividades de lazer na natureza que, grosso modo, seria adotado depois por vários clubes de montanhismo – inclusive pelo próprio CEB.

A partir dos primeiros anos do século 20, vários clubes esportivos promoviam atividades de “excursionismo”, que era a maneira usual como se referiam ao montanhismo naquela época. Não por acaso, como já anuncia obviamente o seu nome, o próprio CEB fora criado como um Centro dedicado ao “excursionismo”.

O “Atlético Club” e o “Centro de Cultura Física” estiveram entre as primeiras associações atléticas do Rio de Janeiro a organizarem excursões pedestres pelas montanhas da cidade nos primeiros anos do século 20. A regularidade dessas atividades, porém, era apenas eventual, já que o propósito principal desses clubes se endereçava a outras modalidades.

Apenas em meados da década de 1910, antes ainda da fundação do CEB, portanto, seriam criados os primeiros clubes totalmente voltados ao excursionismo.

O primeiro deles parece ter sido o “Centro dos Andarilhos do Brasil”, criado, ao que tudo indica, em meados de 1914. A partir dessa época, o Centro dos Andarilhos do Brasil começou a organizar regularmente uma série de atividades excursionistas. A primeira que temos notícias, mas que deve ter sido precedida por outras, é de uma travessia a pé entre o Silvestre e o Alto da Boa Vista. A excursão teria envolvido sete pessoas, numa jornada “agradável” e “feita em meio da mais franca alegria”, conforme noticiou o jornal O Paiz, “aguçada pela amena temperatura da floresta e pelo radiar de um morno e dourado sol de inverno”, concluiu.

O Centro dos Andarilhos do Brasil teria tido ainda uma sede na famosa Galeria Cruzeiro, na Avenida Rio Branco, de onde às vezes partiam algumas de suas excursões. Basicamente, suas atividades, cujos vestígios documentais desaparecem no primeiro semestre de 1916, geralmente envolviam excursões a pé até Santa Teresa, Alto da Boa Vista, “Serra da Tijuca”, Gávea, Leblon, Ipanema ou Jacarepaguá, às vezes com realização de churrasco e “chapas fotográficas”, e sempre buscando os “melhores pontos de vista”, com muita “alegria”, “familiaridade” e “bons espíritos”, conforme registraram notícias de jornais sobre tais atividades.

Galeria Cruzeiro - avenida Central

Galeria do Cruzeiro, na Av. Rio Branco, Rio de Janeiro, onde tinha sede o Centro dos Andarilhos do Brasil. Fonte: http://www.rioquepassou.com.br/2006/05/10/galeria-cruzeiro-interior-i/

No ano seguinte, em 1915, notícias sobre atividades organizadas por um tal “Centro Suíço de Excursões Pedestres”, cujo nome oficial, em alemão, era “Scheweizer Wandervogel Rio de Janeiro”, começariam a ser publicadas em diferentes jornais cariocas. Basicamente, as atividades desse centro de excursões consistiam em passeios a pé até o Pico do Andaraí, Alto da Boa Vista, Pico da Tijuca, Pedra Branca, Corcovado, Gávea ou Itacuruçá, praia da vizinha cidade de Mangaratiba, há mais de 90 quilômetros do centro do Rio de Janeiro (para onde provavelmente devem ter partido a pé desde a estação ferroviária de Santa Cruz).

A julgar pelo nome, o Centro Suíço de Excursões Pedestres era uma espécie de extensão do movimento jovem Wandervogel, criado na Alemanha na transição entre os séculos 19 e 20, cujo fundamento era buscar um ideal de vida simples, através de longas caminhadas e acampamentos na natureza.

wandervogel

Caminhada na natureza na Alemanha em princípios da década de 1920 (Arquivo der Deutschen Jugendbewegung). Fonte: John Alexander Williams. Turning to Nature in Germany: Hiking, Nudism, and Conservation, 1900-1940. Stanford University Press, 2007.

Antes ainda do CEB, houve também o “Raid Club”, o “Tourist Club” e o “Andarilhos Brasileiros” (que não está claro se tinha ligações com o Centro dos Andarilhos do Brasil). Em comum, todos parecem ter tido sempre vida curta, nunca excedendo dois ou três anos de existência, apesar do eventual dinamismo com que organizaram suas ações no período em que estiveram ativos.

De todo modo, com muito ou pouco dinamismo, não é apropriado confinar a memória de um esporte apenas às instituições que sobreviveram à prova do tempo. Os perdedores ou os malsucedidos, afinal, também desempenham papéis importantes na evolução de fenômenos históricos. Hurrahs, então, aos antecessores do CEB!

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